SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.60 issue66Psychology and teacher training: evoked memories about the educational psychology subjectTechnodocence: new word and concept author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Revista Educação em Questão

Print version ISSN 0102-7735On-line version ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.60 no.66 Natal Oct./Dec 2022  Epub Apr 18, 2023

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2022v60n66id30165 

Artigo

A publicação Educação em Revista e o empreendedorismo: processos de individualização e singularização dos aprendentes

The Educação em Revista journal and entrepreneurship: processes of individualization and singularization of learners

La publicación Educação em Revista y las prácticas emprendedoras: procesos de individualización y singularización de los estudiantes

Silvane Gema Mocellin Petrini1 
http://orcid.org/0000-0001-7263-7922

Fernanda Wanderer1 
http://orcid.org/0000-0003-4415-0978

1Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil)


Resumo

O artigo é resultado de uma pesquisa que teve por objetivo evidenciar as marcas que uma revista direcionada aos professores e gestores de escolas privadas do Rio Grande do Sul (RS) atribui aos estudantes envolvidos nas atividades ligadas ao empreendedorismo. Os aportes teóricos vinculam-se às teorizações de Michel Foucault e de seus revisores. O material empírico consiste em exemplares da Educação em Revista (ER), uma publicação do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (SINEPE/RS), publicados entre 2013 e 2021. Em termos metodológicos, utilizou-se a análise do discurso proposta por Foucault. A análise do material evidenciou que há um forte apelo na Educação em Revista para que as escolas privadas do RS trabalhem com o empreendedorismo. Além disso, percebeu-se que as reportagens posicionam os estudantes como protagonistas e líderes em processos de individualização e singularização dos aprendentes quando envolvidos em práticas empreendedoras, as quais configuram um sujeito-aluno narcisista, que passa a ser edificado como um herói que, dentre outras marcas, explora a si mesmo.

Palavras-chave: Empreendedorismo; Educação em Revista; Pós-estruturalismo; Modos de ser aluno.

Abstract

The article is the result of research that aimed to highlight the marks that a journal addressed to teachers and managers of private schools in Rio Grande do Sul (RS) attributes to students involved in activities related to entrepreneurship. The theoretical contributions are linked to the theories of Michel Foucault and his reviewers. The empirical material consists of copies of Educação em Revista (ER) journal, a publication of the Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (SINEPE/RS) [Private Education Union of Rio Grande do Sul], published between 2013 and 2021. In methodological terms, we used the discourse analysis proposed by Foucault. The analysis of the material evidenced that there is a strong appeal in Educação em Revista for private schools in Rio Grande do Sul state to work with entrepreneurship. In addition, it was noticed that the reports position students as protagonists and leaders in processes of individualization and singularization of learners when involved in entrepreneurial practices, which configure a narcissistic person-student, who, among other marks, starts to be built as a hero that explores itself.

Keywords: Entrepreneurship; Educação em Revista journal; Post-structuralism; Ways of being a student.

Resumen

El artículo es el resultado de una investigación que tuvo como objetivo resaltar las marcas que una revista dirigida a profesores y administradores de escuelas privadas de Rio Grande do Sul (RS) atribuye a los estudiantes cuando se involucran en actividades relacionadas con el emprendimiento. Los aportes teóricos están vinculados a las teorías de Michel Foucault y sus revisores. El material empírico consiste en ejemplares de Educação em Revista (ER), publicación del Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (SINEPE/RS) [Sindicato de Educación Privada de Rio Grande do Sul], publicada entre 2013 y 2021. En términos metodológicos, se utilizó el análisis del discurso propuesto por Foucault. El análisis del material mostró que hay un fuerte llamado en Educação em Revista para que las escuelas privadas del Rio Grande do Sul trabajen con el emprendimiento. Además, se percibió que los relatos posicionan a los estudiantes como protagonistas y líderes en procesos de individualización y singularización de los educandos cuando se involucran en prácticas emprendedoras, que configuran un sujeto-estudiante narcisista, que comienza a construirse como un héroe que, entre otras marcas, se explora a sí mismo.

Palabras clave: Emprendimiento; Educação em Revista; Posestructuralismo; Formas de ser estudiante.

Introdução

O artigo é resultado de uma pesquisa que teve por objetivo evidenciar as marcas que uma revista direcionada aos professores e gestores de escolas privadas do Rio Grande do Sul (RS) atribui aos estudantes envolvidos nas atividades ligadas ao empreendedorismo. As teorizações desta tessitura decorrem de contribuições do filósofo Michel Foucault e seus revisores. O material empírico analisado consiste em exemplares da Educação em Revista (ER) publicados entre os anos de 2013 a 2021.

No cenário educacional contemporâneo, proliferam enunciações relacionadas à inserção de atividades ligadas ao empreendedorismo nas escolas. Tal inserção é mencionada em documentos oficiais, como na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018) e no Projeto de Lei 2.944/2021 (BRASIL, 2021). Este projeto - aprovado pelo Senado Federal em 30 de setembro de 2021 - propõe a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a fim de incluir o empreendedorismo e a inovação como temas transversais nos currículos da Educação Básica e do Ensino Superior. Além disso, pesquisas recentes na área da Educação - como as desenvolvidas por Prytoluk (2019), Spies (2018), Santos (2017), Moraes (2019) e Aquino (2017) -,expressam e evidenciam a relevância de práticas empreendedoras nas instituições de ensino, mesmo realizadas em diferentes espaços-tempos e com outros registros teóricos.

