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Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.59 no.61 Natal jul./set 2021  Epub 19-Abr-2022

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2021v59n61id25172 

Artigo

O movimento estudantil e as possibilidades de “subversão da práxis”

The student movement and the possibilities of “subversion of praxis”

El movimiento estudiantil y las posibilidades de “subversión de práxis”

Aldimara Catarina Brito Delabona Boutin1 
http://orcid.org/0000-0002-0564-8290

Simone de Fátima Flach1 
http://orcid.org/0000-0002-9445-0111

1Universidade Estadual de Ponta Grossa (Brasil)


Resumo

Derivado de pesquisa mais ampla, o presente texto tem por objetivo debater as contribuições do movimento estudantil para a “subversão da práxis”. As reflexões propostas são de cunho teórico, realizadas a partir de pesquisa bibliográfica e sob a luz do materialismo histórico e dialético. Para tanto, são apresentadas discussões sobre como a “subversão da práxis” se situa no contexto da luta de classes. O texto indica elementos que auxiliam na definição de movimento estudantil e como este pode contribuir para a superação da realidade social, política e econômica que fundamenta a sociedade capitalista. Por fim, destaca que a participação de jovens no movimento estudantil pode se constituir em força motriz para a “subversão da práxis”, visto que propicia experiências imprescindíveis para a compreensão da realidade vivida e, consequentemente, para a busca por um novo modo de vida que tenha a justiça social, a igualdade e a liberdade como fundamentos.

Palavras-chave: Movimento estudantil; Subversão da práxis; Participação política; Luta de classes

Abstract

Derived from a broader research, the present text aims at discussing the contributions of the student movement to the “subversion of praxis”. The proposed reflections are of theoretical nature, based on bibliographical research and under the light of historical and dialectical materialism. For this purpose, discussions are presented on how the "subversion of praxis" is situated in the context of class struggle. The text indicates elements that help in the definition of the student movement and how it can contribute to the overcoming of the social, political and economic reality that underlies the capitalist society. Finally, it highlights that the participation of young people in the student movement can be a driving force for the "subversion of praxis", since it provides essential experiences for the understanding of the lived reality and, consequently, for the search for a new way of life, that has social justice, equality and freedom as its foundations.

Keywords: Student movement; Subversion of praxis; Political participation; Class struggle

Resumen

Derivado de una investigación más amplia, el presente texto tiene como objetivo debatir las contribuciones del movimiento estudiantil a la “subversión de la praxis”. Las reflexiones propuestas son de carácter teórico, realizadas a partir de la investigación bibliográfica y a la luz del materialismo histórico y dialéctico. Para ello, se presentan discusiones sobre cómo se sitúa la "subversión de la praxis" en el contexto de la lucha de clases. El texto indica elementos que ayudan en la definición del movimiento estudiantil y cómo puede contribuir a la superación de la realidad social, política y económica que subyace a la sociedad capitalista. Finalmente, destaca que la participación de los jóvenes en el movimiento estudiantil puede constituir una fuerza motriz para la "subversión de la praxis", ya que proporciona experiencias indispensables para la comprensión de la realidad vivida y, en consecuencia, para la búsqueda de un nuevo modo de vida que tiene como fundamento la justicia social, la igualdad y la libertad.

Palabras clave: Movimiento estudiantil; Subversión de la praxis; Participación política; Lucha de clases

Introdução

É preciso desobedecer. É preciso desobedecer ao senso comum que exige enquadramento, submissão e individualismo. É preciso desobedecer ao sistema que só quer formar consumidores e não cidadãos. É preciso desobedecer ao governo que trata manifestações como caso de polícia. É preciso desobedecer ao conformismo com a corrupção, a desigualdade social, a violência, o abandono da juventude. É preciso e cada dia mais possível, construir um outro país, um outro mundo (MOVIMENTO, 2001, p. 20).

A superação da sociedade de classes requer o questionamento da realidade, a não aceitação da naturalização das desigualdades sociais e o enfrentamento da banalização da vida humana. Portanto, é necessário desestruturar os mecanismos de dominação burguesa, desafiar os homens com seus partidos e instituições de ordem, mirando em um novo projeto de mundo e de sociedade, pois “[...] para ter a galinha é preciso quebrar a casca do ovo” (GRAMSCI, 2004, p. 77).

É por isso que na dita “desordem”, ou seja, na práxis política das classes exploradas – aqui entendida como ação consciente, organizada e dirigida para a transformação social – reside a possibilidade da materialização de uma nova ordem “[...] mais bem organizada do que a velha, mais vital do que a velha por contrapor o dualismo à unidade, por contrapor a imobilidade estática da inércia a dinâmica da vida que se move por si mesma” (GRAMSCI, 2004, p. 77).

Subverter significa reagir à toda forma de exploração da vida humana, se opondo aos ditames das instituições de “ordem” e aos seus comandantes. Nesse sentido, subversão é expressão, oposição e revolução, ou seja, é luta. É na “subversão da práxis” que a sociedade é confrontada e que é idealizado um projeto de sociedade pautado na resolução das contradições econômicas, políticas e culturais (GRAMSCI, 2014).

