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Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.60 no.63 Natal jan./mar 2022  Epub 22-Fev-2023

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2022v60n63id28125 

Documento

Discurso de Herbert Marcuse e Angela Davis na Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1969

1Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil)


Em 24 de outubro de 1969, Herbert Marcuse e Angela Davis proferiram discursos para uma multidão de estudantes na Universidade da Califórnia, em Berkeley, durante manifestação ocorrida em resposta à demissão de Davis e subsequente revogação da decisão pela corte. A filósofa fazia parte do corpo docente da universidade como professora assistente de filosofia e perdeu seu cargo devido à associação com o partido comunista americano e com os Panteras Negras. Marcuse acusa os Estados Unidos de utilizar as noções de prosperidade e segurança como justificativa para a opressão e escravização de grupos e indivíduos. Em seguida, Angela Davis discute o emprego equivocado do conceito de liberdade acadêmica e suas implicações políticas, bem como a necessidade de engajamento real da comunidade acadêmica na luta por mudanças sociais. O presente documento apresenta a transcrição desses discursos e sua tradução para o português.

Sexta-feira, 24 de outubro de 1969

Lower Plaza, Universidade da Califórnia − Berkeley

Herbert Marcuse

Já que eu sou conhecido como um filósofo marxista, eu posso muito bem partir de uma base material: pediram-me que eu solicitasse a vocês uma contribuição ao protesto neste evento, para que ele possa continuar existindo. Então, por favor, façam isso.

Esta não é uma celebração de vitória. Pelo contrário, eu acredito que a luta está apenas começando. A luta contra todos aqueles que querem fazer da universidade de vocês uma escola de treinamento para a perpetuação de uma sociedade cuja segurança e cuja prosperidade baseiam-se na opressão e escravização de outros povos, dentro e fora da fronteira nacional. A luta contra esses poderes deve continuar porque ela é uma luta por vocês. Eles querem bloquear suas mentes, eles querem proteger vocês de ideias controversas as quais, de acordo com o julgamento deles, comprometem e destroem a sociedade americana. Com toda modéstia, eu sugiro que há uma leve confusão aqui, que é como a linguagem orwelliana. Pois o que essas ideias controversas podem de fato comprometer ou destruir é o regime de poder sobre a sociedade, mas não a sociedade ela mesma. [Aplausos].

Agora, a corte decidiu em favor de Angela e contra os diretores [da universidade]. Eu suponho que os diretores tenham, desde então, reconhecido o erro que cometeram. Há outros e mais efetivos meios de reprimir a universidade; a saber, através do orçamento – uma das formas favoritas – e através da censura prévia e controle de nomeações, promoções, e assim por diante, antes que estas sejam feitas, de modo que eles não precisem ir à justiça mais tarde. E eu aposto que é precisamente o que vai acontecer. A luta por Angela é, em última instância, uma luta por vocês. É uma luta contra o novo macarthismo, contra a nova onda de repressão que se espalha deste país por sobre o mundo todo. E é neste amplo contexto que o caso de Angela deve ser visto. É uma luta por vocês, por nós que, como eu gostaria de dizer, não podemos mais tolerar, que sentimos ânsia de ver a sociedade mais rica do mundo viver em uma economia da morte, viver em uma economia da prosperidade, da obsolência planejada e da poluição, que ela não pode tolerar [aplausos] – que ela não pode mais tolerar. E essa intolerância, essa abençoada intolerância, eu espero, atravessa a assim chamada diferença geracional pois, mesmo eu sendo um pouco mais velho que vocês, para mim é tão intolerável quanto é para vocês. Nisso também estamos no mesmo barco. [Aplausos]

