SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.58 número58Concepções e práticas docentes: o que dizem as publicações sobre os cursos de Pedagogia a distânciaO Pandemônio de 1918: testemunho de um médico índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.58 no.58 Natal out./dez 2020  Epub 16-Out-2020

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2020v58n58id21428 

Artigos

Pesquisa e formação docente: possibilidades da autoconfrontação

Research and teaching formation: possibilities of self-confrontation

Investigación y formación docente: posibilidades de auto-confrontación

Maria Vilani Cosme de Carvalho1 
http://orcid.org/0000-0002-1675-1808

Wanda Maria Junqueira Aguiar2 
http://orcid.org/0000-0003-0265-9354

Raquel Antonio Alfredo3 
http://orcid.org/0000-0002-3982-3552

1Universidade Federal do Piauí (Brasil)

2Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil)

3Núcleo de Estudos e Pesquisas Histórico-Críticas em Educação e Formação Humana


Resumo

O objetivo deste artigo é defender que a autoconfrontação, sob a mediação da crítica e da autocrítica, pode promover a pesquisa e a formação docente, favorecendo a transformação da prática docente e possivelmente da realidade escolar. O eixo teórico-metodológico é fundamentado no materialismo histórico-dialético, com destaque às categorias singularidade, particularidade e universalidade; ao conceito de vida cotidiana e ao procedimento metodológico da autoconfrontação, este não restrito à produção descritiva da prática docente. Conclui-se que podemos realizar tanto o processo de produção da pesquisa quanto o de formação e de transformação da prática docente, promovendo o encontro do docente com sua própria prática, sob a finalidade de se constituir um novo contexto.

Palavras-chave: Pesquisa e formação docente; Autoconfrontação; Prática docente; Vida cotidiana

Abstract

The purpose of this article is to defend that self-confrontation, under the criticism and self-criticism mediation, can promote research and teacher formation, favoring the transformation of teaching practice and, possibly, school reality. The theoretical-methodological axis is based on historical-dialectic materialism, with emphasis on the singularity, particularity and universality categories; on the concept of daily life and on the methodological procedure of self-confrontation, this not restricted to the descriptive production of teaching practice. We conclude that we can carry out both the production process of research and the formation and transformation of teaching practice, promoting the encounter of the teacher with his own practice, under the purpose of constituting a new context.

Keywords: Research and teacher formation; Self-confrontation; Teaching practice; Daily life

Resumen

El objetivo de este artículo es defender que la auto-confrontación, bajo la mediación de la crítica y la autocrítica, puede promover la investigación y la formación de los profesores, favoreciendo la transformación de la práctica docente y posiblemente de la realidad escolar. El eje teóricometodológico se basa en el materialismo histórico-dialéctico, con énfasis en las categorías de singularidad, particularidad y universalidad; en el concepto de vida cotidiana y en el procedimiento metodológico de autoconfrontación, que no se limita a la producción descriptiva de la práctica docente. Se concluye que podemos llevar a cabo tanto el proceso de producción de la investigación como el de formación y transformación de la práctica docente, promoviendo el encuentro del profesor con su propia práctica, con el fin de constituir un nuevo contexto.

Palabras clave: Investigación y formación de profesores; Auto-confrontación; Práctica de la enseñanza; La vida cotidiana

Introdução

Este artigo é originário da interlocução teórico-metodológica entre as autoras, que o compuseram tendo como referência suas atividades acadêmicoprofissionais. O eixo desta produção é o entendimento sobre a necessidade de, além de pesquisar a realidade escolar e produzir conhecimento sobre ela, comprometermo-nos com a constituição de movimentos de transformação da prática docente. Por isso, defendemos que, mediante a realização de pesquisa, podemos promover processos de formação docente pela autoconfrontação, mediada pela crítica e autocrítica.

A autoconfrontação tem sua origem no campo da ergonomia e foi utilizada por pesquisadores que se dedicavam à pesquisa-intervenção, especialmente ao fomento da criação de meios favoráveis à investigação de questões vitais da atividade trabalho, não acessíveis à observações diretas (CLOT; LEPLÄT, 2005; FAITA; MAGGI, 2007). Pois, ao se promover o encontro do trabalhador com sua própria atividade, previamente gravada em vídeo, se cria um novo contexto de intervenção. Nisso, reside a contribuição da auto-confrontação para a discussão, que pretendemos desenvolver sobre pesquisa e formação docente.

Destacamos que a autoconfrontação foi desenvolvida no bojo de uma teoria desenvolvida por Clot (2006) extremamente rica do ponto de vista teórico-metodológico. Contudo, neste artigo, a ênfase incide na proposta de autoconfrontação como procedimento que pode ser desenvolvido no campo da psicologia histórico-cultural, da pedagogia histórico-crítica e da pesquisa e formação docente. Seguindo esta linha teórico-metodológica de pesquisa, Soares (2011) destaca, com base em Clot (2006), a autoconfrontação simples (sujeito/pesquisador/imagens) e a autoconfrontação cruzada (sujeitos/pesquisador/imagens) como momentos de produção de documentos gravados em vídeo, essenciais à análise da atividade do sujeito da pesquisa.

Retz (2012), na mesma direção de Soares (2011), realizou uma pesquisa com o propósito de formação de estagiárias de pedagogia. Para a autora, a autoconfrontação se mostrou essencial para a produção de críticas e de novas formas de pensar, sentir e atuar. E Brando (2012) se propôs a verificar se a observação e a análise da própria atividade oferecem a possibilidade de se promover o desenvolvimento dos participantes da pesquisa. Sendo que, mais uma vez, a autoconfrontação, fundamentada pelos pressupostos do materialismo histórico-dialético, da psicologia histórico-cultural e da pedagogia histórico-crítica se mostrou potencializadora de movimentos de transformação da prática docente.

