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Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.59 no.61 Natal jul./set 2021  Epub 19-Abr-2022

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2021v59n61id25689 

Artigo

A utilização das tecnologias digitais nas aulas do século XXI

The use of digital technologies in the 21st century classes

El uso de tecnologías digitales en las aulas del siglo XXI

1Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (Portugal)


Resumo

Este artigo pretende caracterizar as concepções e práticas pedagógicas dos professores do Ensino Fundamental e entender o posicionamento da escola em análise face à utilização das tecnologias digitais nas aulas, numa altura em que “o movimento no sentido da personalização já se encontra avançado na medicina e precisamos de avançar rapidamente para este, também no mundo da educação” (ROBINSON, 2019). O estudo empírico é de natureza qualitativa e enquadra-se na modalidade de estudo de caso, assumindo um cariz interpretativo. Os dados foram recolhidos por meio de análise documental, observação e entrevista, tendo-se procedido à análise de conteúdo dos mesmos, com recurso à triangulação. Participaram, neste estudo, 6 professores do Ensino Fundamental, de uma escola privada de Lisboa, Portugal. Os resultados apontam para a existência de vontade, confiança e competências por parte dos docentes, embora a utilização das tecnologias pelos alunos, em contexto escolar, não seja expressiva.

Palavras-chave: Práticas pedagógicas; Professores; Tecnologias digitais; Salas de aula

Abstract

This article aims to characterize elementary school teachers’ pedagogical conceptions and practices, and also understand the school position regarding the use of digital technologies in classrooms, at a time that “the movement towards personalization is already advanced in medicine and we need to move quickly towards this, also in the world of education” (ROBINSON, 2019). The empirical study fits into a qualitative approach, through the case study modality, assuming an interpretive paradigm. Data were collected through document analysis, observation and interview, then we’ve proceeded to content analysis, using triangulation. Participants are 6 elementary school teachers form a private school in Lisbon, Portugal. The results point out the existence of teachers’ willingness, confidence and skills, although the use of technologies by students, during classes, is not significant.

Keywords: Pedagogical practices; Teachers; Digital technologies; Classrooms; schools

Resumen

Este artículo tiene como objetivo caracterizar las concepciones y las prácticas pedagógicas de los docentes de primaria y comprender el posicionamiento de la escuela bajo análisis en relación al uso de tecnologías digitales en las clases, en un momento en el que “el movimiento hacia la personalización ya está avanzado en la medicina y necesitamos avanzar rápidamente hacia esto, también en el mundo de la educación” (ROBINSON, 2019). El estudio empírico se enmarca en un enfoque cualitativo, a través de la modalidad de estudio de caso, asumiendo un carácter interpretativo. Los datos fueron recolectados mediante análisis de documentos, observación y entrevista, procediendo al análisis de su contenido, mediante triangulación. En este estudio, participaron 6 profesores de primaria en una escuela privada en Lisboa, Portugal. Los resultados apuntan a la existencia de disposición, confianza y habilidades por parte de los docentes, aunque el uso de tecnologías por parte de los estudiantes, durante las clases, no es significativo.

Palabras clave: Prácticas pedagógicas; Docentes; Tecnologías digitales; Salas de clase; Escuela

Introdução

Vivemos em um período de transformação constante, em que a tecnologia permite ao mundo avançar e evoluir a cada instante e está envolvida em quase todas as esferas da nossa vida. Naturalmente que encontramos grandes vantagens e possibilidades nesta transformação, ao mesmo tempo que ponderamos sobre os constrangimentos e mudanças difíceis que esta nos poderá trazer.

No campo da educação, ainda o início do século XXI estava longe e já se percepcionava que o desenho do modelo escolar estava a distanciar-se, a passos largos, das necessidades dos alunos daquela altura e, evidentemente, do futuro (AZEVEDO, 2016; BENTO, 2020; NÓVOA, 2019), agravando-se esta situação com as dificuldades em utilizar as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) na escola, de forma significativa e transformadora (FERRARINI, SAHEB, TORRES, 2019; IKEDA, 2020; MORIN, 2010; NÓVOA, ALVIM, 2020; PANIGUA, ISTANCE, 2018; VIANA, PERALTA, 2020). Ainda que utilização das TDIC nas aulas assuma uma pluralidade conceptual considerável no campo da investigação, começamos por aquela que acreditamos ser a definição de base, por sugerir que a integração das tecnologias digitais nas salas de aula se concretiza com a “[...] utilização que em contexto educativo se faz das ferramentas tecnológicas” (PEDRO, 2012, p. 4). Sumariamente, poderemos afirmar que, embora as tecnologias digitais constituam “[...] meios privilegiados, é o próprio aprendente quem pensa e decide como as usar e quem organiza a forma como tira partido das suas potencialidades para aprender [...]” (VIANA, PERALTA, 2020, p. 139), o que terá grandes implicações no processo de ensino-aprendizagem. Esta afirmação transporta-nos para outras questões polêmicas, às quais pretendemos dar resposta ao longo deste texto: (i) que concepções têm os professores sobre a utilização das ferramentas tecnológicas nas salas de aula? (ii) quais e como são utilizados os recursos (ou ferramentas) tecnológicos pelos professores e pelos alunos?