Nessa perspectiva, “subversão da práxis” é resistência, luta e reação, ou seja, é a organização política revolucionária subalterna para a criação de uma nova realidade. Essa organização deriva de um processo formativo, no qual as classes subjugadas se tornam cientes da condição de opressão a que estão submetidas. Portanto, a “subversão da práxis” está relacionada com a expansão da consciência de classe, porque, conforme aponta Schlesener (2016, p. 54), a luta política exige a compreensão de que “[...] na sociedade, nada é natural, tudo é histórico”.

O movimento estudantil está situado no conjunto dos movimentos sociais que confrontam a “ordem” existente. Suas lutas são demarcadas por contornos definidos de acordo com a conjuntura social e política, podendo contribuir para a formação dos jovens nos aspectos político, cultural, social. Essa formação articula-se com a práxis revolucionária, pois demanda a leitura do real e a organização para a incursão nas lutas para a superação das contradições em toda a sociedade.

As reflexões que dão sustentação aos argumentos apresentados são parte de uma pesquisa mais ampla que procurou analisar as demandas estudantis no processo da reforma do ensino médio no Brasil e as relações de força travadas com a organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) . O objetivo do texto é debater as contribuições do movimento estudantil para a “subversão da práxis”. Para tanto, tecemos considerações teóricas sobre a “subversão da práxis” na luta de classes, destacando a práxis como uma categoria central neste debate. Posteriormente, situando o movimento estudantil como um movimento social que possui características singulares, oferecemos um conjunto de elementos que contribuem para uma definição para movimento estudantil e, com isso, debatemos as suas contribuições para a “subversão da práxis”.

Subversão da práxis na perspectiva da luta de classes: elementos para o debate

Ao transformar a materialidade com vistas à sua subsistência, o ser humano “[...] modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza” (MARX, 2013, p. 256). Isso significa que na transformação intencional da natureza, ou seja, transformação na realização do trabalho, o ser humano adquire novos conhecimentos, habilidades e experiências que contribuem para a sua construção como ser social.

Esse processo de autoconstrução ocorre no contato com os meios de produção, na interação com o processo social e, também, por meio da educação formal, informal e não formal.

Situamos a educação formal enquanto prática educativa que atende a regras específicas, que transmite o saber enciclopédico, que é sistematizada e orientada por um currículo. Em geral, ocorre em escolas, universidades e demais instituições educativas.

A educação informal é realizada em distintos espaços, ocasiões e fases da vida humana, por meio do processo socializador que ocorre no contato com diferentes crenças, raças ou classes sociais (GOHN, 2014). Para Gohn (2005) o aprendizado informal não segue um padrão fixo, não é intencional ou planejado, podendo estar imerso em valores, opiniões e crenças, tal qual ocorre com a educação familiar, por exemplo.

Gohn (2014, p. 40) compreende a educação não formal como “[...] um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a cidadania [...] o qual [...] designa um conjunto de práticas socioculturais de aprendizagem e produção de saberes, que envolve organizações/instituições, atividades, meios e formas variadas”. A educação não formal é ainda “[...] construída por escolhas ou sob certas condicionalidades, há intencionalidades no seu desenvolvimento, o aprendizado não é espontâneo, não é dado por características da natureza, não é algo naturalizado”. (GOHN, 2014, p. 40)

De acordo com Arroyo (2003); Caldart (2000) e Gohn (2005) os movimentos sociais possibilitam o acesso à educação não formal, contribuindo para a aquisição de saberes e experiências que são fundamentais para a formação política.

É possível afirmar isso em razão de que ao participarem de movimentos sociais cujas perspectivas são de classe, as pessoas desenvolvem aprendizados que instrumentalizam a percepção da existência de uma luta de classes, da essência contraditória da sociedade capitalista e dos interesses que permeiam o jogo de dominação política sobre a qual as classes dominantes se tornam hegemônicas. Assim, a compreensão do contraditório é o fundamento da ação, do ato dirigido e da participação política, ou seja, da “subversão da práxis”.

Em Gramsci (2014, p. 336), a “subversão da práxis” significa reação, expressão e oposição, ou seja, é a passagem da “contemplação à ação”, na qual os subalternos organizam-se coletivamente e lutam por sua emancipação, objetivando findar com as contradições econômicas, políticas e culturais com que se defrontam cotidianamente.

O objetivo que move a “subversão da práxis” é o rompimento com as desigualdades e com a opressão de uma classe sobre a outra. Contudo, para que isso ocorra, a união, organização e iniciativa são requisitos para que as classes subalternas se insurjam frente a seus opressores e tomem as rédeas do processo revolucionário. Em Gramsci (2014), percebemos que a “subversão da práxis” é um ato que decorre da conscientização da essência contraditória que rege a materialidade, envolvendo o conhecimento sobre a existência de uma classe que oprime e de outra que é oprimida.

Gramsci (1978) destaca que a transformação das relações sociais, políticas e econômicas contribui para o desenvolvimento dos subalternos enquanto sujeitos políticos. Por isso, na práxis, os seres humanos não apenas transformam o mundo, mas também adquirem saberes, vivenciam experiências políticas e, desse modo, rompem com o velho, auxiliando para a construção do novo.