As referidas pesquisas constituíram novas reflexões e, também, necessidades nos grupos de pesquisa em que atuamos, dentre elas a urgência em compreender as possibilidades do procedimento de autoconfrontação nos movimentos de formação e transformação dos docentes tornou-se patente. Então, nos propusemos a tarefa de aprofundar a investigação sobre a auto-confrontação como mediação concomitante do processo de pesquisa e de formação docente na escola e, por isso, questões teórico-metodológicas tomaram corpo e se tornaram pauta de nossos debates.

Nosso entendimento é que, para podermos resgatar o procedimento de autoconfrontação com o intuito de gerar movimentos de formação e transformação, devemos nos fundamentar em base conceitual sólida sobre: quem é este indivíduo; como se constitui; como se dão os movimentos de formação e transformação; e, finalmente, como a autoconfrontação pode contribuir para com esse processo.

Assim, neste artigo, sob a finalidade de objetivarmos nossas discussões, sistematizamos nossas proposições teórico-metodológicas em três momentos.

Num primeiro momento, discutiremos o processo dialético de desenvolvimento do indivíduo – singular – que se dá por meio das mediações disponíveis na particular circunstância histórico-social, na relação com o universal – o lastro da produção humano-genérica. Isso, sob mediação das categorias singularidade, particularidade e universalidade (LUKÁCS, 1979; OLIVEIRA, 2005; ALFREDO, 2013), destacando a importância do método.

No segundo, explicitaremos o conceito de vida, segundo Heller (1977), considerando-o essencial à explicação do movimento dialético de constituição do ser humano e da sociedade, mas, dessa feita, de modo a compreender as possibilidades de transformação que podem ser desencadeadas na particular circunstância histórico-social que abrange a escola.

Tendo oferecido, ao leitor, um aprofundamento na compreensão da histórica e recíproca constituição do ser humano e da sociedade, mais especificamente, da realidade escolar, no terceiro, e último momento, defendemos a autoconfrontação como procedimento metodológico, ressaltando que tal procedimento não se restringe à descrição da prática docente, porquanto possa ser objetivado como meio pelo qual seja possível realizar, reciprocamente, tanto o processo de produção da pesquisa quanto o de formação e transformação da prática docente e, possivelmente, o de formação de movimentos de transformação da realidade escolar.

Transformação histórico-social do ser humano: síntese de inúmeras relações

Defender, com base em Marx (2004) e em Vigotski (1989), que o ser humano se apresenta como síntese de inúmeras relações sociais implica-nos com o compromisso de desenvolvermos a análise radical da dialética relação indivíduo e sociedade. Desse modo, recorremos às categorias que, para nós, melhor explicam essa relação: a singularidade, a particularidade e a universalidade (LUKÁCS, 1979; OLIVEIRA, 2005; ALFREDO, 2013), para, então, explicitarmos a defesa de que as pesquisas educacionais podem se constituir como mediação teórico-metodológica na geração de movimentos de formação docente e, possivelmente, de transformação da prática docente e, por conseguinte, da realidade escolar. Por isso, nosso objetivo não se restringe à produção de explanações sobre meios teórico-metodológicos como se fossem encerrados em si mesmo, pois, se assim o fosse, a teoria se reduziria a algo simplesmente ilustrativo, sem valor heurístico, sem potencial explicativo e transformador.

Ao nos referirmos à relação entre indivíduo e sociedade, o primeiro processo de transformação que consideramos é o resultante da superação da condição humana restrita ao âmbito filogenético, à condição de gênero humano. Heller (2000) – tal como Marx (2004) propugnou, em 1844, nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos – defende que o desenvolvimento do gênero humano se efetiva pela mediação do trabalho.

Ressaltamos, também ancoradas em Marx (2004) e Lukács (1979), que o desenvolvimento do gênero humano condensa o processo de superação por incorporação que se dá mediado pelo trabalho, no amplo movimento da totalidade das relações objetivadas entre os seres humanos e seus pares e entre estes e o mundo das coisas naturais e das coisas criadas pelo próprio ser humano.

Para explicitar nosso entendimento sobre o processo histórico de transformação pelo qual nos constituímos como seres humanos, também evocamos a produção de Leontiev (1978) sobre o desenvolvimento das capacidades tipicamente humanas. Corroboramos quando diz que as capacidades humanas não se constituem como resultante de algum tipo de relação imediata do ser humano com a particular circunstância histórico-social, na qual se efetiva sua vida cotidiana, como se fosse um processo natural. Mas, sim, essas capacidades se constituem em um processo pelo qual nos valemos das possibilidades de desenvolvimento histórico-social, que estão contidas como mediações nessa circunstância, como objetivações herdadas de gerações que nos precederam. Essas objetivações condensam, como propriedade ontológica, possibilidades de vir-a-ser.

Com base nas discussões desenvolvidas por Alfredo (2013, p. 22) sobre a dialética apropriação e objetivação e sobre “[...] o processo educativo como meio de ação, como um meio de desenvolvimento recíproco do ser humano e da sociedade [...]”, afirmamos que, para se beneficiar das possibilidades de desenvolvimento contidas na objetividade, no que diz respeito ao conhecimento das propriedades do objeto em questão, o indivíduo necessita da mediação de pares em condição de desenvolvimento mais avançado. Somente desse modo, terá condições de se apropriar das múltiplas determinações constitutivas desse objeto e, poderá objetivá-lo, tal como Marx (2004) os denominou: como órgãos da sua individualidade.

Ressaltamos que o processo educativo geral, isto é, não-formal, cons-tituiu-se historicamente como base para formação da escola, uma das mais importantes instituições que compõem a circunstância histórico-social, na qual e pela qual o ser humano se realiza como sujeito das transformações que sustentam a existência e a sobrevivência do gênero humano. Consideramos, também, que não existe um tipo definitivo de transformação, de superação por incorporação, no que diz respeito ao conjunto das objetivações humano-genéricas. A dialeticidade da realidade garante o movimento incessante de morte do velho e do nascimento do novo, o qual, por seu turno, contém o velho como propriedade sua.

