Introdução
As pessoas com deficiência ou necessidades especiais foram negligenciadas pelas práticas educativas durante muito tempo (NUNES; SAIA; TAVARES, 2015). Ao considerarmos somente as pessoas com deficiência registradas no último censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, os habitantes brasileiros com deficiência somavam 12,5 milhões em 2010, correspondendo a 6,7% da população. O IBGE define “pessoa com deficiência” como aquela que tem pelo menos muita dificuldade em uma ou mais das seguintes deficiências: sensorial (visual e/ou auditiva), motora (caminhar ou subir degraus) e mental/intelectual (dificuldade em realizar atividades habituais). Essa definição é padronizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 1989).
Ao considerar a população brasileira entre 4 e 17 anos na idade escolar obrigatória estabelecida pela Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013 (BRASIL, 2013) com pelo menos uma das deficiências registradas pelo IBGE, havia em 2010 cerca de 1,2 milhões de crianças e adolescentes com deficiência (IBGE, 2012). O IBGE projetou para 211,8 milhões de habitantes a estimativa da população brasileira em 2020, o que representa 11% de crescimento em comparação a 2010 (IBGE, 2021a). Assumindo que a parcela da população com deficiência aumentou na mesma proporção, em 2020 seriam cerca de 1,3 milhões de crianças e adolescentes com deficiência em idade escolar obrigatória.
A legislação brasileira que trata da educação especial é vasta, principalmente a partir da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996; SALVINI; PONTES; RODRIGUES; SILVA, 2019). A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEE se destaca como importante marco da educação especial brasileira, aprofundando as diretrizes sobre o tema (BRASIL, 2008). A PNEE considera a educação especial como modalidade de ensino complementar e transversal a todas as etapas e níveis de formação, e define como seu público-alvo os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. Os maiores avanços da PNEE são o reconhecimento do direito dos alunos com necessidades educacionais especiais – NEE a aprender a partir de suas capacidades e a integração da educação especial na proposta pedagógica da escola de ensino regular, incentivando a inclusão dos alunos em classes regulares. O Plano Nacional de Educação – PNE para o período de 2014 a 2024 estabelece que o acesso à educação básica e ao atendimento especializado para alunos da educação especial deve ser preferencialmente na rede regular de ensino, mas não exclui classes ou escolas especiais, por exemplo (BRASIL, 2014).
Para se analisar a educação especial como modalidade de ensino e o atendimento aos alunos com NEE, é preciso compreender as disposições legais sobre o atendimento educacional especializado – AEE. A Resolução CNE/CEB nº 4, de 2 de outubro de 2009 (BRASIL, 2009) institui as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica. Segundo o texto da Resolução, o AEE tem como funções identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos no processo de ensino e aprendizagem, considerando suas necessidades específicas. A oferta do AEE deve constar no projeto pedagógico da escola de ensino regular, prevendo: i) organização da sala de recursos multifuncionais (espaço físico, mobiliários, materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos específicos); ii) matrícula do aluno no AEE; iii) plano do AEE com identificação das necessidades educacionais específicas dos alunos e planejamento de atividades; iv) docente para o AEE e demais profissionais da educação (tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais, guia-intérprete e pessoal de apoio às atividades de alimentação, higiene e locomoção dos alunos com necessidades específicas); e v) articulação entre docentes do AEE e do ensino regular. Entretanto, a implementação entre o que está previsto na legislação e o funcionamento efetivo do AEE nas escolas regulares não é fácil, conforme descrito por Pletsch (2012). Segundo a autora, as dificuldades perpassam a falta de acessibilidade arquitetônica e de recursos físicos, financeiros, logísticos e humanos qualificados para o AEE, a superlotação de salas de AEE e a falta de integração entre AEE e ensino regular.
Desde a promulgação da LDB, em 1996, há a previsão legal para a oferta de educação especial no ensino regular. No entanto, não há obrigatoriedade de todas as escolas da rede pública manterem ao menos uma sala de AEE em suas dependências. A legislação permite que o aluno com NEE matriculado no ensino regular de uma determinada escola seja atendido pelo AEE de outra escola ou em instituição comunitária, confessional ou filantrópica sem fins lucrativos conveniada com o poder público para esse atendimento (BRASIL, 1996; 2009). No ensino regular, o AEE é realizado no contraturno escolar. Qualquer escola, pública ou particular, que negar matrícula a um aluno com necessidade especial comete crime punível com reclusão, de acordo com a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989 (BRASIL, 1989).