A questão que eu quero levantar hoje, muito brevemente, é: Essa sociedade pode, sem uma mudança radical, abolir as condições sobre as quais sua própria segurança e sua própria prosperidade se sustentam? E eu sugiro uma resposta negativa. Uma resposta negativa – e, como marxista, eu devo confessar a vocês, eu tenho grande fé, má fé, no sistema capitalista. Eu sei que esse sistema é um sistema muito empresarial, muito racional e que ele não gosta de desperdício e destruição, a não ser que esse desperdício e destruição seja considerado necessário para a reprodução do próprio sistema capitalista. Parece-me que os melhores marxistas que temos neste país hoje são aqueles que governam nossa sociedade. É como se eles quisessem demonstrar pelos seus atos, e não apenas pelos seus discursos, que Marx estava certo. [Risos, aplausos]. Certo não apenas em sua noção da fusão entre o poder econômico e o político, mas certo também nessa noção de que o capital deve expandir, deve expandir continuamente para ser capaz de existir de maneira próspera. Uma sociedade assim, precisamente uma sociedade capitalista, não gasta um trilhão de dólares – um trilhão de dólares –, desde 1946, naquilo que é chamado de “segurança nacional” enquanto, ao mesmo tempo, vê que essa segurança está diminuindo e não crescendo. Esse montante inclui mais de 25 bilhões de dólares gastos em armamentos que nunca foram distribuídos. Mais da metade de seus cientistas trabalha direta ou indiretamente para o Pentágono; e o desperdício e a obsolescência em outros ramos da economia eu não preciso ilustrar. Agora, eles não fariam tais coisas a não ser que fossem consideradas necessárias e, de fato, eles consideram necessário que o lugar onde viverão no futuro esteja sendo protegido, que ele não deve cair nas mãos de comunistas. Portanto, o inimigo precisa ser continuamente exacerbado em todo lugar – na China, no Vietnã, em Cuba, na América Latina – precisa ser continuamente exacerbado para que as pessoas continuem a crer nessa insanidade. Agora, eu sugiro que essa crença já está sendo abalada e que ela esteja sendo abalada é, em grande medida, trabalho de vocês, o resultado de seus esforços. Vocês podem não saber disso, vocês podem ainda pensar que vocês não são mais que um bando de intelectuais separados das massas. O governo sabe muito mais do que vocês sabem, e eles têm uma avaliação muito mais realista do poder que vocês já representam. O peso todo da repressão está recaindo sobre as escolas e universidades e sobre os militantes negros nos guetos, a cuja luta vocês se uniram. A força total da repressão não está recaindo sobre os trabalhadores organizados, está recaindo sobre vocês – e eles sabem porque eles têm de fazer isso. Em outras palavras, se há alguém capaz de romper essa insanidade que é reportada diariamente, são vocês e só vocês – negros, brancos, pardos1 – que podem romper essa insanidade.

Bem, novamente a primeira verdade vem do presidente dos Estados Unidos. Ele diz que não há problema em discordar desde que a discordância não se torne pública demais. [Risos]. Preferivelmente mantida entre as quatro paredes de casa, ou na cabine de votação. Em outras palavras, ele não gosta de demonstrações nas ruas. E a verdade é: continuem suas demonstrações, pois ele sabe, talvez melhor do que vocês sabem, que elas funcionam, que elas ficam maiores, que elas realmente desenvolvem a consciência daqueles que ainda não viram, que ainda não ouviram o que está acontecendo ao redor deles. Continuem e tentem ampliar as demonstrações e, no que diz respeito à universidade, continuem assistindo ao que está acontecendo. Peçam a resignação dos diretores que violaram as leis do país. [Aplausos] Que estão insistindo fervorosamente que vocês obedeçam à lei, mas que aparentam ter muito menos respeito pelas leis quando elas calham de ir contra eles. Ou, se vocês não conseguirem a resignação dos diretores – e vocês sabem tão bem quanto eu que vocês não conseguirão, pois, se há algum poder arbitrário, esse poder é o dos diretores – então garantam que eles pelo menos devolvam a autoridade sobre nomeações e promoções para o corpo docente e para os alunos, e não fiquem com o poder para eles. [Aplausos]

