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Revista Educação em Questão

versión impresa ISSN 0102-7735versión On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.58 no.57 Natal jul./sept 2020  Epub 12-Ago-2021

https://doi.org/10.21680/1981-1802.20120v58n57id18506 

Artigos

Formação democrática de diretores (as) de escola no município de São Paulo (2013-2016)

Democratic formation of school principals of São Paulo municipality (2013-2016)

Formación democrática de directores escolares en la ciudad de São Paulo (2013-2016)

Renata Maria Moschen Nascente1 
http://orcid.org/0000-0001-9395-3166

Vagnum Dias da Silva2 
http://orcid.org/0000-0002-9978-6087

1Universidade Federal de São Carlos (Brasil)

2Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (Brasil)


Resumo

O objetivo do artigo é analisar ações formativas destinadas a diretores(as) de escola em exercício na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME/SP), entre 2013 e 2016, para identificar seus fundamentos e propósitos. Tratando-se de uma administração do Partido dos Trabalhadores (PT), a hipótese foi a de que as ações teriam como base os princípios da autonomia e da participação no escopo da gestão democrática e seus objetivos seriam subsidiar práticas democráticas nas escolas. Utilizamos a metodologia qualitativa e exploratória, tendo como procedimento a análise documental. Os dados foram levantados em documentos disponíveis em uma das diretorias regionais da SME/SP, além dos publicados em seu sítio na internet, que foram analisadas com base teórica em Habermas (2012, 2012a), Freire (1979, 1983, 2000) e Toro (1999). Foram encontradas evidências de que as ações formativas tinham base na democracia, objetivando a oferta de educação emancipatória e de qualidade social.

Palavras-chave: Ações formativas; Diretores(as) de escola; Democracia; Secretaria Municipal de Educação de São Paulo

Abstract

The objective of this paper is to analyze formative actions aimed at school principals in office at the São Paulo Municipal Department of Education (SME/SP), between 2013 and 2016, in order to identify their foundations and purposes. Considering that the ruling party was the Partido dos Trabalhadores (PT) [Workers' Party], the hypothesis was that the principles of autonomy and participation within the scope of democratic management founded the initiatives, and that their objectives would be to subsidize democratic practices in the schools. We use the qualitative and exploratory methodology with documental analysis as a procedure. The data were collected in documents available in one of the regional boards and in the São Paulo Municipal Department of Education (SME/SP) website, which were analyzed on the theoretical basis of Habermas (2012, 2012a), Freire (1979, 1983, 2000) and Toro (1999). There were evidences that the formation actions were based on democracy, aiming at offering emancipatory social quality education.

Keywords: Formative actions; School principals; Democracy; São Paulo Municipal Department of Education

Resumen

El objetivo del artículo es analizar las acciones de capacitación dirigidas a los directores de escuela en funciones en la Secretaría de Educación Municipal de São Paulo (SME/SP), entre 2013 y 2016, para identificar sus fundamentos y propósitos. En el caso de una administración del Partido dos Trabalhadores (PT), la hipótesis era que las acciones se basarían en los principios de autonomía y participación, en el ámbito de la gestión democrática y sus objetivos serían subsidiar las prácticas democráticas en las escuelas. Utilizamos la metodología cualitativa y exploratoria con el análisis de documentos como procedimiento. Los datos se recopilaron de documentos disponibles en una de las direcciones regionales de SME/SP, además de los publicados en su sitio web, que se analizaron sobre la base a Habermas (2012, 2012a), Freire (1979, 1983, 2000) y Toro (1999). Se encontró evidencia de que las acciones formativas se basaron en la democracia, con el objetivo de ofrecer educación emancipadora y de calidad social.

Palabras clave: Acciones formativas; Directores de escuela; Democracia; Secretaria Municipal de Educación de São Paulo

Introdução

Nas últimas três décadas tem havido um esforço por parte das universidades, sistemas de ensino e escolas no sentido de compreender os conceitos de autonomia e participação, na busca da implantação da gestão democrática da educação básica. As universidades têm contribuído com aportes teóricos e metodológicos para a transição da gestão de sistemas e escolas entre um modelo fortemente gerencial e burocrático, e, portanto, hierarquizado, para o democrático participativo (NOGUEIRA, 2011). Os sistemas e escolas têm trabalhado na implantação e consolidação de colegiados que teriam a dupla de função de educar para a participação e possibilitar esse modelo democrático participativo, trazendo famílias e comunidades do entorno para a discussão de aspectos administrativos, financeiros e pedagógicos da vida escolar.

Os(as) diretores(as) de escola têm assumido destaque nesse movimento. Os sistemas de ensino têm investido no seu aprimoramento em duas vertentes, uma delas é a oferta de ações formativas específicas, organizadas com base nas demandas e necessidades das próprias redes. A outra refere-se à atribuição de avanços funcionais, isto é, promoções nas carreiras, com base em cursos de pós-graduação lato e stricto sensu, realizados em faculdades e universidades.

Consideramos, assim, que analisar ações formativas organizadas para diretores(as) de escola poderia contribuir para o entendimento dos pressupostos políticos e educacionais que embasam um determinado sistema de ensino. Pretendemos, então, compreender se os princípios da gestão democrática, autonomia e participação (BARROSO, 1996; PARO, 2002), teriam sido significativamente trabalhados nas ações formativas oferecidas pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SME/SP), no período compreendido entre 2013 e 2016, durante o qual o poder executivo foi ocupado pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Dessa forma, nosso problema de pesquisa se configurou na seguinte questão: quais os objetivos das ações formativas oferecidas aos (às) diretores(as) de escola da SME/SP naquele período? Em vista desse problema, o objetivo do artigo é analisar ações formativas destinadas a diretores(as) de escola em exercício na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, entre 2013 e 2016, para identificar seus fundamentos e propósitos. A hipótese foi a de que as ações teriam como base os princípios da autonomia e da participação no escopo da gestão democrática e seus objetivos seriam subsidiar e apoiar práticas democráticas nas escolas.

