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Revista Educação em Questão

versión impresa ISSN 0102-7735versión On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.58 no.56 Natal abr./june 2020  Epub 11-Ago-2021

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2020v58n56id20853 

Artigos

A educação de meninos na Amazônia: o caso do Instituto Orfanológico do Outeiro, Belém/PA (1903-1913)

The education boys in the Amazon: the case of the Instituto Orfanológico do Outeiro (Orphans Institute of Outeiro island), Belém city, state of Pará (1903-1913)

La educación de los niños em la Amazonía: el caso del Instituto Orfanológico do Outeiro (Instituto de Huérfanos de la isla de Outeiro), ciudad de Belém, estado de Pará (1903-1913)

Welington da Costa Pinheiro1 
http://orcid.org/0000-0002-6717-2013

Laura Maria da Silva Araújo Alves2 
http://orcid.org/0000-0003-2936-605X

1Universidade Federal do Pará (Brasil), Instituto de Ciências da Educação, Faculdade de Educação Física

2Universidade Federal do Pará (Brasil), Instituto de Ciências da Educação, Programa de Pós - Graduação em Educação – PPGED/UFPA


Resumo

O presente artigo objetiva analisar as práticas educativas desenvolvidas no Instituto Orfanológico do Outeiro. Esta foi uma instituição de destaque no atendimento e educação da infância pobre no período de 1903-1913, na Amazônia paraense. O estudo, do tipo documental, se insere no âmbito da história das instituições educativas. As fontes da pesquisa foram o impresso A Província do Pará, Mensagem dos Governadores do Pará e ofícios, portarias e relatórios do estabelecimento investigado. Estas foram analisadas à luz da teoria discursiva bakhtiniana, com foco na categoria discurso ideológico. Os resultados apontaram que a educação oferecida no Orfanológico era fundamentada em uma rígida organização do tempo/espaço e composta por práticas educativas que intencionavam formar cidadãos civilizados, disciplinados, patrióticos e saudáveis, dando um “bom” destino à infância pobre na Amazônia, considerada, segundo discurso da época, como bruta, incivilizada e rude, necessitando de investimento para, assim, ser útil à sociedade.

Palavras-chave: Meninos órfãos e desvalidos; Infância na Amazônia; Instituição educativa; Práticas educativas

Abstract

The present article aims to analyze the educational practices developed at the Instituto Orfanológico do Outeiro (Orphans Institute of Outeiro island). This was a prominent institution in the care and education of poor childhood, in the period from 1903-1913 in the Amazon portion of Pará. The study, of documentary type, is inserted within the scope of the history of educational institutions. The sources of the research were the journal A Província do Pará (The Province of Pará), Message of the Governors, as well as circular letters, ordinances and reports from the investigated institution. These were analyzed in the light of Bakhtinian discursive theory, focusing on the ideological discourse category. The results showed that the education offered in the Institute was based on a rigid organization of time/space and composed of educational practices that intended to form civilized, disciplined, healthy and patriotic citizens, giving a “good” destiny to poor children in the Amazon, considered, according to the discourse of the time, as brute, uncivilized and rude, needing investment to be useful to society.

Keywords: Orphans and underprivileged boys; Childhood in the Amazon; Educational institution; Educational practices

Resumen

El presente artículo tiene como objetivo analizar las prácticas educativas desarrolladas en el Instituto Orfanológico do Outeiro (Instituto de Huérfanos de la isla de Outeiro). Esta fue una institución prominente en la atención y educación de los niños pobres en el periodo de 1903 – 1913 en la Amazonía de Pará. El estudio, del tipo documental, se inscribe al ámbito de la historia de las instituciones educativas. Las fuentes de la investigación fueron lo impreso A Província do Pará (La provincia de Pará), Mensaje de los Gobernadores del estado de Pará y cartas, ordenanzas e informes del establecimiento investigado. Estos fueron analizados a partir de la teoría discursiva de Bakhtin, con un enfoque en la categoría del discurso ideológico. Los resultados indicaron que la educación ofrecida nel Instituto se basó en una rígida organización del tiempo / espacio y se compuso de prácticas educativas que tenían la intención de formar ciudadanos civilizados, disciplinados, patrióticos y saludables, dando un “buen” destino a los niños pobres de la Amazonía, considerados, según el discurso de la época, como brutos, incivilizados y groseros, que necesitaban de inversión para ser útiles a la sociedad.

Palabras clave: Niños huérfanos y desfavorecidos; La infancia en la Amazonía; Institución educativa; Prácticas educativas

Introdução

O Instituto Orfanológico foi uma instituição, em regime de internato, destinada ao atendimento e à educação de meninos, no início do século XX, foi uma das primeiras instituições a atender crianças do sexo masculino menores de doze anos de idade. Caracterizou-se como um estabelecimento muito divulgado na sociedade paraense por parte de seus criadores, referenciado como um internato ideal para proteger e cuidar da infância pobre na Amazônia.

No contexto de criação do Orfanológico, a cidade de Belém, estado do Pará, viveu um momento histórico de consideráveis alterações econômicas, políticas, sociais e culturais, quando a Amazônia foi inserida na economia mundial, em decorrência da exportação da borracha. A capital transformou-se no principal porto de escoamento da produção gomífera para vários países a partir da segunda metade do século XIX.

Os lucros advindos dessa conjuntura econômica contribuíram para promover modificações profundas no contingente populacional. Nesse contexto, o Pará cresceu em número considerável de habitantes, já que muitos imigrantes vieram trabalhar nas atividades vinculadas à extração do látex. O espaço urbano também foi alterado, uma vez que a riqueza produzida permitiu a arborização de vias, a construção de praças, a pavimentação de avenidas, a iluminação elétrica, o serviço de bondes, a limpeza pública, a construção de palacetes, de quiosques, entre outros (DAOU, 2004).