No seguimento desta premissa, fazemos memória ao “elogio à metamorfose”, de Edgar Morin (2010), que devolve o conceito de “metamorfose” à escola, no sentido em que esta precisar de se reinventar. O autor argumenta que tudo começa com uma inovação, por mais subtil que esta possa ser. Na primeira década do século XXI, Morin (2010) advoga que tudo tem de ser repensado, tudo deve recomeçar. Neste sentido, considera-se também a perspectiva de Nóvoa (2009, p. 15-16), uma vez que “[...] é preciso abrir os sistemas de ensino a novas ideias. Em vez da homogeneidade e da rigidez, a diferença e a mudança. Em vez do transbordamento, uma nova concepção da aprendizagem”, em que as tecnologias digitais (com recurso a computadores, tablets ou telemóveis) assumem um papel de destaque, sem esquecer que os actores principais continuam a ser os professores e os alunos.

Neste artigo, partindo do embasamento teórico sobre a emergência da mudança das práticas dos professores e o papel que as tecnologias digitais assumem na escola de hoje, apresenta-se o estudo empírico que permite caracterizar as formas que revestem as práticas pedagógicas dos professores atualmente, alicerçadas no recurso às TDIC, e, assim, constatar o grau de utilização em que a escola se insere, no que diz respeito à utilização de tecnologias com (e pelos) alunos.

A emergência da mudança das práticas pedagógicas dos professores face aos desafios que se adivinham na nova década do século XXI

A opinião do Diretor da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) para a Educação, Schleicher (2018), aponta para a necessidade de um modelo de ensino que contemple as diferentes preferências e estilos dos alunos, conduzindo-nos à seguinte conclusão: é incontestável a urgência de acontecerem mudanças profundas no paradigma atual da educação, com incidência nos seus objetivos para os dias de hoje e com vista ao futuro. A perspectiva e o papel do professor, precisam ser atualizados, tendo em conta o mundo contemporâneo e, consequentemente, as gerações de estudantes que agora frequentam a escola (NÓVOA; ALVIM, 2020; OECD, 2018). Na mesma entrevista, Schleicher (2018, s.p.) clarifica: “[...] é preciso sermos melhores e mais sensíveis aos diferentes modos de aprender e às preferências dos alunos”. Não se trata de encontrar culpados ou inocentes entre os professores - até porque estes são os agentes diretos deste processo, os mais empenhados - trata-se sim, de incutir mudanças reais na sociedade, na forma como esta exerce o seu papel face à escola, como a vê, o que espera dela, como a apoia, e a confiança que deposita no trabalho dos docentes.

A este respeito, salienta-se o sentimento expressado pelos professores que participaram no Inquérito Internacional sobre o Ensino e Aprendizagem (OECD, 2019). Na sua maioria, os professores referiram sentir-se mais confortáveis utilizando a instrução tradicional, através de práticas como: fornecer explicações alternativas ou elaborar boas perguntas e variar as estratégias de passagem de informação, em detrimento de incentivar os alunos mais desmotivados a valorizar os conhecimentos e a estimular o pensamento crítico. Encontramos, neste ponto, algum desequilíbrio de expectativas: por um lado, espera-se que os professores estejam atentos e sejam capazes de atender aos diferentes modos de aprender, portanto, invariavelmente, é necessário que mudem as suas práticas e que se afastem da “zona de conforto”. Por outro lado, é esta zona de conforto (espaço em que sentem que dominam) que os professores referem ter dificuldade em abandonar.

Em Portugal, segundo os mais recentes resultados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OECD, 2019), os professores afirmam esforçar-se por desenvolver novas estratégias de ensino e aprendizagem. Por oposição, é notória alguma incompatibilidade entre a forma como a inovação é entendida na teoria, e como é colocada em prática. Nesta perspectiva, Portugal encontra-se no patamar mais baixo de confiança, ou seja, os professores do ensino médio (ensino secundário, no sistema educacional português) consideram que os seus pares, colegas na mesma escola, estão menos disponíveis para a mudança de práticas, depositando maior confiança no desenvolvimento dos currículos.

Face a estas considerações, torna-se fundamental entender os motivos que levam à descrença por parte dos professores portugueses no que diz respeito à disponibilidade para a mudança. A avaliar pelas conclusões OCDE, estes podem estar relacionados com a gestão das turmas, já que “[...] nos países e economias da OCDE que participam no TALIS, apenas 78% de uma aula típica são dedicados ao ensino, sendo a restante parte do tempo gasta a manter a disciplina na aula ou a tratar de tarefas administrativas da aula” (OECD, 2019, p. 2).

Em termos globais, os países que participaram no Inquérito Internacional sobre o Ensino e Aprendizagem (OECD, 2019), reconhecem a importância da mudança, na medida em que “parecem estar a reconhecer o valor do ensino inovador como resposta aos desafios do séc. XXI” e mostram-se disponíveis e capazes para a fazer, uma vez que “[...] a grande maioria dos professores e dirigentes escolares dizem que as suas escolas estão abertas a práticas inovadoras e têm capacidade para adotá las” (OECD, 2019, p. 2). Nestas escolas, os professores assumem ter um papel ativo no processo de mudança, pois “[...] afirmam que eles e os seus colegas se ajudam mutuamente na implementação de ideias novas”. Por outro lado, em escolas cujos ambientes sejam pouco favoráveis à mudança de práticas, o apoio e o incentivo dados aos professores serão substancialmente inferiores (VINCENT-LANCRIN, GONZÁLEZ-SANCHO, BOUCKAERT, DE LUCA, FERNANDEZ-BARRERRA, JACOTIN, URGEL, VIDAL, 2019).

