SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.59 número60Formação docente no modelo realista-reflexivo: uma aproximação do contexto brasileiroTexto livre, trabalho colaborativo e imprensa escolar na Pedagogia Freinet índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.59 no.60 Natal abr./jun 2021  Epub 19-Abr-2022

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2021v59n60id24817 

Artigo

Educação Inclusiva e formação inicial de professores: construção do conhecimento em discussão

Inclusive Education and initial professor formation: knowledge construction under discussion

Educación inclusiva y formación inicial de profesores: la construcción del conocimiento en debate

Franciele Rusch König1 
http://orcid.org/0000-0002-3245-8257

Fabiane Romano de Souza Bridi1 
http://orcid.org/0000-0002-8727-851X

1Universidade Federal de Santa Maria (Brasil)


Resumo

Este trabalho objetiva analisar a construção de conhecimentos sobre a educação inclusiva em cursos de licenciatura, alicerçado nos pressupostos teóricos de Maturana e Varela (2011), sobre os processos de viver/conhecer, e de Tardif (2002) acerca da construção dos saberes docentes. Quanto ao procedimento teórico-metodológico, a investigação contemplou três movimentos principais: mapeamento da oferta de disciplinas vinculadas à educação inclusiva e identificação dos cursos com maior e menor percentual dessa oferta, Geografia e História, respectivamente; análise das ementas das disciplinas ofertadas; realização de questionário voltados a graduandos dos cursos selecionados. Foram aplicados 35 questionários, com 24 graduandos de História e 11 graduandos de Geografia. Como principais resultados, a análise corrobora com Tardif (2002) acerca da pluralidade das fontes de produção dos saberes docentes. Problematiza-se a fragmentação dos saberes entre as áreas como elemento limitador da construção de saberes pertinentes à educação inclusiva nos cursos de licenciatura.

Palavras-chave: Educação inclusiva; Formação inicial; Construção do conhecimento; Saberes docentes

Abstract

This paper aims to analyze the construction of knowledge about inclusive education in bachelor’s degree in education courses, based on the theoretical assumptions of Maturana and Varela (2011), about the processes of living/knowing, and Tardif (2002) about the construction of professors’ knowledge. Concerning the theoretical and methodological procedure, the research contemplated three main movements: mapping of the offer of disciplines related to inclusive education and identification of courses with higher and lower percentage of this offer, Geography and History respectively; course syllabus analysis of the disciplines offered; questionnaire aimed at students of the selected courses. Thirty-five questionnaires were applied to 24 History students and 11 Geography students. As main results, the analysis corroborates Tardif (2002) about the plurality of the production sources of professors’ knowledge. The fragmentation of knowledge among areas is problematized as a limiting element in the construction of knowledge relevant to inclusive formation in bachelor’s degree in education courses.

Keywords: Inclusive education; Initial formation; Knowledge construction; Teaching knowledge

Resumen

Este trabajo tiene como objetivo analizar la construcción del conocimiento sobre la educación inclusiva en los cursos de licenciatura, a partir de los supuestos teóricos de Maturana y Varela (2011), sobre los procesos de vivir/conocer, y de Tardif (2002) sobre la construcción del conocimiento docente. En cuanto al procedimiento teórico y metodológico, la investigación incluyó tres movimientos principales: mapeo de la oferta de disciplinas relacionadas con la educación inclusiva e identificación de los cursos con mayor y menor porcentaje de esta oferta, Geografía e Historia, respectivamente; análisis de los programas de las disciplinas ofertadas; realización de cuestionario dirigido a los estudiantes de los cursos seleccionados. Se aplicaron 35 cuestionarios, con 24 estudiantes de Historia y 11 estudiantes de Geografía. Como principales resultados, el análisis corrobora con Tardif (2002) sobre la pluralidad de las fuentes de producción del conocimiento docente. Problematizamos la fragmentación del conocimiento entre áreas como un elemento limitante para la construcción de conocimiento relevante para la educación inclusiva en los cursos de licenciatura.

Palabras clave: Educación inclusiva; Formación inicial; Construcción del conocimiento; Los conocimientos docentes

Introdução

No contexto educacional brasileiro, a emergência da perspectiva inclusiva para a educação especial atribui novas configurações à organização das práticas pedagógicas, especialmente no que tange aos processos de aprendizagem dos estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. O referido alunado compõe o grupo definido como público-alvo da educação especial a partir da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva-PNEEPEI, publicada em 2008.

Com esse documento, passa a ser obrigatória a matrícula dos estudantes público-alvo nas escolas da rede regular de ensino, não sendo mais permitido processos de escolarização exclusivamente no ensino substitutivo em espaços especializados. Assim, novos desafios são lançados ao contexto escolar a fim de contemplar o desenvolvimento de práticas pedagógicas a esses estudantes.

A sala de aula do ensino comum torna-se um espaço majoritário de acesso ao conhecimento pelos estudantes público-alvo. Esse fator atribui ao professor do ensino comum papel central nos processos de aprendizagem desse alunado, demandando o desenvolvimento de ações que contemplem diversos perfis de aprendizagem.

Nesse contexto, faz-se pertinente problematizar como ocorrem os processos formativos dos professores que atuam em um contexto inclusivo. Para Tardif (2002), os saberes docentes são construídos ao longo das experiências de vida, formativas e profissionais dos professores. A formação inicial constitui um dos espaços/tempos fundamentais ao processo de aprendizagem docente, pois é nessa etapa que o professor em formação terá contato com as questões elementares pertinentes à sua área de atuação.

Para Maturana e Varella (2011), somos seres relacionais, autopoiéticos e, assim, reorganizamos nossa estrutura a partir do meio em que vivemos, dentro das possibilidades de relações que somos capazes de desencadear em determinado momento. A ação do meio sobre nossa estrutura nunca será instrutiva, contudo, as relações com o ambiente nos direcionam a novas/outras possibilidades de reorganização.

Ao tangenciarmos os processos de aprendizagem docente, faz-se necessário considerar a interconexão entre diversos elementos que permeiam a formação de professores. Em um viés sistêmico, as relações entre o indivíduo e o contexto acadêmico provocam modificações estruturais e criam, assim, novas possibilidades de interações e de construção de conhecimentos. Assim, pensar os processos formativos iniciais docentes implica considerar, fundamentalmente, as relações recursivas no contexto formativo.

