Introdução
No estado da Paraíba, por volta dos anos 1920, efetua-se a circulação das ideias educativas propostas pela Escola Nova, que orientaram as Reformas educacionais estaduais nas décadas de 1920 e 1930. A partir do governo do Interventor Anthenor Navarro (1930-1932), a educação escolar paraibana foi se reorganizando mediante o ideário escolanovista que, orientado na teoria educativa de John Dewey (1859-1952), propunha a transformação da escola com base nos interesses, atividades e necessidades das crianças (DEWEY, 2002; TEIXEIRA, 1932; 2007).
Além da diretriz filosófica deweyana, o ideário escolanovista brasileiro, havendo como principais expoentes Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho, também defendeu e divulgou as teorias e métodos de outros educadores da chamada Escola Nova, entre os quais se destacam os nomes da médica italiana Maria Montessori e do médico belga Jean-Óvide Decroly (FERNANDES, 2018; 2019a; 2019b).
Segundo elucidam as autoras Silva, Rodrigues e Lima (2019, p. 57), o governo de Argemiro de Figueiredo (1937-1940), no estado da Paraíba, também demonstraria uma inquietação com os problemas do ensino, evidenciando a necessidade de se realizar uma Reforma na educação paraibana. Para tal feito, convoca “[...] o professor José Baptista de Mello, adepto do ideário do Movimento da Escola Nova dos anos de 1920 e 1930, para implementar a reforma de ensino no Estado”.
A implantação do projeto “Escola Renovada”, na educação escolar paraibana, exigia, porém, modificações na mentalidade e no comportamento pedagógico dos professores (MELLO, 1996). Entre as medidas em prol da renovação do ensino primário de conformidade aos ideais escolanovistas da década de 1930, a Diretoria do Ensino Primário cria a Revista do Ensino da Paraíba, sob o Decreto nº 287, de 18 de maio de 1932, promulgado por Gratuliano da Costa Brito, então Interventor Federal Interino no Estado da Paraíba, como uma publicação de periodicidade trimestral.
A criação da Revista do Ensino se orientou mediante a finalidade de “[...] levar ao professorado do interior não só o que se processa nos centros adiantados, em assuntos de educação, mas ainda para trazê-lo a par do movimento em relação ao Departamento da Instrução”. Esse “órgão de publicidade”, segundo José Baptista de Mello, traria grande vantagem aos professores paraibanos. Despertaria “o gosto pelas letras” e serviria, simultaneamente, “[...] de veículo de ideias novas aproximando elementos, estimulando-os ao mais eficaz desempenho de suas funções” (MELLO, 1996, p. 98).
Com base nessa dupla função, a Revista do Ensino colaborou para disseminar, junto ao professorado paraibano, os saberes propostos tanto pela pedagogia da “caixa de utensílios” (Educação Moderna) como pela pedagogia da “ciência da biblioteca” (Nova Educação), considerando que, nesse período, essas duas pedagogias orientavam a formação docente nas Escolas Normais brasileiras (CARVALHO, 2000; FERNANDES, 2018; SAVIANI, 2013).
Assim, a literatura pedagógica veiculada na Revista do Ensino pode ser concebida, como observado por Fernandes (2018), em relação ao modelo escolar paulista de educação, enquanto uma fonte sistematizadora e difusora de uma forma e um modo escolar de socialização (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001), em que os saberes dirigidos à formação e à prática docente se alinhavam à escolarização da infância paraibana, para tornar a criança, entre outras finalidades, “[...] uma abelhinha laboriosa, diligente” (MONTEIRO, 1932b, p. 13).
Esses saberes circularam, em grande medida, por contribuição do professor José Baptista de Mello, diretor da Diretoria do Ensino Primário do estado da Paraíba, que defendia a necessidade de se “[...] formar um novo professor para uma nova educação” (SILVA; RODRIGUES; LIMA, 2019, p. 58). Nesse sentido, é possível inferir que a Revista do Ensino se inscreve no quadro de reconstrução da educação nacional, em que se almejou introduzir “[...] um sistema de organização escolar, à altura das necessidades modernas e das necessidades do país” (MANIFESTO DOS PIONEIROS... 2006, p. 188).
Tendo em vistas as discussões iniciais propostas, o artigo se associa à investigação histórica desenvolvida no projeto de pesquisa intitulado “Literatura pedagógica e escolarização da infância na Paraíba (1932-1942): interseções com a caixa de utensílios e a ciência da biblioteca” (PIBIC/CNPq/UFCG 2019-2020). Nesse sentido, o trabalho busca responder a seguinte questão: “Quais saberes autorizados foram difundidos na e pela literatura pedagógica em circulação na Paraíba, no período de 1932 a 1942, com vistas a promover novos modos de ensinar e educar as crianças nas instituições educativas?”
A fim de discutir a problemática anunciada, o objetivo geral do artigo consiste em refletir os saberes autorizados voltados à formação docente e à escolarização da infância paraibana, em observância ao pensamento filosófico-educativo de Friedrich Froebel, John Dewey, Maria Montessori e Jean-Óvide Decroly, de modo a compreender a finalidade do ideário político-pedagógico da Escola Nova na Paraíba.
