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Revista Educação em Questão

versión impresa ISSN 0102-7735versión On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.60 no.63 Natal ene./mar 2022  Epub 22-Feb-2023

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2022v60n63id28494 

Artigo

Reminiscências da primeira mestra de d. Pedro II: Mariana Carlota de Verna

Reminiscencias de la primera maestra de d. Pedro II: Mariana Carlota de Verna

Gilmara Rodrigues da Cunha1 
http://orcid.org/0000-0001-6678-3296

Maria Celi Chaves Vasconcelos1 
http://orcid.org/0000-0002-3624-4854

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil)


Resumo

O estudo aborda a trajetória de Mariana Carlota de Verna como primeira mestra de d. Pedro II, e o que a levou, posteriormente, a receber o título de condessa de Belmonte. O objetivo central é evidenciar as circunstâncias em que assumiu o cargo de preceptora do herdeiro do trono do Brasil e algumas das dificuldades que enfrentou para se manter nele até a maioridade do soberano. Em um plano mais específico, buscou-se as suas menções nos periódicos da época, analisando-se como ela era vista e retratada na sociedade oitocentista do Segundo Reinado. Os procedimentos metodológicos remetem a uma pesquisa histórico e essencialmente documental, cujas fontes foram, em grande parte, consultadas no Arquivo Pessoal de um descendente da condessa, além de recolhidas em periódicos da hemeroteca da Biblioteca Nacional e em estudos já realizados sobre ela. Conclui-se que Mariana Carlota de Verna possuía uma forte influência sobre o imperador, embora tenha mantido certa discrição em relação a sua posição, sendo considerada a referência de afeto maternal para d, Pedro II.

Palabras clave: Mariana Carlota de Verna; Preceptora; D; Pedro II; Brasil Império

Resumen

El estudio aborda la trayectoria de Mariana Carlota de Verna como primera maestra de d. Pedro II, y lo que la llevó, posteriormente, a recibir el título de Condesa de Belmonte. El objetivo principal es resaltar las circunstancias en las que asumió el cargo de institutriz del heredero al trono de Brasil y algunas de las dificultades que enfrentó para permanecer en él hasta la mayoría de edad del soberano. En un nivel más específico, se buscaron sus menciones en los periódicos de la época, analizando cómo era vista y retratada en la sociedad decimonónica del Segundo Reinado. Los procedimientos metodológicos se refieren a una investigación histórica y fundamentalmente documental, cuyas fuentes fueron, en gran parte, consultadas en el Archivo Personal de la descendiente de la Condesa, además de estar recogidas en periódicos de la hemeroteca de la Biblioteca Nacional y en estudios ya realizado sobre ella. Se concluye que Mariana Carlota de Verna ejerció una fuerte influencia sobre el emperador, aunque mantuvo la discreción en relación con su cargo, siendo considerada la referencia del afecto maternal por d, Pedro II.

Palabras clave: Mariana Carlota de Verna; Institutriz; D; Pedro II; Imperio de Brasil

Abstract

The study addresses the trajectory of Mariana Carlota de Verna as the first teacher of d. Pedro II, and what led her, later, to receive the title of Countess of Belmonte. The main objective is to highlight the circumstances in which she assumed the position of preceptor of the heir to the throne of Brazil and some of the difficulties she faced to remain in it until the sovereign’s majority. On a more specific level, we sought her mentions in the periodicals of the time, analyzing how she was seen and portrayed in the nineteenth-century society of the Second Reign. The methodological procedures refer to a historical and essentially documental research, whose sources were, to a large extent, consulted in the personal archive of a countess’ descendant, besides being collected in periodicals from the newspaper library of the National Library and in studies already carried out on her. We concluded that Mariana Carlota de Verna had a strong influence on the emperor, although she kept a certain discretion in relation to her position, being considered the reference of maternal affection for d. Pedro II.

Keywords: Mariana Carlota de Verna; Preceptor; D; Pedro II; Brazil Empire

Introdução

A pesquisa em pauta tem como foco recompor parte da trajetória de uma mulher, entre tantas, que foi esquecida e silenciada na historiografia brasileira. Seja por estar intimamente ligada à monarquia, seja porque era uma mulher nobre em um mundo em que não cabia mais essa posição, Mariana Carlota de Verna, a condessa de Belmonte, passou da notoriedade nos periódicos de sua época, ao pleno esquecimento no devir, embora tenha tido um papel crucial na política imperial, após ter recebido o convite de d. Pedro I para ser aia de seu filho, Pedro de Alcântara, o qual se tornaria, posteriormente, imperador do Brasil.

Mariana Carlota de Verna Magalhães Coutinho2 veio para o Brasil em 1808, juntamente com o marido, Joaquim José de Magalhães Coutinho, e um casal de filhos, acompanhando a família real portuguesa, quando da transferência da Corte para este país, fugindo das invasões napoleônicas (NORTON, 2008; MEIRELLES, 2015).

Assim, como outros fidalgos que acompanharam a família real, Mariana Carlota de Verna ocupava uma posição de destaque na Corte portuguesa, tendo em vista que sua família já prestava serviços à monarquia. Seu pai, o capitão Ernesto Frederico de Verna3, segundo documentos do Arquivo Histórico Militar de Lisboa, distinguiu-se por seus feitos militares, comandando o 1º Regimento de Olivença e o 1º Regimento do Porto, pelos quais lutou nas Guerras do Roussillon e Catalunha, falecendo em combate em 1795, deixando um filho e três filhas mulheres4, entre elas, Mariana Carlota de Verna.

Mariana Carlota de Verna nasceu em 05 de fevereiro de 1779, na cidade de Elvas, antiga província do Alentejo, em Portugal. A menina foi batizada aos dez dias de vida por seu tio, o cônego vigário da Santa Fé de Elvas e vigário-geral do bispado, Pedro Antonio de Souza Almeida Castellobranco, na igreja de São Salvador, tendo como padrinhos o general José Joaquim de Mello e Lacerda5, e Anna Vicencia de Souza Almeida Castellobranco, representada por seu irmão José Antonio de Souza Almeida Castellobranco, ambos tios da batizada6.

