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Revista Educação em Questão

versión impresa ISSN 0102-7735versión On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.58 no.57 Natal jul./sept 2020  Epub 12-Ago-2021

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2020v58n57id22434 

Documento

Marcelo Xavier: a composição literária de narrativas visuais

Marcelo Xavier: the literary composition of visual narratives

Marcelo Xavier: la composición literaria de narrativas visuales

Ludmila Magalhães Naves1 
http://orcid.org/0000-0001-8092-3611

Ilsa do Carmo Vieira Goulart2 
http://orcid.org/0000-0002-9469-2962

1Núcleo de Estudos em Linguagens Leitura e Escrita (NELLE/UFLA)

2Universidade Federal de Lavras (Brasil), Departamento de Educação


A Entrevista cedida por Marcelo Xavier foi realizada por Ludmila Magalhães Naves, cujas perguntas foram formuladas juntamente com a Prof.ª Dr.ª Ilsa do Carmo Vieira Goulart. Marcelo Xavier é publicitário, cenógrafo, escritor, ilustrador e artista plástico. Nasceu na cidade de Ipanema em Minas Gerais e, hoje, reside na capital do estado. Desde 1986, desenvolve o trabalho de ilustração tridimensional, com um total de 21 obras literárias sendo 11 premiadas. A Entrevista, a seguir, foca em duas obras, classificadas como livros de imagens, constituídas com base em esculturas de massinhas e finalizadas por registros fotográficos, ambas premiadas e selecionadas pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE).

1. Marcelo, conte-me um pouco mais sobre você. Como você começou a produzir livros infantis? Como você partiu das artes plásticas para o livro?

Marcelo Xavier: Olá Ludmila, bem-vinda a Belo Horizonte é um prazer enorme conhecê-la ao vivo. O livro infantil entrou na minha vida meio que não foi uma coisa assim... não foi premeditado na verdade. Eu sempre fiz um trabalho de artes visuais, de artes plásticas, sempre tive ateliê e um ateliê bem diversificado, era muito aberto o trabalho de criação no ateliê. E claro, eu sempre desenhei, desde que me entendo por gente e foi sempre um trabalho solto, livre e claro que eu já ilustrava antes algumas coisas, já ilustrei para jornal, já ilustrei para...

2. Você ilustrava utilizando materiais diversos ou você tinha alguma preferência?

Marcelo Xavier: Não, eu usava sempre o desenho convencional, o desenho mesmo, ou com guaxe ou com lápis e nanquim, uma coisa bem convencional. Mas quando surgiu a oportunidade de ilustrar o livro Truques Coloridos, que é o livro da Branca de Paula, ela me convidou, me chamou para ilustrar o livro, eu gostei do texto e primeiro eu fiz uma ilustração convencional, só que o livro...