Para tal feito, a abordagem teórico-metodológica do trabalho se associa às noções de forma e modo escolar de socialização (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001). Constituindo uma pesquisa histórica, a metodologia envolve a investigação de fontes documentais, comportando o exame das Conferências que integraram a Primeira e a Segunda Semana Pedagógica, promovidas pela Diretoria do Ensino Primário da Paraíba, ocorridas em outubro de 1933 e novembro de 1934, respectivamente; e fontes escriturais-escolares publicadas na e pela Revista do Ensino, em que se destacam os artigos escritos pela professora e escritora Alice de Azevedo Monteiro, diretora fundadora do Jardim de Infância Oficial da Paraíba, anexo ao Grupo Escolar Dr. Thomas Mindêllo, instalado na capital paraibana João Pessoa, no ano de 1916.
Elegendo enquanto categorias “criança”, “infância”, “Jardim de Infância”, “educadora infantil”, “programa” e “(re)organização escolar”, a análise das fontes documentais se efetiva em observância às noções teóricas vinculadas ao pensamento pedagógico expresso por Froebel, John Dewey, Maria Montessori e Decroly, assim como por Anísio Teixeira, quando em observância à leitura, à inferência e à interpretação de expressões que compuseram a gramática escolar da literatura pedagógica paraibana e da Nova Pedagogia.
Dessa maneira, a fim de refletir os saberes autorizados difundidos na e pela literatura pedagógica em circulação na Paraíba, foram estudadas as seguintes fontes escriturais-escolares: “Jardins de Infância”; “Brincar e estudar”; “Palavras da diretora do Jardim de Infância”; “O Ensino do cálculo no jardim de infância”; “Uma contribuição para os Jardins da Infância”; “A educação dos Párvulos e o Jardim de Infância” (MONTEIRO, 1932a, 1932b, 1933, 1934a, 1934b, 1937); “As diretrizes da Escola Nova” (TEIXEIRA, 1932); “Problemas do ensino” (MELLO, 1934); “A escola antiga e a escola nova” (VIANA, 1934); e, “Educação pré-primária” (LEITE, 1942); além de Programas de Ensino, Atas, Programações e Exposições Escolares relativas às Semanas Pedagógicas, então publicadas na e pela Revista do Ensino.
O tratamento dessas fontes, coerente com a abordagem teórico-metodológica da teoria da forma e do modo escolar de socialização (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001), efetivou-se de forma relacional, associando a história da educação paraibana ao contexto nacional, sobretudo no que concerne às interseções com os fundamentos da pedagogia moderna e ao ideário da Escola Nova de reconstrução da educação nacional com base na mudança de mentalidade do professorado, de forma a melhor gerenciar a escolarização da infância.
Considerada a abordagem, bem como o tratamento discursivo-analítico das fontes, os modos de ensinar e educar institucionalizados na educação paraibana puderam ser examinados, de maneira a evidenciar as relações de semelhança e distanciamentos em face aos saberes objetivados e proclamados pelas pedagogias da “caixa de utensílios” e da “ciência da biblioteca”. Realizados esses procedimentos, conclui-se que o ideário político-pedagógico da Escola Nova, na Paraíba, visou à edificação de um novo educador para uma nova educação, e, especialmente, de um novo homem para uma nova sociedade.
O ideário escolanovista na Paraíba
No estado da Paraíba, o movimento escolanovista se efetiva a partir das medidas adotadas pela Diretoria do Ensino Primário, à época sob a direção do professor José Baptista de Mello. Nesse período, compreendia-se a necessidade de se fazer circular manuais e revistas no estado paraibano, a fim de direcionar novos modos de ensinar e educar as crianças. Em decorrência desse pensamento, a Diretoria do Ensino Primário cria e faz circular a Revista do Ensino, sob o Decreto nº 287 de 8 de maio de 1932.
A Revista do Ensino da Paraíba (1932-1942) abarcou a missão de difundir os modernos conhecimentos e processos de ensino da Nova Pedagogia, e, simultaneamente, informar as ações do Estado em prol da educação paraibana. Para Lucena (2016), mais do que um periódico de natureza “técnico-pedagógico” e de caráter “educacional”, a Revista do Ensino da Paraíba se caracterizou enquanto “instituição”; assumindo importante papel “[...] tanto na circulação como na produção de saberes [...] ligados à educação e, consequentemente, na progressiva institucionalização do campo pedagógico [...] cada vez mais especializado” (FERNANDES, 2008 apud LUCENA, 2016, p. 52).
O Periódico circulou por dez anos, deixando um legado de 18 números, distribuídos em 15 volumes, que circularam mais precisamente nas cidades de João Pessoa, Campina Grande, Patos, Sousa, Cajazeiras e Guarabira. A assinatura da Revista foi estabelecida pela Diretoria do Ensino como “obrigatória” a todo professorado paraibano. O artigo 3º do Decreto n. 287/1934 assim estabelece: “Será obrigatório para todos os funcionários do magistério primário e normal a assinatura da Revista do Ensino mediante a contribuição de seis mil réis (6$000) anual, paga em prestações semestrais de três mil réis (3$000)” (DECRETO Nº 287, DE 18 DE MAIO DE 1932).
Criada para promover melhorias ao ensino primário, o ideário socioeducativo da Escola Nova atravessa os diversos números publicados pela Revista. Nessas edições, é possível localizar títulos e matérias compostos por “expressões” e “palavras-chave” diretamente ligadas à gramática literário-pedagógica escolanovista. Entre as expressões destacam-se “escola ativa”, “centros de interesse”, “sistema de projetos”, “método experimental”, “escola progressista”, “nova orientação pedagógica”, “escola-laboratório”, “miniatura da sociedade” etc. Nos próprios enunciados das matérias, é perceptível “[...] uma ênfase nas orientações pedagógicas; na criança, como sendo o centro do processo de ensino e aprendizagem; na formação do professor; na adoção de uma pedagogia de inspiração experimental” (SILVA; RODRIGUES; LIMA, 2019, p. 61).