É possível afirmar que “[...] o homem é essencialmente político, já que na atividade para transformar e dirigir conscientemente os homens, realiza a sua humanidade a sua natureza humana” (GRAMSCI, 1978, p. 48). Para Vázquez (2011, p. 232), a práxis política amplia seu significado “[...] na medida em que sua atividade toma por objeto não um indivíduo isolado, mas sim grupos ou classes sociais, inclusive a sociedade inteira [...]”, ocupando centralidade no objetivo de transformação radical da sociedade.

A participação é um elemento importante no desenvolvimento da práxis política. Contudo, é essencial salientar que não se trata de qualquer participação, pois, conforme Nogueira (2011, p. 133), a “[...] rigor, ainda que nem toda participação seja imediatamente política, não há participação que não se oriente por algum tipo de relação com o poder”. Tomando como referência o Estado democrático, o sistema capitalista e a divisão estrutural da sociedade em classes sociais, o autor citado confere ênfase a quatro modalidades de participação: participação assistencialista, corporativa, eleitoral e política.

Para Nogueira (2011, p. 134), a “participação assistencialista” se caracteriza pelo desenvolvimento de ações filantrópicas e solidárias. Nesse tipo de participação, as ações podem ser isoladas ou coletivas e, por seu intermédio, os segmentos sociais mais pobres recebem algum tipo de auxílio, cujo objetivo é amenizar momentaneamente algum tipo de carência ou privação.

A “participação corporativa” beneficia apenas determinados grupos, classes sociais ou categorias profissionais (NOGUEIRA, 2011). Para Nogueira (2011, p. 135), essa participação foi a base do sindicalismo moderno, e tal qual a participação assistencialista, “[...] é uma modalidade universal de participação [...]”, uma vez que ambas “[...] estão articuladas de maneira estreita com problemas existenciais imediatos, práticos, concretos, quase sempre de fundo econômico”.

De acordo com Nogueira (2011, p. 135), a “participação eleitoral” sustenta o poder político do Estado liberal. Nessa perspectiva, o ato de votar e ser votado possui efeitos práticos que interferem na sociedade como um todo, mas possui limitações que estão circunscritas às relações de poder dominantes. Em muitos casos, o voto nem sempre representa as convicções dos eleitores e pode se converter em um instrumento para validar os interesses individuais de uma classe ou grupo social.

Por fim, Nogueira (2011, p. 136) confere ênfase à “participação política” como uma modalidade de participação que “[...] inclui, complementa e supera tanto a participação eleitoral, quanto a participação corporativa”. Nogueira enfatiza que

[...] a participação propriamente política, [...] realiza-se tendo em vista a comunidade como um todo, a organização da vida social em seu conjunto, ou seja, o Estado [...] e, por isso, ela é [...] uma prática ético política, que tem a ver tanto com a questão do poder e da dominação quanto com a questão do consenso e da hegemonia [...] (NOGUEIRA, 2011, p. 137).

A participação política instrumentaliza a práxis política, sendo essencial no processo de construção da “subversão da práxis”. Essa participação, que está interligada com a conscientização da necessidade da organização do proletariado enquanto classe, não ocorre de modo instantâneo ou imediato, visto que a classe que detém o monopólio dos meios de produção, condiciona, molda e direciona, a vida, a ação e o pensamento dos trabalhadores para que permaneçam presos em sua condição de subalternidade econômica, cultural e político-ideológica.

Nesse sentido, a transformação radical da sociedade envolve uma leitura de mundo capaz de desvelar as contradições sociais e as ideologias que mantêm a burguesia como classe hegemônica na política, na economia e na cultura e, a partir disso, desenvolver uma luta no terreno de tais contradições.

É por isso que na “subversão da práxis” essa luta se desenvolve no terreno das carências e das privações. Nela, as precariedades das relações materiais são denunciadas, colocadas na pauta do dia e ganham um viés político. Em razão disso, as contradições expressas na relação capital e trabalho adquirem caráter político nas lutas pela sua superação.

O movimento estudantil liga-se aos movimentos sociais que confrontam as relações de poder que sustentam a sociedade de classes, envolto por lutas que assumem formas especificas em determinadas conjunturas, podendo contribuir para desvelar os limites da materialidade e para formar jovens nos aspectos político, cultural e social. Essa formação articula-se à práxis revolucionária, pois demanda a leitura do real e a organização política, ou seja, a definição de pautas e estratégias de lutas.

Assim, a organização política pode fornecer os subsídios teóricos e práticos que podem impulsionar os estudantes para o desenvolvimento de formas de reação à hegemonia burguesa, pois, como bem especificou Schlesener (2016, p. 50), a primeira condição para subverter a práxis é ter a “[...] clareza que o que fundamenta a hegemonia é a luta de classes”.

Contudo, consideramos que o debate sobre as potencialidades do movimento estudantil na luta política demanda conhecer tanto seus elementos constitutivos, conceitos, perspectivas orientadoras como também os limites em relação ao alcance das lutas estudantis. Nesse sentido, situamos o debate proposto nas considerações que dão continuidade a este artigo.