As alterações urbanísticas e sanitárias pelas quais a capital paraense foi submetida acompanharam uma discussão em nível nacional que depositava o caminho para o progresso e civilização na remodelação de hábitos e costumes sociais. Nesse período, Belém sofria com muitas mazelas relacionadas à saúde e à habitação, mas recebeu investimentos no sentido de acabar com a imagem de cidade insalubre, desordenada e feia, na intenção de transformá-la em uma “Paris na América”. Tomaram-se as metrópoles europeias como modelo de civilidade, modernização, requinte e beleza, expressando o que se denominou de Belle Époque paraense (SARGES, 2010).

Esse cenário foi sobretudo favorável às camadas mais ricas da sociedade paraense, constituindo a chamada “elite da borracha”, que enriqueceu, tomou gosto pelos produtos estrangeiros e adquiriu hábitos europeus. Por outro lado, a população pobre não se beneficiou diretamente como os ricos. Na realidade, as alterações desse processo intenso, pelo qual Belém passou, implicaram na expulsão dos menos favorecidos das regiões centrais da cidade, que precisavam ficar bonitas, logo, habitações fétidas e imundas não faziam parte desse cenário (SARGES, 2002).

O momento histórico pelo qual a Amazônia passou, destacando-se, sobretudo, os estados do Pará e Amazonas, ainda favoreceu a circulação de muitas ideias, pensamentos e discursos de natureza artística, educacional científica, literária, social, entre outros, em virtude da relação estabelecida entre a região amazônica e as principais capitais do Brasil e da Europa.

O Instituto Orfanológico do Outeiro foi concebido em decorrência desse contexto. A opulência, refinamento, requinte, limpeza e modernização eram aspectos que teriam levado à fundação do estabelecimento. A instituição, pelas peculiaridades do público atendido e por seu projeto formativo, tem uma significativa representatividade para a história da Educação da Amazônia paraense. Nesse sentido, este texto objetiva analisar as práticas educativas desenvolvidas no Instituto Orfanológico do Outeiro.

O artigo se insere no âmbito da história das instituições educativas que se referem a estabelecimentos educativos nos quais são desenvolvidos processos formativos que vão além da dimensão escolar, caracterizando-se como espaços que realizam diversas formas de transmissão cultural (CASTANHO, 2008). Tem como contexto a região amazônica da primeira década do século XX, que vivia um momento de efervescência cultural, econômica e educaciona nunca vistos em sua constituição histórica.

Este estudo consiste em uma pesquisa documental, cujo corpus foi constituído, principalmente, por notícias do jornal A Província do Pará, Mensagem dos Governadores do Pará, ofícios, portarias e relatórios do Instituto Orfanológico do Outeiro. Para fins de análise, recorreu-se à perspectiva discursiva do pensador russo Mikhail Bakhtin que postula que todo discurso é ideológico, pois não se realiza no “vazio”, mas em uma realidade viva, concreta e entrelaçada por outros discursos anteriores, porque a “palavra” não tem autor, “ela é de ninguém” (BAKHTIN, 2004, p. 289). Assim, as teorias de Bakhtin permitem que os documentos analisados sejam compreendidos como textos permeados por discursos que refletem aspectos culturais, históricos, ideológicos, políticos e sociais do contexto em que foram enunciadas.

A criação do Instituto Orfanológico do Outeiro

O Instituto Orfanológico do Outeiro tem sua origem demarcada a partir da uma lei do ano de 1903, elaborada por Antônio Lemos (1843-1913), à época intendente de Belém e expoente figura da cena política paraense. Lemos autorizou a criação de um orfanato destinado a receber 100 meninos, na faixa etária de cinco a oito anos de idade, que fossem desvalidos e órfãos de pai, a fim de fornecer assistência, proteção e ensino (LEI nº 850, 1903).

O estatuto regimental ficou a cargo do governo do estado, que também se ocupou de fazer a gestão do estabelecimento. Nessa instituição educativa, o estado assumiria a responsabilidade dos educandos, em caso de desistência dos pais ou tutores, que passariam à categoria de seus pupilos, assim sendo, teriam direito sobre os meninos até que completassem a formação proposta no Orfanológico. Essa apropriação de crianças pelo estado, tornando-os sua posse para receberem cuidado e educação, reflete um dos principais aspectos da chamada “cultura de internar” (RIZZINI; RIZZINI, 2004) que permeou a história da assistência à infância no Brasil. A alternativa encontrada por muitos governantes para atender à infância pobre era inserir sob sua guarda meninos e/ou meninas em instituições específicas para abrigá-los e instruí-los.

O Instituto Orfanológico foi instalado no prédio de uma antiga hospedaria, construída para receber imigrantes em Outeiro, criada em meados do século XIX como parte do processo de colonização pela qual passou o Pará nesse período. A ilha de Outeiro, ou de Caratateua, como também é chamada, faz parte do arquipélago de Belém, situando-se a 20 quilômetros da capital, compondo a região nordeste do estado do Pará. A ilha é constituída de igarapés, praias e extensas áreas de vegetação típicas da Amazônia que fazem dela um local aprazível e salubre.

Mattoso (1907) afirma que umas das intenções para a idealização do Orfanológico foi a carência de uma instituição que atendesse a imensa quantidade de crianças do sexo masculino que precisava de amparo e asilo no Pará dos anos de 1900. A única que se destacava era o Instituto Lauro Sodré, também denominado de Escola Profissional, que consistia um espaço que poderia servir para esse fim, mas somente aceitava meninos acima de onze anos de idade para a formação para o trabalho. Por isso, a criação de um instituto específico para esse fim era uma demanda considerada necessária.