3. O que seria a ilustração convencional?

Marcelo Xavier: Convencional é o desenho mesmo, figurinhas desenhadas ali, as cenas desenhadas. Branca de Paula apresentou então para a editora e a editora achou que o tema era muito complicado, muito sofisticado para crianças na época, porque é um livro sobre televisão e era um tema realmente inusitado para a literatura infantil. A Branca foi muito feliz neste texto, porém a editora deixou essa obra em banho-maria por cinco anos, parado sem publicação. Então depois de cinco anos a Branca foi ao ateliê e falou: “Olha, a editora resolveu publicar o livro, mas já passou tanto tempo que você deve estar com outras ideias. Você quer mudar alguma coisa?” E por coincidência eu estava realmente já pensando tridimensionalmente. E quando eu retomei o texto, eu percebi que como o texto falava de televisão, eu imaginei as cenas iluminadas com a luz de televisão, imaginei fazer bonecos tridimensionais, jogar uma luz de televisão e o posicionamento do leitor seria a televisão, olhando para a ilustração, quer dizer, então é o que a gente vê nas ilustrações, eles estão sempre olhando para frente. Com a luz da televisão exatamente daqui pra lá, a sombra que é um elemento forte aí deste livro e dessa ilustração e você que trabalha com fotografias sabe disso, não é Ludmila? A luz e a sombra são fundamentais na verdade. Então, como eu pensei isso e pensei em fazer os bonecos... mas boneco você tem boneco tanto do tamanho em escala natural, grandes, quanto no tamanho e material que você quiser também. Então me veio a massinha, que é uma lembrança que estava guardada da infância, de quando eu, em Vitória modelava com barro. A gente tinha uma turma de criança, uma turma muito ativa, que brincava muito na rua e uma das brincadeiras do nosso cardápio, do nosso repertório, era a modelagem com barro. Então, somente depois é que eu tomei consciência de que ali estavam os ancestrais dos bonecos de massinha. Quando eu pensei na massinha, a massinha por si só já traz um tamanho definido, de ser bem pequenininho e o material não é como a argila que você pega um quilo ou dois quilos de argila para modelar, a massinha vem nas caixinhas já coloridinhas. Eu fiz uma cena de um personagem vendo televisão e me impressionou a facilidade que aquela cena saiu e o impacto visual que ela me trouxe. Eu fiz essa cena com as massinhas das minhas filhas, elas já tinham nascido, as duas. Elas estavam dormindo e eu fui lá e surrupiei as massinhas delas, modelei essa cena e esperei elas acordarem para descobrir qual seria o impacto e foi exatamente o que sempre aconteceu com as crianças depois que veem o trabalho de massinha. Então, Eureca! Achei. Apresentamos para a editora a proposta de fazer o livro com ilustração tridimensional em massinha, a editora aprovou, foi um sucesso, o livro ganhou logo de cara um Jabuti de melhor produção editorial. E isso aí me jogou no universo da literatura infantil. Aí veio a proposta do livro O dia a dia de Dadá que aí eu quis fazer um livro de imagens.

4. Foi sua ideia então fazer um livro de imagens?

Marcelo Xavier: Aliás, não, essa foi uma ideia da editora, a editora fez uma Coleção que se chamava “Conte outra vez”, eu fiz um livro com massinha, o Mário Vale fez de papel e o Maurício Veneza fez com aquarela, são livros de imagens, os três, é uma coleção. E aí o livro também teve uma recepção ótima, críticas, foi premiado e caiu no gosto do público. Porque a massinha faz parte do universo infantil, então quando eles veem um material que é do dia a dia deles, tratado de uma forma profissional, vamos dizer assim, eles se encantam. Então, quando eu chegava com a minha presença e fazia alguma coisa ao vivo para eles, fazia oficinas, eles falavam: “gente, mas esse homem barbudo brincando de massinha como se fosse a gente e fazendo essas mágicas com a massinha?!” Então foi uma coisa redonda, sabe como Ludmila? Que me deu muito trabalho pelo Brasil todo e foi assim, um foi puxando o outro, oficinas puxando vendas de livros, livros puxando oficinas e foi aí que eu entrei mesmo de cabeça no universo da literatura infantil.

5. E com relação à sua segunda obra que eu selecionei: Construindo um sonho, ela foi também um convite de uma editora ou você...?