Elementos para um conceito de movimento estudantil

Para pensar as contribuições do movimento estudantil para a “subversão da práxis”, é essencial compreender as suas categorias e aspectos que caracterizam as ações dos jovens que militam nos espaços públicos estudantis. A compreensão desses elementos é fundamental para ampliarmos nossos conhecimentos acerca dessa temática e, com isso, esboçarmos um conceito para movimento estudantil de modo a compreender seus limites e potencialidades na luta pela hegemonia subalterna.

Tendo em vista a construção desse conceito, pontuamos sobre a existência de movimentos estudantis no plural. De acordo com Simão (2015) o movimento estudantil é constituído

[...] por uma multitude de organizações, com e sem vínculos partidários, e por estudantes que não se vinculam formalmente à organização alguma, mas que exercem a militância convergindo ou divergindo das organizações dependendo da pauta em questão (SIMÃO, 2015, p. 29).

O movimento estudantil é composto por organizações representativas ou coletivos situados nos espaços públicos estudantis. Essas organizações ou coletivos se diferenciam em relação aos posicionamentos político-ideológicos, vínculos partidários, composição, pautas de lutas, condições de acesso a direitos sociais, educação, cultura, emprego e renda, entre outros aspectos.

Também é relevante incluir nesta reflexão o debate sobre a categoria “juventudes”, visto que os movimentos estudantis são compostos por diferentes juventudes, as quais, de acordo Sanfelice (2013), são constituídas por jovens que assumem diferentes perfis sociais, políticos e econômicos.

Disto decorre que a juventude não possui um caráter homogêneo. No Brasil, por exemplo, os jovens oriundos da classe trabalhadora se inserem no mercado de trabalho muito precocemente, o que contribui para que tenham baixa escolaridade e ocupem cargos em postos de trabalhos com menor remuneração (POCHMANN, 2004). De modo inverso, os jovens oriundos dos estratos dominantes, antes de ingressarem no mercado de trabalho, priorizam a formação escolar e, por isso, têm acesso a cargos com melhor remuneração (POCHMANN, 2004). Sanfelice chama a atenção para a ocorrência dos movimentos da juventude:

Não é difícil constatar: não há uma única juventude local, regional ou mundial. Não há, portanto, movimento jovem ou dos jovens tomados em uma forma abstrata. Mas com certeza, há movimentos da juventude das periferias, dos centros urbanos, das juventudes das classes médias, da juventude burguesa, e da juventude de culturas diferenciadas (SANFELICE, 2013, p. 70).

O movimento estudantil, portanto, pode ser compreendido como um movimento que agrega juventudes que se distinguem não somente por estar inseridas em diferentes instituições de representação estudantil ou espaços de lutas (escolas, universidades ou outras instituições de ensino), mas também porque neles estão inseridos jovens que são oriundos de diversas localidades, graus de ensino, perspectivas ideológicas, classes sociais, perfis culturais, bandeiras de lutas e reivindicações, entre outros aspectos. É por isso que:

Analisar o movimento estudantil é antes de tudo, analisar um movimento plural, capaz de se expressar através de vários grupos que se potencializam no cotidiano da condição estudantil. Poderíamos afirmar que este não se limita as suas organizações estudantis e formais, mas se manifesta na própria dinâmica de criação de interesses e pautas que – transformadas diariamente pela realidade estudantil, pelas relações universitárias e pela sociedade civil – pode ser capaz de mobilizar os estudantes. Assim, acreditamos que não exista um movimento estudantil unitário, mas movimentos estudantis que se inter-relacionam e se intercruzam (MESQUITA, 2003, p. 120).

As juventudes e os diferentes espaços públicos estudantis, nos quais os jovens desenvolvem a sua militância, são elementos importantes para a reflexão sobre os movimentos estudantis e a pluralidade que os compõe. Desses elementos, também emerge o debate sobre as perspectivas norteadoras das demandas que se inserem nas pautas das lutas estudantis, pois:

[...] da mesma forma que nem todo movimento social é de esquerda, nem todos os movimentos estudantis têm caráter transformador (ou radicalismo absoluto como chegou a ser mistificado de forma equivocada), adquirindo, muitas vezes, esse caráter quando a esquerda está no poder num marco mais amplo, como é o caso atual de muitas lutas estudantis de direita [...] (BRINGEL, 2012, p. 32).

Destacamos que, historicamente, o movimento estudantil vinculado às entidades organizativas como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) buscou articular demandas pela educação com pautas que contestaram o Estado e suas políticas. No entanto, houve momentos em que os jovens expressaram posicionamentos políticos alinhados aos interesses da classe dominante. Desses momentos, destacamos a chamada “[...] fase de domínio direitista da UNE” (POERNER, 1979, p. 182), situada entre os anos de 1949 e 1956, na qual Olavo Jardim Campos foi eleito para a presidência da entidade com apoio de Paulo Egydio, o qual mais tarde ocuparia o cargo de ministro da Indústria e Comércio na gestão de Artur da Costa e Silva e de governador do Estado de São Paulo entre 1975 e 1979 (ARAÚJO, 2007).