Mas, antes de avançarmos nesta discussão, com propósito didático, explicitamos que Alfredo (2013), com assente nas proposições de Marx (1982; 2004; 2018), bem como nas de Lukács (1979; 2010) e de Oliveira (2005), delimita o particular como campo histórico-social de investigação e, com base no conceito de circunstância defendido por Heller (2000), afirma-o como constituído pelas forças produtivas, pela estrutura social e pelas formas de pensamento. Isto é, como um complexo de posições teleológicas, denominando-o como particular circunstância histórico-social. É nesse campo particular que se efetiva o dialético movimento da mediação das objetivações humano-genéricas em-si e para-si, que constituem reciprocamente o indivíduo e a sociedade.

Heller (1977) afirma que o em-si e o para-si são categorias marxianas tendenciais, isto é, relativas, que só se apresentam em sua forma pura em casos limites. Para a autora, os entes em-si são ontologicamente primários (objetos e costumes cotidianos), já, os para-si são secundários, concernentes à esfera não cotidiana (ciência, arte, política, moral, filosofia). Ressaltamos que o particular só pode ser compreendido pela análise radical da relação do singular com o universal. Sendo essa, a articulação que possibilita a superação do entendimento da relação entre indivíduo e sociedade como imediata, a-histórica e dicotômica.

A categoria singularidade fundamenta a produção de explicações sobre o movimento social que constitui o ser humano como síntese de inúmeras relações. Isso porque, mediante tal categoria, podemos explicar os nexos da singular relação do indivíduo com o lastro de objetivações humano-genéricas para-si. Todavia, reiteramos que essa relação se efetiva mediada por outros indivíduos, seus pares e, simultaneamente, por múltiplas determinações contidas na vida cotidiana.

Enfatizamos que, em processo recíproco ao da constituição do ser humano, constitui-se o movimento dialético de formação da particular circunstância histórico-social, isto é, da sociedade em que efetivamente vivemos. É, pois, com auxílio da categoria particularidade que explicamos as mediações que fazem com que a relação indivíduo e sociedade seja não-imediata e não-dicotômica.

Mediante a realização de pesquisas e teorizações que contemplem as raízes histórico-sociais constitutivas da realidade escolar, entendemos que podemos contribuir para que os docentes, partícipes de nossas pesquisas, em suas relações com seus pares e com as objetivações humano-genéricas para-si, sejam cada vez mais conscientes das múltiplas determinações que os constituem como seres ativos na particular circunstância histórico-social em que vivem.

Por isso, nossa prática tem sido objetivada com a finalidade de que os processos de pesquisas se constituam como meios de promoção da crítica às múltiplas determinações histórico-sociais que constituem a realidade escolar. Isso, considerando a necessidade de que essa crítica seja objetivada como movimento pelo qual, sob a égide do materialismo histórico-dialético, se avance para além da aparência, desvelando o amplo espectro de mediações constitutivas das já referidas determinações.

Defendemos que, pela análise fundamentada no método históricodialético, são alcançadas possibilidades de se elevar conceitual e criticamente as especificidades da realidade estudada e, desse modo, se pode retornar à concreta e particular circunstância com a qual a produção de conhecimento guarda, em si, proposições de sua transformação. Em defesa dessa proposição, recorremos a Vigotski (2000), na afirmação de que o objeto só explicita as especificidades da sua constituição em movimento.

Compreendemos que a análise de qualquer objeto deve ter como pressuposto a consideração do dialético movimento contido em sua gênese histórico-social, posto que seja exclusivamente esse o modo pelo qual se pode apreender a especificidade das múltiplas determinações que lhe conferem a concretude pela qual se apresenta.

Com auxílio de Kopnin (1978), afirmamos que as leis específicas, contidas no movimento de constituição da realidade em estudo, são convertidas em método, em desenvolvimento na cadeia histórico-social de produção do conhecimento sobre as múltiplas determinações objetivadas em certo objeto, processo ou situação. O autor ainda defende que é o método, pelo qual se afirma que as leis da dialética estão contidas no objeto em estudo, que concede a direção do movimento do pensamento, de modo que esse pensamento se constitua com a qualidade de concreto pensado. Temos, assim, as pistas para apreendermos nosso objeto de estudo além de sua aparência.

De Lefebvre (1991), destacamos a premissa em defesa de que a realidade guarda em si a contradição. Assim, podemos afirmar que nenhum objeto, processo ou situação se mantém na realidade como fixo ou imutável. Assim sendo, podemos afirmar que o processo de produção do pensamento, tanto dos docentes de nossas pesquisas como dos pesquisadores, também contém essa propriedade contraditória. No entanto, devemos considerar que essa é uma possibilidade que nem sempre se objetiva de modo a considerar esse movimento. Orientados por Lukács (2018, p. 83), lembramos que: “[...] é inteiramente possível que alguém compreenda e descreva de forma correta os principais pontos de um acontecimento histórico sem que para isso “[...] compreenda sua verdadeira função no interior do conjunto histórico ao qual faz parte”.

Defendemos que, por suas peculiaridades, intencionalidade e fundamentação, o materialismo histórico-dialético, como método, se constitui como mediador da produção do conhecimento que apreende o movimento do real, ao mesmo tempo em que fundamenta questões sobre o aparente e produz sua crítica. Nesse processo, se realiza o domínio consciente das múltiplas determinações que movimentam a produção do pensamento. Então, com o auxílio de Mészáros (2011), ressaltamos que não basta afirmar, genericamente, que o ser humano se constitui como o ator da história, é preciso que as especificidades da própria mudança histórica sejam apreendidas de modo que o complexo relacionamento entre particularidade e universalidade não seja desconsiderado, em sua reciprocidade, no que diz respeito ao sujeito da ação histórica.