Este trabalho se constitui na discussão e na análise dos resultados da pesquisa desenvolvida com o objetivo de conhecer as possibilidades de construção de conhecimentos sobre a educação inclusiva em cursos de licenciatura, modalidade presencial, da Universidade Federal de Santa Maria-UFSM. Em um viés qualitativo, o trabalho delimita o foco investigativo sobre os cursos com maior e menor percentual de oferta de disciplinas vinculadas à educação inclusiva na referida instituição, apresentando um movimento analítico endossado nas concepções dos estudantes, a partir da aplicação de questionário estruturado voltados aos graduandos em vias de conclusão do curso.

Os estudos de Maturana e Varela (2011) e Vasconcellos (2013) oferecem aporte teórico para a discussão analítica e auxiliam no processo de investigar as relações entre os sistemas que produzem a realidade para a qual pretende-se olhar, bem como Tardif (2002) que discute questões pertinentes aos processos de aprendizagem docente.

Detalhamento metodológico

A construção de conhecimentos pertinentes à docência constitui um processo complexo e relacional. Para Tardif (2012), os saberes docentes são construídos ao longo da vida, compreendendo as experiências escolares anteriores ao ingresso na universidade, o percurso formativo para a docência e as vivências na prática ao longo do desempenho da profissão. Em consonância com o pensamento sistêmico, que compreende um fenômeno sempre em um sistema relacional, a compreensão sobre a construção dos saberes docentes nos direciona a buscar proposições explicativas sobre os processos de formação docente inicial. Para essa produção analítica, distinguiremos as possibilidades relacionais a partir das disciplinas vinculadas à educação inclusiva ofertadas nos cursos de licenciatura.

Realizamos três movimentos investigativos, buscando conhecer como são construídos os conhecimentos sobre a educação inclusiva nos cursos de Licenciatura da UFSM Inicialmente, realizamos um levantamento da oferta de disciplinas vinculadas à educação inclusiva em todos os cursos de licenciatura da UFSM, modalidade presencial, no intuito de identificar os cursos com maior e menor percentual da oferta dessas disciplinas em relação à carga horária total do curso. Para o cômputo desse percentual, foram acessadas as matrizes curriculares dos 18 cursos de licenciatura ofertados na modalidade presencial e identificadas as disciplinas de LIBRAS, Fundamentos da Educação Especial e demais disciplinas que mencionassem aspectos relacionados à educação inclusiva em seu nome e/ou conteúdos programáticos.

Após o levantamento das disciplinas em cada curso e suas respectivas cargas horárias, foi realizado o cálculo percentual em relação à carga horária total do curso. Para compor o foco do estudo, os cursos de História, com 1,65%, e Geografia, 10,02%, foram identificados como cursos com menor e maior percentual dessa oferta.

Os dados da investigação apontaram que o curso de História conta com uma carga horária total de 3.615 horas e oferta apenas a disciplina de Fundamentos da Educação Especial com carga horária de 60 horas. Dessa forma, o curso tem uma oferta total de disciplinas vinculadas à educação inclusiva de 60 horas, 1,65%de sua carga horária total.

O curso de Geografia conta com uma carga horária total de 3.590 horas e oferta as disciplinas: Fundamentos da Educação Especial, com 60 horas; Fundamentos da Educação Especial II, com 75 horas; Educação Especial: Processos de Inclusão, com 30 horas; História e realidades do Atendimento Educacional de alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento, com 75 horas; LIBRAS A, com 30 horas; e LIBRAS, com 30 horas. Dessa forma, o curso tem uma oferta total de disciplinas vinculadas à educação inclusiva de 360 horas, 10,02% de sua carga horária total.

O segundo movimento consistiu na análise da ementa das disciplinas ofertadas por esses cursos, buscando conhecer quais as diretrizes para a sua organização e quais conhecimentos propostos. Os quadros 2 e 3 ilustram os objetivos das disciplinas ofertadas nos cursos selecionados.

Quadro 1 Objetivos das disciplinas – Curso de Geografia 

Detalhamento das Disciplinas – Curso de Licenciatura em Geografia – UFSM
Nome da Disciplina Objetivos
Fundamentos da Educação Especial Proporcionar conhecimentos teórico-práticos sobre os fundamentos da educação especial no mundo e no Brasil, as necessidades educacionais especiais e o contexto escolar e a legislação e políticas públicas.
Fundamentos da Educação Especial II Proporcionar conhecimentos teórico-práticos referentes às necessidades educacionais especiais no contexto escolar, bem como as modalidades de atendimento.
Educação Especial: Processos de Inclusão Ter conhecimentos básicos referentes à escola inclusiva e a sua organização.
História e Realidades do Atendimento Educacional de alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento Identificar a história sobre os transtornos globais do desenvolvimento, definição e classificação, assim como a caracterização, as principais etiologias desta população e as formas de atendimento atuais no Brasil.
LIBRAS A Conhecer as representações da surdez nos diferentes contextos que envolvem a comunidade surda. Proporcionar um conhecimento acerca da estrutura da língua de sinais e aquisição de sinais básicos desta língua.
LIBRAS I Adquirir o conhecimento da história surda, do estudo linguístico da LIBRAS, das representações do ser surdo (língua, identidade e comunidade surda) e das organizações e práticas sociais (educação, cultura e identidade linguística), e o aprendizado básico da LIBRAS.
Educação Inclusiva “A” Compreender os aspectos históricos, legais e pedagógicos da educação especial na perspectiva da educação inclusiva, suas relações com a Educação Profissional ducação profissional e contribuições à área.

Fonte: Elaboração própria (2021).

Quadro 2 Objetivos das disciplinas – Curso de História 

Detalhamento das Disciplinas –Curso de Licenciatura em História – UFSM
Nome da Disciplina Objetivos
Fundamentos da Educação Especial Proporcionar conhecimentos teórico-práticos sobre os fundamentos da educação especial no mundo e no Brasil, as necessidades educacionais especiais e o contexto escolar e a legislação e políticas públicas.