Os artigos da Revista do Ensino foram escritos por intelectuais, educadores, políticos, que se destacavam nas redes de sociabilidade do estado da Paraíba. Além desse atributo, as matérias exprimem os ideais de progresso e modernidade, disseminando “[...] um projeto educativo dirigido ao contexto paraibano em harmonia com um projeto brasileiro” (SILVA; RODRIGUES; LIMA, 2019, p. 61).
Segundo Amarílio Ferreira Júnior (2010), a partir da década de 1920, várias unidades da Federação começaram a instituir políticas educacionais em seus respectivos sistemas estaduais de educação, de maneira a ampliar a universalização da escola pública. Essas reformas educacionais refletiam, ainda com esse autor, as mudanças econômicas e sociais que o Brasil vinha sofrendo desde o início do século vinte. Motivadas por um ideário político liberal, que elegera a educação como prioridade nacional, as reformas educacionais promovidas nos estados brasileiros se orientariam em “[...] uma atmosfera ideológica definida por Jorge Nagle (2001, p. 131) por ‘entusiasmo e otimismo pela educação’” (FERREIRA Jr., 2010, p. 59).
No tocante ao entusiasmo e otimismo pela educação paraibana, é possível verificar, nas fontes escriturais-escolares publicadas nos Periódicos em circulação na Paraíba, a crença no poder transformador da educação. Em o texto “Educação econômica”, de autoria do padre Pedro Anísio, publicado na Revista Era Nova (1921), constata-se a defesa de maior investimento, por parte do poder público, nos sistemas educativos, como forma de “[...] transformar o homem em instrumento de grandeza nacional”. Havendo por base experiências exitosas em países anglo-saxões, o autor alega a necessidade de se modificar os métodos de ensino em voga nas escolas brasileiras, de modo a se formar “[...] as forças vivas de que precisa a pátria: os agricultores, os industriais e comerciantes” (ANÍSIO, 1921, s/p).
Já na década de 1930, o professor escolanovista José Baptista de Mello, em discurso proferido na “Abertura” da Segunda Semana Pedagógica, ocorrida em 3 de novembro de 1934, e em observância aos problemas econômicos locais e nacionais, alegava que a escola primária não devia se limitar a consistir em “[...] simples elemento de alfabetização, mas orientá-la de modo a criar recursos que ofereçam o indispensável ao homem de amanhã para vencer os difíceis dias que tem de atravessar”. Para esse intelectual, a ação da escola corresponderia à “[...] pedra de toque do movimento de salvação nacional” (MELLO, 1934, p. 5-6). Concebido assim, o estado paraibano precisava de um sistema de educação capaz de “[...] orientar e preparar as riquezas em vastos campos”; considerando que:
O movimento de renovação da escola empolga todos os centros culturais do mundo. Aqui é o centro de interesse que globaliza todas as disciplinas numa socialização que prepara o pequeno estudante para a vida em comum de amanhã: ali, o sistema de projetos em que o aluno aprende, minudente, a prática dos grandes ramos da atividade humana: adiante, o verdadeiro trabalho feito nas hortas, os jardins, nos campos agrícolas, nas oficinas, etc., depois, os jogos educativos e interessantes, que fazem o encanto das criancinhas, dos jardins de infância (MELLO, 1934, p. 6).
Dessa maneira, propondo uma enumeração dos principais problemas da educação paraibana, Mello (1934) argumenta que o estado paraibano “[...] vai cumprindo, como pode, o seu dever em relação à instrução dos seus filhos”. Defendendo os modelos escolares e métodos de ensino filiados à Escola Nova, tais como os centros de interesse e o sistema de projetos, que fornecem “[...] aspectos mais suaves à educação que se processa por toda a parte, em oposição à escola tradicionalista”, esse ilustre Diretor da Diretoria do Ensino Primário defende que a escola “[...] precisa de elementos capazes de orientá-la de forma a não ficarem anulados os seus princípios e ensinamentos” (MELLO, 1934, p. 6).
São identificáveis, assim, nas páginas da Revista do Ensino, ações locais integradas às políticas educacionais nacionais voltadas à reorganização do aparelhamento escolar; conforme se pode inferir a partir da publicação do texto do professor Anísio Teixeira intitulado “As diretrizes da Escola Nova” (TEIXEIRA, 1932), no terceiro número do primeiro ano de edição desse Periódico. Consideradas essas “diretrizes”, o ensino paraibano deveria se orientar nos interesses e nas atividades das crianças, ofertando maior visibilidade aos métodos e processos de ensino postulados pela Escola Nova, como os centros de interesse e o método de projetos; haja vista que:
1 – A escola deve ter por centro a criança e não os interesses e a ciência dos adultos; 2 − O programa escolar deve ser organizado em atividades ‘unidades de trabalho’ ou projetos, e não em matérias escolares; 3 − O ensino deve ser feito em torno da intenção de aprender da criança e não da intenção de ensinar do professor; 4 – A criança, na escola, é um ser que age com toda a sua personalidade, e não uma inteligência pura, interessada em estudar matemática ou gramática; 5 – Os seus interesses e propósitos governam a escolha das atividades à luz do seu desenvolvimento do futuro; 6 – Essas atividades devem ser reais (semelhança com a vida prática) e reconhecidas pelas crianças como próprias (TEIXEIRA, 1932, p. 25).