Porém, é preciso lembrar que “[...] as representações e as novas práticas pedagógicas desenvolvem-se de forma progressiva. Em primeiro lugar, são aplicadas em escolas e classes atípicas, muito antes de serem reconhecidas e adotadas pela instituição e pela profissão” (PERRENOUD, 2001, p. 2). Nesta perspectiva, Perrenoud (2001, p. 2) revela que estamos numa era de “[...] recomposição do leque de competências de que os professores necessitam para exercer o seu ofício de forma eficaz e equitativa [...]. O mesmo autor acrescenta que “[...] algumas formas de “dar aula” desaparecem lentamente, enquanto outras assumem uma crescente importância [...]” (PERRENOUD, 2001, p. 2-3), tornando-se imprescindível que a sociedade integre a ideia de que a profissão de professor “[...] muda e a sua evolução exige atualmente que todos os professores possuam novas competências, antes reservadas aos inovadores ou aos professores que precisavam de lidar com os públicos mais difíceis”. Numa entrevista ao periódico “Observador”, em 2016, o fundador da Escola da Ponte, José Pacheco, partilha da mesma opinião, referindo que “não faz sentido alunos do século XXI terem professores do século XX, com propostas teóricas do século XIX, da Revolução Industrial”. Com esta afirmação, Pacheco (2016) impele à reflexão e à inquietude dos agentes educativos dos dias de hoje, permitindo concluir que as mudanças requerem rapidez, por um lado, e profundidade, por outro.

É no seguimento desta perspetiva que recuperamos os resultados da sondagem realizada pela School Education Gateway (EUROPEAN UNION, 2019, s. p.). Nesta análise, é perceptível que os professores se mostram atentos e preocupados em implementar novas estratégias, na medida em que revelam o desejo de ter, na escola, “[...] um espaço flexível para o desenvolvimento de vários métodos de aprendizagem para facilitar a inovação [...], assim como [...] acreditam que há medidas simples e de baixo custo que podem ser tomadas para melhorar o ambiente de aprendizagem” (s.p.). Para além disto, “[...] gostariam de integrar a tecnologia no processo de aprendizagem, como forma de apoiar a própria aprendizagem [...], sobretudo considerando que têm perante si “[...] uma geração que nasceu na era da WWW, com acesso rápido e quotidiano à informação, que procura de imediato o conhecimento no smartphone, que vê e produz materiais digitais” (OLIVEIRA, 2019, p. 105).

A rematar este tricô de ideias sobre a urgência da mudança de práticas nas escolas, com vista a fazer face aos desafios propostos por uma nova década no século XXI, destacamos a importância da utilização das tecnologias digitais em educação, essencialmente por dois motivos: (i) por um lado, porque as crianças e jovens estão inseridos numa sociedade em que a utilização das tecnologias digitais está naturalizada, portanto, não faz sentido que exista esta barreira que separa a vida fora da escola da vida do interior da escola, onde os alunos passam grande parte do seu tempo; (ii) por outro lado, “[...] porque se reconhece que existe valor pedagógico acrescentado quando tais ferramentas são utilizadas de forma pedagogicamente relevante” (PEDRO, MATOS, 2019, p. 297). A juntar a estas considerações, há que ter em conta que o sucesso da imersão das tecnologias nas salas de aula depende de fatores como: “[...] professores inovadores e competentes na utilização das tecnologias em contexto educativo, currículos flexíveis, diretores inovadores e visões e culturas de escola que privilegiem a utilização das tecnologias e a inovação nos seus contextos” (PIEDADE, PEDRO, 2019, p. 26), uma vez que também são estas as condições essenciais que ditam o sucesso, ou o fracasso, de alterações sistémicas que se pretendam introduzir na escola.

Redesenhando o papel das tecnologias digitais nas salas de aula atuais: possibilidades e constrangimentos

Ainda que pretendamos distinguir “práticas inovadoras” de “utilização de tecnologias digitais“, é inevitável que estas expressões dialoguem entre si, uma vez que as tecnologias já entraram na vida de todos nós há largas décadas e constituem “[...] ferramentas muito úteis à disposição de educadores para melhoria do processo ensino aprendizagem” (FERRARINI, SAHEB, TORRES, 2019, p. 25).