O registro de casamento de Joaquim José de Magalhães Coutinho e Mariana Carlota de Verna data de 21 de setembro de 1796, tendo sido realizado na Paróquia de Nossa Senhora da Lapa, na cidade de Lisboa7. Na ocasião, a futura condessa já se encontrava com 17 anos e órfã. O casal teve três filhos, Ernesto Frederico de Verna Magalhães Coutinho, nascido em 8 de maio de 1799, na cidade de Lisboa; Maria Antonia de Verna Magalhães Coutinho, nascida em 26 de dezembro de 1806, também em Lisboa; e Leopoldina Isabel de Verna Magalhães Coutinho, nascida em 22 de janeiro de 1817, já na cidade do Rio de Janeiro. Acredita-se que a escolha do nome da filha caçula deu-se em homenagem à imperatriz Leopoldina, pois a data do tratado de casamento com d. Pedro I, em 28 de novembro de 1816 (REZZUTTI, 2017b), assim como da divulgação nos periódicos da época8, foi bem próxima ao nascimento da filha de Mariana Carlota de Verna.

A par de algumas informações sobre Mariana Carlota de Verna até seu estabelecimento na Corte carioca (CUNHA, 2021), o artigo em pauta tem como questão de estudo verificar as circunstâncias que levaram essa mulher a uma importante posição na casa imperial brasileira e, posteriormente, a receber o título de condessa de Belmonte, o que deu a ela notoriedade forjada nos periódicos do Rio de Janeiro e de outras províncias, durante e depois do exercício de suas funções como aia do soberano.

Assim, o objetivo central é evidenciar o contexto em que assumiu o cargo de preceptora do herdeiro do trono do Brasil e algumas das dificuldades que enfrentou para se manter nele até a maioridade do imperador. Em um plano mais específico, buscou-se as suas menções nos periódicos da época, analisando-se como ela era vista e retratada na sociedade oitocentista do Segundo Reinado.

Para tanto, os procedimentos metodológicos utilizados remetem àqueles afeitos a uma pesquisa histórico e essencialmente documental, cujas fontes e acervos consultados foram, em grande parte, adquiridos por Manoel Ignacio Cavalcanti de Albuquerque, trineto da condessa de Belmonte, a partir dos originais existentes na Biblioteca Nacional de Elvas, Portugal, e que, hoje, pertencem ao Arquivo Pessoal de Luciano Cavalcanti de Albuquerque (LCA), também descendente da condessa.

Ao trabalhar com o arquivo pessoal citado, a operação historiográfica realizada aproxima-se daquela descrita por Cunha (2019), quando afirma que esse tipo de conjunto documental possibilita conhecer os indivíduos em suas histórias de vida, suas memórias e experiências, assim como:

[...] dimensionar o empreendimento de seus autores, que, ao valorizarem certos acontecimentos e experiências, assinalaram não apenas seu desejo de imortalidade como também de preservar ações e feitos, seus próprios e de seus contemporâneos, evitando tanto seu apagamento e esquecimento como remetendo para o futuro a compreensão e julgamento dos enredos dos quais foram partícipes (CUNHA, 2019, p. 28-29).

Além do arquivo pessoal, outras informações de caráter memorialístico sobre a condessa foram obtidas em obras biográficas, com destaque para a de Henri Raffard, Apontamentos acerca de pessoas e cousas do Brasil (1899), elaborada, em parte, com base nos relatos de sua neta, Francisca Carolina de Verna Magalhães Fonseca Monteiro de Barros.

No que tange aos periódicos, eles foram acessados e pesquisados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, por meio da consulta às páginas referentes ao período entre 1808 e 1855, ou seja, do momento em que Mariana Carlota de Verna chegou com a família real portuguesa ao Brasil até o seu falecimento em 1855. Contudo, a busca estendeu-se até o ano de 1859, uma vez que os intervalos temporais no site da Hemeroteca são de nove anos.

As palavras usadas para realizar a busca foram o nome completo de Mariana Carlota de Verna; a forma como o jovem monarca a chamava, Dadama; e, por último, o seu título de nobreza: condessa de Belmonte. Dos anos citados, Mariana Carlota de Verna aparece nos periódicos desde 1834 até 1857, porém, as publicações intensificam-se após 1844, ano em que recebeu o título de condessa.

As referências à condessa foram localizadas em notícias de diversos jornais e revistas, até mesmo de outras províncias, como, por exemplo, nos mencionados neste estudo: O Diario Novo (Pernambuco)9, O Globo Jornal Commercial Litterario e Politico (Maranhão)10, e A Revista – Folha Política e Litteraria (Maranhão)11. No entanto, a maior parte das alusões a ela aparece nos periódicos da Corte, entre eles, o Jornal do Commercio, o Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do RJ; O Republico; o Diário do Rio de Janeiro; e o Correio Mercantil e Instructivo, Politico, Universal.

Entre os periódicos citados cabe destacar aqueles que mencionavam constantemente a condessa como o Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do RJ, no qual ela está presente nas edições anuais; além do Correio Mercantil e Instructivo, Politico, Universal, que registra suas aparições sociais; bem como aqueles em que são tecidas críticas a ela, como no Diário do Rio de Janeiro.

O periódico Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do RJ, também conhecido como Almanak Laemmert, foi publicado de 1844 a 1889 pela Tipografia Universal de Laemmert, que funcionava na rua do Lavradio, nº 71, no bairro da Lapa, e depois na rua dos Inválidos, nº 61B, no Centro, ambos no Rio de Janeiro. A tipografia iniciou suas atividades em 1838 e seus fundadores foram os irmãos Eduard e Heirich Laemmert, dois franceses que imigraram para o Rio de Janeiro. O Almanack Laemmert é considerado o primeiro almanaque do Brasil e teve muita importância e difusão na época (LIMA, 2006; DONEGÁ, 2012; ANTUNES, 2015). Sua edição era anual e trazia anúncios de todos os tipos, particulares e públicos, publicações da Corte, dados de instituições, percursos de transportes etc. Possuía uma infinidade de informações em um único material impresso, compondo um retrato bem detalhado daquela sociedade. Nele, a condessa de Belmonte aparece em todas as edições de 1845 a 1855, ano do seu falecimento, especialmente, na lista de nobres da Corte Imperial.