Desse modo, nas matérias da Revista são constantemente reiteradas as concepções escolanovistas, que reproduzem e produzem “[...] uma pluralidade de significados sobre as infâncias, de como deveriam ser educadas as crianças na escola, sobre o papel do professor, do que deveria conter o currículo etc.” (SILVA; RODRIGUES; LIMA, 2019, p. 63). Escritos por educadores, em geral diretores e professores vinculados a instituições educativas, esses artigos foram produzidos e difundidos em período análogo à implantação dos Jardins de Infância nos Grupos Escolares da Paraíba. Essa realidade é condizente à atuação da professora Alice de Azevedo Monteiro que, segundo Lima (2016, p. 20), “[...] empreendeu grandes esforços na busca em criar os Kindergartens na Cidade da Parahyba”.
Embora as defesas em torno da criação de Jardins de Infância públicos estivessem presentes nos discursos dos intelectuais e políticos paraibanos desde os anos iniciais do século vinte, é somente no ano de 1929, contudo, que medidas concretas são tomadas, a fim da criação de um Jardim de Infância público na Paraíba. Em o Relatório de 1929, estudado por Lima (2016), o governo do presidente João Pessoa propõe, à Assembleia Legislativa do Estado, a instalação dessa primeira escola, assim como o envio da professora Alice de Azevedo Monteiro, por um ano, à cidade do Rio de Janeiro, à época capital do Brasil, para estudar a pedagogia froebeliana do Kindergarten. Em o texto “Palavras da Diretora do Jardim da Infância” (MONTEIRO, 1933), a professora Alice rememora aspectos da sua formação especializada em Jardim de Infância; argumentando que:
No Rio de Janeiro, onde por designação do saudoso presidente Sólon de Lucena, frequentei durante um ano os jardins oficiais, procurei ao lado dos ilustrados professores daquelas escolas adquirir a prática de que precisava para realizar a obra que há um ano e meio venho fazendo em João Pessoa (MONTEIRO, 1933, p. 28).
O primeiro Jardim de Infância fundado na capital João Pessoa seria criado por iniciativa particular. Esse primeiro Jardim de Infância da Paraíba foi criado pelas professoras Alice de Azevedo Monteiro e Nayde R. Martins Ribeiro, funcionando, inicialmente, na residência dessa segunda educadora. Posteriormente, o “Curso Modelo” seria transferido para o prédio da Ordem dos Advogados da Paraíba. É, portanto, somente no ano de 1934 que se efetiva a inauguração do Jardim de Infância Oficial da Paraíba. Sendo instalado no Grupo Escolar Dr. Thomas Mindêllo, o primeiro Jardim público paraibano teve a professora Alice de Azevedo Monteiro como a sua primeira diretora. Na ocasião da inauguração, a ilustre diretora assegurou que a instituição constituía
[...] uma escola para filhos do povo, os quais aqui encontrarão com os cuidados e carinhos maternais os meios de realizar uma educação que as mamães muita vez são incapazes de lhes dar. Receberão eles lições da vida prática, adquirirão hábitos de higiene, de cortesia, de solidariedade, de fraternidade (MONTEIRO 1934 apud LIMA, 2016, p. 79).
Com a missão de oferecer bons meios à educação das crianças e à formação de jardineiras, a professora Alice de Azevedo Monteiro, além de desenvolver suas atividades pedagógicas no Jardim de Infância Oficial, escreveu diversos artigos que foram publicados na Revista do Ensino da Paraíba; destacando-se os títulos: “Jardins de Infância” (1932a); “Brincar e estudar” (1932b); “Palavras da diretora do Jardim de Infância” (1933), “O ensino do cálculo no Jardim de Infância” (1934); e, “A educação dos Párvulos e o Jardim da Infância” (1937).
Além dos escritos da diretora do Jardim Oficial da Paraíba, em que a autora evidencia saberes e prescrições da pedagogia moderna e, simultaneamente, do ensino renovado, a Revista do Ensino publicou diversos trabalhos sobre a educação escolar da primeira infância, destacando-se os artigos “Através do mundo infantil” (1934), de Ezilda Milanês; “Educação infantil” (1934), extraído de artigo da Revista Sul América; e, “Educação pré-primária” (1942), de Maria Leite.
Assim sendo, no tocante à escolarização da infância paraibana, verifica-se uma série de artigos destinados a orientar os educadores acerca dos modos de ensinar e educar as crianças. Dessa maneira, os “significados atribuídos à infância”, conforme destaca Azevedo (2019), assim como os modos constituintes da educação escolar das crianças, apresentam-se expostos de diferentes formas. Além de propagados sob a forma “escritural-escolar” (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001), são também ilustrados em fotografias; evidenciando os momentos vivenciados nos espaços escolares, que deveriam servir de exemplo, igualmente, para orientar os comportamentos sociais das famílias dos escolares.
Os saberes autorizados na e da educação paraibana
Segundo Fernandes (2018, 2019a, 2019b), os saberes que orientaram a formação docente e a escolarização da infância brasileira, no final do século dezenove e início do século vinte, se ligavam às pedagogias Moderna e Nova. Estando vinculados a pesquisas experimentais desenvolvidas em escolas-laboratórios por renomados estudiosos da criança/infância, foram difundidos em cursos de formação docente e pelas vias da literatura pedagógica; constituindo, assim, os fundamentos filosófico-científicos e didáticos do magistério nacional, em grande medida sob a influência da psicologia, biologia e sociologia, mas, também, da ciência médica escolar.