Este estudo tem como objetivo realizar um diagnóstico quantitativo sobre o atendimento aos alunos com NEE na rede pública de ensino (municipal e estadual) do estado do Rio de Janeiro, baseado em dados oficiais disponíveis do IBGE e do Censo Escolar do Instituto Nacional de Pesquisa Educacional Anísio Teixeira – INEP, vinculado ao Ministério da Educação – MEC. A partir da análise do cenário estadual, é possível fazer recomendações para o desenvolvimento da gestão educacional voltada à educação especial.
Números da educação no Rio de Janeiro
O estado do Rio de Janeiro (RJ) se localiza na região sudeste do Brasil e é dividido em 92 municípios que representam menos de 2% do total de municípios brasileiros (5.570). Os dados do IBGE posicionam o Rio de Janeiro como o terceiro estado mais populoso (>17.000.000 habitantes em 2020), a segunda maior economia (>12% Produto Interno Bruto – PIB), o terceiro maior rendimento mensal domiciliar per capita (R$ 1.882,00, em 2019) e o quarto maior Índice de Desenvolvimento Humano – IDH (0,761, em 2010) do país (IBGE, 2021b). O IDH é uma medida adotada pela Organização das Nações Unidas que varia de 0 a 1 e considera educação, longevidade (saúde) e renda como dimensões do desenvolvimento humano (HAQ, 1995; PNUD, 2013). O IDH do Rio de Janeiro é classificado como médio (entre 0,500 e 0,799), mas o IDHM (variação aplicada aos municípios) é muito variável: Niterói, com 0,837 (alto), é o primeiro do Rio de Janeiro e o sétimo do Brasil, enquanto Sumidouro, com 0,611 (médio), é o último no Rio de Janeiro e o 3.884 no país 3.884º do País (IBGE, 2021b).
Apesar do Rio de Janeiro estar à frente da maior parte dos 27 estados brasileiros em relação a métricas econômicas, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB é mais baixo que a maioria. O IDEB é uma iniciativa do INEP que, desde 2007, mede bienalmente a qualidade do aprendizado nacional e estabelece metas para o desenvolvimento do ensino. Essa qualidade é aferida pelos resultados de desempenho dos alunos em provas de língua portuguesa e matemática e pelo fluxo escolar (ou taxa de aprovação), convertidos em nota de 0 a 10. De acordo com os resultados do IDEB 2019, o Rio de Janeiro ocupou a 16ª posição nacional para os anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) (IDEB= 5,4), e a 19ª posição para os anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) (IDEB= 4,4) (INEP, 2019a). As metas do IDEB são diferenciadas para cada rede de ensino e escola, mas pretende-se uma contribuição conjunta de estados, municípios e escolas para que o Brasil chegue à meta 6,0 em 2022. Esse valor corresponde ao patamar educacional dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (INEP, 2019b).
Os dados do Censo Escolar registraram 11.242 escolas no Rio de Janeiro em 2019, o que representou 6% das escolas de educação básica no Brasil (INEP, 2019c). Dentre essas escolas, 6.548 (58%) eram da rede pública de ensino. Cerca de 99% das escolas públicas do Rio de Janeiro pertencem as redes municipal e estadual. Em 2019, essas escolas contabilizaram a matrícula de cerca de 2,2 milhões de alunos no ensino regular distribuídos na educação infantil (creche e pré-escola), ensino fundamental (57% do total de matrículas), ensino médio e Educação de Jovens e Adultos – EJA. Mais de 99% das matrículas nos anos iniciais do ensino fundamental na rede pública de ensino do Rio de Janeiro foram em escolas municipais, e nos anos finais esse percentual é cerca de 74%. Na educação especial, foram registradas cerca de 62 mil matrículas distribuídas pelas mesmas etapas de formação indicadas acima, mas com percentual maior no ensino fundamental (75%) com 51% nos anos iniciais. Segundo dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica (2020), os números da distribuição escolar no Rio de Janeiro em 2019 ao longo das etapas de formação e modalidades de ensino se assemelham aos do restante do Brasil, principalmente quanto à maior concentração de matrículas no ensino fundamental.