Fonte: Elaboração própria (2021).

Em um terceiro movimento foram aplicados questionários com estudantes em vias de conclusão de ambos os cursos. As questões foram organizadas de modo a contemplar as seguintes dimensões: perfil dos graduandos; disciplinas cursadas; concepção sobre a educação inclusiva; concepção sobre a organização das práticas pedagógicas em um contexto educacional inclusivo e natureza das experiências propulsoras dos conhecimentos construídos.

A aproximação com os graduandos ocorreu através das coordenações dos cursos que indicaram os horários das disciplinas que reuniam o maior número de graduandos em vias de conclusão dos cursos. Com autorização dos professores, o convite aos estudantes foi realizado nas salas de aula, quando todos receberam um termo de consentimento livre e esclarecido e um questionário impresso, com questões abertas e fechadas, com participação facultativa. Responderam ao questionário 24 estudantes do curso de História e 11 estudantes de Geografia, totalizando 35 questionários respondidos.

A análise do material empírico foi pautada nas cinco dimensões definidas na organização dos questionários, como categorias a priori, em consonância com a concepção relacional proposta pelo pensamento sistêmico e buscando contemplar as fontes de construção dos saberes docentes propostas por Tardif (2002).

Perfil acadêmico e concepções sobre a educação inclusiva nos cursos de História e Geografia da UFSM

Sobre o perfil dos estudantes, no que tange a opção pelo curso, os graduandos deveriam destacar o tópico que melhor descrevesse seu caso, dentre as opções: 1. Sempre quis este curso, foi minha primeira opção no processo seletivo do qual participei; 2. Estava em dúvida entre mais de um curso e acabei sendo selecionado e/ou optando por este; 3. Era minha segunda opção no processo seletivo e, como não fui aprovado, não consegui cursar a primeira opção e me matriculei neste curso; 4. Não havia optado por este curso no meu processo seletivo, ingressei pelas vagas remanescentes.

Dentre as opções oferecidas no curso de História, 15 graduandos afirmaram que sempre quiseram este curso. Nove estudantes indicaram que estavam em dúvida entre dois ou mais cursos e acabaram sendo selecionados, optando por cursar esta licenciatura, e somente um acadêmico ingressou pelas vagas remanescentes. Assim, 62,5% dos estudantes de História que participaram da pesquisa tiveram seu curso como primeira opção no processo seletivo, indicando que vão se formar em uma área do seu interesse.

No curso de Geografia, 4 graduandos afirmaram que sempre desejaram este curso, ou seja, considera-se que, dentre os graduandos de Geografia que participaram do estudo, 36,36% tiveram o curso como primeira opção no processo seletivo, indicando que vão se formar em uma área que sempre foi de seu interesse.

No que tange às demais alternativas, cinco estudantes afirmaram que estavam em dúvida entre mais de um curso e acabaram optando por este, e dois tinham o curso como segunda opção no processo seletivo ingressaram pela impossibilidade de cursar a primeira opção. Dentre os estudantes de Geografia que participaram do estudo, não há ingresso pelas vagas remanescentes.

Sobre a opção por cursar uma licenciatura, os graduandos deveriam dissertar sobre os principais fatores que influenciaram a sua escolha. As respostas dos graduandos evidenciaram elementos de quatro naturezas principais: perfil para a docência, admiração pela profissão, desejo de contribuir com a mudança da realidade educacional e afinidade com a disciplina específica.

Em relação ao perfil para a docência, os estudantes mencionaram características como empatia e compreensividade, avaliadas como fundamentais a um professor. Tais características são atreladas ao desejo de modificar a sociedade, e estão exemplificadas nos excertos a seguir:

Acredito muito na educação como forma de entender e modificar a sociedade em que vivemos. Sempre me considerei uma pessoa empática e compreensiva, o que julgo muito necessário para quem deseja ser professor/a. Outro fator foi o fato de sempre me interessar em profissões que ajudassem o outro a progredir (GRADUANDO DE GEOGRAFIA 3, 2019).

[...]

Escolhi cursar licenciatura porque acredito que o meu perfil se encaixa nessa opção. Por estar em contato com pessoas, trabalhar com educação, área que sempre tive afinidade e que se adequa ao meu perfil profissional (GRADUANDO DE HISTÓRIA 1, 2019).

A esse respeito, Tardif (2002) discute que quando os professores atribuem a execução das práticas à sua própria personalidade, desconsideram que essa personalidade não é inata, mas mobilizada ao longo de sua história de vida. Além disso, “[...] essa naturalização e essa personalização do saber profissional são tão fortes que resultam em práticas as quais, muitas vezes, reproduzem os papéis e rotinas institucionalizadas na escola.” (TARDIF, 2002, p. 78). Assim, essa concepção dos graduandos sobre sua vinculação ao exercício da docência pode reverberar nas suas possibilidades relacionais com a própria profissão, ampliando as possibilidades de reprodução das práticas vivenciadas em sua escolarização.

Esse indício de tendência à reprodução das experiências escolares que constituem os futuros professores ao longo de sua educação básica pode gerar um impacto significativo à promoção de práticas pedagógicas em um contexto inclusivo. Tendo em vista que, possivelmente, esses graduandos vivenciaram movimentos muito iniciais em relação ao movimento em prol da educação inclusiva, intensificados em âmbito nacional a partir dos anos 2000. De forma geral, repetir as práticas pedagógicas da época de sua escolarização básica significa ir na contramão de uma proposta inclusiva.

Sobre a admiração pela profissão, os escritos contemplam a “[...] admiração pelo trabalho que um professor exerce, o fato de ensinar, poder ajudar o próximo com nosso conhecimento” (GRADUANDO DE GEOGRAFIA 1, 2019). Acerca do interesse pela disciplina, um dos GRADUANDO graduandos disserta que “[...] um dos fatores que influenciou na minha escolha foi por gostar da disciplina” (GRADUANDO DE GEOGRAFIA 3, 2019). Outro relato exemplifica o elemento propulsor dessa escolha:

Gosto muito da disciplina de História e tenho muita vontade de disseminar esse conhecimento. Sinto-me na obrigação de fazer isso, um tipo de dever moral, de saber que tentei fazer a diferença (GRADUANDO DE HISTÓRIA 8, 2019).