Agora, eu admito que todas essas sugestões estão centradas na universidade e no campus. Há tarefas maiores, especialmente a formação de alianças com os grandes grupos oprimidos neste país, negros e pardos; um processo de educação de longo alcance. Mas não minimizem a universidade como a base de vocês. Novamente: a função das escolas e universidades neste sistema mudou. É precisamente a mudança nas forças produtivas do capitalismo avançado que faz com que o sistema se apoie – continuamente e cada vez mais – em profissionais inteligentes e altamente qualificados. Em cientistas, técnicos, engenheiros, psicólogos e mesmo sociólogos sem os quais aparentemente a coisa toda não pode mais funcionar do jeito que deveria funcionar. É nas universidades, nas escolas, que o sistema treina seus novos gados, que ele precisa para sua reprodução, e esses são vocês. Longe de serem um bando de intelectuais, vocês formam um dos contingentes mais importantes; importantes para a reprodução do sistema. Vocês têm que mostrar que vocês podem resistir, que vocês podem se recusar a serem transformados em meros servos do sistema. Novamente, a decisão é de vocês. Vocês estão lutando por vocês mesmos, vocês estão lutando por todos aqueles que não querem mais a vida que eles têm nesta sociedade, que finalmente querem ser capazes de levar a própria vida, desfrutar da própria vida em boa consciência e sem sentimento de culpa. [Aplausos]

Eu chego agora à minha tarefa mais prazerosa aqui. Eu ainda não contei a vocês porque Angela Davis foi a vítima ideal para essa repressão. Há muitas razões. Ela é negra, ela é militante, ela é comunista, ela é altamente inteligente e ela é bonita. [Risos] E essa combinação é mais do que o sistema pode tolerar. [Aplausos] Eu gostaria de apresentar a vocês agora, não minha aluna, mas minha colega docente da Universidade da Califórnia, Angela Davis. [Aplausos]

Angela Davis

O campus de Berkeley tem talvez a mais singular tradição em atividade política. Vocês têm continuamente assumido a responsabilidade política de responder a atos de repressão e têm sido capazes de envolver as massas de estudantes deste campus em ações políticas demonstrativas. Só por essa razão eu já me sinto muito orgulhosa de poder falar com vocês hoje. Durante as últimas semanas, tem havido muita comoção quanto à ideia de liberdade acadêmica e, de fato, muitas resoluções vêm sendo passadas, condenando os diretores por suas flagrantes violações do princípio de liberdade acadêmica. Agora, inicialmente, eu interpretei as ações dos diretores como, obviamente, uma violação da liberdade acadêmica, como uma óbvia tentativa de subverter toda essa noção. Mas eu continuo sustentando que houve outros rótulos, como racismo, como repressão política. Contudo, há não muito tempo, Herbert Marcuse deu uma declaração em uma manifestação em San Diego. Ele disse que ele não poderia continuar expondo todos os nobres conceitos de liberdade, justiça e igualdade em sala de aula enquanto essas liberdades estavam sendo continuamente infringidas e violadas na realidade. Agora, isso me levou a reavaliar toda essa noção de liberdade acadêmica.

Agora, aqueles de nós que têm estado envolvidos nesta luta por um longo tempo, eu penso, passaram a ver liberdade acadêmica como algum tipo de conceito vazio, o qual professores usam para garantir seu direito de trabalharem sem serem perturbados pelo mundo real, sem serem perturbados pelos reais problemas desta sociedade. [Aplausos] Mas o que nós temos que começar a ver é que liberdade acadêmica é um conceito vazio, a não ser que nós o conectemos com liberdade social e política, a verdadeira base da liberdade acadêmica neste país. Agora, a liberdade de ensinar, a liberdade de aprender, é totalmente impotente se não for acompanhada da liberdade de agir de um modo consonante com os princípios nos quais cada pessoa acredita. E as diversas instâncias de violação acadêmica que ocorreram recentemente são resultado, e são reforçadas, pela contínua violação da liberdade real, concreta, nesta sociedade. Há Marvin X, na Fresno State, que está tendo negado seu direito de ensinar, pois ele vê o caminho para libertação negra como sendo a construção de uma nação negra. Há Dangerfield, em Los Angeles, que está tendo negado seu direito de ensinar, em uma escola de ensino médio negra, artes manuais, pois ele simpatizou com as demandas dos estudantes e da comunidade, de tornar aquela educação relevante para aquela comunidade, relevante para a luta libertária negra. Há Saul Castro, que tentou fazer a mesma coisa pela comunidade chicana. Foi-lhe negado o direito de ensinar.