Segundo Costa, Viana, Trez, Gonçalves e Cruz (2017), as tecnologias digitais denotam: “um potencial pedagógico de grande alcance [...] que nos remete para a necessidade de modelação de processos e a subsequente e inevitável pergunta se a escola - se os professores - estão suficientemente preparados [...]”, por um lado, para responder aos desafios propostos e, por outro lado, para “[...] aproveitar as oportunidades que, do ponto de vista pedagógico, as tecnologias digitais vêm trazer” (COSTA VIANA, TREZ, GONÇALVES, CRUZ, 2017, p. 411). Estas afirmações assumem uma importância acrescida numa altura em que a pandemia provocada pela COVID-19 obrigou as escolas a encontrar soluções, remotamente, para responder às necessidades de formação dos alunos. No entanto, esta “tábua de salvação” assumida pelas tecnologias digitais, nesta fase, veio demonstrar que as oportunidades oferecidas vão muito para além de uma solução temporária ou emergente (NÓVOA, ALVIM, 2020; OECD, 2020). As tecnologias proporcionam “[...] respostas inteiramente novas para a questão do que as pessoas aprendem, como aprendem e onde, e quando aprendem [...]” (OECD, 2020, p. 16), proporcionando uma mudança no papel do professor, elevando-o de transmissor do conhecimento a co-criador, mentor, facilitador do conhecimento (OECD, 2020).

De acordo com as investigações de Paiva, Paiva e Fiolhais (2003) e Pedro (2012), atualmente, as tecnologias digitais são utilizadas na escola em dois contextos diferenciados: (i) o contexto pessoal, isto é, a forma como professores e alunos usam o computador, a nível individual; e (ii) o “[...] contexto educativo, incluindo tanto o contexto da aula, como o contexto da relação pedagógica fora da sala de aula, que ocorre em várias actividades” (PAIVA, PAIVA, FIOLHAIS, 2003, p. 2). Em contexto educativo, a sua utilização pode revestir-se de duas formas distintas, consoante a intenção e o tipo de tarefas que os professores propõem aos seus alunos: (i) podem substituir “[...] o papel/lápis e a internet é propositadamente desligada com vista a minimizar elementos distratores [...]” (PEDRO, 2012, p. 12); ou (ii) podem estar [...] ao dispor dos alunos com todas as potencialidades de acesso ao conhecimento que a internet abre [...] e onde os alunos são chamados a envolver-se em metodologias inovadoras de trabalho colaborativo”.

Deste modo, à questão da preparação que se impõe que os professores tenham ao nível da literacia digital (que se relaciona com aptidões técnicas, aspectos cognitivos e socioemocionais, segundo uma corrente científica, ou pode ser mais direcionada para definições de natureza conceptual ou operacional, segundo uma corrente distinta) acrescentam-se outras, nomeadamente: como usar as tecnologias digitais nas aulas, aplicando metodologias diferenciadas que envolvam a participação dos alunos e promovam o sucesso? Estarão os professores preparados para planear aulas voltadas para este novo paradigma?

Voltando ao conceito de literacia digital, que vem dar o mote para destrinçar a discussão em torno do papel assumido pelas TDIC nas salas de aula, importará referir que este foi difundido por Paul Gilster, em 1997, definindo-o, em sentido lato, como o conjunto de habilidades de pensamento e competências essenciais para prosperar em diferentes ambientes interactivos (GILSTER, 1997). Deste modo, compreende-se o desenvolvimento da literacia digital dos professores (e dos alunos, consequentemente) como um passo indispensável no caminho da mudança de paradigma no que diz respeito à utilização das TDIC nas salas de aula, que tem vindo a ganhar terreno na agenda das políticas públicas, segundo os dados revelados no Relatório Eurydice (EUROPEAN COMMISSION/EACEA/EURYDICE, 2019).

Em jeito de confirmação à pertinência destes pensamentos, Miranda (2007) alude ao facto de a introdução de recursos digitais nas escolas implicar, obrigatoriamente, uma mudança de práticas. A mera introdução da tecnologia nas salas de aula, sem alterar práticas pedagógicas, crenças ou motivações, tem sido apontada como uma das estratégias mais utilizadas pelos professores, embora não produza resultados positivamente impactantes na aprendizagem dos alunos (LAGARTO, 2013; MIRANDA, 2007). Segundo a investigação, esta situação deve-se sobretudo a dois fatores: (i) falta de proficiência dos professores (ou iliteracia digital); e (ii) dificuldade de abertura e disponibilidade apresentadas pelos docentes, à mudança de práticas (ESCOLA, FLORES, PERES, 2009; MIRANDA, 2007). Os professores, por seu turno, consideram que os principais obstáculos ao uso das tecnologias nas práticas pedagógicas são a escassez de recursos e de formação oferecida aos docentes (COSTA, VIANA, TREZ, GONÇALVES, CRUZ., 2017; ESCOLA, FLORES, PERES, 2009; EUROPEAN COMISSION, 2013; OECD, 2016; PAIVA, PAIVA, FIOLHAIS, 2003). Paradoxalmente, esta tendência parece estar a reverter gradualmente, tendo como referência os professores que integram as escolas-piloto em que se desenvolvem as iniciativas referentes ao INCoDe.2030 (programa de política pública dedicado ao reforço de competências digitais), uma vez que, de acordo com o relatório da European Commission/EACEA/Eurydice (2019), o nível de preparação dos professores portugueses para a integração das tecnologias digitais nas escolas aproxima-se da média do conjunto dos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

No sentido de tentar desocultar as possibilidades e constrangimentos considerados pelos professores na utilização das tecnologias digitais, apresentam-se as conclusões que emergiram do estudo realizado por Cruzeiro, Andrade e Machado (2019), tendo por base os relatórios da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC):

Quadro 1 Perspetivas dos professores no que respeita à utilização das tecnologias digitais nas salas de aula 

Possibilidades Constrangimentos
Motivação dos alunos Falta de tempo para praticar e explorar ferramentas e funcionalidades
Promoção de ambientes de aprendizagem ativos Desconhecimento de potencialidades e ferramentas
Combinação de diferentes tipos de recursos Inibição no uso das ferramentas e recursos digitais
Facilidade no acesso à informação Carência de tempo para frequentar formação
Simulação virtual de exemplos práticos Falta de equipamento (computadores portáteis e tablets) nas escolas
Fracas condições das escolas ao nível das ligações de internet, da atualização de software e da estimulação para o uso dos telemóveis dos alunos

Fonte: Elaboração própria, adaptado de Cruzeiro, Andrade e Machado (2019).