O Correio Mercantil e Instructivo, Politico, Universal foi um periódico que circulou de 1848 a 1868, com publicações diárias de quatro páginas divididas em seções diversas, como: notícias do exterior, notícias diversas, avisos marítimos, anúncios e leilões. Trazia colunas de política e literatura na forma de folhetins e crônicas. Era impresso na tipografia do dono do periódico, Francisco José dos Santos Rodrigues, localizada na rua da Quitanda, nº 13, no Rio de Janeiro (ABREU; TOGNOLO, 2015). Neste jornal, a condessa era invariavelmente exaltada em suas aparições públicas, contribuindo com a propaganda de sua proximidade com a família imperial.

O Diário do Rio de Janeiro foi o primeiro diário publicado no país e funcionou de 1821 a 1878. Seu fundador, Zeferino Vitor de Meireles, obteve licença oficial para abrir uma tipografia, a Tipografia do Diário, localizada na rua da Ajuda, nº 79, no Centro do Rio de Janeiro. Já na primeira edição, o redator enfatizou que o periódico seria marcadamente informativo, com anúncios variados de cunho comercial e notícias a respeito de publicações diversas, mantendo-se fora das discussões políticas (CLAUDIO, 2016). A partir de 1845, entretanto, o periódico passou por uma ampliação em todos os sentidos e incluiu temas políticos, colunas literárias e notícias internacionais, mantendo-se assim até a sua extinção. Nele, em uma edição datada de 1847, a condessa é acusada de influenciar o monarca nas decisões do governo, chamando a atenção para o fato dela ser uma mulher e de ter influência junto ao imperador em questões políticas.

Nessa mesma linha crítica, o jornal O Republico questionava a titulação da condessa de Belmonte, dando destaque para o seu papel na vida palaciana. Lançado no Rio de Janeiro em outubro de 1830, vai circular, de forma irregular, até 15 de dezembro de 1855. Editado por Antônio Borges da Fonseca, apoiador da implementação do regime republicano no Brasil, era um periódico de inclinação liberal, que fazia oposição aos grupos conservadores e monarquistas.

Segundo Tânia de Luca (2011), ao trabalhar com notícias de periódicos, deve-se considerar as motivações que levaram à decisão de tornar algo público, além de constatar que as notícias estão impregnadas por vieses políticos que também devem ser analisados. Durante a primeira metade do século XIX, boa parte da imprensa era controlada pela monarquia, o que impunha um certo tipo de censura. Assim, as menções à condessa de Belmonte, nesse período, são, majoritariamente, elogiosas. Contudo, em algumas delas é possível se constatar uma tendência depreciativa, ou até mesmo uma crítica explícita, ainda que em menor proporção.

De toda forma, as diversas alusões à Mariana Carlota de Verna nos periódicos da Corte, desde camareira-mor até condessa de Belmonte, dão uma ideia do perfil dessa mulher e de suas atividades públicas, sempre marcada por ter sido a primeira mestra de d. Pedro II e a sua referência materna.

De dama Corte à “aia” de d. Pedro II: resistindo às intrigas palacianas

Ao chegar à cidade do Rio de Janeiro junto com a família real, Mariana Carlota de Verna e seu marido, iniciaram uma vida envolta à simplicidade e à necessidade de adaptação a uma realidade bem diferente do que aquela a que estavam acostumados nas residências oficiais de Portugal, cheias de luxo e mordomias. A vida na Corte brasileira, no início do século XIX, era considerada exótica para os recém-chegados, tendo em vista a paisagem, o clima e os habitantes, que constituíam um cenário bastante diferente de uma corte europeia.

Maria Graham (1990) relata em suas memórias algumas dessas características da Corte carioca já no reinado de d. Pedro I que, embora já tivesse evoluído desde a transferência da família real para o Brasil, ainda guardava um certo improviso em relação às cerimônias e aos protocolos. Para a inglesa, que pretendia ser a preceptora da filha mais velha do imperador, a princesa Maria da Glória, era um imenso desafio educar uma criança nobre em meio a falta dos ritos comuns nos palácios europeus. Ao tentar implantá-los nos aposentos da princesa, Maria Graham logo percebeu o quanto era difícil ocupar o lugar de preceptora na família do soberano deste país, sendo subitamente dispensada por ele, e deixando suas impressões acerca dos menos de dois meses que passou na função, detalhadamente anotadas e publicadas em suas memórias sobre d. Pedro I12.

Se eram exigidas inúmeras qualidades e capacidades da pessoa escolhida para ser aia da filha mulher do imperador, a princesa Maria da Glória, de quem iria cuidar do filho varão, o príncipe d. Pedro II, seriam exigidos desafios ainda maiores, especialmente por conta das intrigas palacianas.

Ainda em 1825, d. Pedro I teve, mais uma vez, a tarefa de escolher uma preceptora, pois a imperatriz estava novamente grávida e esperava-se que fosse um filho varão, ou seja, o herdeiro do trono, portanto, a responsabilidade aumentava, tendo em vista que o cargo de aia de um futuro imperador era considerado como uma função de Estado.

A escolhida foi Mariana Carlota de Verna que, a essa altura, já estava viúva e despertava a admiração e o respeito de d. Pedro I, além de ter elevado prestígio na Corte. Sua escolha ocorreu porque além de ser portuguesa, o que evitaria os problemas já vividos com Maria Graham, era tida como uma senhora muito distinta, culta, de grande fé católica e de boa família, atributos que a tornavam a pessoa indicada para tomar conta da augusta criança.

Segundo Vasco Mariz (2016), antes da escolha para aia, em uma de suas visitas à chácara do Engenho Novo, residência de Mariana Carlota de Verna, o monarca, que tinha fama de mulherengo e conquistador, “quis se engraçar” com ela, mas a senhora esquivou-se com elegância do gracejo.

Embora não haja indícios históricos suficientes para comprovar alguma relação entre o interesse do imperador, conforme o relato de Vasco Mariz (2016), e o convite para ser aia, fato é que d. Pedro I era um homem bastante mulherengo e, mesmo com uma significativa diferença de idade entre os dois – ele tinha 27 anos e Mariana Carlota de Verna, 46 –, é possível que tenha se interessado pela futura preceptora de seus filhos, pois, de acordo com Setúbal (1993), além de encantadora, ela possuía uma beleza inquestionável em relação às outras mulheres da Corte.