No que se refere ao desejo de contribuir para a mudança da realidade educacional, os escritos dos graduandos contemplam o desejo de fazer da atuação docente uma ferramenta para a transformação da sociedade, redução dos problemas, construção de sujeitos mais críticos e autônomos. Os excertos a seguir exemplificam essa dimensão:

A vontade de poder fazer com que os alunos (principalmente os mais desfavorecidos) criem consciência de classe e possam ter um olhar crítico sobre os problemas do mundo, relacionando o local x global, sem contar as oportunidades de emprego por todo o Brasil (GRADUANDO DE GEOGRAFIA 5, 2019).

[...]

Mudar o mundo através das minhas aulas, incentivando os alunos a compreenderem a realidade, se indignarem com as injustiças e utilizarem as ferramentas necessárias para transformar essa realidade em algo melhor ao lado de outras pessoas (GRADUANDO DE HISTÓRIA 3, 2019).

Pode-se compreender, assim, a diversidade de concepções sobre a própria atividade docente, que delineiam os percursos dos estudantes até o ensino superior e direcionam suas possibilidades relacionais com o contexto formativo e com sua futura profissão.

No que se refere ao envolvimento com os estudos vinculados às disciplinas do curso e estudos complementares, o questionário ofereceu as seguintes opções de respostas: 1. Dedico-me a estudar os conteúdos abordados nas disciplinas, mas não tenho o hábito de buscar informações complementares; 2. Sempre que posso, pesquiso sobre assuntos complementares à minha formação que não foram discutidos nas disciplinas. 3. Gostaria de pesquisar mais sobre outros assuntos, mas trabalho e o único tempo disponível é dedicado ao estudo dos assuntos abordados nas disciplinas.

Em relação a esse aspecto, 5 estudantes do curso de História marcaram a opção 3, afirmando possuírem dificuldades em se dedicar a estudos complementares em função de sua vinculação com o trabalho. Os demais estudantes desse curso optaram pelo item 2, indicando a disponibilidade e o hábito de busca por assuntos complementares aos discutidos nas disciplinas cursadas. Assim, observa-se a preponderância de um perfil acadêmico dedicado a estudos extracurriculares no curso de História, de modo que as possibilidades de construção de saberes não se apresentam restritas à oferta de disciplinas e conteúdos dos cursos.

No curso de Geografia, dos onze graduandos que responderam ao questionário, sete marcaram a opção 2, indicando a disponibilidade e o hábito de busca por assuntos complementares aos assuntos discutidos nas disciplinas cursadas. Um estudante selecionou a primeira opção, indicando a dedicação aos conteúdos abordados nas disciplinas, mas sem o hábito de buscar conhecimentos complementares. Um estudante optou pela terceira opção, afirmando que tinha dificuldade em dedicar-se a estudos complementares em função da carga horária de trabalho.

De acordo com as informações fornecidas pelos graduandos, pode-se considerar que o grupo em vias de conclusão dos cursos em questão apresenta um perfil propício para o desenvolvimento de um bom percurso acadêmico. Prepondera o ingresso no curso como primeira opção e a disponibilidade para dedicação a estudos complementares às discussões realizadas em sala de aula. Na perspectiva do pensamento sistêmico, considerando que a construção de conhecimentos ocorre nos processos relacionais entre indivíduo e meio, compreende-se que o perfil dos graduandos repercute nas suas possibilidades de construção de conhecimento, uma vez que definem suas formas de relação com o curso e com os conhecimentos curriculares e extracurriculares.

Para Maturana e Varela (2001), a construção do conhecimento ocorre nas relações que o indivíduo estabelece com o meio. Dessa forma, as ofertas do meio produzem efeitos sobre os percursos de vida dos sujeitos, mas não se trata de uma relação instrutiva, tendo em vista que quem determina as modificações em sua estrutura é o próprio indivíduo a partir de sua história de vida. Assim, a estrutura dos indivíduos que ingressam nos cursos de licenciatura tem efeitos sobre seus percursos formativos contemplando suas histórias de vida e seus interesses.

No mesmo viés, os conteúdos e disciplinas ofertados pelos cursos de licenciatura configuram elementos propulsores da aprendizagem docente, na medida em que oferecem subsídios para processos reflexivos e para a aprendizagem de conceitos pertinentes ao campo ao qual se vinculam. Tais conhecimentos são mobilizados pelos graduandos em constante relação com suas histórias de vida e são fundamentais como propulsores de novas aprendizagens, tendo em vista que é na formação inicial que são construídos os saberes mais específicos acerca da profissão professor (TARDIF, 2002).

Tangente à dimensão das disciplinas cursadas pelos graduandos, foram contempladas no questionário as disciplinas vinculadas à educação inclusiva presentes nas matrizes curriculares de todas as licenciaturas presenciais da UFSM, buscando contemplar a possibilidade de os estudantes buscarem carga horária complementar em outros cursos.

Foram consideradas as disciplinas: Fundamentos da Educação Especial; Fundamentos da Educação Especial II; Educação Especial: Fundamentos; Educação Especial: Processos de Inclusão; Educação Especial: Dificuldades de Aprendizagem; LIBRAS; Tópicos de Educação Especial; Educação Inclusiva; Dificuldades de aprendizagem; Políticas e Gestão das Modalidades Educativas; Saberes e Fazeres da Educação nas suas diferentes modalidades; Ensino de Espanhol para pessoas com Deficiência Visual; Educação Física e Necessidades Educacionais Especiais; Dança e Inclusão; Fundamentos da Educação Especial e Prática Escolar; História e Realidades do Atendimento Educacional de alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento; Intervenção Pedagógica para Alunos com Dificuldades de Aprendizagem.

Dentre as opções, no curso de História, 11 estudantes afirmam terem cursado somente as disciplinas de Fundamentos da Educação Especial e LIBRAS, 4 estudantes marcaram somente a disciplina de Fundamentos da Educação Especial, e 1 estudante afirma ter cursado somente a disciplina de LIBRAS. Dois estudantes afirmam ter cursado a disciplina de Fundamentos da Educação Especial e outra disciplina vinculada à educação inclusiva não foi considerada no estudo. Seis graduandos cursaram LIBRAS, Fundamentos da Educação Especial e ainda outra disciplina vinculada à educação inclusiva.