Marcelo Xavier: Não, não, não, Construindo um sonho é outra história. Bom, O dia a dia de Dadá, quando eu recebi a incumbência de fazer um livro de imagens com massinha – porque aí eu já estava definido – e eu subindo a rua lá para ir para o ateliê, no São Pedro, me veio a inspiração de um dia a dia de uma criança, que tivesse essas partes importantes do dia a dia. Eu faria as cenas, modelo as cenas que serão fotografadas e depois vão para a impressão. Quando eu cheguei e eu coloquei tudo no papel – eu faço um esboço antes, um layout do livro - eu senti que aquilo ali estava tudo bem, que ia ser ótimo mesmo, porque aí eu coloquei as cenas que eu pensei no dia a dia de uma criança que eu acho que são importantes, que é o dormir e sonhar, o acordar da realidade, só que quando amanhece o dia e vem a realidade, a realidade é uma realidade que não é realidade, porque o gatinho ele é humanizado, ele vai se pentear na penteadeira. Tem a Dadazinha que é a boneca da Dadá e ela também já é uma ficção, é como se o sonho não acordasse com a realidade, para essa realidade. E isso tudo a criança pesca assim... mas com uma facilidade! Porque criança é isso, mesmo acordada ela está sonhando o tempo todo, ela acorda, mas não acorda totalmente, completamente. E a gente vai acordando na medida que a gente vai ficando adulto, você vai ficando muito realista, muito só funcional e um dos papéis da arte é tirar a gente deste mundo de só funcional e te jogar para uma outra possibilidade de realidade, mais de sonho. E o Construindo um sonho, ele já foi pensado... me veio a inspiração quando estava levando a minha filha caçulinha para a escolinha dela, porque a gente ia a pé de casa para a escola. No caminho tinha uma casa sendo demolida e eu sabia que ali ia ser construído um prédio, então eu comecei a mostrar para ela as etapas. Eu falei: “tá vendo, agora eles vão limpar aqui o terreno, aí vão construir com tijolos, depois vão...”. Aí me veio na hora... porque a construção de uma casa, para mim, é a coisa mais incrível que um ser humano pode fazer, a gente não faz, a gente compra pronta, mas deveria fazer porque é muito forte. Para mim, a pessoa que sabe e consegue construir uma casa, ela é um pouco melhor do que a gente ou muito melhor do que nós que compramos, a gente usa o dinheiro para comprar, mas essa força da construção da própria moradia é genial, então eu respeito muito os pedreiros, os construtores e eles são homenageados no livro. Lá na frente eu acho que eu dedico um pouco isso aí, se não me engano, já tem tanto tempo, mas eu acho que eu dedico a eles essa ação de construir, não é isso?

6.Para os trabalhadores, construtores anônimos de nossas cidades”.

Marcelo Xavier: Porque eles constroem e saem de cena e a gente ocupa simplesmente, a gente usufrui. Então, eu acho um livro muito importante, muito forte por causa disso, por causa do conteúdo que às vezes passa batido, as pessoas não enxergam essa importância de o que é você levantar uma casa. E aí entra, claro, a parte do sonho que é no final, quando a casinha está pronta, ela está voando, que é um sonho de todo mundo, ter uma casa própria e perfeita do jeito que é essa daí, com crianças. Então, é tudo meio sugerido, a presença das crianças com a pipa lá voando, a bicicletinha pendurada ali na casa, com a casa do cachorro, uma árvore cheia de frutas no quintal, isto está tudo sugerido, um varalzinho com roupas mostrando que é uma casa que tem vida, um gato no telhado, bola, boneca, tá vendo? Está tudo aí, está explicitado na verdade.

7. É um final feliz, não é? Com cores...

Marcelo Xavier: É, um final feliz, exatamente.

8. Marcelo, sendo você criador de livros de imagens, histórias narradas e guiadas unicamente por imagens, eu pergunto: quando você está produzindo a ilustração, cada cenário, cada cena, você faz um roteiro escrito com palavras para daí depois você criar as sequências de images? Como é que acontece este processo? Você cria um texto escrito para te orientar?