Mészáros (2011) também alerta sobre a necessidade de não restringir a investigação ao movimento de buscar somente “saber” como finalidade que se encerra em si mesma, pois é necessário mais do que isso. Defendemos que o conhecimento sobre a realidade estudada retorne a ela mesma como força transformadora, de modo que as atividades desenvolvidas pelos pesquisadores e pelos sujeitos envolvidos não caiam num presenteísmo. Nossa intenção é que, no movimento analítico, as mediações sejam dialeticamente articuladas e compreendidas na relação com a produção humano-genérica, de modo a ampliar as possibilidades humanas de criar condições e projetar ações transformadoras que se efetivem em práxis.

Em face a essa argumentação, compreendemos que seja preciso agir, sobretudo, na consideração de que, pela prática de pesquisa, mediada pela crítica e autocrítica, podemos colaborar para a criação de saltos qualitativos no processo de transformação do modo de sentir, pensar e agir dos partícipes da pesquisa. E, desse modo, talvez possamos promover a formação de movimentos de transformação da própria realidade. Assim, podemos contribuir para que se constitua um processo que tenda à emancipação, considerando a necessidade da formação crítica e do domínio consciente dos múltiplos determinantes do contraditório processo de desenvolvimento omnilateral e de alienação que constitui o ser humano na particular circunstância em que vive.

Considerando o exposto, afirmamos que o movimento de transformações que defendemos para a prática docente não se realiza espontaneamente como movimento natural ou aleatório dos fatos. Ao contrário, esse movimento só poderá resultar, histórica e socialmente, da atividade coletiva e consciente de estudiosos, pesquisadores, docentes e gestores envolvidos no processo educativo que ocorre na escola, sob a mediação de propósitos concretos de intenções mediadas por um constructo teórico-metodológico que vise ao processo de emancipação humana que aponte para um devir.

Como Duarte (1999), defendemos que as pesquisas educacionais encampem, como propriedades constituintes do desenvolvimento do indivíduo, discussões e explicações que contemplem o vir-a-ser, as possibilidades de transformação do modo de sentir, pensar e agir e a formação de perspectivas.

Nessa argumentação sobre a constituição do ser humano como síntese de inúmeras relações, buscando produzir explicações para o questionamento proposto, ou seja, se a autoconfrontação carrega a possibilidade de promover a formação docente e as transformações na prática docente, afirmamos que sim.

Sim, porque o docente, mediante a crítica e a autocrítica, promovidas durante a autoconfrontação, tem a possibilidade de compreender os nexos constitutivos de sua dialética relação com a sociedade e, especificamente, a sua relação com a escola, com seus colegas professores, com seus alunos e, também, com os gestores da escola. Defendemos que, assim, ele poderá ponderar sobre suas condições de existência, bem como, poderá analisar novas possibilidades de desenvolvimento da sua prática docente.

O conceito de vida cotidiana: explicações sobre a realidade social

Para o desenvolvimento desse momento de Heller (1977; 2000), ressaltamos a discussão sobre o conceito de vida cotidiana como meio que favorece a produção de explicações sobre o movimento dialético constitutivo da realidade escolar e, nesse mesmo processo, teorizarmos sobre as possibilidades de sua transformação.

Ao conceituar a vida cotidiana como a esfera que agrega as ativi-dades “[...] que caracterizam a reprodução do homem singular, as quais, por sua vez, criam a possibilidade de reprodução social [...]”, Heller (1977, p. 19) enfatiza que a vida cotidiana é a vida de todo homem, pois não há quem esteja fora dela. É na vida cotidiana que o ser humano encontra possibilidades e, também, impedimentos de objetivar-se além de suas necessidades materiais de existência. E, em atividade, reciprocamente, constitui suas significações, suas capacidades intelectuais e manipulativas, seus sentimentos e paixões e, também, suas ideias e ideologias. Tudo isso, coletivamente, em um movimento histórico-social contraditório, pelo qual do velho surge o novo, não como negação absoluta, mas, sim, como superação por incorporação.

Para Heller (1977, p. 153), a vida cotidiana impõe que cada indivíduo, em situações de impasse “[...] se submeta às aspirações particulares, às exigências do costume”. A vida não cotidiana compõe uma unidade dialética, tendo como base as relações que o indivíduo estabelece com as objetivações humano-genéricas para-si. A ciência, a filosofia, a arte, a moral e a política são objetivações genéricas para-si, voltadas à reprodução do gênero humano, à reprodução da sociedade humana. De tal modo, a finalidade de manter a continuidade da existência humana não se fundamenta tão somente na reprodução das condições primárias de existência.

Apoiados em Heller (1977), defendemos que a vida do indivíduo não se limite à sua cotidianidade, pois, é preciso que toda vida humana tenda à genericidade, ao movimento de constituição para-si, lembrando que esse movimento se realiza mediante a apropriação intencional, consciente, das objetivações humano-genéricas para-si. Nesse processo, o ser humano, coletivamente, movimenta e pode enriquecer o desenvolvimento da sua consciência e, em alguns casos, do gênero humano. Contudo, conforme Duarte (1993), ressaltamos que a formação do ser humano para-si implica, necessariamente, a luta contra a exploração do ser humano pelo próprio ser humano.

Nas possibilidades de seu alcance, a autoconfrontação pode vir a se realizar como um processo mediado pela luta em favor da emancipação humana. Isso, por criar condições favoráveis à promoção da crítica às múltiplas determinações que constituem a particular circunstância histórico-social, na qual o docente vive a sua vida. Bem por isso, reiteramos que esse processo se efetiva coletivamente e vai além da proposição individual de transformação.