Para o desenvolvimento desse trabalho, adotamos uma abordagem qualitativa e exploratória em educação (BOGDAN; BIKLEN, 2010), subsidiada pela análise de documentos da SME/SP (GIL, 2002). Os dados foram levantados em documentos relativos às ações formativas, que foram analisadas em seus propósitos, conteúdos e metodologias. Para tanto, foram pesquisados documentos disponíveis na Diretoria Regional de Educação de São Miguel Paulista − DRE/MP, além dos publicados no sítio da internet da SME/SP.

Primeiramente, são explicitados nossos fundamentos e o contexto de realização das ações formativas. Em seguida, analisamos seis quadros, relativos a cada uma das ações desenvolvidas. Finalmente, apresentamos algumas considerações e as referências.

Fundamentação

Em uma sociedade que tem o autoritarismo como uma de suas características mais perenes, a história do Brasil tem sido entremeada por alguns curtos períodos de alguma liberdade e diminuta justiça social, no escopo das fragilidades próprias de democracia representativa (MIGUEL, 2005). Entendemos neste artigo a democracia em uma perspectiva ampliada, apresentada por Toro (1999), para quem a democracia é uma maneira de viver e ver o mundo, uma cosmovisão. Segundo ele, a democracia é o regime pelo qual as mesmas pessoas que elaboram e/ou transformam as regras de convívio social devem vivê-las, cumpri-las e protegê-las. Trata-se de uma ordem social construída, intencional, laica e não transferível de uma sociedade para outra, devendo ser erigida endogenamente por todos os cidadãos e cidadãs. Com base nos direitos humanos, na democracia, a vida e os direitos individuais são absolutamente respeitados, sem nenhuma sombra de relativização, isto é, sem nenhuma exceção. Conflitos não só são aceitáveis, mas fazem parte da democracia, pois são constitutivos da convivência humana em função das diferenças e da diversidade. Nessa visão de democracia, entendemos a autonomia como autogoverno resultante da reflexão e consciência de cada indivíduo em uma dimensão relacional.

Autonomia é um conceito relacional (somos sempre autônomos de alguém ou de alguma coisa) pelo que a sua ação se exerce sempre num contexto de interdependência e num sistema de relações. A Autonomia também é um conceito que exprime um certo grau de relatividade: somos mais, ou menos, autônomos; podemos ser autônomos em relação a algumas coisas e não o ser em relação as outras. A autonomia é, por isso, uma maneira de gerir, orientar, as diversas dependências em que os indivíduos e os grupos se encontram no seu meio biológico ou social, de acordo com as suas próprias leis (BARROSO, 1996, p. 17).

Esse sentido de autonomia é político, isto é, a autonomia se dá no plano social, na convivência entre as pessoas. Justamente no aspecto político da autonomia, podemos compreender a sua irmã gêmea, a participação, que significa o compartilhamento de decisões relevantes para um determinado grupo de pessoas, desde o surgimento das ideias, até as formas pelas quais ações delas originadas serão colocadas em prática. Nessa linha de pensamento, compreendemos a escola como espaço de tomada de decisões (NÓVOA, 1999), limitadas por uma autonomia relativa outorgada pelo Estado (BARROSO, 1996).

Evidencia-se, assim, a relevância de se produzir conhecimento sobre como educar para e na democracia nas escolas públicas de educação básica, para que se possa ofertar educação escolar de qualidade social (FREITAS, 2016; SILVA, 2009; CURY, 2014), isto é, crítica, dialógica, problematizadora (FREIRE, 1979, 1983; 2000) e emancipatória (HABERMAS, 2012; 2012a).

Apesar de não ter se dedicado à escola especificamente em seus estudos, mas às instituições sociais contemporâneas, Habermas (2012; 2012a) nos auxilia a compreender como a escola incorpora a racionalidade sistêmica em vigor, educando para subserviência e reproduzindo a violência do Estado em relação ao cidadão. Em uma perspectiva emancipatória, este quadro é revertido, isto é, a educação escolar passa a propiciar a aquisição e produção de saberes por meio da comunicação, de maneira participativa. Assim, seria possível superar a escola reprodutora de desigualdades sociais, baseada na ideologia da neutralidade e na difusão de conhecimentos e habilidades, que oferece a educação como mais uma mercadoria a serviço do mercado. No lugar dela entraria uma educação propiciadora do questionamento e da crítica da sociedade em que vivemos, pela qual a população atendida pela escola pública pudesse se empoderar, no sentido de ter uma participação ativa nos espaços públicos, desenvolvendo alguma autonomia em relação às diferentes dimensões da socialização humana.

Essa mudança da educação a serviço do sistema (no nosso caso, capitalista) para uma educação emancipatória passa por uma luta perene dos(as) educadores(as) para desmantelar a primeira e ao mesmo tempo construir a segunda. Admitir essa possibilidade de mudança implica em acreditar que a escola tem potencial para isso (HABERMAS, 2012; 2012a), isto é, por meio da comunicação livre entre as pessoas, ela pode superar a racionalidade sistêmica, fazendo da educação um processo de conscientização com o objetivo de construir uma sociedade mais justa e menos violenta.

Desse modo, compreendemos que a oferta de educação de qualidade social (FREITAS, 2016; SILVA, 2009; CURY, 2014) pode ser alcançada pela participação autônoma de seus profissionais. Essa participação requer formação na e para democracia, o que parece ter sido o caso das ações formativas em estudo.

Contexto das ações formativas

A SME/SP administrava, no período pesquisado, o maior sistema de educação municipal do país. Com mais de um milhão de alunos, a população atendida correspondia a quase 10% dos 11,3 milhões de habitantes da cidade. Se considerarmos, além dos(as) alunos(as), seus pais e os demais familiares, aproximadamente cinco milhões de pessoas estavam envolvidos no sistema de educação do município de São Paulo. Para prestar esse serviço público, a SME/SP contava com cerca de 62 mil servidores, número de todos os profissionais da rede. Esses servidores estavam distribuídos em 13 Diretorias Regionais de Educação – DREs, que por sua vez os(as) alocavam em suas respectivas unidades escolares.