Agora, há outra coisa sobre a qual precisamos falar. Muitos professores pensam que eles têm monopólio sobre a liberdade acadêmica. Agora, eu penso que estudantes devem ter monopólio sobre a liberdade acadêmica, pois este deve ser um processo herdado, um elemento herdado no próprio processo de aprendizado. [Aplauso] Agora, outra instância de violação da liberdade acadêmica ocorreu na [universidade] San Fernando Valley State, onde vinte e quatro estudantes negros tentaram protestar contra os abusos de racismo que estavam obviamente interferindo em seus processos de aprendizagem, e eles estão enfrentando agora duas mil acusações criminais por terem tentado protestar contra esse racismo. Agora, nós não podemos cometer o erro de dizer que liberdade acadêmica é, em si mesma, uma noção inútil. Nós temos que ser quem injeta nela seu conceito real, sua relação com a liberdade política e social. E eu penso que, especialmente nessa conjuntura histórica, nós precisamos de liberdade acadêmica, liberdade de expressão, liberdade de opinião, precisamente porque nós temos que começar a denunciar – a denunciar as ideias e atos opressivos, predominantes neste país. É para isso que nós temos que usar a liberdade acadêmica. Eu acho que isso está acontecendo nas universidades, faculdades e escolas. As pessoas estão se tornando progressivamente mais conscientes de que a universidade tem que se envolver com questões que estão movendo a comunidade de maneiras diversas. Isto é, nós não podemos permitir que isso seja um mero reflexo das atrocidades e injustiças que estão sendo perpetuadas na sociedade hoje, tais como o fato de que a Universidade da Califórnia tem – eu não sei quantas – bolsas de pesquisa destinadas ao desenvolvimento de meios de assassinato mais eficientes no Vietnã. Sociólogos tentam “sair explicando” a existência de problemas sociais nas universidades. Psicólogos tentam descobrir mecanismos para submeter indivíduos que, devido ao fato da sociedade estar saturada de opressão, reagiram de um modo que não é normal na sociedade – não é normal nos padrões deles. Os psicólogos estão desenvolvendo mecanismos para torná-los mais normais, para torná-los confortáveis com sua condição de oprimido. Agora, eu ouvi falar recentemente desse professor de um dos campus da U. C., que está defendendo que pessoas negras são inerentemente, geneticamente inferiores às pessoas brancas. Vejam, é esse tipo de coisa que temos que combater. Isso não é um reflexo da liberdade acadêmica. Essas pessoas estão explorando a noção de liberdade acadêmica. A verdadeira liberdade acadêmica, a verdadeira atmosfera intelectual livre da universidade deve consistir na habilidade de conectar-se com lutas concretas, conectar-se com a luta pela libertação negra, conectar-se com a libertação chicana, com a luta no Vietnã; e não apenas criticar o que está acontecendo na sociedade, mas oferecer soluções, soluções revolucionárias. Nós temos que ter liberdade acadêmica para expor continuamente as políticas imperialistas desse governo por todo o terceiro mundo.