Dentre as disciplinas complementares indicadas pelos estudantes de História, estão História da África e História das culturas indígenas, não consideradas no estudo por não possuírem em suas ementas, conforme acima descrito, tópicos vinculados aos processos educacionais na atualidade. Destaca-se que o grupo de estudantes que descreve esses componentes curriculares como vinculados à educação inclusiva indica uma compreensão sobre o campo em consonância com uma perspectiva de educação para todos. Pode-se compreender que suas concepções contemplam a diversidade étnico-racial, social e cultural, na medida em que indicam estes como vinculados a uma perspectiva inclusiva.

No curso de Geografia, três estudantes cursaram somente a disciplina de LIBRAS e dois graduandos não marcaram nenhuma opção. Os demais seis estudantes que participaram da pesquisa afirmam terem cursado LIBRAS e mais alguma outra disciplina que contribuiu para a sua construção de conhecimentos sobre a educação inclusiva.

Dentre as disciplinas complementares indicadas pelos estudantes de Geografia, estão Políticas Públicas e Gestão da Educação e Psicologia da Educação, ambas componentes curriculares obrigatórios do curso, indicando que as discussões vinculadas à educação inclusiva transcendem as disciplinas específicas sobre o campo. Sobre esse aspecto, faz-se pertinente considerar as concepções dos professores responsáveis por essas disciplinas, tendo em vista que a indicação destes elementos curriculares como promotores da construção de saberes sobre a educação inclusiva não foi unânime entre os estudantes.

Dois estudantes de Geografia mencionam Educação do Campo e Artes visuais para Educação Especial como disciplinas complementares que tangenciam a construção de conhecimentos sobre a educação inclusiva. Esses componentes curriculares foram marcados como disciplinas optativas, indicando o movimento autoformativo dos graduandos na busca por disciplinas mais específicas sobre o campo.

No que tange à dimensão das disciplinas cursadas, a grande maioria dos estudantes de História cursou as duas disciplinas propostas pelas orientações legais, LIBRAS e Fundamentos da Educação Especial, indicando terem acesso às discussões fundamentais ao campo da educação especial. Ainda, apontam que as discussões sobre a educação inclusiva não estão restritas às disciplinas vinculadas ao Departamento de Educação Especial – EDE, sendo contempladas também em outras disciplinas do curso. Assim, podemos considerar que a oferta do contexto formativo contempla conteúdos e discussões fundamentais à formação docente pertinente a um cenário educacional inclusivo, atendendo às orientações legais para a formação de professores em âmbito nacional.

No curso de Geografia, todos os estudantes que participaram do estudo cursaram a disciplina de LIBRAS, contudo, faz-se pertinente problematizar que as disciplinas Educação Inclusiva ‘A’, História e Realidades do Atendimento Educacional de Alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento, Educação Especial: Processos de Inclusão, Fundamentos da Educação e Fundamentos da Educação Especial II, encontradas na matriz curricular do curso de Geografia no levantamento inicial da pesquisa, não foram mencionadas nos questionários dos graduandos desse curso.

Destaca-se o fato de nenhum graduando indicar a disciplina de Fundamentos da Educação Especial, ofertada pelo Departamento de Educação Especial - EDE a todas as licenciaturas da UFSM como estratégia ao cumprimento da Resolução 02/2015. Isso possivelmente seja resultado do processo de adequação à nova matriz curricular que derivou da reorganização da oferta de disciplinas por semestres, de modo que a disciplina de Fundamentos da Educação Especial tem sua oferta prevista para o último semestre do curso.

Pode-se analisar que as possibilidades formativas ofertadas pelo curso de Geografia no que tange à educação inclusiva parecem estar limitadas à disciplina de LIBRAS, que oferece discussão histórica, legal e prática acerca da cultura surda e do uso da LIBRAS como meio de comunicação e expressão. Reitera-se a importância da inserção e fortalecimento das discussões mobilizadas pelas disciplinas de LIBRAS nos cursos de formação de professores, promovendo sua utilização como meio de comunicação e expressão, conforme previsto nas orientações legais. Contudo, faz-se pertinente problematizar acerca das fragilidades observadas em relação às discussões sobre possibilidades de acesso, permanência e aprendizagem de todos nas escolas, bem como sobre o fortalecimento de uma formação docente pautada na promoção de práticas pedagógicas acessíveis a todos os alunos.

A forma como são mobilizadas essas discussões no âmbito da formação inicial de professores produz significativos efeitos sobre suas construções conceituais relacionadas à sua prática em um cenário educacional inclusivo, bem como sobre suas concepções acerca do próprio movimento em prol da educação inclusiva e seu papel em relação a esse processo.

Nesse viés, os graduandos foram convidados a expressar suas percepções acerca da educação inclusiva. No que tange à essa dimensão os estudantes deveriam marcar no questionário, dentre três alternativas indicadas, aquela que melhor atendesse à sua compreensão: 1. Escolarização de estudantes com processos de aprendizagem diferentes do padrão da turma. Se esses alunos não se adaptarem à minha aula, deverão receber acompanhamento de outros profissionais a fim de receberem atividades adaptadas. 2. Todos os estudantes têm direito ao acesso dos mesmos conteúdos. Preciso planejar a minha aula de modo a contemplar todas as características de aprendizagem em uma turma. 3. A inclusão está relacionada especificamente à escolarização de alunos público-alvo da educação especial, tendo em vista que são esses que apresentam dificuldades de aprendizagem acentuadas em relação à turma.

No curso de História, três estudantes marcaram a primeira opção, indicando uma compreensão de necessidade de diversificação/adaptação por outros profissionais de atividades para estudantes com aprendizagem diferente do padrão da turma. Os demais 21 graduandos indicaram a segunda opção como sendo a que mais atendia às suas concepções sobre a educação inclusiva. Assim, preponderou a compreensão de que todos os estudantes têm direito ao acesso aos mesmos conteúdos, havendo a necessidade de que o professor realize um planejamento capaz de contemplar todas as características de aprendizagem em uma turma.