Contudo, infere-se que o verdadeiro motivo que levou o imperador a escolher Mariana Carlota de Verna para o cargo de aia de seu filho que estava prestes a nascer, tenha sido sua conduta exemplar, seu recato e a devoção que sua família sempre demonstrou pelo monarca. Assim, convencido de que ela era a pessoa capaz de assumir esse ofício com maestria, não mediu esforços para convencê-la a aceitar o convite. Um mês antes do nascimento da criança, d. Pedro I já destacara “D. Mariana” para ser aia, motivado por suas virtudes e sua ilustração invulgar entre as senhoras da época (FREITAS, 2001).

No entanto, segundo Raffard (1899) e Lyra (1977), inicialmente, a viúva declinou do convite alegando já estar com 46 anos e ter sob a sua tutela três filhos, tendo a menor 8 anos de idade. Além disso, tinha todas as obrigações em sua chácara do Engenho Novo, inclusive com outros familiares e com os criados que ali viviam. D. Pedro I insistiu com ela, dizendo que tudo ficaria por sua responsabilidade, de forma que, em meados de 1825, todos da chácara do Engenho Novo foram empregados no Paço de São Cristóvão, começando uma vida pública para Mariana Carlota de Verna como preceptora do futuro imperador.

O nascimento de d. Pedro II, em 02 de dezembro de 1825, acabou por fortalecer a monarquia naquele momento conturbado. O imperador havia proclamado a Independência do Brasil e dado um herdeiro ao trono, um brasileiro legítimo. Houve muita comemoração ao seu nascimento, com três dias de festas, aos sons de canhões e de sinos (REZZUTTI, 2019a). Foi nessa época que Mariana Carlota de Verna se instalou no Paço de São Cristóvão, a serviço da família imperial, para assumir o cargo de aia do pequeno Pedro II. Em carta endereçada a seu filho, Ernesto Frederico de Verna Magalhães Coutinho, datada de 27 de janeiro de 1826, ela relatou sua satisfação com o cargo e com o reconhecimento que estava tendo.

[...] bem recompensada com o bom tratamento que tenho recebido do Imperador. Estou tratando o nosso Príncipe, o que dá para suavizar as minhas penas e todo o trabalho que tenho, a que me vou acostumando com perfeita saúde, e tudo fica pago com a cara alegre e a aprovação do Pai. A tudo que eu faço ainda não achou nenhuma recomendação a fazer, sempre me diz "Você entende d’isto melhor do que eu" é quanto se pode desejar, de sorte que todos à proporção seguem o mesmo [...] enquanto aos demais, esteja descansado, que estou muito bem. [...] No quarto do Príncipe reina uma paz podre, desde nós até a moça do quarto. Todos os dias ouço só dizeres de felicidade em que se reputam por estarem conosco. Eu sou advogado de todos e qualquer cousa que querem veem ter comigo, de sorte que me julgo como em minha casa. Isto dirás tu, é muita presunção, mas também te conto para que saibas que não tens uma mãe tão má […] (RAFFARD, 1899, p. 161).

Henri Raffard (1899) diz que Leopoldina confiava inteiramente em Mariana Carlota de Verna e em sua filha Maria Antonia para cuidarem da princesa Francisca e do príncipe herdeiro. A imperatriz, por sua vez, dividia-se entre a função de mãe, os estudos a que se dedicava e a participação na política. Somado a isso, enfrentava muitos problemas de ordem pessoal, desde a saída de seus amigos José Bonifácio e Maria Graham do palácio, até as humilhações que passava com a presença da amante do marido, a marquesa de Santos13, em sua casa e em toda a Corte (CARVALHO, 2007).

Abatida e debilitada fisicamente, após as complicações de um aborto espontâneo, em 11 de dezembro de 1826, a Imperatriz Leopoldina veio a falecer. Houve grande consternação na cidade, pois ela era muito querida e admirada pela população. Com a morte de Leopoldina, d. Pedro I ainda manteve o caso com a amante por mais dois anos, mas optou por se casar com uma mulher nobre, buscada, incessantemente, na Europa, tendo em vista a péssima fama do noivo que afastava todas as pretendentes. Finalmente, foi aceito e casou-se por procuração com a princesa alemã Amélia de Leuchtenberg que, com 17 anos, chegou ao Rio de Janeiro em 16 de outubro de 1829.

No entanto, a popularidade de d. Pedro I só diminuía, pois além dos boatos que corriam sobre as circunstâncias da morte da Imperatriz Leopoldina, perdeu a Guerra da Cisplatina, mantinha frequentes conflitos com a Câmara dos Deputados e demonstrava uma obsessão em entregar o trono de Portugal para a sua filha Maria da Glória. Em 1831 a situação chegou ao limite e após várias manifestações de hostilidade a ele, não lhe restou alternativa, senão a abdicação do trono em 07 de abril de 1831, em favor de seu filho.

Antes de voltar para Portugal, por Decreto, d. Pedro I nomeou José Bonifácio como tutor do futuro imperador. No dia 09 de abril, o menino d. Pedro II, órfão de mãe e, agora, sem o pai e a madrasta, foi levado ao Paço da Cidade na companhia de Mariana Carlota de Verna, sua aia, para ser aclamado imperador.

Após uma disputa de legitimidade com a Assembleia-Geral para que fosse mantido o desejo de d. Pedro I, a nomeação de José Bonifácio como tutor do príncipe, a querela foi resolvida com a realização de uma eleição, para validar a guarda de d. Pedro II e de suas irmãs (RANGEL, 1945). Diante do desgaste causado pela disputa, já com menos poder, José Bonifácio tomou posse da função de tutor após quatro meses da partida de d. Pedro I, em 24 agosto de 1831. De abril a agosto quem ocupou o cargo foi o Marquês de Itanhaém. Mesmo com toda a crise e embate político no período da Regência, para José Bonifácio o jovem monarca significava dois de seus principais objetivos na vida: a monarquia e a unidade do país (CARVALHO, 2007). Quando assumiu o cargo, José Bonifácio já contava com 68 anos e não tardou para que a convivência no Paço entre ele e Mariana Carlota de Verna começasse a gerar conflitos.