É no movimento histórico que, diária e incessantemente, a vida cotidiana é afirmada e negada em suas múltiplas determinações. Pois, nela, são produzidas possibilidades e impossibilidades de desenvolvimento da capacidade de elaboração crítica sobre as múltiplas determinações dos processos histórico-sociais de formação do indivíduo. Isto é, de suas relações e de suas atividades, dentre essas, as de pesquisas, cujo propósito seja o de promover formação e transformação da prática docente.

Na particular circunstância histórico-social, se dá a contradição entre a realização da vida humana restrita à luta pelo provimento das condições primárias, necessárias à manutenção da subsistência, com possibilidade do aprofundamento do processo de alienação e promoção omnilateral do ser humano. Essa contradição forma a base da luta em favor do desenvolvimento dos seres humanos na condição para-si, com domínio consciente das múltiplas determinações que se efetivam em seu modo de sentir, pensar e agir em sociedade, notadamente, em sua relação com os outros seres humanos e com as objetivações humano-genéricas para-si.

Na realidade escolar, o docente, mesmo que esteja especialmente voltado ao atendimento de suas necessidades de sobrevivência, sob determinações alienantes, contraditoriamente, pode sentir, pensar e agir em um movimento que tenda à emancipação. Isto, porquanto também seja mediado pela crítica às múltiplas determinações que o constituem como ser ativo em suas relações com os outros e com a sociedade. Desse modo, esse movimento pode, tender à sua constituição para-si. Ressaltamos, evidentemente, que tal movimento não se realiza por um ato individual, mas, sim, coletivamente.

Das proposições de Heller (1977) sobre a dialeticidade da vida cotidiana, inferimos que as possibilidades de desenvolvimento do ser humano na condição para-si estão adormecidas nas efetivas possibilidades do indivíduo se apropriar das capacidades humanas contidas nas objetivações para-si, produzidas pelas gerações precedentes.

Com base nos postulados de Marx (1982) e de Leontiev (1978), afirmamos que, para que o indivíduo faça das capacidades adormecidas nas objetivações humano-genéricas os órgãos de seu próprio modo de sentir, pensar e agir, deve entrar em relação com essas objetivações, sob a mediação de um par mais desenvolvido, no que diz respeito ao objeto, processo ou situação em questão. E, precisamente, por isso, podemos reiterar que esse processo não é outro, senão, o educativo.

No caso da autoconfrontação, defendemos que o pesquisador tenha amplo domínio teórico-metodológico sobre o tema em questão, a fim de que possa mediar o processo de crítica e autocrítica, considerando o movimento de múltiplas determinações que se efetivam na constituição do indivíduo em sua relação com a sociedade.

Reafirmamos que o desenvolvimento do domínio consciente das múltiplas determinações que constituem o ser humano, isto é, a capacidade de produzir crítica e autocrítica sobre essas determinações, depende das condições materiais de existência, bem como das possibilidades que se tem de apropriação de objetivações humano-genéricas para-si. Por isso, propomos que o campo de pesquisas educacionais tenha, como uma de suas finalidades, a ampliação de possibilidades que favoreçam a apropriação dos docentes de objetivações humano-genéricas para-si, concernentes à abrangência de sua atividade profissional. Ressaltamos, ainda, que, ao analisarmos as possibilidades de desenvolvimento de pesquisa e, ao mesmo tempo, de formação docente, nos importa a necessidade de que não deixemos de considerar as contradições de cada situação específica, que são sempre históricas.

Nossa proposição é a de que a centralidade do planejamento de procedimentos metodológicos de pesquisa e intervenção formativa incida sobre o movimento de transformação, de produção de um novo momento de síntese produzida pelo indivíduo, pois, o participante de pesquisa e, possivelmente, o pesquisador, ao entrar em relação com o novo, pode inaugurar um movimento de negação e de transformação do instituído. Tais momentos podem se constituir em um campo de possíveis catarses, isto é, um campo de tensão, no qual a dialeticidade movimenta reciprocamente pesquisa e formação docente, que pode resultar na transformação do modo de sentir, pensar e agir com relação à própria atividade.

A despeito da categoria catarse não ter mediado amplamente as análises desenvolvidas por Vigotski (1999) e por Heller (1977), destacamos seu valor heurístico, pois favorece a produção de explicações sobre determinados momentos de transformação, que ocorrem nos processos interventivos de formação docente.

Vigotski (1999, p. 270) não se furtou a tomar a reação estética em análise e afirmar que nenhum outro termo – a não ser a catarse – traduz com tanta precisão o fato de que emoções, consideradas como angustiantes e/ ou desagradáveis são “[...] submetidas a certa descarga, à sua destruição e transformação dos sentimentos”.

À proposição anterior, articulamos a seguinte tese: “[...] o próprio pensamento não nasce de outro pensamento, mas do campo de nossa consciência que o motiva, que abrange os nossos pendores e necessidades, os nossos interesses e motivações, os nossos afetos e emoções” (VIGOTSKI, 2000, p. 479).

Destacamos que o autor, concedendo a centralidade da discussão à dimensão afetivo-volitiva, indica a necessidade da consideração dos movimentos de transformações dessa dimensão na produção da síntese do indivíduo, entendido como um agregado de relações sociais, preparando um vasto campo de análise. Dessa maneira, a afetividade é alçada à condição de constituinte do espectro composto pela cognição, pelas necessidades e pelos motivos, o que pode ser especulado em processos formativos, mediados por pesquisas comprometidas com o desenvolvimento da capacidade de produção de crítica e autocrítica, conforme já ressaltamos.

Consideramos que possíveis mudanças ocorridas em processos de pesquisa e formação docente só poderão ser denominadas catárticas caso se expandam em ressonância nas esferas mais diversas da vida, pois devem ser referentes a momentos qualitativamente diferenciados em que a “[...] decisão moral ou [...] assunção das responsabilidades são irreversíveis, não só objetivamente, mas também subjetivamente, postfestum toda [...] vida mudaria. [E, a] hierarquia de valores se ordenaria, agora, sobre a base do valor moral descoberto” (HELLER, 1977, p. 158).