Marcelo Xavier: Não, eu faço um roteiro direto, fazendo as ilustrações, as imagens desenhadas. Eu não crio texto escrito, este texto vem depois, ele vem oralmente porque aí quando vou contar a história, O dia a dia de Dadá por exemplo, já foi contada milhares de vezes em oficinas para públicos maiores e até para professores, então ele acabou virando um texto oral, sabe como? Mas, eu nunca transcrevi isso para um texto, um texto escrito mesmo. A mesma coisa é o Construindo um sonho que não tem texto nenhum, mas daria um texto, claro que daria, se eu quisesse, mas é legal você deixar a imagem falar por si, porque a imagem ela é aberta, isso que eu falei da importância do tema, da construção por exemplo, ela está implícita ali, quer dizer, a pessoa tem que descobrir essa importância, não é? E O dia a dia de Dadá a mesma coisa, a importância destes momentos que o dia a dia é dividido, o dia de uma criança também tem que ser percebido e isso eu conto oralmente e eles se empolgam porque eu vou mais fundo ainda na fantasia. Na cena por exemplo do sonho, eu falo para eles que quando a gente dorme, os brinquedos todos se mexem, então eles questionam ou não questionam. Uma turma em uma escola, a turma inteira, quando eu contei isso, ela falou, eles sempre aceitaram, mas essa turma falou: “é mentira, é mentira!”. Imagina aquela criançada toda gritando: “é mentira, é mentira!”. Então eu pensei: “isso nunca aconteceu, como é que eu vou fazer agora?”. Aí uma criança levantou o bracinho e falou: “Tio” – nesse tempo eu era tio ainda, tá? – aí ele falou assim: “é verdade, eu já vi!” A turma se calou, quer dizer, ficaram morrendo de inveja do menino, né? Eu falei: “tá vendo, é muito difícil a gente ver os brinquedos se mexerem, você tem que dormir com um olho só, um fica fechado e o outro aberto, é muitíssimo difícil, eu só consegui com 9 anos”. E eu fiquei sustentando aquela fantasia: “porque quando você abre os dois olhos eles fogem e se escondem”. Então eles vão pra casa e depois no outro dia o resultado com os pais: “que história é essa?!” – perguntou um pai para a professora – “...que o menino não queria nem dormir para ver os brinquedos se mexendo!”.

9. Marcelo, agora sobre as fotografias: Em que momento você pensou em transformar, em materializar a sua arte, a sua obra tridimensional, por meio da fotografia? Ou, quando você pensou em incluir a fotografia no processo de criação?

Marcelo Xavier: Pois é, isso aí significou uma abertura para o uso da tecnologia, porque a fotografia é pura tecnologia. Por coincidência, a Branca de Paula que é a autora do texto Truques coloridos ela é fotógrafa também, então quando eu pensei na fotografia, não que eu tenha pensado imediatamente nela não, mas facilitou muito, porque quando eu imaginei as cenas, a cena teria que ser fotografada para ter a possibilidade de impressão, é lógico. Não era uma obra que seria exposta como uma outra obra qualquer, como uma obra de escultura, uma obra tridimensional, ela para se transformar em livro ela teria que ser fotografada, não tinha outro jeito, não tinha outro remédio, outro caminho. Então, quando eu pensei nisso e a Branca é fotógrafa, a gente foi pra casa dela e no quintal ela usou um iluminador poderoso, o melhor do mundo, do universo, que é o sol. No livro Truques coloridos a gente usou a iluminação natural, então o sol era rebatido com isopor, com espelho, o rebatimento da luz. E foi tudo muito precário e artesanal mesmo, não era um estúdio e a sombra ficou essa sombra dura que eu adoro, ela é mais dramática, tem uma carga de dramaticidade muito maior do que se fizesse uma sombra suave toda perfeita, como a maioria dos fotógrafos gostam, mas eu adorei, sabe como? Então, essa aliança com a fotografia, essa parceria, ela é fundamental para esse trabalho tridimensional, tanto que ela me acompanha, me acompanhou em todas as publicações e recentemente, quer dizer, de um tempo pra cá, ainda foi incorporada a tecnologia da computação. E aí a imagem depois volta, vem a computação depois da fotografia, entra agora a computação gráfica, aí a imagem é tratada no computador. E aí é fantástico porque você faz chover se quiser na ilustração, você faz o tempo mudar, você faz ficar escuro, claro, você conserta defeitos da modelagem, de repente é um arame que está aparecendo, que antes não podia, você não tinha outro recurso, a fotografia estava pronta ali, como é que você iria corrigir estes pequenos defeitos? Então é isso, a tecnologia virou uma aliada.

10. No caso das duas obras: O dia a dia de Dadá e Construindo um sonho, você escolheu o mesmo fotógrafo, Gustavo Campos. Qual foi o seu critério de escolha? Você fez alguma exigência? Qual foi essa exigência com relação às fotos e ao resultado?