Se nós não formos capazes de conectar essas lutas, é aí que a liberdade acadêmica se torna uma farsa. E ela significaria apenas a liberdade de se manter alheio, de ser ignorante quanto a problemas humanos urgentes. Significaria “estar livre de”, e não “ter liberdade para”2; estar livre de ter de reconhecer os problemas nesta sociedade. Significaria a torre de marfim intelectual – ou, para nós, a torre de ébano. E essas pessoas que vêem a liberdade acadêmica nesses termos, como sendo a garantia de separação entre eles e a sociedade, eles não percebem que são cúmplices, conscientes ou inconscientes, na exploração e opressão dos homens. Agora, nós lutamos por admissões abertas nas universidades e faculdades. As universidades dizem que, se elas abrirem suas portas sagradas – suas portas sagradas que são as guardiãs da liberdade acadêmica – se elas abrirem essas portas para os malditos3, seus padrões cairão. Eles dizem, como um dos reitores, como uma das universidades disse, que a universidade se transformaria numa lixeira4 intelectual. Eles nos dizem que os oprimidos devem amadurecer antes de poderem adentrar as portas sagradas da universidade, portanto, nós deveríamos ir às escolas de ensino médio e nós deveríamos dizer às escolas de ensino médio para prepararem os oprimidos para as portas sagradas da liberdade acadêmica. Nós vamos às escolas de ensino médio nos guetos e barrios5 e dizemos a eles aquilo que as pessoas das universidades nos disseram para dizer a eles, mas eles dizem que eles não podem fazer nada porque, quando os estudantes chegam ao ensino médio, eles já foram prejudicados nas escolas de ensino fundamental. Então, eles nos dizem para irmos às escolas de ensino fundamental e resolvermos o problema lá. Nós vamos às escolas de ensino fundamental e as escolas de ensino fundamental dizem que o problema não está lá, o problema está no ambiente social. Vocês sabem, pessoas negras, pessoas latinas, pessoas brancas oprimidas e exploradas, foram inculcadas, devido às suas circunstâncias, com uma indisposição para aprender, então nós temos que mudar esse ambiente. Eu concordo com eles, eles estão nos dizendo o que fazer, eles estão nos dizendo que nós precisamos falar sobre revolução. [Aplausos]

O inimigo frequentemente nos mostra o caminho para libertação, eu acho. Mas eles não conseguem aceitar a conclusão lógica de suas ideias. No lugar disso, o que eles fazem é – pessoas como Janson aparecem, que dizem que, por causa do jeans que, vocês sabem, as pessoas negras possuem, nós nunca poderíamos de fato corrigir nossa inabilidade para aprender. E então um círculo vicioso é criado, não há como rompê-lo. É como quando os escravos costumavam dizer, vocês sabem, os proprietários de escravos diziam que Deus ordenou certas pessoas a serem escravos e certas pessoas a serem senhores. Agora, eu penso que nós temos que fazer isso, enquanto demandamos coisas como admissões abertas, nós temos que ouvir esse conselho também. Nós temos que ir às ruas, nós temos que conversar sobre uma mudança completa e total nas estruturas desta sociedade, pois essa é a única maneira que um conceito como liberdade acadêmica vai se tornar mais relevante. Nós temos que ir às ruas. [Aplausos]

Agora, eu acho que aqueles que controlam o sistema educacional neste país e neste estado estão realmente com medo do fato de que a educação pode levar a algo assim, que a educação pode começar a desempenhar sua verdadeira função, a solução dos problemas humanos. Portanto, eles nos negam liberdade acadêmica quando nós a conectamos com essas lutas. Eles nos negam liberdade acadêmica – e isso é o paradoxo – por meio da força e da violência, vocês sabem, tanto física quanto mental. Eles nos negam o direito à liberdade acadêmica quando nós dizemos que a liberdade acadêmica não significa nada se não for um reflexo da liberdade política e social. E, é claro, é claro que eles não aceitariam essa conclusão pois é em benefício das pessoas que possuem o poder econômico neste país que a educação não desempenha sua verdadeira função. É em benefício deles que os estudantes são educados em ideias rígidas e estagnadas. É em benefício deles que as mentes do futuro tornam-se o reflexo forçado de seus interesses – interesses das pessoas que detém o poder político e econômico neste país.