O Orfanológico foi de fato fundado pelo Decreto nº 1320, de 14 de julho de 1904, baixado pelo então governador do estado do Pará, Augusto Montenegro (1867-1915), um dos importantes homens da história política paraense e aliado político de Antônio Lemos. À Época, chegou a ser considerado pelo governo como um relevante serviço prestado à instrução pública do estado, feito que foi comparado à realização de outros investimentos na Amazônia, impulsionados por essa gestão. Entre eles, a elaboração e organização geral do ensino primário paraense, a criação de grupos escolares, da escola de Pharmacia e da Faculdade de Direito (NOTICIÁRIO, 1904).

Nesse primeiro momento, o Instituto foi pensado para atender 50 internos, metade de sua capacidade idealizada, pois muitas reformas e ampliações necessitavam serem feitas para o seu funcionamento integral. Para esse início, o governador publicou um edital convocando possíveis interessados a ingressarem no estabelecimento. Também expediu circulares aos intendentes municipais para que selecionassem e apresentassem nomes de meninos que estivessem em consonância com o perfil dos educandos para integrarem o Instituto dentro dos respectivos municípios amazônicos. Para tanto, os meninos deveriam: “Ser orphão de pae provadamente desvalido; Ter bôa saúde, ser vacinado e não soffrer moléstia contagiosa; Ser maior de cinco annos e menor de oito” (ESTATUTO GERAL DO INSTITUTO ORFANOLÓGICO, 1904, p. 3).

O primeiro edital de convocação dos interessados em matricular meninos na instituição circulou no dia 17 de julho de 1904, no Diário Oficial do Estado do Pará. Em dezembro desse mesmo ano, convocou-se “[...] paes, tutores ou protetores a requererem a admissão dos cinquenta primeiros educandos do Orfanológico, cuja solicitação de ingresso foi deferida” (CHAMADA INSTITUTO ORFANOLÓGICO DO OUTEIRO, 1904, p. 7).

A inauguração oficial do Instituto aconteceu no dia 31 de julho de 1906 e foi bastante divulgada na imprensa paraense, principalmente pelo jornal A Província do Pará que mantinha afinidade política com o governo de Augusto Montenegro, já que o redator chefe do periódico era Antônio Lemos. Nos dias que antecederam a sua inauguração, o Orfanológico foi destaque nas páginas desse impresso, considerado uma das mais relevantes e promissoras obras para a infância desvalida e para a educação da Amazônia, prestando, assim,“[...] socorro à infância desvalida que em seu hospitaleiro tecto, que encontra as commodides que jamais poderia encontrar em qualquer estabelecimento de ensino [...]” (LEMOS; LEMOS, 1906, p. 1).

No dia 1° de agosto de 1906, o jornal A Província do Pará publicou uma extensa notícia sobre a inauguração do Instituto Orfanológico do Outeiro, estampando boa parte da sua primeira página com o acontecimento. Nela, são descritos e relatados, de maneira detalhada, os momentos centrais que fizeram parte da inauguração da instituição. Foram descritas a formalidade com que foram recebidas as autoridades para a cerimônia, as pessoas que aguardam a comitiva vinda de Belém para a ilha de Outeiro, o número de educandos presentes, a maneira como estavam dispostos e a homenagem que fizeram na chegada das ilustres figuras ao Instituto (LEMOS; LEMOS, 1906)

Nos anos que se seguiram à inauguração e implantação do Orfanológico, as mensagens governamentais dirigidas à Assembleia Legislativa do Estado do Pará evidenciam alguns aspectos da dinâmica, funcionamento e estrutura da instituição educativa. Tais documentos, intencionavam dialogicamente estabelecer a comunicação com a sociedade Circulavam, inclusive na imprensa escrita, discursos ideológicos permeados por vozes que buscavam mostrar ao “Outro” (BAKHTIN, 1997) o quanto o Instituto Orfanológico era uma iniciativa governamental relevante, organizada, disciplinada e eficiente na sua visão. Portanto, visavam construir um diálogo a fim de convencer os “Outros” da suposta grande ação empreendida na Amazônia.

No ano de 1907, por exemplo, informa-se que o Instituto Orfanológico do Outeiro continuava a prosperar, que já contava com o número de 110 alunos, faltando ainda 40 para completar o número de matrículas permitidas e que 8 alunos seriam encaminhados para o Instituto Lauro Sodré. Nesse mesmo documento, o governador diz que em sua última visita ao Instituto constatou pessoalmente “[...] o progresso que fazem os alumnos, a disciplina, a ordem e hygiene que reinam no estabelecimento [...]” (MENSAGEM GOVERNAMENTAL, 1907, p. 38), princípios esses caros aos discursos que subsidiavam o modelo de instituições para a infância ao fim do século XIX e início do XX.

Já no ano de 1909, o governo do estado enfatizou que ainda conservava no Instituto um número limitado de educandos, igual a 100, apesar da estrutura já estar apta para abrigar mais 50 meninos e, assim, atingir a sua capacidade total. Mas se mantém desse jeito, pois “[...] as finanças não aconselham ainda attingir este último número, embora sobrem candidatos à admissão [...]”. Além disso, ressalta que “[...] o estabelecimento mantém-se em bôas condições, sendo lisonjeiras as impressões colhidas quando pessoalmente o visitei [...]”. No que tange ao progresso dos alunos, verificou-se que passaram para o Instituto Lauro Sodré “[...] 9 alumnos que concluíram o curso de ensino e atingiram a edade legal para a admissão n’este” (MENSAGEM GOVERNAMENTAL, 1909, p. 29).