O Censo Escolar apresenta dados de infraestrutura das escolas e contabiliza as salas de AEE e as condições de acessibilidade arquitetônica, tais como a presença de dependências e sanitários acessíveis a pessoas com deficiência. Em 2019, dentre as 5.198 escolas da rede municipal do Rio de Janeiro, 35% (1.809 escolas) registraram sala de AEE, enquanto na rede estadual apenas 10% (123 escolas) mantinham salas de AEE. Já as condições de acessibilidade foram inversas: 57% e 62% das escolas estaduais declararam ter dependências e sanitários acessíveis, respectivamente, enquanto esses percentuais foram mais baixos nas escolas municipais (42% e 48%, respectivamente).
O fato de a rede municipal ser a principal responsável pelo ensino fundamental e as matrículas na educação especial estarem concentradas nessa etapa da educação básica explica a maior quantidade de salas de AEE em escolas municipais. Isso reforça que os levantamentos e as propostas de gestão da educação estadual relacionadas à educação especial devem obrigatoriamente considerar a compreensão da realidade de cada município.
Metodologia
As principais questões do estudo foram: i) avaliar se há relação entre os índices de desenvolvimento (IDHM e IDEB) e a atenção que as escolas da rede pública do Rio de Janeiro dedicam aos alunos com NEE; e ii) avaliar se há variação nessa atenção devido à localização ou número de habitantes do município. Neste estudo, a medida de atenção aos alunos com NEE foi definida como o total de matrículas na educação especial dividido pelo total de salas de AEE disponíveis, gerando um valor de densidade de alunos com NEE por sala de AEE em cada município. Para esse cálculo, consideramos os dados do Censo Escolar que indicam somente uma sala de AEE em cada escola que oferta esse tipo de atendimento. Portanto, quanto menor for o valor da densidade maior é a atenção dispensada aos alunos com NEE, pois quanto menos alunos frequentam as salas de AEE mais individualizado é o seu atendimento, conforme preconizado pelas diretrizes da educação especial.
O estudo aplicou métodos quantitativos e estatísticos para análise dos resultados e considerou o somatório dos dados do Censo Escolar 2019 das escolas da rede pública (municipal e estadual), urbanas e rurais, sediadas em cada município do Rio de Janeiro. Os dados se referem ao número de matrículas na educação especial e ao número de salas de AEE. A seleção do Censo Escolar 2019 foi baseada no fato de ser o mais recente e completo na base de dados aberta do INEP quando o levantamento para este estudo foi realizado (dezembro de 2020) (INEP, 2020). Houve consulta complementar ao portal QEdu (QEdu, 2021) para confirmação de dados sobre infraestrutura escolar. O QEdu é um portal aberto e gratuito que reúne dados e indicadores educacionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP para auxiliar na gestão escolar. A quantidade de matrículas na educação especial em cada município foi o somatório das matrículas na creche, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio (incluindo o ensino médio integrado e normal magistério) e na EJA (incluindo ensino fundamental e médio, incluindo EJA integrada à educação profissional), considerando escolas especiais, classes especiais e incluídos.
Para avaliar a primeira questão do estudo (relação entre os índices de desenvolvimento e a atenção dedicada aos alunos com NEE), os municípios foram considerados individualmente. O IDHM está disponível apenas sobre 2010, segundo dados do IBGE (IBGE, 2021b). Os valores do IDEB de cada município se referiram aos anos iniciais (AI) e finais (AF) do ensino fundamental em 2019 (INEP, 2019a). A escolha dessas etapas de formação escolar se justifica por concentrarem a maior parte das matrículas no ensino regular e na educação especial. De posse de cada um dos índices por município, as análises estatísticas foram realizadas no programa computacional R (R CORE TEAM, 2020). Para responder à primeira questão, regressões lineares foram realizadas considerando os índices IDHM e IDEB (AI e AF) como preditores da atenção dedicada aos alunos com NEE. As regressões foram reportadas graficamente junto aos seus intervalos de confiança de 95% ou textualmente através do coeficiente de determinação da regressão (R2), que varia de 0 a 1. Valores de significância (valores de p) foram calculados e testaram a hipótese nula de que não há associação entre a atenção dedicada aos alunos com NEE e os índices supracitados. Assumindo 95% de certeza, valores de p acima de 0,05 (p > 0,05) foram considerados como suporte estatístico para a hipótese nula de não-associação. Os dados da atenção dedicada aos alunos com NEE foram transformados em logaritmo para atender às premissas da regressão linear (linearidade, homocedasticidade e normalidade), conforme sugerido por uma função de verossimilhança máxima (VENABLES; RIPLEY, 2002). As regressões foram validadas utilizando-se gráficos com diagnósticos (ALTMAN; KRZYWINSKI, 2016).