Indicamos a necessidade de aprofundamento no debate acerca da possibilidade de se promover complexos movimentos de transformação em contextos de pesquisa e formação e afirmamos que a catarse pode ocorrer como um momento favorável e contributivo ao processo de ampliação do domínio consciente das múltiplas determinações do processo de constituição de si e da sociedade.

Na medida em que as contradições se manifestem como perturbações e soluções inovadoras, consideramos que os responsáveis pelas intervenções formativas devam orientar-se pela afirmação que tais contradições podem ser consideradas como mudança e desenvolvimento. Portanto, quando defendemos que processos de formação podem ser geradores de superação, corroboramos com Duarte (2001, p. 28) na afirmação de que, no processo de formação, “[...] não se pode permanecer neste primeiro momento, o do conhecimento do que o indivíduo é, mas precisa se posicionar em relação ao vir-a-ser”. Por isso, reiteramos a afirmação de que a realização de pesquisa e de formação docente como processos recíprocos favorece ao pesquisador e aos docentes a ampliação do domínio consciente das múltiplas e contraditórias determinações que os constituem em suas atividades.

Desse modo, evidenciamos que essa argumentação sobre o conceito de vida cotidiana como meio de produção de explicações sobre as especificidades da realidade escolar, da formação e da prática docente, também, responde à seguinte questão: procedimentos metodológicos como a auto-confrontação, quando mediados pela reflexão crítica, além de promoverem formação docente, podem contribuir com a formação de movimentos de transformação da prática docente? Nossa resposta é sim, porque mediante a crítica e a autocrítica, o docente, ao se apropriar de objetivações humano-genéricas para-si, poderá compreender os nexos constitutivos da sua relação dialética com a sociedade, mais especificamente, com a escola. Desse modo, mesmo imerso na cotidianidade, poderá ter momentos de transformação de sua prática docente.

Autoconfrontação: possibilidades de formação e de transformação da prática docente

Nesse terceiro e último momento, reiteramos a autoconfrontação, de acordo com Clot (2006), como procedimento metodológico que não se restringe à produção descritiva sobre a atividade, afirmando-a como procedimento pelo qual se pode realizar, reciprocamente, o processo de produção de pesquisa e o de formação docente. Isso, considerando o materialismo histórico-dialético e a psicologia histórico-cultural como sede teórico-metodológica. Ressaltamos, ainda, que a produção de conhecimento fundamentada nesse aporte teórico implica o compromisso de que a suposta neutralidade da ciência seja, sempre, problematizada, como também o sejam os motivos que movem o pesquisador a escolher este ou aquele procedimento metodológico, pois consideramos que esses são elementos constitutivos da dimensão ética da pesquisa.

As possibilidades de promovermos a crítica e a autocrítica em processos de formação docente pela autoconfrontação se afirmam pelo fato de criarmos condições, segundo Clot (2006), de confronto do participante da pesquisa com a imagem gravada em vídeo de sua atividade, entendida como a atividade real, isto é, atividade realizada. A finalidade de tal proposta é a promoção do pensamento crítico, sempre emocionado, na direção do real da atividade, ou seja, aquela que não corresponde necessariamente ao que se fez, mas às tensões, afetos e pensamentos que a constituem.

O real da atividade é também aquilo que não se faz, aquilo que não se pode fazer, aquilo que se busca fazer sem conseguir – os fracassos -, aquilo que se teria querido ou podido fazer, aquilo que se pensa ou que se sonha poder fazer alhures. É preciso acrescentar a isso – o que é um paradoxo frequente – aquilo que se faz para não fazer aquilo que se tem a fazer ou ainda aquilo que se faz sem querer fazer (CLOT, 2006, p. 16).

Isto posto, chamamos a atenção para a contribuição de Clot (2006) no que se refere à categoria atividade. Para o autor, a atividade não é só o que aparece, é mais do que isso. A atividade real carrega, como elementos constitutivos, múltiplas significações – sentidos e significados – que lhe conferem tensão, compondo o que o autor denomina a real da atividade. Pois, “[...] a atividade é uma prova subjetiva em que cada um enfrenta a si mesmo e aos outros para ter uma oportunidade de conseguir realizar aquilo que deve fazer” (CLOT, 2006, p. 116).

Defendemos, com Aguiar e Davis (2011), que a autoconfrontação favorece a apreensão da atividade além de sua aparência, nas suas contradições e tensões. Por meio dela, é possível a produção de informações mediadoras de movimento de reflexão sobre o modo como sentem, pensam e agem, expressando-os de tal forma que, pela análise, se pode apreender as múltiplas determinações do modo de sentir, pensar e agir.

Considerando a produção de Soares (2011), de Retz (2012), de Brando (2012) e de Carvalho e Aguiar (2013), destacamos que, pela autoconfrontação, temos a possibilidade de promover movimentos de transformação na prática docente. No entanto, esse movimento não se dá ao acaso, mas, sim, intencionalmente, conforme favorecemos a produção da crítica sobre a educação, a escola e a formação docente, bem como, conforme possibilitamos a produção da crítica e da autocrítica sobre a prática docente. Desse modo, o pesquisador poderá favorecer o desenvolvimento da relação consciente do docente com as múltiplas determinações que constituem sua prática docente sob a mediação de sua relação, também consciente, com as objetivações humano-genéricas para-si.

Ressaltamos que o movimento intencional de crítica e autocrítica, possível de ser vivido na autoconfrontação, só ocorrerá se os docentes forem considerados em suas múltiplas determinações, sempre em movimento pleno de contradições, nos momentos de condução das confrontações.