O estranhamento entre os dois iniciou-se quando o tutor nomeou Ana Romana de Aragão Calmon, a condessa de Itapagipe, em março de 1832, para o cargo de camareira-mor, deixando Mariana Carlota de Verna insatisfeita por se sentir preterida (FREITAS, 2001). Com isso, José Bonifácio, que já enfrentava resistências na política, também passou as encontrar dentro do palácio. Formaram-se dois grupos entre as damas do Paço, um partidário da condessa de Itapagipe e da sobrinha de Mariana Carlota de Verna, Joaquina Adelaide de Verna e Bilstein, e outro comandado por Mariana Carlota de Verna, sua filha Maria Antonia, sua sobrinha Maria José de Verna e Bilstein e as irmãs Marianna e Joanna Pinto (RAFFARD, 1899).

Segundo Rangel (1945, p. 85), o jeito cortesão de Mariana Carlota de Verna e a soberba e a presunção de José Bonifácio colocaram-nos em posições incompatíveis, com um desagradando o outro. Para o autor, José Bonifácio era um homem culto e amigo, porém um tanto ríspido, e “[...] não suportaria com bonomia aquele ninho de invejas e apetências de vário emprego e meia altura, na rondagem administrativa e doméstica de uma casa [...]”. Decerto que deveria haver muita disputa por poder naquela casa e Mariana Carlota de Verna estaria no centro dessas questões, uma vez que, provavelmente, se considerava como uma pessoa próxima de d. Pedro I e a escolhida por ele para ser a cuidadora de seu filho. Como o tutor era a figura máxima dentro do Paço de São Cristóvão, tratando de todos os encargos da educação das crianças e do funcionamento da casa, acredita-se que tenha entrado em conflito com Mariana Carlota de Verna por julgar que algumas decisões ou formas de agir dela chocavam-se com o que ele acreditava ser o correto.

Outra questão que Rangel (1945) levanta é a possibilidade de o tutor ter como princípio que a educação de um príncipe deveria ser dada exclusivamente por homens, tendo, dessa forma, um certo receio da supremacia feminina que Mariana Carlota de Verna exercia na educação de d. Pedro II. Entretanto, trata-se de uma suposição que o tutor tenha lido e fosse simpatizante de um manuscrito da Biblioteca Nacional de Paris que sustenta oposição às mulheres no que tange à educação de d. João V.

Henri Raffard (1899) acredita que José Bonifácio foi influenciado a achar que Mariana Carlota de Verna conspirava contra ele e arquitetava sua saída com a esposa de Aureliano de Souza Coutinho, seu desafeto, e do mordomo Paulo Barbosa. O que se sabe ao certo é que no palácio se instituíram dois lados: um que apoiava o tutor, e outro contrário a ele. E essa divisão interna foi percebida por grupos políticos opostos a José Bonifácio, que a utilizaram para conseguir o seu propósito, de destituir o tutor. O chamado "Clube da Joana", nome dado a um grupo de áulicos e políticos do qual o ministro da justiça, Aureliano Coutinho, juntamente com Paulo Barbosa, fazia parte, opunha-se a José Bonifácio e temia a volta de d. Pedro I.

De acordo com Carvalho (2007), o tutor de d. Pedro II aliou-se aos caramurus e chegou a participar de conspirações até mesmo dentro do Paço de São Cristóvão, almejando o retorno do imperador, e, com isso, suas relações com a Regência ficaram insustentáveis. Em meio a tanto caos, mais um golpe, desta vez do destino, foi dado ao tutor: a princesa Paula Mariana, aos 9 anos, morreu de impaludismo e hepatite, em 16 de janeiro de 1833. O falecimento da menina abalou severamente seus irmãos e todos da casa, inclusive Mariana Carlota de Verna, que cuidou da princesa durante os onze dias em que esteve doente e a segurou nos braços no momento de sua morte (CALMON, 1938). Como ele era o responsável pelo bem-estar das crianças, o falecimento de uma delas colocava em dúvida a sua competência na execução do trabalho (FREITAS, 2001).

No auge das intrigas palacianas, em agosto de 1833, Mariana Carlota de Verna e sua filha Maria Antonia foram demitidas de seus cargos por José Bonifácio, que nomeou a camareira-mor, a condessa de Itapagipe para ocupar, concomitantemente, o cargo de aia de d. Pedro II. Mesmo após sua saída da função, Mariana Carlota de Verna conservou seus aposentos no Paço, pois continuava a frequentá-lo, especialmente quando o jovem monarca se encontrava doente (RAFFARD, 1899).

Para Rangel (1945, p.122), José Bonifácio, ao retirar Mariana Carlota de Verna do cargo de aia, assinou a sua própria sentença de expulsão, pois “aquela portuguesa” tinha a simpatia de quase todos no Paço e do “Clube da Joana”. Além disso, a intriga palaciana extrapolou os muros do Paço e estendeu-se por toda a cidade que, tomando o partido de Mariana Carlota de Verna, clamava pela saída do tutor. No dia 02 de dezembro, houve tumulto e gritos de “Abaixo o tutor!” em uma apresentação no Teatro São Pedro em que toda a Corte estava presente. Nessa ocasião, ironicamente, o próprio ministro Aureliano Coutinho discursou tentando apaziguar os ânimos (RANGEL, 1945).

Finalmente, em 14 de dezembro, foi decretada a suspensão de José Bonifácio e nomeado o Marquês de Itanhaém como tutor, assim como foram expedidas portarias obrigando os responsáveis pelos principais serviços do Paço de São Cristóvão, da Fazenda de Santa Cruz e da Tesouraria da Casa Imperial a não aceitarem nenhuma ordem que viesse de José Bonifácio (RANGEL, 1945).