A mensagem do governador João Coelho, referente ao ano de 1910, informou que nada de anormal havia se passado no cotidiano do Instituto, que continuava a contribuir animadoramente para a educação dos menores de 6 a 9 anos, “[...] filhos de Paes pobres ou órfãos, que, a falta de recursos, vêm pedir a tutela do Estado os elementos que, mais tarde, os tornem cidadãos úteis a communhão social” (MENSAGEM GOVERNAMENTAL, 1910, p. 62). Ao destacar nessa mensagem a intenção de fazer das crianças internadas futuros cidadãos úteis fica implícito o discurso ideológico, na voz do poder público, que afirma que é por meio da escola, nas suas ações que visam a difundir valores e normas sociais, que se forma o caráter a partir de princípios civilizatórios e patrióticos, contribuindo para salvar crianças pobres e desvalidas e lhes propiciar possibilidades de um “bom destino”.

Esse discurso expressa a própria concepção de infância pobre dessa época, de um ser moldável que necessitava de investimentos para não se tornar um prejuízo ao estado. De outra forma, se tornar alguém que auxilie no desenvolvimento da nação, principalmente, pela via do trabalho, que nesses empreendimentos educacionais delineava-se como o meio mais eficaz de prevenir, regenerar e reintegrar crianças e jovens na sociedade, em um mundo que se modernizava e que cada vez mais era dominado pelas oficinas, fábricas e indústrias (CÂMARA, 2007).

Nesse mesmo ano, uma mensagem aponta que, salvo pequenos reparos determinados pela necessidade da conservação do vasto edifício que ocupa, “[...] não havia nenhuma outra despesa, não prevista no orçamento, foi alli feita, e a vida interna do collegio tem defluído a contento do público [...]” (MENSAGEM GOVERNAMENTAL, 1910, p. 62). No que tange à verba destinada ao seu custeio, o Instituto apresentava uma considerável receita, distribuída entre os gastos com alunos, empregados e serviços para a manutenção do estabelecimento.

O governo do estado, por meio de mensagem no ano de 1911, informou que o Instituto caminhava em situação lisonjeira, que sua instalação material se encontrava bem cuidada, nada faltando para que o ensino e a educação fossem vantajosamente proporcionados aos educandos. Além disso, comunicava que 19 educandos, por terem completado o curso primário elementar, ministrado em “[...] três cadeiras e regida por professores normalistas, ao terem alcançado a idade máxima de doze anos estabelecida pelo regulamento do Orfanológico, foram transferidos ao Instituto Lauro Sodré” (MENSAGEM GOVERNAMENTAL, 1911, p. 34).

A mensagem, referente ao ano de 1912, comunica que o “[...] Instituto Orfanológico do Outeiro se mantinha em boas condições, funcionando com regularidade as aulas do curso elementar” (MENSAGEM GOVERNAMENTAL, 1912, p. 36). E que 18 alunos do internato, que concluíram o ensino elementar e atingiram a idade limite de internato no corrente ano, passaram para o Instituto Lauro Sodré, onde iriam concluir o ensino primário e iniciar o ensino técnico.

O Instituto mudou de denominação no ano de 1913, pois logo ao assumir o governo do estado, Enéas Martins (1872-1919) teve como um dos principais atos baixar o Decreto de 01 de fevereiro de 1913, mandando modificar o nome do Instituto Orfanológico do Outeiro, para Instituto Orfanológico João Coelho, em homenagem ao seu antecessor na direção do governo paraense, João Antônio Luís Coelho (1852-1926)(RELATÓRIO DO INSTITUTO ORFANOLÓGICO JOÃO COELHO, 1913, p. 1).

Ainda em 1913, ocorreu o encerramento das atividades do Instituto Orfanológico como consequência da mudança de perspectiva da legislação educacional à época que, em virtude do declínio da produção e exportação da borracha amazônica, demandou do governo do estado propor investimentos para desenvolver e expandir a produção agrícola, instituindo assim o ensino agrícola na Amazônia.

O prédio do Orfanológico, via Projeto de Lei, passou para o governo federal para nele ser criada uma estação experimental para a produção e beneficiamento de sementes e mudas (LEI N° 1.360, NOVEMBRO, 1913). Os educandos, por sua vez, foram transferidos para o Instituto Lauro Sodré que necessitou fazer ajustes para receber alunos em uma faixa etária inferior e diferente ao ensino ali oferecido.

O Ensino no Instituto Orfanológico do Outeiro

O Instituto Orfanológico do Outeiro oferecia o ensino primário elementar, destinado às crianças a partir dos seis anos de idade, era dividido em três anos, segundo o regulamento da instrução pública paraense de 1903 (REGULAMENTO GERAL DO ENSINO PRIMÁRIO, 1903). O primeiro ano correspondia à escola infantil, uma inovação até então no ensino público paraense, na qual os meninos aprendiam as “lições da carta de A. B. C.” (INSTITUTO ORFANOLÓGICO. OFICIO, 1910). Já no regulamento de 1910, subdividia-se em quatro anos que se denominavam primeira, segunda, terceira e quarta “escholas.”

O tempo e a rotina dos educandos norteavam-se pelo horário geral do Instituto (quadro 1) que delimitava todas as atividades e práticas educativas diárias, como despertar, banho, café, aulas, recreios, ginástica, almoço, estudo, jantar e dormitório. A rotina da instituição se organizava de modo preciso, e deveria se desenvolver eficientemente, por meio da intervenção dos funcionários do estabelecimento, respeitando a ordem e o horário de cada momento da dinâmica institucional dos meninos que precisavam realizá-la de maneira disciplinada e obediente.