Na atualidade, também observamos uma tendência ideológica conservadora em um segmento do movimento estudantil brasileiro. Essa tendência tem ganhado cada vez mais espaço e voz nas universidades por meio de ações lideradas por grupos de estudantes liberais e conservadores. Esses estudantes desenvolveram um projeto denominado Universidades Livres (UNILIVRES), por meio do qual criaram uma espécie de UNE alternativa, denominada pela mídia de “UNE de direita”, cujo objetivo é tornar hegemônica a defesa de pautas conservadoras em todas as universidades brasileiras.

Ferraro (2011) contribui para essa reflexão, expondo que o movimento estudantil comporta duas tendências ideológicas, as quais podem se ordenar em torno dos interesses vinculados às classes dominantes ou dominadas. Para a autora, esses interesses são permeados por perspectivas políticas que influenciam o teor das manifestações, as reivindicações e os projetos defendidos pelo movimento estudantil.

Desse modo, os movimentos estudantis não se ordenam em torno de uma única perspectiva política e ideológica. Eles podem se alinhar às pautas progressistas, conservadoras ou corporativistas. Podem, também, disputar hegemonia dentro de uma instituição de ensino ou mesmo na sociedade civil e criar campos de força em torno de si. Contudo, podemos apontar que uma das especificidades do movimento estudantil é a questão da transitoriedade da condição estudantil.

Para Bringel (2012, p. 81), o caráter da transitoriedade distingue o movimento estudantil de outros movimentos sociais e interfere no desenvolvimento das pautas de lutas em longo prazo, visto que a renovação constante de quadros militantes é um fator impeditivo do acúmulo de experiências de outras lutas, pois “[...] a maioria dos participantes de mobilizações anteriores acaba se desvinculando da universidade e/ou pelo menos da militância estudantil”.

No que se refere ao movimento estudantil institucionalizado, destacamos que é composto por entidades representativas de estudantes de nível médio, técnico, superior e de pós-graduação com presença em todo território nacional, ou seja, é sediado em instituições localizadas em estados, municípios, universidades e colégios. Já em relação à militância estudantil desvinculada de entidades ou organizações, destacamos os coletivos estudantis, os quais trazem para as instituições de ensino novos debates, pautas de lutas e práticas militantes que, por vezes, entram em confronto com as organizações de representação estudantil tradicionais e com o poder instituído dentro das instituições de ensino (MESQUITA, 2003).

Sobre as demandas expressas nas lutas estudantis, destacamos que a contextualização histórica do movimento estudantil brasileiro, institucionalizado nas principais entidades representativas, indica que as reivindicações sofreram variações de acordo com a conjuntura social e política brasileira. A história da UNE e da UBES foi marcada por ações que expressavam bandeiras alinhadas à busca pelo acesso e democratização da educação pública, à ampliação dos direitos sociais, à defesa do patrimônio nacional e à inclusão social, entre outras (ARAÚJO, 2007; FÁVERO, 1995; POERNER, 1979; SANFELICE, 2008).

Tendo em vista as reflexões desenvolvidas até aqui, ressaltamos que o movimento estudantil somente poderá ser tomado como um movimento se as iniciativas políticas desenvolvidas estiverem articuladas, mesmo que minimamente, com alguns elementos constitutivos dos movimentos sociais, como reivindicações, demandas, objetivos, exposição da problemática, interlocutores políticos, estratégias de lutas, repertórios das ações, organização, “identidade coletiva” (BRINGEL, 2009).

Nesse sentido, o conceito de movimento estudantil não pode se deslocar dos elementos e categorias que compõem os movimentos sociais, já que os movimentos estudantis “[...] são também movimentos sociais” (BRINGEL, 2012, p. 29). Dessa forma, sem a pretensão de esgotar o assunto ou de propor um conceito pronto e acabado para movimento estudantil e tomando por base as reflexões de Simão (2015); Sanfelice (2013); Mesquita (2003); Bringel (2012; 2009) e Ferraro (2011), esboçamos o seguinte conceito para movimento estudantil:

O movimento estudantil é constituído por um conjunto de pessoas, majoritariamente jovens, que se assemelham pela condição transitória de estudantes, mas que também se diferenciam pela condição social, acesso a direitos sociais, aspectos culturais, posicionamentos políticos e ideológicos. Essas pessoas se organizam em espaços públicos de participação estudantil, coletivos e entidades representativas em nível nacional, estadual ou local. Disto, decorre que as pautas de lutas, as demandas e as reivindicações se diferem ou se assemelham com a conjuntura social e política nacional ou local e com o posicionamento político e ideológico assumido pelas entidades de representação estudantil ou coletivos estudantis. Os repertórios das lutas podem variar entre a busca ao atendimento de demandas particulares, relacionadas à instituição de ensino a que o movimento estudantil está vinculado, até a busca pela ampliação de direitos sociais e políticos em nível nacional. Nesse sentido, as ações, estratégias de lutas, reivindicações não são homogêneas, podem se opor ou se articular aos posicionamentos defendidos pelas entidades representativas estudantis ou pelos coletivos estudantis, assim como os objetivos e posicionamentos políticos e ideológicos.