Do ponto de vista administrativo, a SME procurava articular suas ações com o Conselho Municipal de Educação (CME), que exercia as funções consultiva, normativa e deliberativa, responsável por elaborar normas complementares às diretrizes nacionais e estaduais de educação, além de pareceres referentes a itens da legislação educacional vigente. Essa normatização tinha como objetivo propor ações e solucionar problemas relativos ao sistema municipal de ensino. Além disso, o CME podia ser considerado também uma instituição de participação e mobilização, pois propiciava à população da cidade a defesa do direito à educação básica e democratização de seu acesso, tendo ainda um papel de destaque como espaço de compartilhamento de experiências e estímulo à inovação para os profissionais da educação.

Tanto para a SME/SP quanto para ao CME, para que as mudanças entendidas como prioritárias no sistema de educação do município pudessem ser alcançadas, as ações formativas oferecidas aos (às) profissionais da rede deveriam ser planejadas e colocadas em prática de forma orgânica, para reconhecimento, reflexão crítica e aperfeiçoamento das práticas curriculares (SÃO PAULO, 2013).

Segundo o documento Reorganização curricular e administrativa, ampliação e fortalecimento da Rede Municipal de Ensino de São Paulo (SÃO PAULO, 2013a), as abordagens das ações formativas baseavam-se nas reflexões dos(as) profissionais das escolas como sujeitos na construção de seus conhecimentos, destacando e respeitando os seus saberes e suas experiências. Alguns dos objetivos das ações formativas pontuadas pelo documento eram: abranger profissionais de diferentes modalidades e níveis de educação básica com temáticas comuns; promover formatos diversificados de formação; oferecer ações de acordo com as demandas da própria rede e também de acordo com as peculiaridades de DREs e escolas. No amplo leque de ações formativas oferecidas, algumas específicas para diretores(as) foram o foco da investigação realizada. Entendemos, pela análise do documento citado, que essa oferta demarcou uma preocupação em democratizar a administração do sistema de ensino, com vistas à participação e à autonomia das e nas unidades escolares.

Mais especificamente, as ações analisadas foram oferecidas pela DRE/MP, que compõe uma das treze diretorias regionais de Educação da SME/SP. Sua área de atuação é o extremo leste da cidade, abrangendo escolas que se encontravam nos limites periféricos da cidade de São Paulo. Em atenção a esse aspecto, as equipes de formadoras baseavam-se nas realidades concretas e nas demandas próprias da região na elaboração das ações a serem ofertadas.

Com base na análise documental realizada, foi possível identificar evidências relativas à presença dos princípios democráticos da autonomia e da participação nas 34 ações formativas oferecidas aos(às) profissionais da SME/SP naquele período. Levando em consideração esses dados, que nos deram uma visão geral das ações formativas para identificar seus pressupostos e objetivos, fizemos o recorte principal, ou seja, analisamos as ações especificamente oferecidas aos (às) diretores(as). Em seguida, construímos quadros relativos a essas ações, organizando dados referentes às justificativas, objetivos, metodologias, conteúdos, números de vagas e cargas horárias.

Ações formativas oferecidas aos(às) diretores(as)

Na análise das ações formativas oferecidas aos(às) diretores(as) de escola da SME/SP, entre 2013 e 2016, deve-se entender que havia no período uma forte discussão em torno da administração e do currículo das escolas, objetivando uma reorganização nesses campos. Assim, durante o ano de 2013, ocorreram diversas discussões sobre essa reorganização (SÃO PAULO, 2013a).

Normalmente, docentes de universidades e outros(as) pesquisadores(as) eram convidados(as) a desenvolver temáticas que correspondiam a demandas e necessidades das equipes escolares. Nos quadros a seguir são apresentadas as ações formativas oferecidas aos(às) diretores(as) de escola da DRE/SMP durante o período estudado.

Quadro 01 Os desafios da gestão escolar na Zona Leste 

Justificativa: É necessário discutir quais são as dificuldades e entraves presentes no trabalho dos(as) gestores(as) escolares, pois, a escola precisa do exercício da democracia, da cidadania, da participação, do pluralismo, da transparência e da autonomia. Para tanto, não se pode pensar a gestão escolar de forma isolada, porque a construção de uma escola efetivamente democrática requer discutir concepções e práticas desenvolvidas cotidianamente por todos os educadores. Isso envolve tomada de decisões de forma coletiva no processo para o planejamento das ações, atividades e projetos a serem desenvolvidos pela escola, que possam atender às peculiaridades locais e aos princípios que orientam a participação dos profissionais da educação, presentes no Currículo e propostos na elaboração do PPP da Escola. Na busca de fomentar uma discussão qualificada sobre a importância da gestão compartilhada é que propomos este seminário.

Objetivos: contribuir para o debate acerca da gestão escolar na educação pública; refletir sobre os desafios presentes na gestão escolar em territórios prioritários da Zona Leste.

Metodologia: palestras, relatos de práticas e abertura de debates visando à participação de todos nas temáticas desenvolvidas.

Conteúdos: os fazeres e saberes necessários para a construção de uma gestão compartilhada; os desafios da gestão escolar em Territórios Prioritários da Zona Leste; a relação currículo, território e gestão compartilhada para a construção de uma educação pública de qualidade; práticas desenvolvidas na gestão escolar da escola pública.

Público Alvo: coordenador pedagógico, assistente de diretor de escola, diretor de escola, supervisor escolar.

Carga Horária: 08 horas; Número de Vagas: 450.

Fonte: Elaboração dos autores com base em documentos disponibilizados pela DRE/MP.

Neste seminário, realizado em 2013, a discussão se voltou para as particularidades da gestão das escolas do extremo leste de São Paulo. Essas escolas estão situadas em zonas bastante periféricas, o que explica os conteúdos trabalhados naquela ação. Procurou-se levantar e discutir alguns aspectos inovadores da gestão escolar, entre eles, a relevância das relações entre espaço social e estruturas de espaço físico das escolas em relação ao currículo e ao cotidiano escolar. A ação objetivou ainda demonstrar as potencialidades, não apenas as dificuldades, do trabalho de gestão compartilhada.