No dia seguinte, o governo mandou que ele deixasse o Paço de São Cristóvão, mas José Bonifácio reagiu à ordem e somente após sete horas de resistência, foi levado para sua chácara em Paquetá, onde deveria ficar numa espécie de prisão-exílio (FREITAS, 2001). O novo tutor, nomeado interinamente em 14 de dezembro de 1833, foi o Marquês de Itanhaém, militar reformado, homem que não participava das brigas políticas da Regência. Em 11 de agosto de 1834, o nome do novo tutor foi aceito pela Assembleia-Geral Legislativa (RAFFARD, 1899). Mariana Carlota de Verna foi avisada por Paulo Barbosa, com regozijo pela derrocada de José Bonifácio, como demonstra a carta:

Ex. ma. Sra. Está o tutor preso e está em seu lugar o Marques de Itanhaém. Os Srs. do Governo esperam S. M. I. e A. A. agora mesmo e pretendem que o tutor chame a V. Ex. para o Paço; entretanto queira V. Ex. de ordem dos Srs. do Governo, vir para o Paço da cidade hoje mesmo o mais breve possível, onde receberá a ordem do tutor. Digne-se receber meus parabéns. Seu obrigadíssimo e afetuosíssimo criado. Paulo Barbosa da Silva (BARBOSA apud RAFFARD, 1899, p. 358).

Aureliano Coutinho, ministro da Justiça, em carta, também parabenizou Mariana Carlota de Verna pela queda do tutor, demonstrando que as intrigas palacianas tiveram papel fundamental na derrubada de José Bonifácio e que ela foi peça-chave. Ou seja, apesar de ser uma mulher que vivia em um universo masculino, silenciada pelo sexo oposto (PERROT, 2005), sua voz, apropriada pelos homens, foi decisiva naquela época.

Parabéns, minha Sra. custou, mas demos com o colosso em terra: a conspiração estava disposta para arrebentar qualquer destes dias, e chegarão a distribuir antes de ontem 18 mil cartuchos, e algum armamento, tudo foi descoberto e providenciado a tempo; o ex-tutor resistiu às ordens, e Decreto da Regência, e foi preciso empregar a força, e prendê-lo. Seria bom que V. Ex. viesse hoje para minha casa, pois que vamos falar ao novo tutor para chamar a V. Ex. para o Paço, porque convém muito que ao pé do Monarca esteja pessoa sua amiga, e de muita confiança – Não tenho tempo para mais – Sou de V. Ex. afetuoso respeitador e criado. Aureliano (COUTINHO apud RAFFARD, 1899, p. 358-359, grifo nosso).

Assim que o novo tutor tomou posse, chamou Mariana Carlota de Verna e sua filha Maria Antonia para retornarem ao palácio, dessa vez, ela exercendo, de forma interina, o cargo de camareira-mor, registrado em decreto de 01 de setembro de 1834, passando a titular em 01 de agosto de 1840 e assim permanecendo até a maioridade de d. Pedro II (RAFFARD, 1899).

A condessa nos periódicos da época: a notoriedade da cortesã

A já condessa de Belmonte foi uma das poucas mulheres nobres, além das representantes da família imperial, que teve grande notoriedade na imprensa, tanto da Corte do Rio de Janeiro quanto em outras províncias, como pode ser observado nos periódicos da época. Entre 1834 e 1857, Mariana Carlota de Verna aparece em 73 ocorrências em matérias de jornais e revistas, intensificando-se a sua citação nos periódicos após ter obtido o título de condessa, pelo despacho imperial de 05 de maio de 1844.

Cabe destacar que o decreto de nomeação de Mariana Carlota de Verna como condessa de Belmonte é bastante posterior ao início de sua atuação como preceptora. Quando d. Pedro II a torna condessa, ele estava com 18 anos e era um homem casado, já não precisava mais de uma aia, ou de uma preceptora. A condessa, por sua vez, estava com 65 anos, uma idade considerada avançada para a época.

Observa-se que essa é uma das primeiras ações que d. Pedro II realizou quando se consolidou como imperador, e a primeira do gênero que ele executou em relação a uma mulher. Provavelmente, o imperador quis retribuir com um título de nobreza à sua antiga aia, em agradecimento pelos serviços prestados durante a sua infância e meninice.

No entanto, Mariana Carlota de Verna começa a ser citada nos periódicos quando ainda ocupava o cargo de camareira-mor, a partir de 1834. Silva Maia (1940, p. 110), esclarece que esse cargo era considerado superior a outros destinados a senhoras no Paço, sendo exercido por uma fidalga que servia à imperatriz e as suas filhas, tendo regalias como por exemplo: “[...] nos atos, em que as senhoras têm assento na presença de Sua Majestade, sempre teve a preeminência de sentar-se em almofada, ainda que não seja marquesa”. Isso explica, em parte, a contenda acirrada e as disputas ocorridas em torno do cargo, que, por si só, já atribuía prestígio elevado. Mariana Carlota de Verna é noticiada como ocupante dessa função no Jornal do Commercio (RJ), de 08 de novembro de 1834, data em que ainda não havia recebido o título de condessa.

Além dessa ocorrência, foram encontradas mais treze referências nos periódicos pesquisados, em anos posteriores, que a citam como camareira-mor do Paço imperial, algumas mesmo com ela já tendo o título de condessa de Belmonte.

Ontem (15 do passado) teve lugar o batizado de S. A. a princesa recém-nascida, que recebeu os nomes de D. Isabel-Christina-Leopoldina-Augusta-Michaela-Gabriela-Raphaela-Gonzaga. Foi madrinha S. M. A rainha viúva de Nápoles e o padrinho S. M. O rei de Portugal. Pelas 5 horas da tarde, o mordomo-mor de S. M. a Imperatriz, o Sr. Ernesto Frederico de Verna Magalhães, vestido de rica roupa de veludo carmesim e senda, dirigiu-se, por ordem de S. M., à respectiva câmara; e recebendo ali das mãos da aia a augusta princesa, a conduzi-o em seus braços, e entre os padrinhos, para a sala do dossel, sendo seguido pela camareira-mor a Exma. condessa de Belmonte, e pela aia D. Rita Rosa (RIO DE JANEIRO, 1846, fl. 2, grifo nosso).

Como se vê, Mariana Carlota de Verna também tornou seu filho, Ernesto Frederico de Verna Magalhães, mordomo-mor da Imperatriz Teresa Cristina de Bourbon, mulher de d. Pedro II, o que demonstra as vantagens pessoais de sua influência junto à família imperial.