No curso de Geografia, dos 11 graduandos que responderam ao questionário, dois indicam compreender que a educação inclusiva se refere aos processos de escolarização de estudantes com processos de aprendizagem diferentes do padrão da turma que deverão receber acompanhamento de outros profissionais a fim de se adaptar às atividades.

Um acadêmico marcou a primeira e a terceira alternativas, indicando a compreensão de que a educação inclusiva corresponde à escolarização de estudantes que se desviam do padrão da turma e devem ter acesso a atividades adaptadas por outros profissionais. Além disso, esse acadêmico compreende que esses estudantes que apresentam processos de aprendizagem diferentes do padrão da turma correspondem especificamente ao grupo considerado público-alvo da educação especial. Essa concepção indica uma visão ainda muito tradicional do próprio processo de escolarização e demonstra que existe um padrão de normalidade dos estudantes. Aqueles que ingressam nesse espaço de normalidade a partir da PNEEPEI (BRASIL, 2008) constituem a única “diferença” na escola.

Os demais oito graduandos de Geografia que responderam ao questionário indicaram a segunda alternativa como a que contemplava a sua concepção sobre a educação inclusiva. Assim, pode-se compreender que a maioria dos graduandos de Geografia entendem que todos os estudantes têm direito ao acesso aos mesmos conteúdos e compreendem a necessidade de um planejamento capaz de contemplar todas as especificidades em uma turma.

No curso de Geografia, em comparação ao curso de História, pode-se dizer que a predominância da concepção de que a educação inclusiva compreende o acesso universal aos conhecimentos e a equidade nas condições de interação com os conteúdos escolares é menos expressiva. Faz-se pertinente problematizar quais fatores podem ter influenciado na construção desses conhecimentos distintos sobre a educação inclusiva.

Uma hipótese a ser considerada diz respeito às próprias disciplinas cursadas, tendo em vista que a maioria dos graduandos de Geografia cursou somente a disciplina de LIBRAS, que contempla discussões específicas ao campo da surdez. Outro elemento a ser considerado diz respeito à própria organização dos cursos, tendo em vista que o curso de Geografia se vincula ao Centro de Ciências Naturais e Exatas e o curso de História ao Centro de Ciências Humanas e Sociais. Assim, toda a organização da matriz curricular do curso de História contempla discussões sobre a diversidade social, cultural etc. de forma transversal, que direcionam as possibilidades de construção de conhecimentos pelos graduandos.

Nesse contexto, as concepções sobre a educação inclusiva construídas pelos futuros professores podem influenciar suas compreensões acerca da prática pedagógica. A esse respeito, o questionário considerou três opções: 1. Irei realizar meu planejamento para a turma e os estudantes com dificuldades serão encaminhados a outros serviços (professor de educação especial, psicopedagogo…). 2. Irei realizar meu planejamento para a turma e o professor de educação especial realizará o planejamento para os estudantes com dificuldades para que estes alunos realizem uma atividade diferente da turma, mas permaneçam na sala de aula. 3. Devo articular meu trabalho com outros profissionais da educação – professor de educação especial, psicopedagogo – que atuam na escola, a fim de realizar um planejamento conjunto que atenda às necessidades de todos os estudantes.

No curso de História, preponderou entre os estudantes a concepção de que o trabalho deve ser articulado com outros profissionais da educação – professor da educação especial, psicopedagogo – que atuam na escola, a fim de realizar um planejamento conjunto que atenda às necessidades de todos os estudantes. Essa foi a alternativa indicada por 22 dos 24 estudantes, dando indícios de que a cultura colaborativa para o desenvolvimento de práticas pedagógicas em contextos inclusivos prevalece nesse espaço formativo. A opção selecionada pelos outros dois graduandos refere-se à realização de um planejamento para a turma, realizado pelo professor do ensino comum, enquanto o professor de educação especial elabora um planejamento diferenciado para os estudantes com dificuldades.

No curso de Geografia, um acadêmico revelou a compreensão de que os estudantes com dificuldades em relação à turma devem ser encaminhados ao acompanhamento por outros profissionais na escola, como o professor de educação especial e o psicopedagogo. Um acadêmico assinalou a segunda alternativa, indicando compreender que, na sua atuação prática nos contextos escolares, irá realizar o planejamento para a turma e o professor de educação especial realizará planejamento para os estudantes com dificuldades, para que esses alunos realizem uma atividade diferente da turma, mas permaneçam na sala de aula.

Um acadêmico de Geografia não marcou nenhuma das três opções e respondeu de forma dissertativa a questão. Para esse acadêmico, ele deverá “[...] desenvolver um trabalho de forma a contemplar cada aluno (educando), de acordo com suas características únicas” (GRADUANDO DE GEOGRAFIA 9, 2019) na organização das práticas pedagógicas. O estudante indica compreender a necessidade da organização das práticas pedagógicas de modo a contemplar a diversidade de características de aprendizagem em uma turma sem indicar a necessidade de articulação com outros profissionais.

Os demais oito graduandos de Geografia indicaram a terceira alternativa como a que melhor contemplava a sua compreensão sobre a organização das práticas pedagógicas em uma perspectiva inclusiva. Assim, predominou entre os graduandos de Geografia a concepção de que deverão articular seu trabalho com outros profissionais da educação (professor de educação especial, psicopedagogo) que atuam na escola, a fim de realizar um planejamento conjunto, que atenda às necessidades de todos os estudantes.

Nos cursos de História e Geografia, dessa dimensão, destaca-se a predominância da compreensão sobre a necessidade de articulação do trabalho entre o professor do ensino comum e o professor de educação especial para prover os recursos e metodologias que atendam todos os estudantes da turma. Ainda, há a prevalência da concepção de acessibilidade curricular que diz respeito à organização de práticas pedagógicas que favoreçam o acesso de toda a turma aos conhecimentos em circulação em vez da alteração ou simplificação do currículo para os estudantes que venham a apresentar dificuldades. Tal noção indica um olhar mais cuidadoso para as alternativas didático-metodológicas e um deslocamento de uma visão de sujeito da falta/dificuldade/não aprendizagem para uma compreensão de que todos são capazes de aprender.