Em relação aos saberes voltados à formação docente e à escolarização da infância paraibana, em circulação nas primeiras décadas do século vinte, destacam-se os escritos-escolares de D. Alice de Azevedo Monteiro. Uma análise criteriosa dessas fontes, em articulação às teorias de Froebel, Dewey, Montessori e Decroly, permite refletir que as concepções expressas pela ilustre diretora do Jardim Oficial da Paraíba se associam a um conjunto de “saberes autorizados” condizentes tanto à pedagogia da “caixa de utensílios” como à da “ciência da biblioteca” (VIEIRA; GOMES; FERNANDES, 2020).
Em o texto “Jardim de Infância”, publicado no primeiro ano e número da Revista do Ensino, a professora Alice de Azevedo Monteiro se refere à criança como uma “[...] planta mimosa e gentil, frágil e encantadora”. Sendo potencialidade em “vida interna”, os adultos deveriam “[...] habituar a criança a cumprir o seu dever porque assim deve ser”. O Jardim de Infância, assim, é a instituição que permite ao infante “[...] adquirir os bons hábitos, que lhe permitam receber as lições, que lhe forem mais tarde ministradas pelo professor primário” (MONTEIRO, 1932a, p. 13).
Para a diretora do Jardim Oficial, a função do Jardim consistiria em preparar o desenvolvimento integral da criança para as aprendizagens da escola primária. Nesse sentido, “[...] sabendo mais psicologia que pedagogia [...], a Jardineira deveria agir [...] mais [como] uma mamãe que mestra” (MONTEIRO, 1932a, p. 13).
Se aproximando das ideias froebelianas, D. Alice concebia que o papel da Jardineira, em face da educação da criança, correspondia a “[...] observar e guiar, vigiando cuidadosa e carinhosamente, em constância e discrição, sem se irritar jamais” (MONTEIRO, 1934a, p. 42).
Sendo uma observadora e incentivadora da evolução infantil, nas relações da criança com os objetos mediatizadas pela linguagem oral materna (FROEBEL, 1897), a Jardineira deveria usar “expressões elogiosas”, de forma que o infante tivesse “[...] na mestra uma boa companheira de brinquedos e de estudo, a qual ama e deseja satisfazer e imitar” (MONTEIRO, 1934a, p. 42).
Externalizando suas ideias sobre a educadora infantil, a diretora do Jardim Oficial da Paraíba defende, em o escrito-escolar “O ensino do cálculo no Jardim da Infância”, palestra que integrou a Primeira Semana Pedagógica (1933), que a professora não deve ensinar “regras”; deve, antes, fazer “[...] viver as causas que as produzem”. Não caberia à jardineira, assim, “repouso”, tampouco dispor o “[...] direito de ser triste ou de ter desgosto”. Para essa autora, a educadora deveria possuir uma “[...] alma de 3 anos para viver entre companheirismos da mesma idade”. Não devendo esquecer, porém, “[...] que só pode respeitar e cultivar a personalidade sem desprezar a disciplina, base da educação” (MONTEIRO, 1934a, p. 42).
As concepções de criança, infância, educadora e escola infantil expressas pela professora Alice de Azevedo Monteiro se assemelham às ideias defendidas por Friedrich Froebel, um dos maiores representantes da pedagogia da “caixa de utensílios”. Segundo Fernandes (2018, p. 46), a teoria educativa de Froebel “[...] associou a criança e o desenvolvimento infantil à metáfora da ‘semente’ ou ‘planta’ e os processos educativos ao ideário pedagógico da ‘semeadura’”.
Em sua produção pedagógica escrita, especialmente em o livro Pedagogics of the kindergarten (1897), Froebel defende a necessidade de se pensar a criança em observância à totalidade do desenvolvimento de sua natureza física e espiritual. Para o educador alemão, da mesma forma que se deveria corresponder às especificidades de uma “semente de milho”, tornando visíveis a potencialidade e os desdobramentos de sua vida interna, a infância necessita, para se tornar conhecida, de cultivos apropriados. Assim sendo, ao estabelecer a metáfora “criança-semente”, “Froebel expande a ideia de o germe de todo o desenvolvimento futuro do homem e da humanidade concentrar-se na própria natureza interna da criança” (FERNANDES, 2018, p. 62).
As concepções de criança, infância, educadora e escola infantil de Froebel apresentam filiação às ideias de Jean-Jacques Rousseau. De modo semelhante ao autor d’O Emílio ou Da educação, Froebel entrevia a necessidade de se pensar a criança “[...] no que ela é antes de ser homem” (ROUSSEAU, 2004, p. 4). Defendia, desse modo, que a formação da infância não podia se processar mediante doutrinas rígidas e prescrições demasiadas, que tendiam a “[...] anular, a oprimir e a perturbar o homem no que ele tem de espontâneo – de originalmente são –, na obra divina que nele se manifesta” (FROEBEL, 2001, p. 26).