Assim, um dos objetivos da ação formativa foi contribuir para o debate acerca de como deveria se configurar a gestão escolar em áreas de baixa renda em diversos aspectos. Dessa forma, o seminário pode ter se configurado como parte de uma política pública direcionada a aprendizagens participativas e democráticas, que se alinhava com as propostas para a educação naquele período por parte da administração municipal.

A própria metodologia de trabalho no seminário também pode ser considerada como participativa e democrática, pois era composta de “palestras, relatos de práticas e abertura de debates, visando à participação de todos nas temáticas desenvolvidas”. Por meio dessas formas de trabalho, entendemos que os(as) participantes tiveram voz ativa durante essa ação formativa, o que pode ter propiciado a tomada de um impulso emancipador por parte deles(as) em relação à gestão de suas escolas.

Apesar da reduzida carga horária do seminário de oito horas, face à complexidade e à importância das temáticas debatidas, a iniciativa pode ter sido um passo importante para o levantamento de demandas, necessidades, problemas e aspirações das equipes gestoras. Realizada de forma coletiva, a ação pode ter instado os(as) profissionais das escolas a ativamente construírem uma agenda formativa.

Deste modo, como primeira iniciativa das ações formativas para os(as) diretores(as) da SME/SP, podemos encontrar algumas características próprias da gestão democrática: o seminário foi justificado pela necessidade de discutir quais seriam as dificuldades e entraves presentes no trabalho dos(as) diretores(as) escolares e também do exercício da democracia, da cidadania, da participação, da autonomia, do pluralismo, da transparência e da autonomia. Os objetivos indicam a mesma direção: refletir sobre desafios da gestão das escolas e contribuir para debates sobre a educação escolar pública.

Resta-nos analisar outras ações formativas no período para tentar validar nossa hipótese, pois compreendemos que a construção coletiva da formação de equipes gestoras escolares não se concretiza apenas por meio de ações isoladas, episódicas. Ao contrário, ela deve ser consistente e permanente, pois, em uma sociedade marcadamente autoritária como a nossa, ensinar e aprender sobre e na democracia deve ser um objetivo constantemente perseguido, que se viabilizou na cidade de São Paulo no referido período por meio do:

[...] estabelecimento de mecanismos institucionais e a organização de ações que desencadeiem processos de participação social: na formulação de políticas educacionais; na determinação de objetivos e fins da educação; no planejamento; nas tomadas de decisão; na definição sobre alocação de recursos e necessidades de investimento; na execução das deliberações; nos momentos de avaliação [...] (MEDEIROS, 2003, p. 44).

A seguir passamos à análise da segunda ação formativa oferecida às equipes gestoras escolares no período, procurando nela evidências relativas à democracia nas escolas, mormente, pelo fomento da participação e da autonomia.

Quadro 02 Gestão Escolar: processos pedagógicos e intervenção social 

Justificativa: as demandas formativas levantadas pelo grupo de gestores escolares da DRE/MP; a importância de discutir a escola como polo cultural da comunidade, articulada ao território em que está inserida; a compreensão de que a construção de uma gestão escolar democrática é sempre processual e, portanto, em se tratando de uma luta política de construção, é eminentemente pedagógica.

Objetivos: possibilitar reflexão e discussão sobre a finalidade da escola e a importância do gestor na construção do PPP; promover estudo e debate de temáticas fundamentais tais como currículo, projeto, interdisciplinaridade, avaliação e diversidade; subsidiar os(as) gestores(as) educacionais para a implementação desse programa.

Metodologia: relatos dos(as) gestores(as) escolares de práticas afirmativas desenvolvidas nas escolas; palestras e debates visando à participação de todos nas temáticas desenvolvidas.

Conteúdos: os(as) gestores(as) e a construção do PPP; escola, cultura e território; currículo e a construção de projetos de intervenção social; interdisciplinaridade, avaliação e diversidade; o registro como instrumento que possibilita a construção da memória – do planejamento, avaliação e replanejamento das ações.

Público Alvo: supervisor escolar, diretor de escola, assistente de diretor de escola, a vagas remanescentes serão oferecidas aos coordenadores pedagógicos.

Carga Horária: 32 horas presenciais. Número de Vagas: 100.

Fonte: Elaboração dos autores com base em documentos disponibilizados pela DRE/MP.

O principal objetivo do curso, ministrado em abril de 2014, foi a reflexão e discussão sobre a finalidade da escola, cujo papel tem se modificado, principalmente no que diz respeito ao acesso e funcionamento. Daí a importância do(a)diretor(a)na promoção de debates acerca da importância da educação e da escola, dos currículos, das avaliações e da inclusão, aspectos fundamentais para o fortalecimento da gestão democrática nas escolas.

Mais especificamente, subsidiar os(as)diretores(as) na construção coletiva do PPP foi um dos tópicos dessa ação formativa, entendendo-o como um documento que deveria funcionar como um mapa para direcionar as escolas no alcance de seus objetivos educacionais e sociais, dentro do contexto em que estavam inseridas. Houve ainda o objetivo de fomentar o registro como instrumento fundamental para a ação dos(as) diretores(as), base para reflexão, análise, avaliação, planejamento e replanejamento dos processos educacionais em curso nas escolas.

Nessa linha de pensamento, identificamos o relato e o registro sistemático de práticas de gestão em curso nas escolas como uma contribuição para que as equipes compartilhassem ideias, experiências, dilemas e necessidades e explicitassem os objetivos específicos de cada comunidade educativa. Também houve a intenção de integrar discussões acerca do currículo, avaliação, projetos e diversidade em uma perspectiva interdisciplinar. Estes são aspectos da gestão escolar sobre os quais nem sempre as equipes gestoras têm conhecimento e, menos ainda, sabem como eles devem ser pensados conjuntamente para a oferta de uma educação democrática (PARO, 2002), e, consequentemente, emancipatória (HABERMAS, 2012; 2012a).

Nessa perspectiva educacional – integrativa entre currículo, gestão e demandas sociais –, cremos haver condições para o ensino e a aprendizagem de conhecimentos socialmente sistematizados, que devem empoderar crianças e jovens para que possam fazer escolhas nos campos político, econômico, profissional e pessoal, com base em uma criticidade construída não só, mas também na escola.