Assim, compreende-se que, apesar de uma oferta incipiente em termos de carga horária e sem a previsão de discussões sobre questões didático-metodológicas em uma perspectiva inclusiva, os graduandos indicam a compreensão sobre a educação inclusiva e sua atuação nesse contexto que satisfaça os objetivos do campo, buscando promover o acesso e aprendizagem de todos.

Em consonância com Maturana e Varela (2001), destaca-se que a oferta do meio não define, de forma incisiva, os processos de aprendizagem dos estudantes. Em um viés relacional, os elementos ofertados por essas disciplinas direcionarão possibilidades de construção de concepções acerca da educação inclusiva, atrelados às experiências de vida e demais vivências formativas e profissionais desses estudantes. Assim, a aprendizagem docente se constitui em um processo dinâmico e atemporal, construído na interconexão de fatores tais como a vida profissional, a existência pessoal dos professores e a sua trajetória formativa (TARDIF, 2002).

No que tange às experiências que fomentaram a construção de suas concepções sobre a educação inclusiva, foram considerados quatro tópicos que buscaram contemplar a multiplicidade de elementos que permeiam os saberes docentes: 1. Em experiências anteriores a universidade (educação básica, experiências familiares…). 2. Através das discussões e conteúdos das disciplinas cursadas ao longo da graduação. 3. Por meio de experiências práticas vivenciadas ao longo da graduação (estágio, participação em projetos...). 4. No diálogo com colegas e profissionais da educação e/ou outras áreas.

No curso de História, 12 estudantes marcaram apenas o segundo tópico, indicando as discussões e conteúdos das disciplinas cursadas em sua graduação como principal agente construtor de sua concepção sobre a educação inclusiva. Quatro graduandos sinalizaram apenas o tópico número 1, atribuindo suas concepções a experiências anteriores à Universidade. Dois estudantes marcaram somente o item 3, indicando experiências práticas vivenciadas ao longo da graduação como mobilizadoras da construção de suas concepções e um estudante marcou apenas o tópico 4, atribuindo suas concepções aos diálogos com colegas e profissionais da educação e/ou outras áreas.

Os demais estudantes do curso de História afirmaram que mais de um elemento mobilizou a construção de suas concepções sobre a educação inclusiva: um graduando indicou os tópicos 2 e 4, um graduando optou pelos itens 3 e 4, dois selecionaram os itens 2, 3 e 4 e um estudante marcou todos os itens apresentados.

No curso de Geografia, um graduando assinalou apenas a primeira opção, indicando que sua concepção sobre a educação inclusiva foi construída em experiências anteriores à Universidade, ao longo de sua educação básica e/ou em experiências familiares. Três graduandos marcaram somente a terceira opção, afirmando que sua concepção sobre a educação inclusiva foi construída em experiências práticas vivenciadas ao longo da graduação (estágio, projetos etc.).

Três graduandos de Geografia assinalaram a quarta alternativa, indicando que a sua concepção sobre a educação inclusiva foi construída no diálogo com colegas e profissionais da educação e/ou outras áreas. Um graduando assinalou a primeira e a terceira opção, indicando que sua concepção foi construída tanto em experiências anteriores à Universidade quando nas experiências práticas ao longo da graduação. Um graduando assinalou a segunda e a terceira alternativa, afirmando que sua concepção foi construída tanto nas discussões e conteúdos das disciplinas cursadas ao longo da graduação quanto por meio das experiências práticas vivenciadas ao longo da graduação (estágio, projetos etc.).

Um graduando de Geografia assinalou todas as alternativas, indicando a pluralidade de contextos e experiências que mobilizaram a construção de sua concepção sobre a educação inclusiva. Ainda, um graduando assinalou a opção “outra” e respondeu a essa questão de forma dissertativa, afirmando que sua concepção sobre a educação inclusiva foi construída “[...] somente através de comentários com colegas” (GRADUANDO DE GEOGRAFIA 9, 2019).

Assim, se enfatiza a dinamicidade dos processos de construção de conhecimentos docentes, em consonância com Tardif (2002), que discute que os saberes docentes que embasam a ação pedagógica são construídos, dentre outros, ao longo dos processos de formação inicial e continuada, de experiências profissionais, do currículo e da formação cultural dos professores.

No curso de Geografia, destacou-se o fato de que apenas um graduando indicou as discussões e conteúdos das disciplinas cursadas ao longo da graduação como mobilizadoras da construção de sua concepção sobre a educação inclusiva. Considerando que é ao longo da formação inicial que são construídos os saberes próprios da profissão professor, faz-se pertinente problematizar o fato das disciplinas de um curso de licenciatura não conseguirem mobilizar a construção de conhecimentos sobre a educação inclusiva pelos graduandos, tendo em vista que é esse o paradigma que norteia e sustenta a organização de todo o sistema educacional brasileiro na atualidade.

A diversidade de respostas oferecidas permite refletir que a ação docente em um contexto educacional é constituída por um conjunto de saberes construídos pelos professores nos diversos espaços da vida e de sua atuação profissional que englobam: saberes pessoais dos professores; saberes provenientes a formação escolar anterior; saberes provenientes dos programas e livros didáticos utilizados no trabalho; saberes provenientes de sua própria experiência na profissão. A junção desses quatro saberes resulta em um saber específico: o saber profissional, que se fundamenta e se legitima no fazer cotidiano da docência e constitui um amálgama de diferentes saberes, provenientes de diversas fontes, construído e mobilizado pelos professores de acordo com as exigências do exercício de sua profissão (TARDIF, 2002).

Nessa perspectiva, pode-se compreender que o saber profissional dos professores, vinculado a uma perspectiva da educação inclusiva, também constitui um processo inacabado, podendo ter seu início nas experiências anteriores ao ingresso na universidade, perpassando os processos formativos iniciais e se estendendo ao longo da atuação profissional e da formação continuada.