Nós temos que falar sobre libertar as mentes, assim como libertar a sociedade. Agora, por que Reagan e os diretores continuam a entravar o verdadeiro processo educacional? Bem, vocês sabem, uma coisa que eu acho que nós todos percebemos, é que eles são um tanto estúpidos e que eles mesmos não foram realmente educados, então eles não são nem capazes de perceber o que esse processo deveria ser. E eu penso que qualquer um que seja tão pouco inteligente para fazer um comentário como o que Polly fez, de que não há racismo envolvido na minha demissão pois eles já planejavam me substituir com uma outra pessoa negra, vocês sabem, esse tipo de pessoa é totalmente incapaz de determinar que tipo de coisa deve ser ensinada nas universidades hoje. Eles não merecem determinar qual forma de educação os milhares de jovens neste estado estão recebendo. Agora, contudo e ainda, vocês sabem, os diretores e seu Fürer6 [risos] são, vocês sabem, são eles mesmos que têm continuado a usurpar o poder que é nosso por direito. Eles determinam o que nós devemos ensinar, o que nós devemos aprender, quem deve ensinar, quem deve aprender. E eu rejeito essa usurpação imoral e ilegal do poder [aplausos], a qual legitimamente pertence àqueles que têm o conhecimento e a experiência para tomar tais decisões. E, ainda que eu não queira rebaixar o corpo docente, eu acho que, nesta conjuntura histórica, os estudantes são quem realmente tem o conhecimento e a experiência para determinar que tipo de educação nós precisamos. [Aplausos]

Agora, vocês sabem, os diretores supostamente representam o povo da Califórnia, é o que consta na constituição. E o mero fato de que Reagan os nomeia refuta isso completamente. E eu penso que vocês provavelmente se interessariam muito em saber que nem uma pessoa negra, nenhum chicano, nenhum indiano e eu acho que apenas três mulheres já foram nomeados para o conselho de diretores. E também nenhum estudante, claro. Eles estão falando sobre eles mesmos como sendo os legítimos representantes do povo da Califórnia. Agora, quem eles representam? Quem os diretores representam? Há, vocês sabem, o Bank of America, ele tem uma grande representação no conselho de diretores. Muitos bancos na Califórnia, há um grande número de empresas, partidos políticos – os partidos políticos predominantes – eles têm uma representatividade muito, muito boa no conselho de diretores. E eu sustento que eles estabeleceram uma tirania ilegal sobre a Universidade da Califórnia, o que é apenas, talvez, um pequeno elemento daquela ampla tirania que foi estabelecida sobre as pessoas deste país inteiro.

Tornou-se necessário estabelecer essa tirania pois, eu acho, eles estão se tornando mais e mais temerosos do povo, dos estudantes. Eles têm medo de Herbert Marcuse, eles têm medo de Eldridge Cleaver, eles têm medo de Marvin X e, acima de tudo, eles têm medo do poder que os estudantes estão começando a exercer nas universidades. Eles estavam com medo quando eles mataram e brutalizaram seres humanos, pois vocês decidiram que vocês têm o direito de estabelecer, para as pessoas do país, um papel que legitimamente pertence ao povo. Eles têm medo de nós, pois nós – e eles têm todo direito de estar com medo de nós, pois nós estamos continuamente demonstrando a eles que eles têm todo direito de estar com medo. E nós temos que fazer isso de novo e de novo. Eles têm todo direito de estar com medo.