Para a segunda questão do estudo (variação na atenção dedicada aos alunos com NEE devido à localização ou número de habitantes), considerou-se os municípios agrupados por Região de Governo e Porte SUAS (Sistema Único de Assistência Social), conforme indicado no quadro 1. Região de Governo é a nomenclatura utilizada pelo governo do Rio de Janeiro para definir as regiões que orientam suas ações com o objetivo de desenvolver os municípios e melhorar as condições de vida dos habitantes. O Sistema Único de Assistência Social – SUAS é o modelo de gestão utilizado no Brasil para operacionalizar as ações de assistência social, classificando os municípios quanto ao porte. Os municípios são classificados em pequeno I, com população até 20.000 habitantes; pequeno II, entre 20.001 a 50.000; médio, entre 50.001 a 100.000; grande, entre 100.001 a 900.000; e metrópole, superior a 900.000. Para responder à segunda questão, foram realizadas duas análises de variância (ANOVA): a primeira utilizou a Região de Governo como variável preditora da atenção dedicada aos alunos com NEE, e a segunda utilizou o Porte SUAS. Em ambos os casos, a estatística F foi calculada considerando os graus de liberdade da variável preditora (X) e dos resíduos da ANOVA (Y), sendo reportada como FX,Y. O valor da estatística F foi utilizado para calcular os valores de p que assumiram a mesma hipótese nula e nível de confiança descritos anteriormente. A transformação matemática e o método de validação descritos para a primeira pergunta foram aqui aplicados.
Agrupamentos | Municípios | |
---|---|---|
Região de Governo | Baixada Litorânea (10 municípios) | Araruama, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Casimiro de Abreu, Iguaba Grande, Rio das Ostras, São Pedro da Aldeia, Saquarema, Silva Jardim. |
Centro-Sul Fluminense (10 municípios) | Areal, Comendador Levy Gasparian, Engenheiro Paulo de Frontin, Mendes, Miguel Pereira, Paraíba do Sul, Paty do Alferes, Sapucaia, Três Rios, Vassouras. | |
Costa Verde (3 municípios) | Angra dos Reis, Mangaratiba, Parati. | |
Médio Paraíba (12 municípios) | Barra do Piraí, Barra Mansa, Itatiaia, Pinheiral, Piraí, Porto Real, Quatis, Resende, Rio Claro, Rio das Flores, Valença, Volta Redonda. | |
Metropolitana (22 municípios) | Belford Roxo, Cachoeiras de Macacu, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, Queimados, Rio Bonito, Rio de Janeiro, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica, Tanguá. | |
Noroeste Fluminense (13 municípios) | Aperibé, Bom Jesus do Itabapoana, Cambuci, Italva, Itaocara, Itaperuna, Laje do Muriaé, Miracema, Natividade, Porciúncula, Santo Antônio de Pádua, São José de Ubá, Varre-sai. | |
Norte Fluminense (9 municípios) | Campos dos Goytacazes, Carapebus, Cardoso Moreira, Conceição de Macabu, Macaé, Quissamã, São Fidélis, São Francisco de Itabapoana, São João da Barra | |
Serrana (13 municípios) | Bom Jardim, Cantagalo, Carmo, Cordeiro, Duas Barras, Macuco, Nova Friburgo, Santa Maria Madalena, São José do Vale do Rio Preto, São Sebastião do Alto, Sumidouro, Teresópolis, Trajano de Morais. | |
Por te SUAS | Pequeno I (27 municípios) | Aperibé, Areal, Cambuci, Cantagalo, Carapebus, Cardoso Moreira, Carmo, Comendador Levy Gasparian, Duas Barras, Engenheiro Paulo de Frontin, Italva, Laje do Muriaé, Macuco, Mendes, Natividade, Porciúncula, Porto Real, Quatis, Rio Claro, Rio das Flores, Santa Maria Madalena, São José de Ubá, São Sebastião do Alto, Sapucaia, Sumidouro, Trajano de Moraes, Varre-sai. |
Pequeno II (28 municípios) | Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Bom Jardim, Bom Jesus do Itabapoana, Casimiro de Abreu, Conceição de Macabu, Cordeiro, Iguaba Grande, Itaocara, Itatiaia, Mangaratiba, Miguel Pereira, Miracema, Paracambi, Paraíba do Sul, Parati, Paty do Alferes, Pinheiral, Piraí, Quissamã, Santo Antônio de Pádua, São Fidélis, São Francisco de Itabapoana, São João da Barra, São José do Vale do Rio Preto, Silva Jardim, Tanguá, Vassouras. | |
Médio (11 municípios | Barra do Piraí, Cachoeiras de Macacu, Guapimirim, Itaperuna, Japeri, Rio Bonito, São Pedro da Aldeia, Saquarema, Seropédica, Três Rios, Valença. | |
Grande (24 municípios) | Angra dos Reis, Araruama, Barra Mansa, Belford Roxo, Cabo Frio, Campos Dos Goytacazes, Duque de Caxias, Itaboraí, Itaguaí, Macaé, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Friburgo, Nova Iguaçu, Petrópolis, Queimados, Resende, Rio das Ostras, São João de Meriti, Teresópolis, Volta Redonda. | |
Metrópole (2 municípios | Rio de Janeiro, São Gonçalo. |
Fonte: IBGE, 2021; FESP, 2021.