Depois de apresentar alguns elementos que contribuem para a construção de um conceito para movimento estudantil, continuamos nossas reflexões, abordando questões sobre as contribuições desse movimento para uma transformação social mais ampla.

Movimento estudantil e possibilidades de “subversão da práxis”

A partir do conceito de movimento estudantil, pode-se afirmar que a organização política dos jovens pode sofrer influência da conjuntura social, política e econômica. Assim, as pautas de lutas e demandas são afetadas pelo tempo histórico e por ideologias alinhadas, tanto às perspectivas progressistas quanto reformistas ou conservadoras.

Embora a participação dos jovens em movimentos estudantis contribua para a realização de lutas situadas no âmbito da política, existem limites em relação ao seu alcance. Nesse sentido, o movimento estudantil nem sempre pauta ações na defesa dos interesses da classe trabalhadora , pois os estudantes não constituem uma classe social, mas sim um segmento que engloba diferentes classes sociais com um caráter provisório cronologicamente determinado (MANDEL,1979; BITTAR; BITTAR, 2014).

Esses elementos tornam o movimento estudantil plural, multifacetado e heterogêneo, mas também podem dar origem a distintos movimentos e coletivos. Em concordância com as reflexões desenvolvidas por Bittar e Bittar (2014) e Mandel (1979), consideramos que o potencial de transformação social do movimento estudantil é potencializado mediante a possibilidade da realização de uma aliança entre os jovens e outros segmentos sociais. Essa perspectiva é abordada por Gohn (2008), quando a autora afirma que a força de um movimento social pode estar relacionada às parcerias com diferentes segmentos da sociedade civil.

No caso do movimento estudantil, Bittar e Bittar (2014) e Mandel (1979) ressaltam que uma aliança com a classe trabalhadora pode contribuir para a materialização de mudanças na atual estrutura societária. Para Mandel (1979, p. 48), o movimento estudantil pode “[...] difundir a consciência socialista revolucionária anticapitalista no seio da classe operária [...]”, exercendo a função de educador, mas também pode ser beneficiado por diferentes aprendizados e experiências vivenciadas junto à classe trabalhadora.

Bringel (2012) remete-nos a essa reflexão quando defende a necessidade de o movimento estudantil realizar uma articulação entre as demandas de caráter interno e externo. As demandas internas compreendem reivindicações e pautas que são particulares aos espaços em que o movimento estudantil está inserido, como, por exemplo, reivindicações pela redução de preços em restaurantes universitários, pela ampliação de bibliotecas ou por políticas de assistência estudantil em determinadas instituições de ensino (BRINGEL, 2012). As demandas externas ultrapassam o caráter local ou institucionalizado, configuram pautas conciliadas com interesses coletivos e possuem amplitude política, como, por exemplo, a luta pelo ensino público de qualidade, por políticas de inclusão e assistência estudantil, pela ampliação de vagas em universidades e cursos técnicos, entre outros (BRINGEL, 2012).

Há também situações em que as demandas internas refletem as relações políticas e/ou culturais externas como foi o caso da luta de mulheres pela livre circulação e moradia na Casa do Estudante Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) na década de 1980. (ALMEIDA; COSTA, 2021). Naquela ocasião, a demanda das estudantes confrontava a cultura hegemônica machista que se fazia presente na política e em diferentes espaços da sociedade civil, inclusive na universidade.

Na perspectiva do materialismo histórico e dialético, as lutas em torno de demandas econômicas, políticas e culturais, ao se realizarem no contexto societário capitalista, compartilham entre si os efeitos do domínio e da exploração que nele se fazem presente. Isso ocorre em razão da lógica do lucro que move o capitalismo, a qual não apenas torna os seres humanos alienados durante o processo de extração da mais valia, mas também esgota os recursos naturais, hierarquiza as relações sociais entre classe, sexo e raça, reduzindo os direitos da maioria da população.

Por isso, a organização política da classe trabalhadora, dos jovens e dos estudantes em associações ou movimentos da juventude, é um ato de liberdade

Associar-se a um movimento quer dizer assumir parte da responsabilidade dos acontecimentos futuros, tornar-se artífice direto desses acontecimentos. Um jovem que se inscreve no movimento juvenil socialista realiza um ato de independência e libertação. Disciplinar-se é tornar-se independente e livre. [...]. Cada jovem proletário que sente o quão pesado é o fardo de sua escravidão de classe deve realizar o ato inicial de sua libertação e inscrever-se no Fascio [Agrupamento] juvenil socialista mais próximo de sua residência (GRAMSCI, 2020, p. 34).

A partir do texto “A cidade Futura”, publicado no jornal socialista Il Grido del Popolo no ano de 1917, Gramsci (2020, p. 20) destaca que a organização dos jovens possui um “fim educativo e formativo”, pois “[...] é preparação para a vida mais intensa e plena de responsabilidade”. Para o autor,

[...] o futuro é dos jovens. A história é dos jovens. Mas dos jovens que pensam a tarefa que a vida impõe a cada um, [...] que se preocupam em criar para si aquele ambiente no qual sua energia, inteligência e atividade encontrem o máximo desenvolvimento (GRAMSCI, 2020, p. 19).