Perante este cenário, em que os constrangimentos parecem assumir um peso maior face às possibilidades, que medidas poderão ser tomadas para que o panorama nacional mude? Como se efetivarão?

Em primeiro lugar, partindo da premissa de que a tecnologia irá assumir, cada vez mais, um papel ativo na educação, é fundamental equipar as escolas com recursos tecnológicos em número suficiente, devidamente funcionais e com condições de conectividade (CRUZEIRO, ANDRADE, MACHADO, 2019; PEDRO, MATOS, 2019). Neste ponto, de acordo com os dados mais recentes (2018-2019) divulgados pela Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Portugal tem vindo a desenvolver um trabalho progressivo, embora o caminho a percorrer ainda esteja longe de alcançar a meta: otimizar o número de equipamentos por aluno e melhorar a cobertura de banda larga, que permitirá o acesso à Internet em todos os espaços da escola.

Tão importante como equipar as escolas é dotar os professores de métodos de ensino eficazes para a escola do século XXI (CRUZEIRO, ANDRADE, MACHADO, 2019; PEDRO, MATOS, 2019), sobretudo se queremos que os alunos desenvolvam as competências de que precisam para ter sucesso (SCHLEICHER, 2019).

O terceiro fator fundamental é a intencionalidade da integração das tecnologias digitais no processo de ensino-aprendizagem que, em última análise, permitirá configurar novos modelos pedagógicos (CRUZEIRO, ANDRADE, MACHADO, 2019) e encarar as tecnologias como currículo e não somente ao serviço deste (PEDRO, MATOS, 2019).

Schleicher (2019) admite a possibilidade da característica mais diferenciadora da tecnologia se relacionar com o facto de esta não servir apenas os alunos ou professores, individualmente, mas por potenciar a construção de um “ecossistema em torno da aprendizagem” (s.p.), ancorado na colaboração. O mesmo autor admite que a tecnologia possa dar origem a “[...] comunidades de alunos que tornam a aprendizagem mais interativa e motivadora, reconhecendo que os objetivos da aprendizagem colaborativa se prendem com a orientação, a motivação, a persistência e o desenvolvimento de estratégias de aprendizagens significativas” (s.p.). Para que esta viragem aconteça, é necessário que os professores sintam essa vontade e este processo implica mudanças radicais, começando pela alteração de mentalidades, o que conduzirá à mudança de práticas.

Por fim, importa referir a influência que o clima de escola exerce neste processo (PIEDADE, PEDRO, 2019), na medida em que poderá condicionar ou, por outro lado, facilitar o percurso de alterações de práticas e, no limite, contribuir para a mudança de paradigmas educacionais. Nesta linha de pensamento, refletimos acerca da questão colocada por Lagarto (2013, p. 5): “Mas o que são Escolas Inovadoras? Verifica-se com frequência que são escolas abertas à comunidade e ao mundo”. Nestas escolas, os professores partilham, espontaneamente, experiências e saberes entre si e entre organizações; as escolas envolvem-se naturalmente na comunidade, e as tecnologias poderão facilitar e garantir sustentabilidade a este processo.

Na outra face da moeda, encontram-se as lideranças e o papel que desempenham, assumindo-se como facilitadores, motivadores e apoiantes de metodologias inovadoras, pois “[...] sem liderança, a inovação terá tendência a esmorecer após as motivações provocadas pelos impactos iniciais das propostas de mudança” (LAGARTO, 2013, p. 6). Nesta linha de pensamento, quando a inovação passa por “ambientes tecnologicamente enriquecidos”, é fundamental que as estruturas das escolas se apresentem com capacidade para otimizar os seus recursos e revelem, sistematicamente, a sua aptidão para o correto e pertinente uso dos mesmos. Segundo Lagarto (2013, p. 6), estas são as condições que distinguem estas escolas, já que “[...] apenas as escolas digitalmente maduras conseguem que a tecnologia se torne cada vez mais transparente e menos incomodativa, sendo inserida nos processos de trabalho de todos de uma forma natural”.

Apesar de, na sua investigação, Lagarto (2013, p. 3) concluir que “[...] não existem muitos estudos que demonstrem de forma inequívoca que os alunos aprendem mais com a utilização das TIC [...]”, confirmando-se a ideia de que a introdução das tecnologias nas aulas não pode ser considerada uma panaceia, “existem já dados suficientes que suportam a necessidade do uso das TIC nos processos de ensinar e aprender”. Estes dados são reveladores de que a inclusão sistemática das tecnologias digitais nas práticas pedagógicas prepara os alunos de hoje para um futuro de incertezas e de mudanças rápidas, permite o acesso a tudo por todos – globalização –, assim como possibilita a transposição do “mundo real” para o interior dos muros da escola, sobretudo desde o início do século XXI, e que a escola tem vindo a demonstrar dificuldade em acompanhar o ritmo deste “mundo”.