O pensamento de Froebel parece orientar os escritos-escolares da diretora do Jardim de Infância Oficial da Paraíba, na medida em que a infância ilustrada pela autora condiz a uma fase do desenvolvimento natural humano, onde habilidosas jardineiras trabalham para nivelar o “terreno”, preparando-o para as aprendizagens da escola primária. Para Alice de Azevedo, o Jardim de Infância corresponderia a uma “[...] escola do afeto, onde a criança começa a amar os seus mestres” e aprende “[...] com boa vontade o que lhes ensinam”. Sendo o Jardim uma “escola do afeto”, a educação da primeira infância deveria ser orientada pelo “exemplo”, levando em consideração a “individualidade” de cada flor, que necessita de “carinhosos e inteligentes cuidados”. Para essa autora, a vontade da criança seria “[...] um meio favorável à evolução infantil” (MONTEIRO, 1932a, p. 13-14).
Consideradas a individualidade e o progressivo desenvolvimento infantil, Alice de Azevedo defende, em o artigo “Brincar e estudar”, que a escola moderna é a “escola-oficina”, a “escola-laboratório”, a “escola-jardim”. Nesse ponto, evidencia saberes ligados tanto à pedagogia da “caixa de utensílios” quanto à “ciência da biblioteca”, explicitando como deve ser a organização do ambiente de um Jardim de Infância, que deveria corresponder a um “[...] alegre salão, onde os móveis práticos e baratos, claros, leves, inteligentemente dispostos, são avivados pela graça moderna dos cretones floridos [...]” (MONTEIRO, 1932b, p. 47).
A organização desse ambiente envolveria, também, a disposição de cadeirinhas leves, armários-prateleiras, trabalhos de alunos enfeitando as paredes... e flores... e plantas... e luz... tudo que faz a alegria, o bom humor, a felicidade das coisas puras e elevadas... (MONTEIRO, 1932b).
Nessa escola do afeto, viva e alegre, organizada conforme o “modelo familiar” ou do “bom lar” (FROEBEL, 1897; DEWEY, 2002; MONTESSORI, 1965; TEIXEIRA, 2007), uma criança de 3 (três) anos se mostra capaz de arranjar “[...] flores em um vaso, procurando depois colocá-lo sobre a mesa em posição de maior realce[...]” (MONTEIRO, 1932b, p. 47).
A ideia de a escola se orientar no modelo de organização familiar, além de formulada pelo próprio idealizador do Kindergarten, foi defendida pelo filósofo norte-americano John Dewey (2002), pela médica e educadora italiana Maria Montessori (1965) e pelo professor Anísio Teixeira (2007). Para John Dewey (2002), se a primeira educação se organizasse e se generalizasse mediante o modelo familiar chegar-se-ia à obtenção de uma “escola ideal”. Para essa realização, bastaria organizar “sistematicamente” e de forma “ampla, inteligente e competente” aquilo que “[...] na maioria dos lares só pode ser feito de uma maneira comparativamente mais pobre e ocasional” (DEWEY, 2002, p. 41).
Voltando às concepções da professora Alice de Azevedo Monteiro, com um ambiente inspirado na vida familiar, o Programa escolar do Jardim de Infância deveria se orientar no cultivo dos sentidos. A função dessa instituição corresponderia a desenvolver “[...] o bom gosto, o senso de harmonia, de elegância, sem desprezar o amor ao bem e às qualidades do caráter” (MONTEIRO, 1932b, p. 48).
Para tal feito, o “canto”, que constitui a “[...] forma mais bela de que se serve a arte para expressar o sentimento”, é concebido por essa educadora como um meio auxiliar da educação da infância, que concorre, simultaneamente, “[...] para que as lições sejam melhor compreendidas e conservadas na memória [...], como, também, para [...] o desenvolvimento do entusiasmo patriótico” (MONTEIRO, 1932b, p. 48).
No tocante à organização do ambiente escolar, as concepções expressas por Alice de Azevedo se aproximam às ideias defendidas por Maria Montessori, que atribuiu expressiva importância à organização psicológica dos materiais de ensino em face da educação da criança. Para Montessori (1965, p. 42), a organização inteligente do ambiente escolar possibilita “[...] a observação metódica do crescimento morfológico dos alunos”; permitindo aos educadores infantis a compreensão das “qualidades e necessidades” das crianças. Com base nesse entendimento, Montessori propôs um “padrão de mobília escolar” composto por mesas, cadeiras, armários, pias, objetos sensoriais e da vida prática, proporcionais à fisiologia da criança e à sua necessidade de agir inteligentemente no ambiente.
Os saberes docentes em torno da organização científica do ambiente foram debatidos pela professora Alice em seus escritos-escolares publicados na Revista do Ensino. Em o artigo “A educação dos Párvulos e o Jardim da Infância”, essa diretora enfatiza que, na organização de um Jardim, devem ser repelidas “sugestões estranhas”. Os educadores não devem se limitar a copiar qualidades vistas em outras instituições. A organização psicológica do Jardim requer, antes de tudo, “[...] adaptá-lo cientificamente ao meio em que vai servir” (MONTEIRO, 1937, p. 23).
Assim, inspirando-se em materiais de ensino criados e confeccionados por Froebel, Montessori e Decroly, Alice de Azevedo fabricou os próprios utensílios pedagógicos para uso das crianças no Jardim de Infância. Conforme essa diretora, se esses materiais apresentavam alguma “eficácia”, essa qualidade não se devia à sua aparência, “[...] mas, unicamente ao modo como dele me sirvo, isto é, ao meu método e a lei filosófica a qual ele se funda” (MONTEIRO, 1933, p. 29).