Considerações Finais

A construção de saberes sobre o campo da educação inclusiva nos cursos de licenciatura compreende um vasto sistema de relações que dependem da estrutura do indivíduo e das possibilidades ofertadas pelo seu contexto formativo. Assim, o movimento de conhecer as possibilidades de construção de conhecimentos sobre a educação inclusiva nos cursos com maior e menor percentual de ofertas de disciplinas vinculadas à temática considerou quatro principais dimensões: oferta do contexto formativo; perfil dos estudantes; concepção sobre a educação inclusiva; concepção sobre a organização das práticas pedagógicas em contextos educacionais inclusivos; e natureza das experiências propulsoras dos conhecimentos construídos.

Torna-se pertinente problematizar a incompatibilidade dos achados do mapeamento inicial realizado no ementário da UFSM sobre a oferta de disciplinas vinculadas à educação inclusiva com os componentes curriculares cursados pelos graduandos em vias de conclusão do curso de Geografia. Os resultados da pesquisa indicam que o curso elencado com maior percentual de oferta de disciplinas vinculadas à educação inclusiva em relação à carga horária total e que, teoricamente, deveria possibilitar maiores condições de construção de conhecimentos aos graduandos, contempla uma oferta incipiente de discussões teóricas sobre a temática em suas disciplinas.

Os graduandos em vias de conclusão do curso de Geografia não tiveram contato com a disciplina de Fundamentos da Educação Especial, eleita pelos graduandos de História como uma das principais fontes de construção de conhecimentos sobre a educação inclusiva. Esse elemento repercute nas possibilidades formativas dos futuros professores de Geografia, direcionando sua construção conceitual sobre o campo quase que exclusivamente ao cenário da prática.

No curso de História, identificado no levantamento inicial como a licenciatura com menor percentual de oferta de disciplinas vinculadas à educação inclusiva, a dinâmica da construção dos saberes docentes sobre o tema está fortemente atrelada às discussões teóricas das disciplinas. Apesar de o cenário das experiências práticas demonstrar grande influência na aprendizagem dos futuros professores de História, a disciplina de Fundamentos da Educação Especial surge como um espaço/momento de reflexão sobre o campo. Assim, ainda que constitua uma oferta incipiente e de caráter introdutório, a disciplina de Fundamentos da Educação Especial atribui importantes elementos aos processos formativos dos futuros professores.

A partir dos dados produzidos no estudo, pode-se compreender a pluralidade constituinte dos processos formativos docentes, de modo que a construção de conhecimentos sobre a educação inclusiva é desencadeada por elementos de diversas dimensões. Dentre elas, podem ser destacadas as disciplinas e os conteúdos ofertados pelas licenciaturas, as opções metodológicas dos professores que conduzem essas disciplinas, as experiências práticas dos graduandos ao longo de sua formação, bem como experiências pessoais dos estudantes no contexto familiar, na sua comunidade ou na interlocução com profissionais da área.

Nesse contexto relacional que constitui o ser professor, considera-se a relevância da formação inicial para a construção de conhecimentos pertinentes ao desenvolvimento de práticas pedagógicas em um contexto educaciona inclusivo. Problematiza-se a fragmentação dos conhecimentos no contexto formativo como elemento limitador das possibilidades de discussão teórico-prática acerca da educação inclusiva nos cursos de licenciatura, tendo em vista que esses conhecimentos tendem a ser compreendidos como objeto de um campo específico.

Considera-se fundamental a organização de um espaço/tempo formativo que possibilite ao futuro professor refletir sobre os processos educacionais e possibilidades de organização de sua ação docente com vistas a garantir o acesso aos conhecimentos por todos os estudantes.

Referências

BRASIL, Ministério da Educação. Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm. Acesso em: 4 mar. 2021. [ Links ]

BRASIL, Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília: MEC/SECADI, 2008. [ Links ]

BRASIL, Ministério da Educação. Resolução nº 02/2015, de 1º de julho de 2015. Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/docman/agosto-2017-pdf/70431-res-cne-cp-002-03072015-pdf/file. Acesso em: 4 mar. 2021. [ Links ]

GRADUANDO de Geografia 1. Entrevista [questionário semiestruturado]. Santa Maria (Rio Grande do Sul), 20 jun. 2019. [ Links ]

GRADUANDO de Geografia 3. Entrevista [questionário semiestruturado]. Santa Maria (Rio Grande do Sul), 20 jun. 2019. [ Links ]

GRADUANDO de Geografia 5. Entrevista [questionário semiestruturado]. Santa Maria (Rio Grande do Sul), 20 jun. 2019. [ Links ]

GRADUANDO de Geografia 9. Entrevista [Questionário Semiestruturado]. Santa Maria (Rio Grande do Sul), 20 jun. 2019. [ Links ]

GRADUANDO de História 1. Entrevista [questionário semiestruturado]. Santa Maria (Rio Grande do Sul), 4 jun. 2019. [ Links ]

GRADUANDO de História 3. Entrevista [questionário semiestruturado]. Santa Maria (Rio Grande do Sul), 4 jun. 2019. [ Links ]

GRADUANDO de História 8. Entrevista [questionário semiestruturado]. Santa Maria (Rio Grande do Sul), 4 jun. 2019. [ Links ]

MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2001. [ Links ]

PELLANDA, Nize Maria Campos. Maturana e a educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. [ Links ]

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002. [ Links ]

VASCONCELLOS, Maria José Esteves. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. Campinas: Papirus, 2013. [ Links ]

Recebido: 14 de Abril de 2021; Aceito: 05 de Julho de 2021

Ms. Franciele Rusch König

Universidade Federal de Santa Maria (Brasil)

Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação

Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre Escolarização e Inclusão

Orcid id: http://orcid.org/0000-0002-3245-8257

E-mail: fraan.konig@gmail.com

Prof. Dra. Fabiane Romano de Souza Bridi

Universidade Federal de Santa Maria (Brasil)

Programa de Pós-Graduação em Educação

Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Gestão Educacional

Núcleo de Estudos e Pesquisa Sobre Escolarização e Inclusão

Orcid id: http://orcid.org/0000-0002-8727-851X

E-mail: fabianebridi@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution NonCommercial, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que sem fins comerciais e que o trabalho original seja corretamente citado.