Metodologia

De entre as modalidades que o paradigma interpretativo integra, a investigação em causa reveste a forma do estudo de caso, na medida em que se pretende compreender um fenómeno, recorrendo a um ou mais exemplos desse mesmo fenómeno, integrado no seu contexto natural, numa perspetiva humanística. De forma contextualizada, recorreu-se à análise documental, à observação de aulas e à entrevista semiestruturada, usadas no paradigma qualitativo, com o objetivo de obter as diferentes perspetivas que traduzem a complexidade do fenómeno (AMADO, 2013).

Tendo em vista a aplicação das técnicas de recolha de dados enunciadas, foram construídos três instrumentos que serviram de matriz à investigação: uma grelha de observação de fim aberto, uma lista de verificação para observação de aulas e registo de dados recolhidos na análise documental, ambas com enfoque na dimensão “Ambiente de trabalho nas aulas que incluem as TIC [tecnologias digitais]”, assim como um guião de entrevista. Estes instrumentos foram construídos com base nas perspetivas de autores reconhecidos, tendo em consideração os objetivos da investigação em curso.

A análise documental desta investigação foi realizada com o intuito de complementar a recolha de dados efetuada nas observações e nas entrevistas. Teve como base a leitura de documentos normativos e estruturantes da instituição de ensino, que se encontram disponíveis na página web da referida instituição: o Projeto Educativo (PE), o Regulamento Interno (RI) e o Plano de Atividades para o Desenvolvimento do Currículo (PADC).

A observação apresenta-se como um “[...] processo para descrever, com fidelidade e exactidão, e/ou compreender, uma determinada porção do real [...]” (TRINDADE, 2007, p. 30) e confere objetividade à investigação, uma vez que oferece um baixo grau de interferência por parte do observador. No caso deste estudo empírico, foram observadas seis aulas, referentes a diferentes turmas e professores, com o intuito de caracterizar as dinâmicas subordinadas ao domínio “Ambiente de trabalho nas aulas que incluem as TIC [tecnologias digitais]”. As sessões de observação de aulas desenvolveram-se nos locais habituais para os intervenientes (salas de aula) e foram previamente combinadas com o professor participante, via e-mail, mediante a sua disponibilidade horária. A observação antecedeu a entrevista ao respetivo professor, por forma a tentar preservar a naturalidade dos comportamentos.

A entrevista assumiu-se como a principal técnica de recolha de dados, por se considerar que seria, não só uma forma de confirmar os dados observados e analisados nos documentos, como um meio de recolher, formalmente, as opiniões dos participantes sobre os temas subjacentes a esta investigação. Foram realizadas 6 entrevistas, por forma a garantir a equidade no número de professores por ciclo de ensino: 2 professores responsáveis pela 1ª, 2ª e 3ª séries, 2 professores da 4ª e 5ª séries e 2 professores da 6ª, 7ª e 8ª séries, especialistas em diferentes áreas: Português, Matemática, Ciências, na tentativa de espelhar o trabalho realizado pelos docentes do Ensino Fundamental, tendo em atenção o fator “utilização das TIC [tecnologias digitais] nas aulas”. Estes docentes são referidos ao longo deste texto com os nomes fictícios de: Amélia, Bruno, Célia, Dulce, Ester e Filomena.

No que diz respeito aos processos de organização e análise de dados deste estudo empírico, recorreu-se à análise de conteúdo, que se caracteriza por ser um “[...] conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens” (BARDIN, 1977, p. 38). Como forma de assegurar a validade interna do estudo, procedeu-se à triangulação dos dados.

Em virtude de se tratar de um estudo de cariz pessoal e individual, este acarreta uma panóplia de questões de ordem ética que foram tratadas antes do início da recolha de dados, como a autorização para a preservação da confidencialidade e do anonimato, e a aprovação do projeto de investigação pelo Conselho de Ética do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.

Discussão dos resultados

Nesta secção apresentamos a discussão dos resultados obtidos por meio da recolha de dados, confrontando as práticas pedagógicas utilizadas e/ou percecionadas pelos docentes/escola e os equipamentos/aplicações que estes incluem nas suas aulas, face às intenções pedagógicas que estão subjacentes a estes procedimentos e às potencialidades e limitações identificadas pelos docentes no processo de mudanças de práticas que passam pela utilização das tecnologias com e pelos alunos.

Do cruzamento entre os dados recolhidos nas observações e nas entrevistas, constata-se que as práticas pedagógicas dos participantes incluem, essencialmente, a utilização do quadro interativo e dos tablets da escola como recursos de trabalho, sendo o primeiro utilizado pelo professor e o segundo pelos alunos. Os telemóveis surgem nesta lista logo de seguida, embora não sejam utilizados em todas as séries, e existam algumas limitações para a sua utilização, explícitos nos documentos orientadores da instituição, que poderão causar alguma inibição por parte dos professores, em solicitar que os alunos os utilizem.