Lenin (2015, p. 15) também compreende que a juventude organizada poderia contribuir para as transformações na conjuntura social, política e econômica. Com base nessa compreensão, o autor sistematizou seis “[...] tarefas fundamentais [...]” a serem realizadas por jovens engajados em organizações juvenis:

1) Aprender o comunismo envolve a articulação dos conhecimentos teóricos do marxismo com a prática e com as lutas desenvolvidas cotidianamente. Para Lenin (2015, p. 15), “[...] sem trabalho e sem luta, o conhecimento livresco do comunismo, adquirido em folhetos e obras comunistas não tem absolutamente nenhum valor [...]” e, por isso, o autor é enfático ao afirmar que há um esvaziamento da teoria sem a prática.

2) Dominar o conhecimento sistematizado pela humanidade é fundamental para a construção de uma sociedade comunista. De acordo com Lenin (2015, p. 17), “[...] estaríamos equivocados se pensássemos que basta saber as palavras de ordem comunistas, as conclusões da ciência comunista, sem ter assimilado a soma dos conhecimentos dos quais o comunismo é consequência [...]” e, com base nesse entendimento, o autor argumenta que “[...] o marxismo é um exemplo de como o comunismo resultou da soma dos conhecimentos adquiridos pela humanidade”.

3) Desenvolver e difundir a “moral comunista” requer estudo, organização e a realização da educação da massa proletária de modo que se crie uma unidade em torno do projeto comunista. Tendo isso em vista, Lenin assevera que a moral comunista, estaria

[...] subordinada aos interesses da luta de classes do proletariado [...] e se converteria em um instrumento que [...] serve para destruir a velha sociedade exploradora e para agrupar todos os trabalhadores em torno do proletariado, criador de uma nova sociedade (LENIN, 2015, p. 28).

4) Aprender “em que consiste a luta de classes” é fundamentalmente importante, pois para que uma sociedade sem classes se mantenha nessa condição, é necessário romper com todas as possibilidades de retorno da antiga sociedade. De acordo com Lenin (2015), a derrubada do sistema capitalista e da relação de exploração entre os donos dos meios de produção e os operários necessita de um trabalho constante e consciente de formação e solidificação das bases do comunismo.

5) Articular a teoria a uma prática conciliada com a mudança social, ou seja, apreender e vincular a teoria comunista com a “[...] luta incessante dos proletários e dos trabalhadores, contra a antiga sociedade dos exploradores [...]” (LENIN, 2015, p. 33) é essencial para a emancipação humana, visto que todos os momentos dessa luta estariam ligados e subordinados ao objetivo de construção de uma sociedade sem classes.

6) Desenvolver ações coletivas e organizadas é uma tarefa que se move em direção a um trabalho educativo a serviço de uma causa comum. Lenin (2015, p. 40 e 39) pontua que a educação comunista precisa estar vinculada à “[...] luta dos trabalhadores contra os exploradores [...]”, pois somente assim um “[...] rapaz ou uma moça transforma-se em um verdadeiro comunista”.

A partir das tarefas fundamentais da juventude, esboçadas por Lenin (2015) compreendemos que a contribuição do movimento estudantil para a “subversão da práxis” é um processo que decorre a partir da conscientização dos jovens sobre as contradições presentes na relação capital e trabalho. Essa consciência não ocorre espontaneamente, mas a partir do domínio do conhecimento, do contato com a realidade social, com as lutas e com a organização política da classe trabalhadora. Nesse sentido, uma luta que é revolucionária no sentido de transformar em definitivo a sociedade e as relações sociais requerem organização coletiva e clareza do lugar em que se quer chegar.

O movimento estudantil possui potencialidades político-formativas no processo de “subversão da práxis”. Essas potencialidades emergem da expansão da consciência de classe, ou seja, da percepção dos problemas sociais, locais ou institucionais, nas denúncias e na luta pela superação dos mesmos. Destacamos que mesmo as ações de caráter local ou institucional possuem perspectivas revolucionárias, pois demandam o conhecimento dos problemas que os jovens vivenciam em suas realidades.

Tomando como referência a leitura de Lenin (2015), Gramsci (2020) e Mandel (1979), acentuamos a importância dessas lutas estarem articuladas com as demandas sociais, de modo que sejam contemplados os interesses das classes subalternizadas, pois “[...] é através de um esforço consciente para ultrapassar os seus próprios limites que a vanguarda do movimento estudantil poderá representar um papel importante na construção e reforço de novas organizações revolucionárias” (MANDEL, 1979, p. 99).

É nesse sentido que o movimento estudantil amplia seu significado no contexto da luta de classes, pois é afetado diretamente por esse modo de produção, uma vez que é constituído por demandas que variam de acordo com a conjuntura social e política e está inserido no contexto capitalista. Isso ocorre porque as políticas efetivadas, especialmente aquelas de caráter neoliberal, tendem a abreviar os direitos sociais (entre eles a educação), esvaziar o poder e a autonomia das instituições, como escolas e universidades, e desmobilizar e fragmentar as lutas dos movimentos sociais.