Para avaliar a adequação da atenção dedicada aos alunos com NEE, utilizou-se como valor comparativo o estudo de Pletsch (2012). A autora avaliou 13 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro por meio de entrevistas com gestores escolares e dados do Censo Escolar 2010 e constatou a ocupação de 25 alunos em média na sala de AEE das escolas públicas, definindo esse valor como “superlotação”. A partir disso, este estudo arbitrou que metade do valor pode ser sugerido como “recomendado”, ou seja, 12,5 alunos com NEE por sala de AEE. No Brasil não há legislação definitiva sobre o número máximo de alunos por turma nas escolas regulares da educação básica, nem nas salas de AEE das escolas.
Resultados e Discussão
A relação entre a densidade de alunos com NEE por sala de AEE e os índices IDHM e IDEB, considerando os municípios do Rio de Janeiro, não foi significante para nenhum dos modelos de regressão ajustados (IDHM: R2 < 0,01, p= 0,66; IDEB AI: R2 < 0,01, p= 0,34; e IDEB AF: R2 < 0,01, p= 0,69) (gráfico 1). Isso indica que o desenvolvimento dos municípios do Rio de Janeiro nas dimensões educação, longevidade (saúde) e renda, medido pelo IDHM, e a qualidade da educação básica municipal, aferida pelo IDEB, não explicaram o grau de atenção aos alunos com NEE.
Alguns valores contrastantes merecem destaque na comparação intermunicipal. Nos municípios de São Pedro da Aldeia (IDHM: 0,712; IDEB AI: 5,3; IDEB AF: 3,9) e São Fidelis (IDHM: 0,691; IDEB AI: 4,9; IDEB AF: 4,5), por exemplo, há uma relação de quase 300 alunos por sala de AEE disponível. Por outro lado, nos municípios de Mangaratiba (IDHM: 0,753; IDEB AI: 5,5; IDEB AF: 4,4) e Rio Claro (IDHM: 0,683; IDEB AI: 5,3; IDEB AF: 4,9), esse valor de densidade é menor do que 10 alunos por sala de AEE, o que representa os maiores níveis de atenção aos alunos com NEE do Rio de Janeiro. Esses quatro valores se destacam no gráfico 1 como os pares de dados superiores (São Pedro da Aldeia e São Fidélis) e inferiores (Mangaratiba e Rio Claro).
Os dados do IBGE e do Censo Escolar revelaram uma situação preocupante (e contraditória) nos municípios de Macuco, São José de Ubá e Trajano de Moraes. Esses três municípios são de pequeno porte (pequeno I) e registraram matrículas na educação especial em 2019, mas não houve registro de sala de AEE nas escolas da rede pública. Por esse motivo, esses municípios não estão incluídos no gráfico 1. Entretanto, os respectivos IDHM os classificou como municípios de médio desenvolvimento em 2010 (entre 0,500 e 0,799), e o IDEB AI em 2019 foi em torno de 6,0, que é a meta para o Brasil em 2022.
Em princípio, esperava-se que os municípios com maiores IDHM e IDEB, sugerindo indiretamente maior investimento e qualidade em educação, tivessem maior atenção à educação especial e aos alunos com NEE. Embora todos os índices do gráfico 1 apresentem uma tendência nesse sentido (maiores valores dos índices associados com menores valores de densidade de NEE), isso não foi constatado como padrão estatisticamente suportado nos municípios do Rio de Janeiro. Infelizmente, não se verificou na literatura estudos específicos que avaliassem a relação entre a educação especial e os índices supracitados, mas há diversas abordagens que discutem a representatividade desses índices na educação em geral.