Uma característica da escola pública democrática, presente na ação formativa em análise, a inseparabilidade do trabalho pedagógico dentro e fora da escola, considerando o papel da comunidade na educação de crianças e jovens, pode ser entendida por meio de Freire (1983). Para o autor, a escola cidadã é uma escola de comunidade, de companheirismo, cuja preocupação é promover uma formação para a cidadania ativa, que deve ser construída sobre os princípios democráticos, mediante os quais o indivíduo tem a possibilidade de exercer plenamente seus direitos e é chamado a cumprir seus deveres de forma consciente e livre.

Padilha (2001) corrobora essa concepção de escola democrática, colocada em prática na ação formativa em exame. Para o autor, a educação democrática é aquela que por meio do processo educativo intencional e isento de neutralidade, cidadãos ativos são formados para:

[...] a vida, para o trabalho, para a construção de relações humanas e sociais civilizadas, justas e éticas, para o exercício e prática da cidadania crítica e ativa e para resistir a toda forma de exclusão (PADILHA, 2001, p. 65).

Nesse sentido, a ação em foco vai também ao encontro de Paro (2002, p. 20), para quem ”[...] é necessário que a escola tome ciência das suas condições, fazendo com que planeje um projeto de democratização da qualidade de ensino o qual pretende oferecer”.

Assim, entende-se que a ação formativa analisada deve ter contribuído para que as equipes gestoras pudessem liderar a transformação de suas escolas rumo à democracia. Por meio da reconstrução de sua identidade e função social, suas equipes conseguiriam atender aos objetivos educacionais mais coerentes com a realidade de suas escolas, estabelecendo o que é possível e preciso fazer para avançar na formação de crianças e jovens mais autônomos e participativos. Na medida em que esses(as) profissionais enxergassem com clareza os contextos sociais das escolas, eles(as) poderiam desenvolver uma proposta pedagógica capaz de promover a formação crítica dos(as) alunos(as).

Quadro 03 Protagonismo Gestor: construção e emancipação 

Justificativa: continuidade das ações desenvolvidas pela DRE/SMP; importância do protagonismo gestor para contribuir na construção da qualidade social da educação; obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena; necessidade de avaliação da educação infantil; Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC; ensino fundamental de nove anos; elementos conceituais e metodológicos para definição dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento do ciclo de alfabetização (1º, 2º e 3º anos) do ensino fundamental.

Objetivos: possibilitar a discussão sobre a construção de um currículo emancipador que considere as diferentes culturas, a memória e a ancestralidade; discutir e propor práticas pedagógicas e gestoras que considerem a escola como polo de desenvolvimento de cultura.

Metodologia: realização de palestras, apresentação de documentário e debates.

Conteúdos: a construção de um currículo integrador e emancipador e o protagonismo gestor; a escola como polo de desenvolvimento de cultura.

Público Alvo: supervisor escolar, diretor de escola, coordenador pedagógico e assistente de diretor de escola, que atuam tanto da rede oficial como na conveniada.

Carga Horária: 08 horas. Número de Vagas: 300.

Fonte: Elaboração dos autores com base em documentos disponibilizados pela DRE/MP.

Pela descrição deste seminário, realizado em setembro de 2014, foi possível perceber como a democracia foi entendida como constituidora da função da escola. Assim, por sua mediação, pode ter sido possível às equipes gestoras compreender a educação na e para a democracia como um investimento na diminuição da distância entre escolas e comunidades de entorno, inserindo-as na malha social de atendimento às populações locais.

A participação democrática também pode ser identificada no seminário pela abertura a uma discussão coletiva sobre a construção de um currículo emancipador que considerasse as diferentes culturas, memórias e ancestralidades, vislumbrando novas possibilidades de práticas pedagógicas e gestoras que considerassem a escola como local de desenvolvimento humano.

Mais especificamente, o seminário teve a intencionalidade de traduzir políticas públicas e legislação federais para o contexto específico das escolas da DRE/SMP. Essa transmutação de políticas e legislação nos sistemas de ensino e em cada escola poderia dar às equipes escolares oportunidades de reelaborar essas políticas por meio de microrregulações (WERLE; AUDINO, 2015; NASCENTE; CONTI; LIMA, 2017) e micropolíticas (BOTLER, 2015; FREITAS, 2016). Essas (re)elaborações poderiam, assim, fazer com que as escolas tivessem condições, no escopo de sua autonomia relativa, de fazer algumas opções de aplicação de normas, recursos e conhecimentos de forma a atender às peculiaridades de seus estudantes, famílias e comunidades do entorno.

Interessante notar, pelo próprio título do seminário, a atribuição ao(à) diretor(a) do papel de protagonista, isto é, de principal ator, líder, na construção de uma educação escolar emancipatória. Por um lado, isso pode significar uma expressão do caráter hierarquizante, próprio do modelo burocrático de administração (WEBER, 1991), piramidal, com vértice muito restrito – neste caso constituído de um(a) único(a) profissional, o(a) diretor(a) – e uma base larga, constituída por estudantes e suas famílias, com o restante da equipe escolar como executora das funções delegadas pela direção. Outra análise possível é que seria muito difícil não atribuir a alguém ou a um grupo a tarefa de organizar a escola, alocando tempos e espaços para a participação dos diferentes segmentos – ainda que isso se baseie em um modelo vertical de administração, que não se coaduna com nossa visão de democracia (TORO, 1999).

Pensando dessa maneira, a horizontalização das relações na escola dependeria, entre outros fatores, de investimentos contínuos em ações formativas destinadas às equipes escolares de matiz democrático. Isso possibilitaria a compreensão por parte de professores(as) e demais agentes escolares da importância do compartilhamento de ideias e propostas voltadas às próprias escolas, com base em estudos participativos de políticas públicas e legislação, metodologia de trabalho que parece ter sido constante nas ações formativas analisadas até aqui. Nesse sentido, a participação democrática poderia ser mais desenvolvida nas escolas, possibilitando o estabelecimento de diálogo constante entre todos os seus atores, inclusive objetivando a identificação e consolidação de lideranças democráticas (COSTA; CASTANHEIRA, 2015) nos diferentes segmentos.