Portanto, o movimento estudantil não está descolado da luta de classes e é um instrumento importante para os filhos da classe trabalhadora na luta pela “subversão da práxis”. Destacamos que a participação nesse movimento adquire a dimensão ético-política por meio do alinhamento das demandas do movimento estudantil com as demandas coletivas e não apenas de um pequeno grupo de estudantes ou de uma instituição de ensino em particular. A aquisição dessa dimensão se dá na luta de classes como corolário da consciência de classe, da percepção da condição de hiper exploração da classe trabalhadora, da carestia, dos limites das políticas que atendem aos interesses de uma elite dominante e da necessidade de subverter a ordem posta.

Por isso, Gramsci (2014) aponta que, da contradição que emerge no plano da estrutura e das superestruturas, nasce a possibilidade de “subversão da práxis”. No contraditório, está subjacente a alternativa de superação, portanto, de revolução. No entanto, para que a possibilidade de subversão da práxis, aqui entendida como sinônimo de revolução, ganhe materialidade, é impreterível um trabalho de formação contínua, conciliado com o despertar da consciência crítica das massas e com a articulação entre teoria e prática, conforme indica Schlesener (2016).

Considerações finais

O texto procurou debater as contribuições do movimento estudantil para a “subversão da práxis”. Para tanto, apresentou discussões teóricas que auxiliam na compreensão sobre o significado de “subversão da práxis” e as potencialidades evidenciadas no movimento estudantil para que esta seja possível.

Nessa perspectiva, reafirmamos que “subversão da práxis” é conduzida pelo objetivo da superação definitiva das contradições econômicas, políticas e culturais, com as quais as classes subalternizadas se defrontam cotidianamente na sociedade capitalista. Por isso, o movimento estudantil, especialmente quando composto por jovens oriundos da classe trabalhadora ou que tenham aproximações com seus interesses, pode contribuir para a conscientização, união, e organização política dos jovens. A organização é um ato que educa, ilumina a ação e instrumentaliza o enfrentamento dos desafios presentes na sociedade de classes.

Oriunda do processo participativo e organizado no movimento estudantil, a “subversão da práxis” se mostra como iniciativa consciente, visto que se molda na formação de sujeitos políticos. Na formação política e no contato com a realidade, os jovens adquirem conhecimentos necessários para a luta, portanto, a ação nasce da realidade vivida e problematizada. Por isso, o movimento estudantil se mostra tão importante e determinante na busca de novas relações sociais.

A luta dos jovens é orientada pelas demandas que emergem da conjuntura social, política e econômica do País e se materializam em espaços institucionalizados de circulação estudantil. Nesse sentido, a participação no movimento estudantil instrumentaliza a organização coletiva, o planejamento e a adoção de estratégias de lutas variadas, a autogestão para a condução das atividades e a identificação dos problemas e contradições que emergem não apenas nos espaços em que os estudantes se inserem, mas em toda sociedade. Trata-se, portanto, de uma participação política que permite a formação de sujeitos políticos e instrumentaliza a luta por direitos sociais e políticos.

A partir da vivência de tais experiências políticas, constroem-se possibilidades de “subversão das práxis”, pois a revolução é um ato coletivo, pensado e consciente. A conscientização não ocorre no vazio, mas se origina da compreensão das contradições vividas na realidade. A superação da realidade desigual e a instauração de uma sociedade justa, igual e livre depende da ação coletiva, a qual se mostra possível por meio do movimento estudantil. “Subverter a práxis” é um dos objetivos que move corações e mentes de todos aqueles que não se conformam com as desigualdades naturalizadas pela sociedade capitalista.

Notas

1Movimento é uma revista publicada pela União Nacional dos Estudantes (UNE).

2A referida pesquisa foi realizada com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), por meio de convênio com a Fundação Araucária – Código de Financiamento 001.

3A Associação Nacional dos Pós-Graduandos – ANPG, a União Nacional dos Estudantes – UNE e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES representam as principais entidades organizativas dos estudantes de pós-graduação, ensino superior e secundário em nível nacional, mantendo vínculos com as instituições de representação discente nos diferentes estados e municípios brasileiros.

4Sem desconsiderar a existência de movimentos estudantis que defendem pautas conservadoras ou alinhadas à hegemonia da classe dominante, optamos por debater sobre a práxis política do movimento estudantil desenvolvida na perspectiva da classe trabalhadora, pois entendemos que a maioria de suas ações visam a ampliação dos direitos sociais e políticos.

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Recebido: 10 de Maio de 2021; Aceito: 27 de Setembro de 2021

Prof. Dra. Aldimara Catarina Brito Delabona Boutin

Universidade Estadual de Ponta Grossa (Brasil)

Grupo de Pesquisa Capital, Trabalho, Estado, Educação e Políticas Educacionais – GPCATE – UEPG

Orcid id: https://orcid.org/0000-0002-0564-8290

E-mail: audiboutin@hotmail.com

Prof. Dra. Simone de Fátima Flach

Universidade Estadual de Ponta Grossa (Brasil)

Programa de Pós-Graduação em Educação

Grupo de Pesquisa Capital, Trabalho, Estado, Educação e Políticas Educacionais – GPCATE – UEPG

Orcid id: https://orcid.org/0000-0002-9445-0111

E-mail: eflach@uol.com.br

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