Karruz e Vieira (2019) analisaram os gastos em educação e o crescimento do IDHM nos municípios brasileiros entre 1991 e 2013. Os resultados obtidos pelas autoras indicaram que esforços locais em educação podem impactar positivamente o bem-estar da comunidade, e que isso foi mais percebido em municípios com condições de desenvolvimento iniciais mais desfavoráveis. Guimarães e Jannuzzi (2005) reconhecem a contribuição dos índices de desenvolvimento para promover a discussão sobre pobreza e exclusão social, mas argumentam que a média aritmética usada no cálculo do IDHM homogeneíza realidades distintas e pode equiparar municípios abastados (>PIB per capita) com precárias condições sociais a municípios com melhores condições sociais, apesar de relativamente mais pobres (<PIB per capita). De acordo com Jannuzzi, Barreto e Sousa (2013), o IDH é insensível às políticas de desenvolvimento social. Portanto, isso pode levar a distorções na interpretação dos resultados do IDHM.
O IDEB é a métrica de avaliação da qualidade da educação básica no Brasil, mas tem sido questionado. Os estudos reconhecem a importância da avaliação escolar, mas questionam a utilização de testes padronizados e resultados quantitativos como única ferramenta para aferir qualidade, argumentando que é preciso considerar aspectos qualitativos, tais como nível socioeconômico e cultural dos alunos, formação docente, condições de trabalho e gestão escolar (BARBOSA; MELLO, 2015; CHIRINÉA; BRANDÃO, 2015). Lourenço, Nascimento, Sauerbronn e Macedo (2017) realizaram análises dos fatores que determinaram os resultados do IDEB em mais de 5.000 municípios brasileiros entre 2009 e 2013. Os autores verificaram que os aspectos sociais e pedagógicos foram determinantes para a probabilidade de obtenção de notas regulares ou boas. “Fatores contextuais, contingenciais e locais, inclusive aqueles relacionados às condições familiares e habitacionais, exercem maior impacto sobre o desempenho escolar do que fatores relacionados aos gastos públicos com educação básica” (LOURENÇO; NASCIMENTO; SAUERBRONN; MACEDO, 2017, p. 27).
Pelo exposto acima, conclui-se que não é suficiente (ou mesmo adequado) considerar somente o IDHM ou o IDEB, ou a simples associação entre esses índices, para representar a realidade educacional brasileira. O mesmo se aplica aos municípios do Rio de Janeiro. Conforme dados deste estudo, a heterogeneidade nos valores intermunicipais para os índices (gráfico 1) e a fraca associação entre eles (IDHM e IDEB AI: R2 = 0,07, p = 0,01; IDHM e IDEB AF: R2 < 0,0001, p = 0,87) sustentam essa afirmativa. Isso corrobora, em alguma medida, com os autores supracitados que questionaram os índices de desenvolvimento na forma como são atualmente calculados e utilizados.
Importa ressaltar que os índices de desenvolvimento não representaram o mesmo recorte temporal, pois o último IDHM disponível se refere a 2010, enquanto o IDEB é de 2019. No entanto, essa diferença não parece comprometer a interpretação das relações observadas entre a atenção aos alunos com NEE e os índices IDHM e IDEB (AI e AF), uma vez que a ausência de padrão foi verificada nos três modelos de regressão ajustados (gráfico 1).
Os municípios agrupados por Região de Governo e Porte SUAS (número de habitantes) também não foram significativamente diferentes na comparação dos valores de mediana que expressaram a atenção aos alunos com NEE (gráfico 2). Em relação às Regiões de Governo, as medianas variaram entre 21,0 (Médio Paraíba) e 40,8 (Costa Verde) alunos por sala de AEE disponível (F7,81 = 0,61; p= 0,74). Considerando o Porte SUAS, as medianas variaram entre 23,3 (pequeno I) a 35,9 (metrópole) alunos por sala de AEE (F4,84 = 1,1; p= 0,36).