Quadro 1 Horário Geral do Instituto Orfanológico do Outeiro (1911) 

Atividade Horário
Despertar 5 ½
Asseio Das 5 3/4 às 7h
Café 7 às 7 1/2
Recreio 7 1/2 às 8h
Aula 8 às 10h
Banho (maiores) 10 às 11h
Almoço Das 11 ao meio dia
Recreio Do meio dia às 1 1/2
Asseio 1 1/2 às 2h
Aula Das 2 às 4h
Banho (menores) Das 4 às 5h
Jantar Das 5 às 5 3/4 h
Recreio Das 5 3/4 às 6 1/2
Estudo Das 6 1/2 às 7 1/2
Dormitório 7 3/4
Silêncio 8h
Observações

Pela manhã: recreio e toilette

Pela tarde: dás 2 às 4 h – aulas de instrução moral e cívica

Dias de banho: segundas, quartas e sextas feiras

Gynástica Sueca:1/2 h todos os dias

Nos sábbados à tarde – lavagem e asseio das aulas, salões e corredores

Nas segundas feiras pela manhã – lavagem dos dormitórios.

Fonte: Portaria nº 15, 24 ago. 1911.

O cronograma das ações e das práticas cotidianas dessa instituição educativa, como se pode notar, estruturava-se na intenção de preencher os dias dos alunos com a programação proposta, mas com a preocupação de equilibrar as atividades, alternando momentos de aulas com os de recreios. Tal disposição convergia com as indicações médicas de que as crianças não poderiam ser submetidas a horas intensas de estudos, o que implicaria no mau aproveitamento na aprendizagem e no seu desenvolvimento.

A distribuição dos tempos escolares organizados de modo a não causar fadiga nas crianças, segundo Vago (2007, p. 288), foi motivo de preocupação à época. Era fundamentada e difundida a partir de congressos sobre higiene escolar em diversos países europeus desde as últimas décadas do século XIX, nos quais se divulgavam discursos que defendiam a necessidade de combinar e variar as atividades em função de sua dificuldade, “[...] características e faculdades requeridas, não permitindo que o cansaço e o tédio dominassem as crianças [...]”.

No horário apresentado no quadro 2, nota-se que cada sessão do recreio correspondia ao tempo de trinta minutos, o que não constava da legislação do ensino de 1903 que determinava um intervalo de apenas quinze minutos destinado ao recreio dos alunos. O período destinado ao recreio servia para múltiplas finalidades: descanso, ginástica, jogos e brincadeiras. Esse tempo-espaço tinha, sobremaneira, a educação do corpo infantil.

Quadro 2 Horário de aulas do Instituto Orfanológico (1910) 

Ano Manhã Tarde
1º anno

1º hora: dictado, correção e escripta

2°hora: Língua Portuguesa – leitura, exercício oral e escripto.

1ª hora: Arithmética – exercício oral e escripto

2ª hora: Geografia e Desenho

2º anno

1ª hora: Arithmética – exercício oral e escripto

2ª hora: Língua Portuguesa – leitura, exercício oral e escripto

1ª hora: Arithmética – exercício oral e escripto

2ª hora: Geografia e Desenho

3º anno

1ª hora: Arithmética – exercício oral e escripto

2ª hora: Língua Portuguesa – leitura, exercício oral e escripto

1ª hora: Arithmética – exercício oral e escripto

2ª hora: Geografia e Desenho

4º anno

1ª hora: Arithmética – exercício oral e escripto

2ª hora: Geografia e Desenho

1ª hora: Arithmética – exercício oral e escripto

2ª hora: Geografia, História e Desenho

Observações

Na primeira aula (3º e 4º anno) o exercício será ministrado simultaneamente, em turnos, para maior facilidade das explicações da professora.

Depois das aulas da manhã, antes do banho, haverá meia hora de exercício de gynástica sueca – das 9 1/2 às 10 horas.

Nas 5ª feiras: pela manhã composição e lição de coisas e a tarde exercício de redação, zoologia e botânica.

Nos sábados à tarde: calligraphia (recapitulação das matérias estudadas durante a semana).

Fonte: Portaria nº 22, de 04 de julho de 1910.

O tempo total de aula deveria obedecer, oficialmente, à duração de três horas e trinta minutos começando às oito e terminando às onze e trinta. Os alunos na faixa etária de seis a sete estariam sujeitos aos exercícios escolares durante as três primeiras horas de trabalho ficando ao prudente arbítrio do professor as exceções que convenha estabelecer (DÁ NOVA ORGANIZAÇÃO AO ENSINO PRIMÁRIO, 1910).

Nota-se que o horário das aulas seguia uma disposição bem específica, conforme o quadro 2, com dias e tempos determinados para as práticas educativas e os conteúdos do ensino elementar propostos pelo Programa Oficial de Instrução do Estado do Pará. Diferentemente do Programa de 1903, o de 1910 se apresentava ampliado, com a indicação mais precisa dos conteúdos. Se estruturava com conhecimentos de Língua Portuguesa, Arithmética, História, Geografia, Desenho e Lição de Coisas, que deveriam ser ministrados nos turnos da manhã e da tarde. Além de noções de Botânica e Zoologia e de Ginástica Sueca.