Marcelo Xavier: Na verdade não, porque o Gustavo entrou como parceiro, porque eu tinha um amigo, o Didi, que é o Waldir Lau, ele era amigo mesmo e era fotógrafo, era o fotógrafo lá no Palácio das Artes, fotógrafo já a bastante tempo. E o Didi começou a trabalhar na obra O dia a dia de Dadá, só que o Didi passou para o Gustavo depois, porque ele não pôde continuar, ou uma coisa assim. E o Gustavo, eu me dei muito bem com ele, ele é um ótimo fotógrafo também e a gente caiu matando nisso aí, teve o sucesso que teve. Os outros trabalhos, uma sequência ele fez e ele continuou fazendo, foi Mitos, o Asa de papel, isso tudo é dele. O Tem de tudo nessa rua já é outro fotógrafo, porque aí teve um intervalo em que o editor tinha uma pessoa para indicar e tudo bem, eu aceitei e fiz com o Luís Fernando, mas depois eu voltei para o Gustavo e o Gustavo me acompanhou muito tempo, muito tempo mesmo, até que depois entrou Eugênio Savio, Silvio Coutinho e aí alguns parceiros assim. E o Construindo um sonho, eu fiz a fotografia lá em São Paulo, a gente pra fazer essa casa voando, essa casa voar, hoje seria uma coisa que qualquer criança faz no computador, você faz um fundo e depois você recorta.

11. Porque é uma obra de 1996, não é?

Marcelo Xavier: É, para você ver como é que a tecnologia ainda era atrasada, porque a gente teve que furar a parede com uma furadeira, botar um ferro, aí botar o isopor ali em cima, porque estava apoiado a casa toda montada, para então ele fazer a foto e um fundo já tudo prontinho, quer dizer, completamente diferente do que seria hoje, do que eu faço hoje nos livros, a gente faz às vezes os elementos todos soltos e depois monta no tratamento de imagens, sabe?

12. Sobre a fotografia, que é o meu instrumento de pesquisa também, com relação ao resultado, qual a importância da fotografia para a concretização das suas obras? Qual a importância dela para você como artista?

Marcelo Xavier: Para o trabalho final, para o livro acontecer, seria impossível se não tivesse a fotografia, impossível, por que como que eu iria chegar no resultado que eu chego? E hoje, em alguns casos, é tão grave essa participação de outra tecnologia que é essa computação gráfica, o tratamento digital, que é impossível fazer alguns efeitos, que eu tenho aí no... não sei se você conhece, As três formigas amigas, livros assim, em que a imagem tem um poder muito forte. O mar revolto ali com as águas que são feitas todas de gel de cabelo, esses elementos são ótimos porque você faz a foto e depois você trabalha aquilo ali. A tecnologia dá uma plasticidade incrível, infinita, você pode fazer o que você quiser, se o técnico é um bom técnico e ainda tem sensibilidade também. Eu me sento do lado dele e vou pedindo, no caso: “Claudinho faz chover, não, mais forte Claudinho, que isso, bota uns raios, sabe como? Essas ondas... o mar tá muito calmo, faz isso ficar mais revolto!” Então ele vai fazendo, quer dizer, é uma aliança hoje que não tem como, é um trabalho de grupo, de equipe, o livro é um trabalho de grupo na verdade, não é como você pintar um quadro ou fazer uma escultura, você faz o livro já sabendo que você tem que contar com aqueles parceiros até o produto final ficar pronto.

13. Marcelo, o sentimento envolvido para ter a ideia, para criar, eu sinto isso em todo momento ao ouvir você contar, você fala das suas filhas... Então me conta um pouquinho deste sentimento, destas emoções que te inspiram, que te inspiraram a criar as duas obras O dia a dia de Dadá e Construindo um sonho. Tem algum sentimento que você se lembre que te motivou a criar essas obras, inspirações, emoções, sensações?