A atenção aos alunos com NEE (densidade de alunos por sala de AEE) nos agrupamentos Região de Governo e Porte SUAS indicou superlotação na maioria dos casos (≥ 25 alunos por sala de AEE). Considerando o valor arbitrado neste estudo como “recomendado” (12,5 alunos), nenhum dos agrupamentos apresentou esse grau de atenção aos alunos com NEE. Os dados municipais individualizados que constam no Censo Escolar 2019 revelaram que somente Armação dos Búzios, Itaguaí, Mangaratiba, Miguel Pereira, Quatis e Rio Claro estavam dentro do valor “recomendado”. A maior parte desses municípios (83%) é de pequeno porte (pequeno I e II). Por outro lado, cerca de 58% dos municípios do Rio de Janeiro estavam acima do valor representativo de “superlotação” da sala de AEE.
Os resultados revelam uma questão grave que impacta negativamente a educação especial e a inclusão escolar no Rio de Janeiro: após quase uma década do levantamento de Pletsch (2012), a situação não mudou, pois as salas de AEE continuam superlotadas (gráficos 1 e 2). Portanto, a atenção dedicada a esses alunos é inadequada na rede de ensino pública do Rio de Janeiro (municipal e estadual). No entanto, os dados dos gráficos 1 e 2 podem estar superestimados, uma vez que não incluíram o quantitativo de atendimento especializado para alunos com NEE matriculados no ensino regular que é realizado em instituições conveniadas com o poder público. Logo, em alguns municípios a atenção ao aluno com NEE pode ser maior do que indicado neste estudo.
De qualquer forma, os resultados são preocupantes, independentemente dos vieses de interpretação devido à exclusão das instituições conveniadas que realizam AEE. Duas considerações sustentam essa preocupação: i) há mais de 10 anos a legislação recomenda que os alunos com NEE matriculados no ensino público regular devem ser atendidos em sala de AEE da própria escola, mas nem todas as escolas possuem sala de AEE (e acessibilidade arquitetônica); e ii) a matrícula de alunos com NEE no ensino regular evolui a cada ano com aumento da demanda de sala de AEE nas escolas.
Rebelo e Kassar (2018) analisaram a evolução temporal do percentual de matrículas na educação especial ao longo de 40 anos (1974-2014). Entre 1996 (LDB) e 2014, a matrícula de alunos com NEE nas classes comuns do ensino regular aumentou 48%, enquanto entre 1974 e 2014 houve redução de 35% na quantidade de matrículas em classes especiais e 15% em escolas especiais. De acordo com as autoras, essa tendência é notada em todas as regiões brasileiras. A inversão no percentual de matrículas reflete a inclusão escolar e poderia ser comemorada como sucesso de políticas educacionais inclusivas. Entretanto, o sucesso da inclusão passa a ser questionado quando se constata que as escolas regulares da rede pública de ensino não estão plenamente adequadas para o atendimento especializado ou quando essa adequação é pontual, conforme registrado no Rio de Janeiro. A variação percentual do total de escolas públicas da educação básica (municipais e estaduais) sediadas nos 92 municípios do Rio de Janeiro que têm salas de AAE é 0% a 80%, com uma média de 29%. Isso revela que o suporte pedagógico oferecido pelas escolas regulares aos alunos com NEE com objetivo de colaborar no processo de ensino e aprendizagem é heterogêneo e precário.
Os indicadores de matrícula não devem ser os únicos demonstrativos dos avanços das políticas educacionais inclusivas. É necessário verificar as condições da escolarização dos alunos com NEE na escola regular, tais como taxa de permanência na escola, participação e desempenho (LAPLANE, 2015). Michels e Garcia (2010) fazem a ressalva de que a simples matrícula desses alunos na escola regular não é garantia de um AEE adequado, o que é corroborado pela superlotação das salas de AEE constada neste estudo. Por outro lado, Salvini, Pontes, Rodrigues e Silva (2019) demonstraram que a boa qualidade do AEE pode reduzir a defasagem escolar dos alunos público-alvo da educação especial. Dessa forma, o investimento direcionado à implantação de salas de AEE nas escolas regulares do Rio de Janeiro (e em outros estados) deve considerar os componentes quantitativo e qualitativo. No primeiro caso, o resultado será a redução do número de alunos por sala de AEE e o aumento da atenção dedicada a cada aluno; e, no segundo, caso será o aumento da escolarização e da inclusão escolar efetiva.