Poderia, assim, ser garantido no conjunto da comunidade e da escola a abertura de espaços, nos quais a participação se daria por meio das relações de cooperação, interação e respeito às diferenças culturais. O comprometimento e a participação de todos(as) os(as) envolvidos(as) na escola pode levar seus partícipes a entender a educação escolar como uma das instâncias promotoras de transformação social, base da educação emancipatória. Essa forma de educar está envolvida em processos de conscientização (FREIRE, 1979) para que os sujeitos identifiquem as opressões pelas quais passam e desenvolvam ações de resistência.

Os moldes do seminário em análise foram bastante coerentes com seus objetivos, possibilitando a discussão sobre a construção de um currículo emancipador que considerasse as diferentes culturas e, mais ainda, o papel do(a) diretor(a) de escola nesse processo.

Quadro 04 Cultura Institucional, PPP e Avaliação 

Justificativa: necessidade de analisar o processo de construção da cultura institucional, que é efetivado pelos diferentes sujeitos que compõem a escola, sendo os(as) gestores(as) fundamentais nesse processo; importância do PPP das escolas como compromisso coletivo; e as diversas dimensões da avaliação.

Objetivos: refletir sobre a cultura institucional e suas implicações no PPP, além das intervenções da equipe gestora; discutir a avaliação e suas dimensões no desenvolvimento do PPP.

Metodologia: dialogicidade e problematização; leitura de textos de temas abordados; relatos e proposições.

Conteúdos: cultura institucional, PPP; a gestão escolar e as dimensões da avaliação para a aprendizagem, institucional e externa.

Público Alvo: diretor de escola e assistente de diretor.

Carga Horária: 12 horas presenciais. Número de vagas: 60.

Fonte: Elaboração dos autores com base em documentos disponibilizados pela DRE/MP.

A cultura institucional foi o foco do curso, ministrado em agosto de 2015. De sua análise, poderiam ser pensados dois aspectos fundamentais da gestão administrativa e pedagógica da escola: o PPP e a avaliação. Esse objetivo esteve vinculado à ideia de unicidade e peculiaridade de cada escola em sua cultura e organização. Foi considerada ainda a plasticidade dessa cultura, que é moldada em seu cotidiano, por seus diferentes atores, sofrendo influências tanto externas – isto é, dos sistemas e da sociedade –, como internas, referentes às suas relações estabelecidas, características explicitadas e discutidas por Morgan (1996) e Costa (2003).

Mais uma vez, os(as) diretores(as) foram colocados(as) como líderes no que diz respeito à elaboração do PPP. Por outro lado, ficou claro que o documento deve ser construído coletivamente, com base na autonomia e na participação. Também ficou patente a ligação entre o PPP e a avaliação, no sentido de que ambos seriam processos que se retroalimentariam. A avaliação, interna e externa, produzindo dados para a composição e prática do PPP, e este proporcionando aprendizagens que poderiam ser avaliadas tanto formalmente como informalmente.

Chama atenção ainda a metodologia de desenvolvimento do curso, baseada na dialogicidade de matiz freiriana (FREIRE, 1983), que implica em problematização das situações vividas nas escolas, de forma reflexiva e crítica. Foram criadas assim, as condições para que as equipes gestoras liderassem a elaboração do PPP de forma contextualizada, atenta às mudanças muito rápidas em nossa sociedade, principalmente em relação à infância e a juventude. Portanto, nessa ação formativa podemos identificar uma coerência interna entre metodologia, conteúdo e objetivo. Tratou-se de educar os(as) participantes para a democracia de maneira democrática, fomentando sua autonomia, com base em sua participação.

Quadro 05 A importância do gestor escolar na educação para as relações etnicorraciais 

Justificativa: necessidade de sensibilização dos(as) gestores(as) escolares para as questões raciais, para que estejam cientes do papel da educação no extermínio das desigualdades raciais e na construção de uma sociedade mais justa.

Objetivos: explicitar e problematizar conceitos centrais de racismo institucional, apresentando as ações que prejudicaram a população negra e indígena e privilegiaram os imigrantes brancos. Discutir e refletir sobre a relação entre o desenvolvimento econômico da nação e as relações raciais. Relacionar o debate instaurado no curso com as práticas educacionais vigentes incluindo o PPP e as ações do cotidiano escolar que implicam na reprodução do racismo institucional. O papel da educação e do gestor escolar na formação dos cidadãos empenhados em promover condições de igualdade no exercício dos direitos sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver, pensar, próprios aos diferentes pertencimentos etnicorraciais e sociais.

Metodologia: exposição dialogada dos conteúdos, leitura compartilhada de excertos dos textos da bibliografia básica, utilização de recursos audiovisuais, sobretudo filmes e imagens.

Público Alvo: diretor de escola, assistente de diretor de escola, coordenador pedagógico, supervisor escolar, assistente técnico de educação.

Carga Horária: 12 horas. Número de Vagas: 70 vagas por turma (2).

Fonte: Elaboração dos autores com base em documentos disponibilizados pela DRE/MP.

Apesar de observarmos neste curso, ministrado em outubro de 2015, uma metodologia um pouco mais convencional do que no anterior – isto é, além da dialogicidade e problematização (FREIRE, 1983), encontramos a explicitação de conteúdos por meios imagéticos –, isso não invalida seu caráter participativo. A intenção deve ter sido suprir as equipes gestoras de conhecimentos específicos sobre as relações etnicorraciais, relacionando-os ao cotidiano escolar, no sentido de desconstruir o racismo nas escolas. A perspectiva emancipatória fica clara na finalidade anunciada de subsidiar a promoção de condições de igualdade de convivência e aprendizagem nas escolas, por meio do reconhecimento dos diferentes pertencimentos etnicorraciais dos(as) estudantes e suas famílias.