O “méthodo intuitivo” era o recomendado para nortear o ensino que partia do concreto para a abstração do conteúdo a ser aprendido pelos educandos, por meio de objetos como caixas, gravuras, formas geométricas e coloridas, entre outros, e dos sentidos para a produção da ideia a ser repassada/assimilada. Para tanto, os sentidos deveriam ser educados visando à obtenção do conhecimento desejado, o que contribuía para que se passasse do plano da intuição dos sentidos para o intelectual.

As Lições de Coisas consistiam no procedimento de aplicação do método intuitivo ao longo da formação elementar dos meninos. Abrangiam, segundo Valdemarin (2004), as funções de: direcionar o aluno a adquirir uma ideia abstrata, mediante a apresentação de um objeto concreto; educar pelos cinco sentidos levando o educando a ver, observar, tocar e discernir as características de certos objetos; e demonstrar o conhecimento e fatos utilizando elementos referentes à natureza e à indústria buscando o aprendizado da coisa, o nome de um fato e sua expressão, um fenômeno e seu determinante.

As Lições de Coisas não se caracterizavam enquanto uma disciplina escolar, pois abrangiam conhecimentos diversos, no entanto, apresentavam momentos específicos para a sua realização. No Instituto Orfanológico, aconteciam às quintas-feiras pela manhã, todos os dias letivos, no horário de distribuição das disciplinas de 1911.

A Língua Portuguesa se consistia em uma disciplina escolar que era de estimada importância pela direção do Orfanológico, posto que os educandos precisavam “[...] ser bem ensinados pelos professores em virtude de ser pela leitura e escrita que a formação e progresso dos meninos internados pode ser logo percebida [...]”, pontuou o diretor na Portaria n. 11, de 22 de agosto de 1911, que tratava de informar como deveria ser a distribuição das disciplinas nos horários de aulas do estabelecimento.

Nessa direção, os documentos oficiais da instrução destacavam, que, nessa disciplina, os docentes deveriam “[...] cuidar por exercícios systemáticos de invenção e composição, de fazer que o alumno falle e escreva corretamente a sua língua” (DÁ NOVA ORGANIZAÇÃO AO ENSINO PRIMÁRIO, 1910, p. 45). Na escola primária, a caligrafia configurou-se como atividade educativa que moldava comportamentos. “Escrever com correção e letra legível (preferencialmente cursiva em com traços elegantes) é demonstrar a posse de uma cultura erudita” (SOUZA, 2009. p. 109).

O desempenho dos alunos, nos estudos da língua materna eram avaliados tanto nos exames quanto nas apresentações feitas na presença de autoridades políticas e de ilustres personalidades da sociedade paraense à época. Ao visitarem o estabelecimento, se impressionavam com as performances dos meninos no que dizia a respeito à leitura, prosódia declamação e dramatização de poemas e peças, “[...] em que os educandos recebiam estrondosos aplausos pela sua desenvoltura nas apresentações solenes” (LEMOS; LEMOS, 1909, p. 1).

As lições de escrita e operações numéricas dos alunos eram tomadas pelos inspetores do Instituto Orfanológico em certas ocasiões, conforme ilustra a Portaria nº 13, de 3 de março de 1910, na qual o diretor do estabelecimento, Manuel Manços da Silva Villaça, mandou designar que ficaria a cargo do “[...] inspector Euclides Buarque Lima, a aula da manhã da 1ª eschola, a qual deverá os meninos escrever, tomando as suas licções. A aula da tarde, na qual os alumnos mais adiantados devem estudar tabuada e fazer exercícios de conta, fica a cargo do inspector Arthur Ribeiro.”

A instrução moral e cívica, ministrada aos domingos e feriados à tarde, conforme o horário geral da instituição (quadro 1) também assumia um papel relevante na formação dos educandos, fazendo-se presente na rotina do Orfanológico. Tornou-se um meio para ensinar valores e sentimentos que fizessem dos alunos cidadãos úteis a si, aos outros e à pátria. Tais conhecimentos fariam com que os vícios fossem “[...] arrancados dos corpos das crianças, para neles implantar civilidade. ‘Destinada a dirigir a conducta dos meninos’, a inspirar-lhe bons hábitos e cumprimento do dever [...]” (VAGO, 2007, p. 293).

Nas aulas, eram abordados temas como a família, respeito e obediência filiar, união e auxílio entre os irmãos; deveres para com os mestres; respeito e dedicação para com os amigos; polidez para com os domésticos, entre outros. O professor deveria empregar “[...] todo o seu intelligente esforço para – por meio de exemplos, - conseguir fixar no caracter e na memória affectiva das crianças esses deveres e essas affeições” (DECRETO Nº 1695, DE 30 DE MAIO DE 1910, p. 2).

Nas práticas educativas do Orfanológico, também buscava-se incutir condutas e comportamentos, principalmente, os importados da Europa, considerados necessários à infância amazônica, sobretudo, à das camadas menos favorecidas que recebia a alcunha de bruta, rude e selvagem pressupondo que os hábitos e costumes das crianças precisavam de uma educação para serem civilizados e, assim, mais facilmente moldados (DUARTE, 2015).

Logo, direcionar e controlar o modo de sentar, andar, agir, falar, comer, vestir etc., como acontecia nos vários espaços do Orfanológico, conforme mencionam muitos de seus documentos, caracterizavam-se como questões importantes para a constituição de um corpo obediente e disciplinado de meninos de origem indígena, mestiça, cabocla, entre outras, que constituíam e constituem a população amazônica. Implantar essa ideia de civilidade nas crianças pobres consistia um discurso ideológico intensamente veiculado pela elite, igreja e estado, que promoviam, dialogicamente, um entrelaçar de vozes discursivas (BAKHTIN, 2004) para esse propósito.