Os dados do Censo Escolar mostram a concentração de matrículas de alunos com NEE no ensino fundamental, principalmente nos anos iniciais. Pletsch (2012) afirma que muitas crianças com NEE ingressam pela primeira vez na escola nessa etapa da formação escolar, particularmente aquelas com deficiências mais acentuadas. Isso significa que a criança não passa pelas etapas da educação infantil que são importantes para o desenvolvimento de conceitos necessários ao seu aprendizado (VIGOTSKI, 1998). Com o ingresso obrigatório na educação infantil a partir de 4 anos de idade (Lei nº 12.796/2013, de 4 de abril de 2013; BRASIL, 2013), esperava-se um aumento no número de matrículas na educação especial nessa etapa escolar. No entanto, os dados do Censo Escolar 2019 indicaram que o ensino fundamental se mantém com o maior percentual de matrículas na educação especial em comparação às demais etapas escolares (75% do total) no Rio de Janeiro.
Considerações finais
A PNEE preconiza a matrícula de todos os alunos com NEE no ensino regular e o oferecimento de AEE no contraturno, quando necessário. Dessa forma, a evolução de matrículas de alunos com NEE no ensino regular deveria ser obrigatoriamente acompanhada do aumento das salas de AEE nas escolas regulares da rede pública de ensino. Isso é particularmente importante nas redes municipais do Rio de Janeiro que concentram a maior parte das matrículas na educação especial. Diante disso, a gestão escolar municipal é a linha de frente na implementação de práticas educacionais verdadeiramente inclusivas para os alunos com NEE. Deve dar suporte às direções das escolas e, ao mesmo tempo, buscar suporte no poder público estadual e federal para atender essa população escolar.
No Brasil, a busca pela redução das desigualdades sociais e, portanto, pela equidade de oportunidades de educação, longevidade (saúde) e renda é uma meta de várias políticas públicas do Governo Federal, mas no caso da educação, principalmente da educação especial, parece depender muito mais de iniciativas pontuais bem-sucedidas de gestores municipais. A assimetria no Rio de Janeiro demonstrada pela heterogeneidade nos índices de desenvolvimento e qualidade da educação, mesmo entre municípios próximos e com tamanho populacional equivalente, se reflete na educação especial e na atenção dedicada aos alunos com NEE. Enquanto o Brasil não equaliza suas diferenças em relação a esse tripé (educação, longevidade e renda), os alunos com NEE não podem continuar negligenciados no processo de ensino e aprendizagem, após 25 anos da LDB. A superlotação das salas de AEE nas escolas públicas do Rio de Janeiro é um problema a ser resolvido com urgência, sem descuidar da qualidade do AEE ofertado nesse espaço.
Os dados do Censo Escolar e do Censo Demográfico são úteis para projetar as necessidades futuras de AEE de cada município do Rio de Janeiro, indicando no curto, médio e longo prazo as NEE com potencial de serem atendidas em cada etapa da educação básica. Essa estratégia permitirá a organização das salas de AEE (espaço, recursos pedagógicos e recursos humanos qualificados) em conformidade com o perfil da NEE dos alunos. Os gestores municipais devem incentivar a matrícula de alunos com NEE na educação infantil como forma de fortalecer o processo de escolarização desses alunos nas etapas de formação subsequentes, e investir em obras de acessibilidade arquitetônica para todas as escolas.
Infelizmente, as políticas públicas de educação inclusiva ainda são incipientes e excludentes no Brasil. Bezerra (2017) afirmou que a democratização da educação é apenas aparente, pois, as práticas intraescolares ainda são conservadoras. Isso cria um grupo de alunos classificados como “excluídos de dentro”, que frequentam a escola, porém não veem sentido nela (BOURDIEU; CHAMPAGNE, 1998). Nesse contexto, Bezzera e Araújo (2010) alertam para a necessidade de discutir se a escola inclusiva é de fato real, ou apenas uma política romantizada (BEZERRA; ARAÚJO, 2010).
Não há dúvida que a PNEE avançou ao possibilitar a convivência de alunos com deficiência junto aos sem deficiência, ao invés de mantê-los segregados em escolas ou instituições especiais. No entanto, a política de inclusão não foi acompanhada da plena adaptação das escolas regulares que passaram a receber alunos com NEE, e nem da qualificação dos profissionais da educação para lidar com as NEE dos alunos. As famílias com renda mais alta podem manter a educação de filhos com NEE em escolas privadas, com estrutura e pessoal especializado, enquanto as famílias de baixa renda dependem principalmente da rede pública de ensino. Essa realidade educacional precisa ser revista para que o direito universal à educação seja plenamente atendido.