Uma das premissas que deve ter baseado o curso é a de que a escola é uma instituição que pode contribuir para a transformação social. De outro lado, a história indica que os grupos dominantes não permitem mudanças políticas, econômicas e sociais em favor das classes dominadas sem que haja um processo de pressão por parte dos(as) interessados(as), que pode ser engendrado nas escolas, assim como em outras instâncias sociais. Assim, as escolas poderão contribuir para essas mudanças ensinando para e na compreensão e acolhimento da diversidade. Para isso, deve superar barreiras históricas, para deixar de ser “[...] mera chanceladora da injustiça social, na medida em que recoloca as pessoas nos lugares reservados pelas relações que se dão no âmbito da estrutura econômica [...]” (PARO, 2002, p. 10), reconfigurando-se com base na autonomia e na participação democrática de todos os seus atores. Nesse sentido, o trabalho do(a) diretor(a), segundo Machado (2000), seria fundamental na articulação democrática nas escolas, pois:

[...] criaria, a cada momento, as condições de partilha do poder, que é o sentido mais puro da participação, garantindo a possibilidade de surgimento de um verdadeiro trabalho coletivo, em que o conhecimento global da escola cimentaria as relações entre todos os interessados no processo educativo (MACHADO, 2000, p. 104).

Portanto, o curso pode ter instrumentalizado as equipes gestoras na estruturação e articulação de ações que privilegiassem o bem comum do grupo escola, combatendo mentalidades e práticas provenientes de ranços do passado, formado por uma consciência acrítica e atrofiada, que não pode mais existir entre aqueles que pretendam trabalhar pela educação escolar pública e de qualidade social, e, dessa forma, emancipatória (HABERMAS, 2012; 2012a).

Quadro 06 Territórios como lócus de formação 

Justificativa: continuidade das ações desenvolvidas pela DRE/MP; importância do protagonismo gestor para contribuir na construção da qualidade social da educação e da emancipação social.

Objetivos: propiciar a articulação entre UEs presentes no mesmo território na perspectiva do currículo integrador, fortalecer a elaboração de ações conjuntas dos(as) gestores(as) escolares das unidades localizadas no mesmo território.

Metodologia: dialógica e problematizadora a partir de leitura e análise de textos; filmes, imagens; relatos e tematização de práticas pedagógicas e oficinas.

Conteúdos: práticas pedagógicas democráticas; avaliação; formação para a gestão pedagógica; participação; escuta e autoria dos sujeitos sociais.

Público alvo: supervisor escolar, coordenador pedagógico, diretor de escola e assistente de diretor de escola que atuam nas escolas da DRE/MP.

Carga Horária: 16 Horas. Número de vagas: 27 vagas por turma (28)..

Fonte: Elaboração dos autores com base em documentos disponibilizados pela DRE/MP.

Esse curso, realizado em julho de 2016, disponibilizou ferramentas para discussões e articulações entre as unidades escolares em seu território comum. Mais uma vez, por meio de uma metodologia dialógica e problematizadora (FREIRE, 1983) deve ter permitido compartilhamentos de conhecimentos, propiciando o estreitamento das relações entre escolas localizadas no mesmo território. Tratou-se, assim, de uma iniciativa inovadora e arejada, na medida em que o isolamento das escolas é notório, ocorrendo por inúmeras razões, destacando-se a falta de tempos e espaços destinados a essas trocas, que deveriam ser providenciados pelos sistemas de ensino.

A concepção dessa ação formativa está ligada à ideia da escola como instância fundamental de emancipação e de propagação de liberdades, tendo como uma de suas funções desenvolver meios junto à comunidade do entorno a fim de transformar as realidades vividas. As articulações entre as unidades escolares em um mesmo território, assim como as ações conjuntas engendradas pelos(as) seus diretores(as) são providenciais para uma rede de apoio mútuo em lócus. Assim, considera-se que, mesmo em contextos de adversidades, coletivos e organizações comunitárias têm uma notável capacidade de propor iniciativas inovadoras e autônomas, no que concerne a alavancar recursos escassos e encontrar alternativas criativas aos desafios, dadas as particularidades locais, territoriais e culturais.

Nessa proposta, do território como lócus de formação, a direção de escola mais uma vez se destaca. Essa abordagem demanda análises sistemáticas dos contextos nos quais as escolas estão inseridas, baseadas na escuta dos atores dentro e fora da escola, ações que podem ser por ela realizadas, com o auxílio dos(as) demais profissionais da escola.

Outro aspecto relevante do curso é que as aprendizagens nas escolas dependem significativamente das influências do meio onde vivem os(as) alunos(as). Suas construções como seres culturais não se desenvolvem naturalmente e os saberes são constituídos em relações e interações específicas. Por isso, é relevante desenvolver um trabalho educativo que respeite as territorialidades, considerando o meio em que historicamente os estudantes se formaram.

Nesse sentido, as atividades escolares devem ser (re)pensadas, considerando as regionalidades e temporalidades de cada contexto escolar. Dessa forma, cada escola pode desenvolver processos de ensino e aprendizagem relativamente autônomos e participativos, sem perder de vista sua interdependência e inter-relação dentro de um território.

Considerações finais

O objetivo do artigo foi analisar ações formativas destinadas a diretores(as) de escola em exercício na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, entre 2013 e 2016, para identificar seus fundamentos e objetivos. A hipótese foi a de que as ações teriam como base os princípios da autonomia e da participação no escopo da gestão democrática e seus objetivos seriam subsidiar e apoiar práticas democráticas nas escolas.

Entendemos que as análises das ações formativas desenvolvidas confirmam essa hipótese, pois indicam que as ações tinham como base os princípios da autonomia e da participação, tanto no que se refere aos conteúdos trabalhados, como às metodologias empregadas. Tratou-se de um processo formativo marcantemente participativo, voltado à superação da dicotomia entre teoria e prática, com a democracia (TORO, 1999) como foco. Todo esse trabalho objetivou a ampliação da autonomia e o empoderamento das equipes gestoras para que pudessem desenvolver essa proposta de educação em suas escolas.

Também em Toro (1999), encontramos uma ideia que corrobora a validade de nossa hipótese e objetivo. O autor prega que a democracia, como cosmovisão, precisa ser ensinada e aprendida e que a escola é um lócus privilegiado para que isso aconteça, por sua abrangência como instituição social. Assim, entendemos que as ações formativas analisadas se coadunam com as seguintes premissas do autor: 1) a democracia precisa ser aprendida pelas equipes escolares e ensinadas a crianças e jovens para se concretizar nas escolas; e 2) é fundamental a aprendizagem da democracia nas escolas para que possa ser nelas vivenciada e praticada.