Afirmamos, com base em Mészáros (2011), que ser crítico significa ir radicalmente além da aparência para explicitar e explicar as contradições que constituem os processos em estudo. Seguindo essa proposição, reiteramos que na proposta da autoconfrontação, subsidiada pelo materialismo histórico-dialético, existe a possibilidade de promover a capacidade de reflexão crítica sobre a docência como práxis, isto é, como unidade teoria e prática. Portanto, como prática consciente que unifica a crítica com as possibilidades de transformar o movimento de múltiplas determinações que a constituem.

Para que essa crítica e autocrítica possam ser desenvolvidas, é necessário que o pesquisador intervenha de modo a retomar as questões relevantes que o participante destacou, levando-o a explicar o objetivo de sua atividade, ou seja, o que fez, o que gostaria de fazer, o que fez para não fazer o que deveria ser feito etc., conduzindo-o à reflexão, às ações de reconstrução e transformação do pensamento. Isso requer a consideração de que a crítica e a autocrítica se expandem e podem tomar dimensões que se caracterizam pelo desenvolvimento da relação consciente com o mundo e com suas múltiplas determinações, superando a capacidade de apenas descrever, desenvolvendo a capacidade de também explicar. Isto é, de analisar e interpretar dado fato ou situação, considerando as múltiplas determinações que o constituem na realidade.

Ressaltamos que o processo de desenvolvimento da crítica e da autocrítica envolve várias ações, desde as mais simples até as mais complexas. Entendemos ser preciso criar estratégias para desencadear, em cada uma das ações, a apropriação de objetivações humano-genéricas para-si, relacionadas ao objeto em estudo e, ainda, àquelas que estão além desse objeto. Feito isso, podemos indicar não apenas a possibilidade do desenvolvimento da crítica e da autocrítica quanto à reflexão sobre a atividade executada, mas também sobre a prática docente como prática social.

Considerações Finais

Entendemos que a análise que realizamos das pesquisas que empregaram a autoconfrontação sob a ótica dessa teorização confirma a tese de que esse procedimento metodológico não se reduz à produção descritiva da realidade. Isso porque pode se tornar um meio de promoção do processo de formação docente, com possibilidades de transformar as relações do docente (singular) com a sua condição particular de existência na prática docente (particular) e com as suas objetivações humano-genéricas, sobretudo, aquelas pertencentes ao campo educacional (universal), contribuindo para sua constituição na condição para-si, com a mediação das categorias singularidade, particularidade e universalidade.

Foi também sob mediação do materialismo histórico-dialético, em especial o conceito de vida cotidiana, como meio que favorece a produção de explicações sobre o movimento dialético constitutivo da realidade escolar, que afirmamos que a promoção do movimento do pensamento na autoconfrontação pode se qualificar como produção de crítica e autocrítica, pois, objetiva mediações sobre a realidade histórica que avançam além da atividade realizada. Mas é preciso que o pesquisador conduza o processo, considerando duas necessidades formativas: a apropriação das objetivações humano-genéricas para-si e o desenvolvimento das reflexões que contribuam para o domínio consciente das múltiplas determinações que o constituem em sua relação com a sociedade.

O desenvolvimento das sessões de autoconfrontação é uma proposta de formação docente que rompe com o modelo de Donald Schön de refletirna-ação e sobre a reflexão-na-ação, pois avança em defesa da formação docente na condição para-si, rompendo com a proposição da reflexão como um fim em si mesmo. É, portanto, um meio pelo qual os participantes podem entender, apropriar-se, criticar e autocriticar-se e, ainda, enfrentar os desafios da estrutura sociopolítica que impedem a consecução do objetivo mais nobre da educação: o desenvolvimento omnilateral do ser humano.

Em síntese, reiteramos a autoconfrontação como procedimento metodológico com várias possibilidades heurísticas, porque a promoção da reflexão pode se firmar como possibilidade na qual o participante tem favorecidas as condições de criticar e de autocriticar-se em sua prática, considerando que são múltiplas as suas determinações. Assim, coletivamente, pode conscientemente interpretar e considerar possíveis mudanças em seu modo de pensar, de sentir e de agir como docente, buscando realizar a práxis educativa.

Pelo exposto até aqui, além da possibilidade de promover pela autoconfrontação a crítica e a autocrítica na formação docente do participante da pesquisa e na produção do conhecimento acerca desse processo, reafirmamos o caráter ativo do pesquisador. Desse modo, a condução das confrontações deve ter um rumo claro, o questionamento sobre a atividade do participante, em um movimento em que a opacidade do real deve ser superada e as contradições, explicitadas, enfim, em que as determinações histórico-sociais ganhem centralidade na análise. Essas são as possibilidades da autoconfrontação, favorecer movimentos de transformação da prática docente e possivelmente da realidade escolar.

Referências

AGUIAR, Wanda Maria Junqueira de; DAVIS, Claudia Lemes Ferreira. Significados e sentidos no contexto escolar. Linguagens, Educação e Sociedade, Teresina, n. 25, p. 183-196, jul./dez. 2011. Disponível em http://ufpi.br/arquivos_download/arquivos/ppged/arqui-vos/files/les25.pdf. Acesso em: 17 nov. 2019. [ Links ]

ALFREDO, Raquel Antonio. Análise da pedagogia de Makarenko por Lukács e a relação entre o processo educativo e o desenvolvimento histórico-social do ser humano: contribuições à Psicologia Sócio-Histórica. 2013. 340f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/han-dle/16109. Acesso em: 22 nov. 2019. [ Links ]

BRANDO, Maria Fourpome. Análise da atividade docente: em busca dos sentidos e significados constituídos pelo professor acerca das “dificuldades de aprendizagem”. 2012. 259 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/16044. Acesso em: 18 nov. 2019. [ Links ]