Dessa forma, em relação aos modos de ensinar e educar as crianças na primeira escola, a professora Alice de Azevedo, em o artigo “O ensino do cálculo no Jardim da Infância”, adverte que a dificuldade a ser vencida na educação pré-primária é saber o “modo” de cultivar os sentimentos e o coração da criança, de maneira a “[...] desenvolver-lhe o caráter, de formar-lhe personalidade moral. Despertar nestas criaturinhas em botão o amor ao belo, à natureza, às coisas sãs da vida” (MONTEIRO, 1934a, p. 42).
Para essa diretora, a parte mais importante do método froebeliano “[...] baseava-se no desenvolvimento de qualidades inatas nas crianças: observação, atividade, sentimento de personalidade”. Sendo a criança moralmente o fruto do ambiente em que vive, não são apenas os pais e os mestres os responsáveis pelo seu caráter, mas, igualmente, “[...] os servidores, os companheiros de brinquedos, os amigos, que os rodeiam, até mesmo a paisagem, os móveis, os objetos e os animais que o cercam” (MONTEIRO, 1934a, p. 42).
Concebendo as dificuldades do ensino do cálculo na escola primária, onde “[...] os meninos recebem em geral com certa relutância o ensino do número”, a professora Alice defende que “[...] não há propriamente dificuldade na matéria que se ensina, mas impropriedade no modo porque se ensina, isto é, no método, talvez mesmo no processo empregado” (MONTEIRO, 1934a, p. 42). Nesse sentido, buscando soluções para o desenvolvimento da noção de “número” no Jardim de Infância, por intermédio de correspondências realizadas com professores de São Paulo, D. Alice chega ao entendimento de “[...] que, para o ‘jardim de infância’, o método Montessori é o melhor para o ensino do cálculo” (MONTEIRO, 1934a, p. 43).
Com base no método montessoriano, a diretora do Jardim Oficial da Paraíba defende que: “Um dos primeiros passos para o aprendizado da numeração é o emprego da moeda”. Sendo assim, uma maneira de atrair a atenção infantil dar-se-ia pelo “troco da moeda”. Para Alice de Azevedo, manuseando “[...] as reluzentes moedinhas de centavos, os pequeninos rapidamente aprendem a contar até 10” (MONTEIRO, 1934a, p. 43).
Além dos escritos-escolares da diretora do Jardim público paraibano, a Revista do Ensino publicou outros trabalhos voltados à educação da primeira infância, destacando-se o título “Educação pré-primária” (1942), da professora Maria Leite. Nessa escrita, a autora evidencia como deveria tratar-se a educação escolar das crianças menores de 7 (sete) anos de idade; enfatizando que: “A criança, desde os primeiros instantes de vida, precisa de ambiente adequado ao desenvolvimento harmônico de suas faculdades físicas, morais e intelectuais” (LEITE, 1942, p. 83).
No artigo, a autora discute a importância da educação pré-escolar na organização do ensino, argumentando que “[...] educar a infância nessa primeira fase de sua existência é assentar, em base verdadeiramente sólida, os alicerces sobre que há de elevar-se o edifício da escola primária renovada”. Ao expandir fundamentos escolanovistas, defende que as atividades escolares deveriam haver por base o “interesse da criança”, que constitui “[...] o centro orientador do programa escolar” (LEITE, 1942, p. 83-84).
Para essa educadora, as atividades na primeira escola deveriam ser norteadas pela educação sensorial; tendo em vista que: “’Os sentidos são os primeiros instrumentos de nossos conhecimentos: antes de se ensinar o menino a ler, é preciso lhe ensinar a ver’, dizia Rousseau” (LEITE, 1942, p. 84-85). Ao se orientar na educação dos sentidos, a aprendizagem da criança deveria ser dirigida “[...] no sentido de desenvolver o senso de cooperação social, fraternidade e solidariedade”. Para tanto, as instituições infantis deveriam se organizar mediante “[...] um plano de ideias associadas utilizando-se dos centros de interesse, projetos e outras formas de ensino globalizado” (LEITE, 1942, p. 85).
Os saberes debatidos pela professora Maria Leite se aproximam dos pressupostos organizativos da “nova educação” defendidos por John Dewey e Jean-Óvide Decroly, assim como pelo reformador brasileiro Anísio Teixeira. A ênfase dada ao interesse da criança e ao desempenho da escola de novas funções sociais tem por base a orientação filosófica deweyana de a escola se converter em uma “sociedade em miniatura”, onde a “vida da criança” torna-se o centro da atividade educativa (DEWEY, 2002).
Para Dewey (2002), quando a vida da criança constitui o centro do processo educativo, as atividades infantis também se organizam como centro, de maneira que os adultos deixam de ver as crianças como um ente que apenas ouve. Sendo a criança naturalmente ativa, a escola deveria se esforçar em “[...] gerir essas atividades e dar-lhes um rumo definido” (DEWEY, 2002, p. 42). O médico e educador Decroly, cujas ideias e experiências educativas foram bastante difundidas na Revista do Ensino, também construiu sua obra em observância ao interesse infantil e ao exercício da escola de novas funções sociais. Para Decroly, o fim da educação seria o de preparar “[...] a criança para viver na atual sociedade”. Essa preparação implicaria em oferecer-lhe o conhecimento da própria personalidade, das suas necessidades, aspirações, deveres e ideal; bem como o “[...] conhecimento das condições do meio natural e humano no qual ela vive, do qual depende e sobre o qual deve agir” (HAMAIDE, 1934, p. 29).