Agora, radicais estão emergindo nos campi, por todo o sistema universitário, e estão sendo atacados. Isso é apenas o reflexo da emergência de um movimento radical dedicado a destruir a sociedade capitalista em toda a sociedade. E os ataques a esses radicais no sistema universitário, estes são meros reflexos dos assassinatos que ocorrem todos os dias nos guetos e nos campos de batalha do Vietnã. E nós temos que fazer essa conexão, nós temos que conectar essas lutas. Eles lançaram um ataque a mim porque eu estou no clube Che=Lumumba, que é um coletivo negro no partido comunista, devotado a lutar pela libertação negra. E eu penso que eles perceberam que, se eu fosse autorizada a lecionar na UCLA7, eu me envolveria na luta para combatê-los, combater os idiotas que se auto-intitulam diretores. [Aplausos]

Agora, eu penso que nós temos que ver essa decisão da corte, que foi tomada há alguns dias, como uma vitória apenas de certo ponto de vista. É uma vitória, pois expõe às pessoas as tendências crescentemente fascistas neste país, expõe Reagan e os diretores como demagogos inescrupulosos. Nós todos temos que considerar a razão para essa decisão. A decisão saiu apenas por causa da pressão popular, apenas devido ao fato de que em todo o estado houve demonstrações, houve indicações de que nós tomaríamos o poder. E eu penso que o juiz que tomou a decisão percebeu isso quando ele disse que queria efetivar a decisão dentro de poucas horas pois, se não fosse assim, ele sabia que a questão seria decidida nas ruas. Eu acho que ele estava certo. E o que nós temos que fazer neste ponto é usar essa decisão, pois essa decisão nos dá um pouco mais de flexibilidade, um pouco mais de movimento para escalar a luta nesta sociedade. Agora, eu penso que nós deveríamos ouvir o conselho de W. E. B. du Bois, que escreveu, em 1910, algo que é muito relevante para a luta hoje. Ele disse: “Alguns bons amigos da causa que nós representamos temem agitação. Eles dizem ‘não agite, não faça barulho, trabalhe!’. Eles acrescentam, ‘agitação é destrutivo’; ou, na melhor das hipóteses, negativo, quando há apenas aquele trabalho positivo, construtivo. Tais críticos honestos se equivocam quanto à função da agitação. Uma dor de dente é uma agitação. Uma dor de dente é uma coisa boa? Não. É, portanto, inútil? Não, é extremamente útil. Pois ela avisa o corpo sobre decadência e morte. [Aplausos] Sem isso, o corpo sofreria inadvertidamente. Ele pensaria que está tudo bem, quando o perigo espreita.” E nós temos que ouvir o conselho de du Bois, eu acho, e na agitação nós temos que perceber que, para tornar a educação relevante, para tomar, para tornar esses três “r’s” – leitura, escrita, aritmética8 – relevantes, nós precisamos falar sobre eliminar, extinguir outros três “r’s”. E estes são Reagan, Rafferty e os diretores9. Obrigada. [Aplausos].

Notes

1“brown people”; provavelmente refere-se à população de origem latina. (N. T.).

2Em inglês, “freedom from” e “freedom to”. Optamos pela adaptação para expressões mais correntes em português, preservando o sentido. (N. T.).

3No original, “the wretched of the Earth”. (N. T.).

4No original, “litter box”. (N. T.).

5Bairros de comunidades latinas. (N. T.).

6Em alemão, “líder”. Termo historicamente associado a Adolf Hitler. (N. T.).

7Universidade da Califórnia, em Los Angeles. (N. T.).

8Nos Estados Unidos, os três “r”s da educação eram, nos anos 1960, “reading, writing and arithmetics”. O “r” refere-se ao efeito sonoro das palavras. (N. T.).

9No original, os três “r”s são “Reagan, Rafferty and the regents”. (N. T.).

Recebido: 22 de Fevereiro de 2022; Aceito: 08 de Abril de 2022

Ms. Fernanda Proença

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Filosofia (Bolsista CNPq)

Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil)

Diretora da Associação Brasileira de Estética (ABRE)

Orcid id: https://orcid.org/0000-0002-1890-6009

E-mail: fefeproen@gmail.com

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