Nessa direção, exigia-se que os alunos sempre estivessem em atividade, ocupando o devido espaço, sob a constante supervisão de funcionários destinados para tal função. Na Portaria n. 23, de 22 de agosto de 1912, estabelecida pela direção do Instituto Orfanológico, ilustrou-se esse tipo de recomendação. No documento, determinava-se que se deveria proibir a permanência de alunos fora das horas de suas obrigações “[...], nos salões de aula, secretaria, enfermaria, pharmácia, dormitórios, refeitórios e dentro dos compartimentos do instituto durante o recreio e sem consentimento dos senhores inspectores” (INSTITUTO ORFANOLÓGICO. PORTARIA, 1912, p. 1). Também determinava a forma como os educandos deveriam se portar nesses ambientes, expressando, assim, traços do controle, da disciplina, das regras e do rigor desse internato.

O cuidado com o físico dos educandos ficava a cargo da prática diária da ginástica sueca, que, a partir de sua base anatômico-fisiológico, objetivava formar sujeitos fortes, harmônicos e livres de defeitos posturais (MORENO, 2015). Além disso, os meninos se exercitavam nos banhos de natação realizados em um tanque constituído com as águas represadas do rio Maguary, que corria na frente do Orfanológico. Essa prática era incentivada na região desde o século XX, no Pará, por se acreditar que a geografia e o clima amazônico apresentavam condições propícias para tal (PIRES, 1892).

O nível de conhecimento dos educandos e o grau de atendimento às regras e determinações da instituição eram mensurados por meio de exames, no quais os “melhores são recompensados; reunidos no fim do ano e comparados entre eles, permitem estabelecer os progressos, o valor atual, o lugar relativo de cada aluno; determinam-se então os que podem passar para a classe superior” (FOUCAULT, 1987, p. 18).

Nessa instituição educativa, aplicavam-se os exames de passagem e os finais, que intencionavam verificar se os alunos tinham condições de ser submetidos ao exame de certificação dos estudos elementares. Estes deveriam ser realizados perante comissões organizadas, compostas por três membros nomeados pelo secretário de Estado e Instrução. Constavam apenas de provas orais, cujo conteúdo abordado se orientava pelo programa oficial de ensino. Os meninos mais bem avaliados poderiam receber livros e brinquedos pelos bons resultados obtidos.

Os exames de certificado dos estudos elementare do Orfanológico se davam na capital, nas vilas e cidades do interior, e tinham como avaliadores uma comissão de três professores previamente nomeados pelo secretário de Instrução. Era presidida pelo diretor do estabelecimento ou membros do conselho escolar.

Manuel Manços da Silva Villaça, diretor do estabelecimento, convidava autoridades e pessoas ilustres da sociedade paraense para prestigiarem o evento, como foi informado no Ofício n. 45, de 23 de outubro de 1911. Nele, o secretário de Estado, do Interior, Justiça e Instrucção Pública era convidado para “[...] assistir no dia 25 do corrente, às 8 horas da manhã os exames de estudos elementares a que serão submettidos oito educandos deste instituto, que com real aproveitamento concluíram os respectivos cursos” (INSTITUTO ORFANOLÓGICO. OFÍCIO, 1911, p. 1).

O diretor sinalizou, nesse documento, que seria a primeira vez que o Instituto conferia diplomas de estudos elementares a educandos que completaram “[...] seu tirocínio escholar”, portanto, o comparecimento da autoridade nessa simbólica ocasião se fazia relevante, tendo em vista que sua presença ao ato serviria “[...] para dar-lhe maior solenidade, como também para estimular os educandos, desta caridosa instituição do benemérito governador do Estado” (INSTITUTO ORFANOLÓGICO. OFÍCIO, 1911, p. 1).

Os exames, segundo Souza (1998), nas escolas republicanas constituíam-se em práticas repletas de normatizações, instituídos como atividades sistemáticas e contínuas no sentido de se buscar a excelência escolar, contribuindo, assim, para aperfeiçoar a organização dos alunos em classes e séries. Também serviam como mecanismos de controle, punição e hierarquização, posto que, ao publicarem os resultados ressaltando os melhores e piores, a instituição dividia os “competentes e incompetentes”, os “bons e os maus exemplos.”

A instituição resolveu instituir dois prêmios de honra a fim de destacar os meninos que mais se sobressaiam. Os prêmios, que constam no Ofício n. 46, de 12 de dezembro de 1906, enviado ao secretário de Instrução Pública, foram idealizados pelo diretor e empregados administrativos. Receberam os nomes de “Augusto Montenegro” (desempenho intelectual) e “Antônio Lemos” (conduta moral), “[...] em homenagens aos dois eméritos cidadãos, que tanto se tem esforçado pelo progresso d’esta terra, para o que peço sua aprovação” (INSTITUTO ORFANOLÓGICO. OFICIO, 1906, p. 1).

O prêmio foi criado na intenção de “animar os que melhor progrediram nos estudos e seguiram na conducta moral” e “estimular os outros para se esforçarem em progredir no ensino e na capacidade moral” (Idem). Por isso, o momento de premiação deveria acontecer na presença de todos os meninos. Além das medalhas, os educandos que mais obtivessem êxito nos exames avaliativos recebiam brinquedos e livros instrutivos e de fábulas, ofertados pelo governo do estado ou por membros da sociedade paraense, convidados para presenciar esses momentos no Instituto Orfanológico do Outeiro. Para Foucault (1987, p. 206), “[...] as classificações ou os graus têm um duplo papel: marcar os desvios, hierarquizar as qualidades, as competências e as aptidões; mas também castigar e recompensar”.