Após ser nomeada condessa, Mariana Carlota de Verna também passou a ter seu nome divulgado nas listagens de nobres da Corte, nas quais aparece anualmente nos periódicos de 1845 a 1855, ano de seu falecimento, conforme o exemplo destacado na Figura 1.

Fonte: Hemeroteca da Biblioteca Nacional

Figura 1 Lista dos nobres retirada da edição 05, do ano de 1848, do Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro RJ - Almanak Laemmert 

Quando se analisa a listagem acima, chama a atenção a diferença entre homens e mulheres com títulos de nobreza. A condessa de Belmonte é a única mulher dentre seis homens com o mesmo título hierárquico, nos anos de 1846 e 1847 na Corte do Rio de Janeiro. Além da condessa de Belmonte, apenas a marquesa de Santos figura, nesses anos, entre os nobres da Casa Imperial. Segundo Schwarcz (1998), durante o império no Brasil apenas 2,5% de todos os títulos de nobreza concedidos foram destinados ao sexo feminino.

Por seus serviços prestados à família imperial, Mariana Carlota de Verna recebeu o terceiro título de nobreza em hierarquia existente, ficando atrás apenas dos títulos de duquesa e de marquesa.

Em relação a esse tema, em 1854, o periódico O Republico, do Rio de Janeiro, trazia uma matéria fazendo críticas à distribuição de títulos de nobreza pela monarquia, e a finalizava, mencionando a condessa.

A paciência humana tem limites; não é possível sofrer eternamente; e o Brasil não é uma chácara cujos frutos sejam exclusivamente para umas 50 famílias. [...] Leia-se essa monstruosa e escandalosa lista de despachos, e ver-se-á as injustiças, as perseguições mesquinhas de um lado, e o patronato escandaloso de outro. Não é possível analisar aqui todos os homens que obtiveram atenções do ministério, nem todos os que foram esquecidos pelo governo; ou destes, sobre os quais o governo estendeu seu manto protetor (A MEMORAVEL MOXINIFADA DO DIA 2...,1854, fl. 2).

No que se referia a Mariana Carlota de Verna, a notícia, ao final, questionava o recebimento do título de condessa em detrimento ao de marquesa: “A Sra. condessa de Belmonte, que recebeu ao Imperador em seus braços, não tinha direito ao título de marquesa?” (A MEMORAVEL MOXINIFADA DO DIA 2...,1854, fl. 2). Contudo, pode-se inferir que a escolha de d. Pedro II, do título de condessa ao invés de marquesa para enobrecer sua aia, tenha sido para não suscitar comparações ou à memória das razões que levaram à concessão do título de marquesa à Domitila de Castro Canto e Melo. A outra opção seria duquesa, mas esse título era reservado aos membros da família real.

O periódico Diário do Rio de Janeiro, de 1847, insinua, ainda, que a condessa fazia parte do grupo que estaria governando o monarca:

D’esta vez não será tal ou tal homem quem governará o monarca, e lhe traçará a conduta, será todo o mundo que vive ou tem entrada no paço, os médicos, a condessa de Belmonte, o bispo de Crysopolis, o Sr. Aureliano, os criados grandes e pequenos! (A OPPOSIÇÃO E A CORÔA, 1847, fl. 2).

Mariana Carlota de Verna era uma mulher com personalidade forte e que esteve junto ao imperador desde o seu nascimento, desempenhando o papel de segunda mãe e de preceptora, portanto, é possível que ela também tenha sido uma espécie de conselheira, exercendo influência sobre as decisões de d. Pedro II.

Os fragmentos dos periódicos citados também refletem, em certa medida, o espaço destinado à mulher no século XIX. A questão da influência sobre o imperador se tornava mais grave por se tratar da influência de uma mulher, pois não era admissível tamanha importância ao sexo feminino. As mulheres não podiam ocupar um lugar de destaque e de poder naquela sociedade. A elas estavam destinados tão somente os serviços domésticos e os cuidados com os filhos (PERROT, 2005). Porém, Mariana Carlota de Verna foi além, e sua intimidade com o imperador, a quem criou desde o nascimento, aliada à sua forte personalidade, fizeram com que ela se tornasse uma mulher incomum para sua época, e, embora procurasse agir com discrição, certamente, ocupava uma função de prestígio e importância na Corte de d. Pedro II.

Cientes desse prestígio da condessa, alguns periódicos da época tratavam de enaltecê-la, registrando sua presença em determinadas ocasiões sociais, como recepções, missas etc. Nesse sentido, são encontradas diversas menções ao seu nome nessas ocasiões, tanto nos periódicos da Corte como o Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal, nos anos de 1852, 1853 e 1855, como nas províncias, por exemplo, no O Globo Jornal Commercial Litterario e Politico (MA) de 1854.

No periódico O Globo Jornal Commercial Litterario e Politico (MA) era divulgada a presença da condessa de Belmonte, em comemoração à semana santa, como uma das convidadas ilustres do Conde de Redondo, sendo ela a atração musical, cantando um solo de cunho religioso. Ao que parece, a condessa fazia parte de um grupo de amigos que se reunia para apreciar música, chamado “Sociedade de Amigos da Música”.

Mariana Carlota de Verna também aparece em publicações relativas a um outro grupo social intitulado “Servas do Senhor” Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1849. Essas matérias demonstram a notoriedade dada à condessa, já que era a única dama citada nos periódicos dentre todas as senhoras presentes nas ocasiões noticiadas. Também são destacadas em número elevado, dezenove publicações, as notícias em que a condessa atua como representante de algumas madrinhas nobres, como no periódico A Revista – Folha Política e Litteraria (MA), do ano de 1847.

A morte da condessa, ocorrida em 17 de outubro de 1855, foi noticiada em diferentes periódicos no Rio de Janeiro e, também, em outras províncias. Nas publicações eram enaltecidas as qualidades de Mariana Carlota de Verna e sua contribuição para a formação de d. Pedro II e de suas irmãs, como no Diário do Rio de Janeiro: “A Sra. condessa de Belmonte, era a dama de honra mais antiga, e suas virtudes, dedicação as Augustas pessoas imperiais a tornarão digna de todo o respeito e consideração” (CRHONICA DIARIA,1855, fl. 1).