Marcelo Xavier: A matéria prima da arte é o sentimento mesmo, não tem como você fazer arte sem o sentimento, porque aí você não teria esse diferencial, você sair do funcional e entrar no terreno da alma, da coisa inexplicável, da coisa intangível, da coisa que não é matéria, só matéria. É uma coisa que a gente acredita que existe que é uma alma, mas a gente não sabe explicar o que é essa alma, o que é alma, o que é a definição, quando é que ela aparece na hora que você está sendo gerado, quando que ela desaparece quando você morre, mas o certo é que ela te acompanha, esse mistério te acompanha durante a vida, desde o seu nascimento até a morte. E ela é que alimenta a arte e a arte não existe se não for para alimentar essa alma, então isso aí é um pensamento, é um sentimento que me acompanha e que deve acompanhar todos os artistas, você se entrega pra essa... Você faz esse restaurante pra ela, com alimentos, você se propõe a criar alimentos para essa alma, aí vira quase uma obsessão e é uma motivação mesmo, pra se viver. E quando eu caí no universo do infantil eu já vinha com uma bagagem dessa alimentação dos sentimentos desde a infância, lá com meus trabalhos com barro. Quando a gente brinca, a criança já vai fazendo um ensaio do futuro adulto e isso já vinha de lá, sabe como? Trabalhar com a imaginação e... eu vinha de trem, por exemplo, de Vitória, porque eu passei a minha infância em Vitória, de Vitória pra Minas, porque eu passava as férias na fazenda do meu avô em Minas, lá na minha cidade natal Ipanema. Eu vinha na janela e via, eu adorava ficar imaginando uns personagenzinhos pequenos nos barrancos, eu falava: “nossa, e se eu descesse aqui agora e fosse e encontrasse a vila deles, sabe como? No meio do mato, ali”. Isso era a viagem que depois de tudo está aí na obra infantil, nestes livros. Isso mesmo, essa fantasia está aí.

14. Marcelo, há algum assunto que eu não te perguntei e que você gostaria de comentar?

Marcelo Xavier: A gente pode falar um pouco dessa história do livro físico, da matéria. Olha só, porque hoje, surgiu de repente essa polêmica de que o livro físico vai acabar, que hoje tudo está ficando virtual, então o mundo virtual hoje é que é o mundo, que o outro está perdendo o terreno, mas pra mim não existe isso, é incomparável o contato físico, isso que a gente está fazendo aqui, agora, é a presença física da pessoa respirando, vivendo, essa possibilidade teatral do teatro. O teatro é diferente do cinema e do vídeo exatamente por isso, porque você está ali com o ator na sua frente, mas a partir do momento que você fez um vídeo do teatro, ele pode estar contando a mesma história, mas não é a mesma coisa, o ator ali ele está suando, ele está vivo e respirando o mesmo ar que você, ele pode ter um ataque ali e morrer. Essa possibilidade, esse risco da pessoa, da ação ao vivo é diferente de uma ação toda cercada pela tecnologia e preparada e editada. Então o livro físico ele tem isso, ele está ali pronto, é um objeto que faz parte do mundo, um objeto concreto e você tem que respeitar aquele silêncio dele. Quando ele está fechado ele tem essa possibilidade de ter esse silêncio dele, do objeto, porque se você abre o livro, ele fala, agora ele guardado ali dentro daquele objeto, fechado naquela capa é diferente de você dar um clic e ele desaparecer no espaço virtual. Então essa presença do livro objeto na vida, principalmente das crianças, tem essa lição dessa materialidade, de conseguir pegar, cheirar, passar páginas e isso é insubstituível, isso é muito claro para mim.

Recebido: 25 de Junho de 2020; Aceito: 03 de Abril de 2021

Ms. Ludmila Magalhães Naves

Núcleo de Estudos em Linguagens Leitura e Escrita (NELLE/UFLA)

Orcid id: https://orcid.org/0000-0001-8092-3611

E-mail: ludnaves@gmail.com

Prof. Dra. Ilsa do Carmo Vieira Goulart

Universidade Federal de Lavras (Brasil)

Departamento de Educação

Mestrado Profissional em Pós-Graduação

Coordenadora do Núcleo de Estudos em Linguagens Leitura e Escrita (NELLE/UFLA)

Orcid id: https://orcid.org/0000-0002-9469-2962

E-mail: ilsa.goulart@ded.ufla.br

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