O jornal A Província do Pará, de 30 de novembro de 1908, noticiou uma das cerimônias de término de ano letivo (LEMOS; LEMOS, 1908, p. 1). Na ocasião, ocorreu a premiação dos educandos, divulgada pelo impresso, que mais se destacaram no referido ano letivo, destacando o nome do educando, o prêmio, o ano cursado no ensino elementar e o livro recebido. O diretor presidiu o importante e simbólico momento no Orfanológico para finalizar a sessão solene destinada aos exames.

Em seu pronunciamento, Manços Villaça estimulou os meninos a estudarem salientando que os estudos são um “meio pode o homem ser útil a si ou aos seus” e que somente pelo esforço é que se consegue vencer, o que reproduz o discurso ideológico liberal de que o sujeito é o único responsável pelo desenvolvimento de sua condição deixando em segundo plano, por exemplo, o papel do Estado e de suas políticas nesse processo (LEMOS; LEMOS, 1908, p. 1).

A oferta de livros aos alunos do Instituto Orfanológico consistia em uma prática recorrente, principalmente, nas premiações que agraciavam os que mais se destacavam servindo como “pequenas indulgências” (GOFFMAN, 1974) para estímulo e recompensa. Dentre as obras ofertadas na mencionada cerimônia têm-se: “Harmonias da creação” (Dr Caetano Lopes da Moura), “Thesoiro de meninos” (Pedro Blanchard, “Os homens celebres nas sentencias e nas industrias” (Beijamin Galtineau), “O Poder da Vontade” (Samuel Smilos), “Poesias Infantis” (Olavo Bilac), entre outras

Infere-se que as leituras direcionadas aos educandos não seguiam uma seleção aleatória consistindo em uma prática educativa que dialogava com os princípios formativos da instituição. Buscavam, a partir de discursos ideológicos, moldar os comportamentos, hábitos e costumes da infância amazônica, uma vez que nenhum enunciado discursivo se materializa no vazio, pois são atravessados por intencionalidades (BAKHTIN, 2004).

A partir das temáticas que os livros apresentaram, percebe-se a interrelação com o modelo de educação que se desenvolvia no Instituto Orfanológico, por meio de vozes que seguiam os princípios que buscavam orientar a formação e modelagem da infância pobre, conforme determinados padrões e costumes, nos quais os internos deveriam ser enquadrados para atender às necessidades do Estado. Nessa intenção, as obras selecionadas estão repletas de discursos ideológicos que visavam civilizar, disciplinar, moralizar, valorizar a pátria e o trabalho. Aspectos que contribuíam para a concepção do cidadão republicado idealizado para essas crianças amazônicas.

Considerações Finais

As práticas educativas para formar meninos órfãos e desvalidos na Amazônia paraense, propostas pelo Instituto Orfanológico, eram permeadas de discursos (re)produzidos em prol de um grupo dominante que ideologicamente materializava o modelo de educação e de infância da época. Nesse modelo a escola era concebida como símbolo de progresso e civilização, no qual as crianças precisavam ser disciplinadas e moldadas para ter valor. Para isso, o tempo, a rotina, o espaço, o conteúdo e a avaliação deveriam ser pensados para a concretização da formação pretendida preparando a criança física, intelectual e moralmente para ser útil ao projeto de sociedade pretendido que via na infância uma categoria a ser investida.

O ensino elementar proposto nessa instituição educativa estava diretamente vinculado à legislação oficial da instrução pública do estado do Pará, bem como em consonância com ideias e preceitos que circulavam a nível nacional. As disciplinas e conteúdos ministrados aos educandos estavam permeados de discursos ideológicos que buscavam proporcionar, conforme os princípios republicanos, uma educação intelectual, moral e física. Formar com a intenção de educar os meninos para crescerem valorizando e amando a pátria, forçados a pensar ser os únicos responsáveis pelo seu sucesso, com valores cívicos e morais de respeito às instituições, ao Estado e à organização em sociedade.

Por fim, destaca-se que os exames realizados no Instituto, que estipulavam e diferenciavam os melhores dos piores, buscavam colocar em evidência o modelo ideal de sujeito defendido pela instituição, obediente, dedicado e disciplinado, que deveria se distanciar da ideia de infância bruta, incivilizada e rude com a qual eram definidas as crianças amazônicas de origem pobre. Os meninos mais bem avaliados recebiam brinquedos e livros instrutivos, cujo conteúdo versava sobre ensinamentos cívicos, patrióticos, religiosos e morais. Alguns deles tinham forte relação com o mundo do trabalho, o que revela que também havia o objetivo de fazer desses prêmios a extensão da formação dos alunos, pois estavam, implicitamente, imbricados de discursos ideológicos caros à educação, instrução e cuidado presentes no Orfanológico.

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Recebido: 13 de Maio de 2020; Aceito: 29 de Maio de 2020

Prof. Dr. Welington da Costa Pinheiro

Universidade Federal do Pará (Brasil)

Instituto de Ciências da Educação

Faculdade de Educação Física

Grupo de Pesquisa Constituição, Sujeito e Educação – ECOS-UFPA

Orcidid: http://orcid.org/0000-0002-6717-2013

E-mail: welingtoncpinheiro@hotmail.com

Profa. Dra. Laura Maria da Silva Araújo Alves

Universidade Federal do Pará (Brasil)

Instituto de Ciências da Educação

Programa de Pós - Graduação em Educação – PPGED/UFPA

Grupo de Pesquisa Constituição, Sujeito e Educação – ECOS-UFPA

Orcid id: http://orcid.org/0000-0003-2936-605X

E-mail: laura_alves@uol.com.br

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