Entretanto, não podemos deixar de considerar o fato de as ações terem sido relativamente esparsas durante o período estudado, o que pode ter sido desfavorável em relação aos seus potenciais resultados. Foram apenas seis ações em quatro anos, duas delas seminários com oito horas de duração. Dois cursos tiveram 12 horas de duração, um, 16 horas e um único, 32 horas. Somando essas cargas horárias, foram oferecidas 90 horas de formação, o que corresponderia, só em termos de comparação, à carga horária de uma disciplina e meia de um curso de graduação. Tendo em vista este aspecto, fica patente que as ações formativas não foram suficientes para formar equipes gestoras democráticas, ainda que as possibilidades para o desenvolvimento dessa formação possam ter sido aprendidas pelos(as) participantes das ações. Consideramos, assim, que certas temáticas trabalhadas eram bastante complexas e precisariam de um tempo maior para seu devido aprofundamento.

Nesse sentido cabe a reflexão de Snyders (2007), para quem a democratização da educação básica deve ser pensada tanto a longo prazo como imediatamente. Isto é, há que se lutar para que todas as crianças e jovens tenham condições de acesso e permanência nas escolas, mas há também que se mobilizar diariamente, nas salas de aula, para que os(as) estudantes aprendam um pouco mais do que já sabem a cada dia. Este é o que o autor (2007, p. 256) chama de processo de mediação pedagógica, que poderá “[...] propiciar a crescente democratização do ensino escolar”.

Dessa forma, algumas das especificidades das ações merecem destaque, pois revelaram uma postura política muito atenta aos problemas sociais que afetam diretamente a educação escolar, tais como pobreza, racismo, preconceitos e exclusões de toda sorte e as peculiaridades de cada escola. Os conteúdos trabalhados conectados à realidade das escolas da DRE/MP, além de levarem em consideração as funções próprias dos(as) diretores(as), podem ter contribuído para que fosse possível alcançar os objetivos específicos e mais imediatos de cada unidade, tanto em suas ações cotidianas, como no desenvolvimento de um projeto democrático de educação construído com e para os(as) alunos(as) e a comunidade escolar.

A análise das ações demonstrou ainda o esforço de mudança de uma educação escolar a serviço do sistema, baseada na racionalidade instrumental, para uma educação emancipatória, baseada na racionalidade comunicativa (HABERMAS, 2012, 2012a), o que se evidenciou pela importância dada nelas à intersubjetividade, isto é, à construção coletiva de conhecimentos por meio do diálogo igualitário (FREIRE, 1983, 2000).

Essa postura de emancipação e de transformação social estabelecida nas ações formativas está diretamente relacionada à oferta de educação de qualidade social, que para Silva:

[...] é aquela que atenta para um conjunto de elementos e dimensões socioeconômicas e culturais que circundam o modo de viver e as expectativas das famílias e de estudantes em relação à educação; que busca compreender as políticas governamentais, os projetos sociais e ambientais em seu sentido político, voltados para o bem comum; que luta por financiamento adequado, pelo reconhecimento social e valorização dos trabalhadores em educação; que transforma todos os espaços físicos em lugar de aprendizagens significativas e de vivências efetivamente democráticas (SILVA, 2002, p. 225).

Cabe ainda salientar que, ao analisar o ordenamento jurídico que embasa a oferta de educação de qualidade social, Cury (2014) destaca o papel dos direitos humanos, que, nas ações formativas analisadas foram contemplados por meio da sensibilização dos(as) gestores(as) escolares para a compreensão da necessidade de acolher as diferenças entre crianças e jovens nas escolas sem a pretensão de homogeneizá-las, valorizando-as, considerando a diversidade nos PPP e nas práticas pedagógicas cotidianas. Tentaram-se contemplar, nas ações, diversos pertencimentos etnicorraciais e sociais, com a intenção de construir um currículo integrador e emancipatório, considerando a escola como polo de desenvolvimento de cultura, no qual se destacam a autoria e a escuta ativa dos sujeitos sociais.

Esse encaminhamento para a educação básica, indicado pelas ações formativas analisadas, deve levar à construção de uma educação democrática, isto é, justa, para todos, promotora da autonomia e propiciadora da participação social. Os(as) gestores(as) escolares deveriam, assim, ter acesso a ações formativas que proporcionassem condições para que pudessem liderar a “virada do jogo da educação”, isto é, para que pudessem aprender para ensinar e viver a democracia nas escolas, por meio de relações humanizadas. Lamentamos, entretanto, que passados poucos anos das ações formativas em estudo, estejamos assistindo à espetacularização midiática dos problemas das escolas públicas, para os quais as soluções apontadas estão ligadas intrinsicamente a estratégias mercadológicas e repressivas (FREITAS, 2016).

Esperamos, finalmente, que outras ações formativas para os(as) profissionais de educação, em especial direcionadas aos(às) diretores(as), estejam alinhadas às premissas da participação e da autonomia, como ocorreu no município de São Paulo, entre 2013 e 2106. Nossa expectativa é que sejam como as ações estudadas, voltadas à democratização da escola em seu cotidiano, com base na justiça, na liberdade e na igualdade, levando à emancipação de seus atores, oferecendo uma educação escolar de qualidade social para todos(as).

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Recebido: 15 de Agosto de 2019; Aceito: 25 de Setembro de 2019

Profa. Dra. Renata Maria Moschen Nascente

Universidade Federal de São Carlos (Brasil)

Centro de Educação e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Educação

Grupo de Estudos e Pesquisas em Organização Escolar: Democracia, Direitos Humanos e Formação de Gestores

Orcid id: https://orcid.org/0000-0001-9395-3166

E-mail: rmmnascente@gmail.com.br

Prof. Ms. Vagnum Dias da Silva

Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (Brasil)

Grupo de Estudos e Pesquisas em Organização Escolar: Democracia, Direitos Humanos e Formação de Gestores

Orcid id: https://orcid.org/0000-0002-9978-6087

E-mail: vagnumgeo@gmail.com

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