As ferramentas de trabalho e aplicações que os docentes utilizam com os seus alunos incluem, sobretudo, vídeos, aulas interativas disponibilizadas pelas editoras e apresentações interativas, a avaliar pelos dados obtidos nas entrevistas. Com a incidência mais elevada seguinte, encontrámos o recurso ao jogo Kahoot. Nas observações, verificou-se que os vídeos, as aulas interativas e as apresentações digitais foram utilizados por metade dos professores e que os restantes recorreram, maioritariamente, aos formulários da Google. Estas formas de utilização das tecnologias digitais e o caminho que os professores estão a realizar confluem para um dos objetivos da instituição presentes nos documentos orientadores, que se relaciona com a dinamização de “projetos que desenvolvam comportamentos corretos na utilização das tecnologias” (PE). Porém, a avaliar pelo tipo de atividades realizadas durante as aulas e pelo cariz abrangente e subjetivo da afirmação anterior que consta do Projeto Educativo da escola, não encontrarmos garantia de que a escola esteja preparada para tirar partido do enorme potencial pedagógico que as TIC podem trazer ao processo de ensino-aprendizagem (COSTA, VIANA, TREZ, GONÇALVES, CRUZ, 2017).

No que se refere ao tipo de trabalho realizado com recurso às tecnologias digitais, verifica-se que os professores investem, sobretudo, nas pesquisas e jogos e na utilização de vídeos/questionários, com o objetivo de consolidar conteúdos. De acordo com o testemunho da professora Célia, o recurso a “um jogo ou um pequeno vídeo para chamar a atenção no início da aula ou no final da aula, ajuda-os a consolidar”. Nas vozes dos professores, foi possível compreender a sua atenção em provocar a descoberta e incentivar a criação, já que existe a preocupação para que “naquelas aulas [em que são utilizadas as tecnologias digitais], seja mais eles irem à procura de resposta, em vez de estarem à espera que eu lhe diga como é que são as coisas” (Professora Amélia). Esta tendência verificou-se nas observações de aulas, confirmando-se os testemunhos dos professores, recolhidos antes da realização das observações. No entanto, podemos inferir que não se tratam de práticas comuns, uma vez que os docentes identificam facilmente as aulas em que são utilizadas as tecnologias digitais, como é possível confirmar através do depoimento apresentado anteriormente, da Professora Célia, e pelos que apresentaremos adiante.

Tendo em consideração o quadro teórico que suporta esta investigação, o tipo de trabalho evidenciado pelos professores aproxima-se de uma das estratégias mais usadas: “acrescentar a tecnologia às actividades já existentes na escola e nas salas de aula, sem nada alterar nas práticas habituais de ensinar” (MIRANDA, 2007, p. 44). Esta afirmação pode encontrar justificação no facto de os professores, sobretudo aqueles que já têm mais tempo de serviço (como é o caso dos professores que participaram neste estudo), se sentirem eternos “emigrantes” digitais” perante grupos de “nativos digitais” (PRENSKY, 2001), sentindo maiores dificuldades e, inclusivamente, falta de formação, apesar de todos os participantes considerarem ter a formação necessária em tecnologias digitais para o desenvolvimento das suas funções. Aliados a estas questões, junta-se a influência do clima de escola e a visão das lideranças que, de acordo com os documentos analisados, é pouco clara/objetiva.

Perante as evidências, será esta uma “escola digitalmente madura”? À luz da teoria de Lagarto (2013), considera-se que não será, tendo em consideração não só o que foi referido anteriormente, como a frequência com que os professores incluem as tecnologias digitais nas suas aulas: diariamente (2 professores), semanalmente (2 professores) e raramente (2 professores): “realmente, é raro levar-se os tablets, é raro fazer-se um Kahoot. Quando se faz, é uma euforia excessiva” (Professora Célia). A justificação para que a frequência de utilização das tecnologias digitais seja tão díspar e, sobretudo, pouco regular poderá relacionar-se com a opinião que as tecnologias não podem substituir os recursos tradicionais da escola: “não nos podemos cingir às TIC [tecnologias digitais] no ensino e é fundamental que os alunos continuem a desenvolver outros tipos de trabalho e interação” (PROFESSORA FILOMENA).

No que diz respeito aos benefícios que os professores reconhecem na utilização das tecnologias digitais enquanto instrumento que contribui para a inovação das suas práticas, destacam-se duas ideias, confirmadas pelas observações e pelas entrevistas: (i) por um lado, permitem fazer aulas diferentes e motivar os alunos; (ii) e, por outro, potenciam novas possibilidades na construção do conhecimento dos alunos: pesquisa, apresentação de conteúdos, evolução individual. Os professores referem que as tecnologias permitem “que toda a turma esteja a trabalhar, ao seu ritmo” com a vantagem de os professores ficarem com “uma noção muito maior e rápida do que os alunos aprenderam” (PROFESSOR BRUNO). Ainda relativamente às vantagens, dois dos entrevistados referiram que as tecnologias digitais facilitam o trabalho dos docentes, tal como teorizam Paiva, Paiva e Fiolhais (2003, p. 2): “[...] o ganho de tempo na execução de tarefas rotineiras [...]”, que consiste numa das vantagens mais identificadas pelos professores, no estudo apresentado por Vincent-Lancrin, González-Sancho, Bouckaert, De Luca, Fernandez-Barrerra, Jacotin, Urgel, Vidal (2019).