Em diversas escrituras-escolares publicadas na e pela Revista do Ensino da Paraíba são identificadas referências aos “centros de interesse” decrolyanos. Em o artigo “A Escola Antiga e a Escola Nova”, do Inspetor Manoel Viana Júnior (1934), prevalece a defesa dos processos de ensino pensados por Decroly à escolarização primária. Partindo do pressuposto de que a criança aprende melhor o objeto do seu interesse, conforme teorizou Dewey (2002), Decroly estabeleceu três etapas para o estudo científico das lições escolares: “observação, associação e expressão”. Ao especificar os princípios do método decrolyano, o inspetor Manoel Viana reflete que:
A observação serve para pôr em movimento as atividades mentais formando a base racional da lição porque a observação leva a criança a pesar e medir e contar. Depois da observação segue-se a associação no espaço e no tempo que é a verificação da experiência própria do aluno. A associação do tempo - História: no espaço - Geografia. Expressão compreende todos os exercícios de linguagem ortográfica, trabalhos manuais, desenho, exercícios cartográficos, canções etc., e tudo que o engenho inventivo do mestre achar prudente (VIANA, 1934, p. 58).
Conforme já mencionado, nos escritos-escolares publicados pela professora Alice de Azevedo Monteiro também são identificadas palavras e expressões que constituíram a gramática escolar da Nova Pedagogia. Entre os saberes da Nova Educação estaria presente, igualmente, a defesa da aprendizagem por “centros de interesse”, assim como a concepção do Jardim de Infância enquanto “escola-colmeia”, em que cada criança contribui para o desempenho harmonioso de funções sociais, na pequena sociedade que é a primeira escola. Dessa forma, sendo o Jardim de Infância “uma obra de amor às crianças”, deveria promover, nas crianças, a observação científica dos “[...] fatos desenrolados em torno de si, aprendendo a deduzir, a comparar, adquirindo qualidades de espírito e de caráter que o tornam apto a vencer as dificuldades do aprendizado primário” (MONTEIRO, 1937, p. 23).
Nos textos escritos e publicados na Revista do Ensino por educadores paraibanos, entre os quais se destaca o nome da diretora Alice de Azevedo Monteiro, como o da professora Maria Leite, verifica-se a defesa em torno dos saberes da Nova Pedagogia ligados às Ciências da Educação. Estando as atividades do Jardim de Infância sistematizadas de forma integrada e globalizada, essa escola infantil consistiria “[...] um local propício ao desenvolvimento da individualidade, [...] uma sociedade em miniatura, onde a criança faz uma aprendizagem da vida sob os seus diversos aspectos” (LEITE, 1942, p. 85).
Todavia, integrando um tempo histórico em que os fundamentos da educação moderna e o pensamento médico-higienista do início do século vinte também repercutiam na mentalidade docente e nas ações educativas empreendidas nos Grupos Escolares paraibanos, como é possível inferir a partir do artigo “O estudo da criança”, de autoria do Dr. Aprígio Câmara, publicado na Revista Era Nova (1925), essas autoras não seriam indiferentes às prescrições oriundas da pedagogia da “caixa de utensílios” e da ciência médica, que embasaram as políticas educacionais nos primeiros anos da República (CARVALHO, 2000; FERNANDES, 2018).
Considerações finais
Os saberes autorizados (re)produzidos na e pela Revista do Ensino apontam às finalidades socioeducativas da educação escolar da infância paraibana nas décadas de 1930 e 1940. Como parte do ideário político-pedagógico da Escola Nova, esses escritos-escolares delimitavam modos de atuação aos educadores da infância no tocante à organização do tempo e espaço escolar, à seleção e distribuição das atividades, às linguagens infantis, aos meios e recursos didáticos, de conformidade a uma orientação psicológica, biológica e sociológica do desenvolvimento infantil, que se associa, também, às prescrições da ciência médica, especificamente à eugenia no início do século vinte.
A literatura pedagógica veiculada nas páginas da Revista do Ensino (1932-1942), nessa direção de entendimento, pode ser compreendida enquanto dispositivo de uma forma e um modo escolar de socialização dos sujeitos educativos, orientados em um conjunto de saberes escriturais-escolares autorizados, vinculados à pedagogia moderna e, igualmente, ao ideário escolanovista de reconstrução educacional e às “ciências da educação” (CARVALHO, 2000; FERNANDES, 2018).
Destinada a formar e a guiar a prática docente, essa literatura pedagógica pode ser concebida como “[...] saberes escriturais formalizados, saberes objetivados, delimitados, codificados, concernentes tanto ao que é ensinado como à maneira de ensinar, tanto às práticas dos alunos, quanto às práticas dos mestres” (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001, p. 28). Ou seja, podem ser considerados como saberes de uma forma e um modo escolar de socialização articulados a finalidades notadamente políticas (VINCENT; LAHIRE; THIN, 2001).
Por meio da gramática escritural-escolar, o ideário político-pedagógico da Escola Nova, na Paraíba, visou à construção de um novo educador para uma nova educação, e, especialmente, de um novo homem para uma nova sociedade; posto que: “Cada criança em idade de pré-escolar constitui para o Estado uma espécie de valor, que lhe pertence; é assim um capital, que ele deve tratar, assistir, zelar, a fim de que lhe possa render juros amanhã” (MONTEIRO, 1933, p. 28).