Mesmo após o seu falecimento, continuou a haver menções ao nome de Mariana Carlota de Verna nos periódicos da Corte, como o Diário do Rio de Janeiro, Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro e Correio Mercantil, e Instructivo, Político, Universal, entre os anos de 1856 e 1857, demonstrando que a condessa, naquela época, demorou a ser esquecida, deixando o seu apagamento para o devir.

Considerações finais

Segundo Perrot (2005, p. 34), “[...] a cidade do século 19 é um espaço sexuado [...]”, em que há uma ausência das mulheres como protagonistas nas narrativas históricas. Geralmente, elas eram colocadas à sombra dos homens, excluídas das decisões e, também, silenciadas, ou então, eram retratadas com estereótipos pejorativos, como mulheres vociferantes, megeras e histéricas.

Dessa forma, reforça-se a importância de trazer à tona reminiscências sobre a condessa de Belmonte, tendo em vista que, apesar de aparecer no rol de nobres juntamente com a marquesa de Santos, ela não logrou ter nenhuma memória, nem boa, nem má, para além de sua época, embora tenha tido um papel tão relevante quanto o da marquesa na influência sobre um imperador e muito mais duradouro.

Sua lápide no cemitério São Francisco Xavier, no bairro do Caju, no município do Rio de Janeiro, já quase apagada, também dificulta a leitura exata do que está escrito. Trata-se de um monumento funerário simples, sem nenhuma escultura, com moldura de cantaria, de mármore claro. Não há imagens, não há fotografias, mas apenas um túmulo de tijolo, colocado entre tantos outros. O último vestígio da condessa, assim como ela, é um monumento esquecido historicamente, em meio a tantos outros do cemitério São Francisco Xavier.

Ao que parece o túmulo da condessa de Belmonte, na quadra 18, número 699, do cemitério do Caju, reflete um pouco uma característica que ela, apesar de sempre próxima ao poder, talvez tenha aprendido a preservar, a discrição. De acordo com Albuquerque, Mariana Carlota de Verna era uma mulher:

Discreta, sem projeção pública, tão dissemelhante nesse, como noutros aspectos – mas de igual ânimo voluntarioso e forte – ao ruidoso homem de estado, que veio, em porfiado páreo, desigual e difícil, disputar-lhe a autoridade nos salões de São Cristóvão e infligir à sua influência preponderante, na côrte e no ânimo do imperador-menino, os riscos de uma competição desabrida, a Condessa de Belmonte, a veneranda e altiva vencedora do "colosso" abatido, precisa ser melhor conhecida e emergir das sombras iníquas, em que mergulham a sua virtuosa e memorável existência (ALBUQUERQUE, 1946, p. 183).

Discreta ou não, sua participação nos acontecimentos políticos que assolaram o século XIX no Brasil até o seu falecimento em 1855, faz dela uma testemunha ocular de boa parte da história do país, cuja memória foi preservada apenas em um arquivo pessoal de família, pois sua vida e sua história foram silenciadas como a de tantas outras mulheres do seu tempo.

Notas

1Aia era a nomenclatura usada no século XIX, entre as famílias nobres, para designar a preceptora contratada para ser a responsável pela educação das crianças da casa, meninos ou meninas, “[...] que por vezes recebiam lições conjuntas” (VASCONCELOS, 2005, p. 54).

2Seu nome de batismo era Mariana Carlota de Verna, tendo acrescentado Magalhães Coutinho após o seu casamento com Joaquim José de Magalhães Coutinho. No artigo em pauta iremos tratá-la pelo seu nome de batismo, referindo-se ao sobrenome de casada apenas quando este estiver no documento original pesquisado.

3Alemão, natural da cidade de Kassel, antes de ser admitido no exército de Portugal chamava-se Ernest Friedrich Von Verna (ARQUIVO PESSOAL DE LCA).

4Os filhos eram Maria Ernestina de Verna, Ana Frederica de Verna, Mariana Carlota de Verna e José Frederico de Verna.

5Transcrição do trecho do Livro de Baptizados do anno de 1776 a 1782 da freguesia de S. Salvador de Elvas, folha 23, que pertence ao Arquivo Pessoal de LCA.

6Livro de Baptizados do anno de 1776 a 1782 da Frega de S. Salvador de Elvas, folhas 72v e 73 e 73v.

7Fls. 124 do Livro 3 de registros de casamento da Freguesia da Lapa, conselho e distrito de Lisboa, incorporado ao Arquivo dos Registros Paroquiais (ARQUIVO PESSOAL DE LCA).

8Conforme publicado em Idade D’Ouro do Brazil (Bahia), 1816; Gazeta do Rio de Janeiro, 1817.

9Publicado no Recife (Pernambuco), com uma linha editorial liberal, circulou entre 1842 e 1852.

10Publicado em São Luís (MA), entrou em circulação em 1852 e foi até 1859.

11Publicado em São Luís (MA), circulou de janeiro de 1840 a 6 de dezembro de 1850.

12Maria Graham exerceu o cargo de preceptora de Maria da Glória, de 04 de setembro de 1824 a 10 de outubro de 1824.

13Marquesa de Santos foi o título concedido à Domitila de Castro Canto e Melo por d. Pedro I, em 1826. Faleceu em 3 de novembro de 1867 (VASCONCELOS; REZZUTTI, 2018).

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Recebido: 23 de Março de 2022; Aceito: 25 de Maio de 2022

Prof.ª Dr.ª Gilmara Rodrigues da Cunha

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil)

Programa de pós-graduação em Educação

Departamento de Programas e Projetos da Pró-Reitoria de Extensão

Orci id: https://orcid.org/0000-0001-6678-3296

E-mail: gilmara_paracambi@hotmail.com

Prof.ª Dr.ª Maria Celi Chaves Vasconcelos

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil)

Programa de Pós-graduação em Educação

Procientista Uerj/Bolsista Produtividade - CNPq/Cientista do Nosso Estado - Faperj

Orcid id: https://orcid.org/0000-0002-3624-4854

E-mail: maria2.celi@gmail.com

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