Considerações finais

Verificou-que que existe a perceção da importância da utilização das tecnologias, na medida em que os professores consideram estar “[...] muito presos ao ensino de antigamente e que é necessário dar um papel de destaque maior aos alunos [...]”, onde se incluem as tecnologias digitais, uma vez que a sua utilização “[...] cativa os alunos, dá-lhes autonomia, dá-lhe muito a possibilidade de descobrirem por eles, o que é muito importante [...]” e outras práticas que centrem a aprendizagem “[...] mais no aluno do que no professor [...]”, contribuindo para a personalização do ensino (ROBINSON, 2019), que se vem tornando cada vez mais necessária. Estas perceções parecem conduzir os professores no caminho da mudança de paradigma no que diz respeito ao seu papel, passando de transmissores do conhecimento, a mentores (NÓVOA; ALVIM, 2020; OECD, 2020), e podem justificar a motivação destes professores para a utilização das tecnologias digitais.

Paralelamente à motivação dos professores, é necessário que a escola esteja aberta e empenhada em mudar, para que os docentes tenham oportunidades de experimentar as suas ideias, colaborar com outros professores (LAGARTO, 2013) e propor estratégias pedagógicas que possam prolongar-se no tempo (VINCENT-LANCRIN, GONZÁLEZ-SANCHO, BOUCKAERT, DE LUCA, FERNANDEZ-BARRERRA, JACOTIN, URGEL, VIDAL, 2019), contribuindo para a progressão e sustentabilidade deste processo.

No contexto em estudo, concluímos que o apoio das lideranças é notado pelos professores, ainda que não seja expressamente afirmado nos documentos orientadores da escola, sobretudo na medida em que é dada liberdade aos docentes para construir e partilhar as suas práticas entre pares. No entanto, este apoio não se parece ser consistente, tendo em atenção a falta de tempo que os professores identificam para refletir e trabalhar com os pares e pelo facto de haver ”[...] uma série de aplicações que eles [os alunos] não podem usar [...]”, assim como a necessidade que os professores identificam em otimizar o processo de utilização dos equipamentos, sem “[...] ter que ir requisitar e saber se estão disponíveis [...]”, ou a necessidade de “ter um tablet por aluno e ter sempre acesso a essas ferramentas, sem ter que as reservar com uma semana de antecedência [...]”; constrangimentos congruentes com aqueles que foram apontados pelos professores, no estudo de Cruzeiro, Andrade e Machado (2019).

Em suma, os resultados deste estudo apontam para uma utilização das tecnologias digitais ainda pouco expressiva no contexto educativo (PAIVA; PAIVA; FIOLHAIS, 2003; PEDRO, 2012). Apesar da vontade que os professores denotam em utilizá-las, não parecem estar garantidas as condições que produzam a mudança das práticas e que conduzam à alteração do paradigma da educação, nomeadamente no que diz respeito ao papel do professor e ao tipo de utilização das tecnologias digitais por parte dos alunos - apesar dos resultados de Portugal se localizarem acima da média apontada pela OCDE, no que diz respeito à “[...] porcentagem de professores do ensino médio que permitem “frequentemente” ou “sempre” que os alunos usem as TIC para projetos ou trabalhos de classe” (OECD, 2020, p. 17). Deste modo, constatamos que este contexto ainda não se constitui como uma “[...] escola digitalmente madura [...]”, apesar de apresentar condições iniciais para se considerar um “[...] ambiente tecnologicamente enriquecido” (LAGARTO, 2013), essencialmente por três motivos: (1) por ter vindo a apetrechar a escola com equipamentos (computadores, quadros interativos, tablets); (2) pelo esforço em melhorar as condições de acessibilidade à Internet; (3) e por possuir um gabinete de suporte às tecnologias digitais.

Face aos resultados obtidos, importará continuar a estudar a evolução do processo de conceções e práticas dos professores no que se refere à inclusão das tecnologias digitais: (i) a nível meso, nas escolas, considerando a influência das lideranças e do próprio clima de escola neste processo; (ii) e micro: nas salas de aula, sobretudo nesta fase de transição de conceções e práticas, antecedentes e subsequentes à pandemia causada pela COVID-19.

Nota

1Agradecimentos: Este trabalho é financiado pela FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, I. P. – Portugal, e pelo Fundo Social Europeu, através da atribuição de uma bolsa de investigação com a referência nº UI/BD/150761/2020.

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Recebido: 23 de Junho de 2021; Aceito: 26 de Agosto de 2021

Doutoranda Daniela Semião

Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (Portugal)

Programa de Doutoramento em Educação:

Formação de Professores e Supervisão

Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação (UIDEF)

Orcid id: https://orcid.org/0000-0002-4923-8760

E-mail: daniela.semiao@campus.ul.pt

Prof. Dr. Luís Tinoca

Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (Portugal)

Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação (UIDEF)

Orcid id: https://orcid.org/0000-0001-6950-3245

E-mail: ltinoca@ie.ulisboa.pt

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