CARVALHO, Maria Vilani Cosme de; AGUIAR, Wanda Maria Junqueira de. Autoconfrontação: narrativa videogravada, reflexividade e formação do professor como ser para si. In. MAIA, Helenice; FUMES, Neiza de Lourdes Frederico; AGUIAR, Wanda Maria Junqueira de (org.). Formação, atividade e subjetividade: aspectos indissociáveis da docência. São Paulo: Marsupial Editora, 2013. (E-book). Disponível em: http://marsupialeditora.com.br/down-load/formacaoatividadeesubjetividade.pdf. Acesso em: 29 out. 2019. [ Links ]

CLOT, Yves. A função psicológica do trabalho. Tradução Adail Sobral. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2006. [ Links ]

CLOT, Yves; LEPLAT, Jacques. La méthode clinique en ergonomie et en psychologie du travail. Le Travail Humain, v. 68, n. 4, p. 289-316, 2005. Disponível em: https://doi.org/10.3917/th.684.0289 . Acesso em: 2 fev. 2020. [ Links ]

DUARTE, Newton. A Individualidade para-si: contribuições a uma teoria histórico social da formação do indivíduo. Campinas: Autores Associados, 1993. [ Links ]

DUARTE, Newton. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 1999. [ Links ]

DUARTE, Newton. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2001. [ Links ]

FAÏTA, Daniel; MAGGI, Bruno (org.). Un débat en analyse du travail: deux méthodes em synergie dans l'étude d'une situation d'enseignement. Toulouse: Octarès, 2007. [ Links ]

HELLER, Agnes. Sociologia de la vida cotidiana. 4. ed. Barcelona: Península, 1977. [ Links ]

HELLER, Agnes. Cotidiano e história. Tradução Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2000. [ Links ]

KOPNIN, Pável Vasílievich. A dialética como lógica e teoría do conhecimento. Tradução Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. [ Links ]

LEONTIEV, Alexis Nikolaevich. O desenvolvimento do psiquismo. Tradução Manuel Dias Duarte. Lisboa: Livros Horizonte, 1978. [ Links ]

LEFEBVRE, Henri. Lógica formal/lógica dialética. 5. ed. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. [ Links ]

LUKÁCS, György. Ontologia do ser social. Tradução Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1979. [ Links ]

LUKÁCS, György. Prolegômenos para uma ontologia do ser social: questões de princípios para uma ontologia hoje tornada possível. Tradução Lya Luft e Rodnei Nascimento. São Paulo: Boitempo, 2010. [ Links ]

LUKÁCS, György. História e consciência de classe: estudo sobre a dialética marxista. Tradução Rodnei Nascimento. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2018. [ Links ]

MARX, Karl Heinrich. O capital: crítica da economia política. Tradução Reginaldo Sant'Anna. 7. ed. São Paulo: Difel, 1982. [ Links ]

MARX, Karl Heinrich. Manuscritos econômico-filosóficos. Tradução Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2004. [ Links ]

MARX, Karl Heinrich. Teses sobre Feuerbach. E-book. (Edição Ridendo Castigat Mores). Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/feuerbach.pdf. Acesso em: 4 nov. 2018. [ Links ]

MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. Tradução Paulo Cezar Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo, 2011. [ Links ]

OLIVEIRA, Betty Antunes. A dialética do singular-particular-universal. In: ABRANTES, Angelo Antonio; SILVA, Nilma Renildes da; MARTINS, Sueli Terezinha Ferreira (org.). Método histórico-social na psicologia. Petrópolis: Vozes, 2005. [ Links ]

SOARES, Júlio Ribeiro. Atividade docente e subjetividade: sentidos e significados constituídos pelo professor acerca da participação dos alunos em atividades de sala de aula. 2011. 328 f. Tese (Doutorado em Educação ) – Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/15990. Acesso em: 23 nov. 2019. [ Links ]

RETZ, Raquel de Godoy. Aautoconfrontaçãocomo possibilidade de reflexão e movimento nas atividades de docência: um estudo sobre os estágios. 2012. 199f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/16028. Acesso em: 9 nov. 2019. [ Links ]

VIGOTSKI, Lev Semiónovitch. Psicologia da arte. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1999. [ Links ]

VIGOTSKI, Lev Semiónovitch. Concrete human Psychology. Tradução Enid Abreu Dobránszky. Soviet Psychology, v. 17, n. 2, 1989. Disponível em: https://doi.org/10.2753/RPO1061-0405270253. Acesso em: 22 jan. 2020. [ Links ]

VIGOTSKI, Lev Semiónovitch. A construção do pensamento e da linguagem. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2000. [ Links ]

Recebido: 20 de Junho de 2020; Aceito: 17 de Agosto de 2020

Profa. Dra. Maria Vilani Cosme de Carvalho

Universidade Federal do Piauí (Brasil)

Departamento de Fundamentos da Educação

Programa de Pós-Graduação em Educação

Núcleo de Estudos e Pesquisas Histórico-Críticas em Educação e Formação Humana

Orcid id: https://orcid.org/0000-0002-1675-1808

E-mail: vilacosme@ufpi.edu.br

Profa. Dra. Wanda Maria Junqueira Aguiar

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil)

Programa de Pós-Graduação em Educação: Psicologia da Educação

Grupo de Pesquisa Atividade Docente e Subjetividade

Orcid id: https://orcid.org/0000-0003-0265-9354

E-mail: iajunqueira@uol.com.br

Profa. Dra. Raquel Antonio Alfredo

Grupo de Pesquisa Atividade Docente e Subjetividade e Núcleo de Estudos e Pesquisas Histórico-Críticas em Educação e Formação Humana

Orcid id: https://orcid.org/0000-0002-3982-3552

E-mail: raquel.antonio@hotmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution NonCommercial, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que sem fins comerciais e que o trabalho original seja corretamente citado.