Percebemos, tanto nos documentos oficiais quanto nas pesquisas anteriormente referenciadas, fortes vínculos entre o empreendedorismo e a constituição de sujeitos inovadores e criativos, capazes de gerar emprego e fontes de renda para si e para a população. Os materiais expressam ainda a importância do desenvolvimento das atitudes empreendedoras, nas quais o indivíduo torna-se, entre outras coisas, o protagonista de sua vida. Nesse contexto, a escola assume um papel fundamental, pois passa a ser um vetor importante na formação de um cidadão que se compreende em constante aprendizagem, responsabilizando-se não apenas pela expansão do desenvolvimento econômico do país, como também por suas escolhas. Nessas enunciações, não há espaço para suspeita ou problematizações capazes de tensionar o imperativo de que a escola deve trabalhar com o empreendedorismo.

No presente artigo, nos afastamos das compreensões que tomam o empreendedorismo como inquestionável ou uma verdade a ser inserida nos currículos escolares. Também não buscamos atribuir juízo de valor sobre as atividades empreendedoras, o que seria contrário ao registro teórico adotado. O interesse, sustentado em Foucault e seus revisores, é problematizar alguns dos efeitos produzidos pela implementação de práticas empreendedoras nas escolas, como os papéis que passam a ser assumidos pelos estudantes.

Suspeitamos que o empreendedorismo configura-se como um imperativo de nosso tempo, diretamente implicado em novos pastos do capitalismo, conforme discute Bauman (2010). O sociólogo compreende o capitalismo sob a perspectiva de um parasita que está sempre buscando novos pastos para esquadrinhar. Nesse rastreio, só pode prosperar se encontrar um organismo ainda não explorado para servir-lhe como alimento, prejudicando e talvez até destruindo as condições de sua morada ou sobrevivência.

Seguindo na esteira de Bauman (2010), compreendemos o empreendedorismo como parte dos novos pastos a serem explorados pelo capitalismo. Afirmamos isso por duas razões: a primeira refere-se aos diversos espaços que o empreendedorismo vem ocupando, em especial, o educacional; a segunda relaciona-se com a gama de conceptualizações que o empreendedorismo assume ao longo dos anos, num movimento de atualização constante, para sempre abarcar mais elementos que o definam e sujeitos que se reconheçam empreendedores. Parece que, nessa discursividade sobre o empreendedorismo, aquelas pessoas que não estiverem inseridas nessa lógica serão expulsas e permanecerão fora do jogo, à margem.

Em efeito, de acordo com Miguel e Tomazetti (2019), o empreendedorismo pode ser visto como uma nova tendência econômica inserida em nossa sociedade neoliberal. Os autores destacam que essa forma de vida necessita de indivíduos envolvidos em uma estrutura de produção e consumo, e o currículo escolar constitui uma das grandes engrenagens para a formação de sujeitos empreendedores. Assim, podemos constatar que a escola, enquanto instituição fortemente presente em nossa sociedade, configura-se cada vez mais com as marcas dos tempos em que vivemos, ou seja, com as marcas do empreendedorismo.

Uma questão central nessa reflexão é o quanto a racionalidade neoliberal e o empreendedorismo sustentam-se pelo imperativo de que façamos de nós mesmos um constante empresariamento de si. Essa ideia é debatida por Foucault (2008, p. 47) quando discute sobre o homo oeconomicus, definindo-o como “[...] um empresário, e de si mesmo”. Em sua argumentação, o filósofo expressa que os neoliberais buscam, a todo instante, substituir o homo oeconomicus pelo [...] empresário de si mesmo, sendo ele próprio seu capital humano, sendo para si mesmo seu produtor, sendo para si mesmo a fonte de [sua] renda” (FOUCAULT, 2008, p. 47).

Nessa direção, Dardot e Laval (2016) anunciam que se empresariar diz respeito à produção de indivíduos competentes e competitivos que buscam trabalhar para si mesmo para capacitar-se, aprimorar-se e desenvolver-se cada vez mais. Esse é o sujeito constituído na sociedade neoliberal, posicionado como responsável pelas escolhas capazes de conduzir-se adequadamente em sua caminhada individual de sucesso, encontrando os seus próprios talentos e gerenciando a sua trajetória acadêmica e profissional.

Nesse ponto, percebemos os fortes vínculos entre a sociedade neoliberal, o empresariamento de si e a Teoria do Capital Humano, discutida em profundidade por autores como Costa (2009) e López-Ruiz (2004). Para López-Ruiz (2004), é preciso retornar a Theodore W. Schultz e ao início da década de 1960 para compreender que, embora a temática do capital humano seja anterior à Escola de Chicago, foi nesse espaço que “[...] o capital humano foi definitivamente inventado” (LÓPEZ-RUIZ, 2004, p. 34-35). Afirma ainda que, antes da Escola de Chicago, não havia se pensado no humano, de forma explícita e sistemática, como capital.

De acordo com López-Ruiz (2004), foi Chicago que conseguiu estabelecer o capital humano como uma teoria conhecida no mundo e amplamente aceita. Trata-se de uma teoria econômica em que “[...] o humano passa a ser entendido como uma forma de capital [...]” (LÓPEZ-RUIZ, 2004, p. 34), fazendo com que cada pessoa deseje [...] aumentar suas habilidades, competências e destrezas a partir de ‘investimentos constantes’” (LÓPEZ-RUIZ, 2004, p. 34-35).

Costa (2009) problematiza a estreita interface entre a Teoria do Capital Humano e a educação. Tal interface está centrada na importância que essa Teoria atribui aos processos educativos de nossos tempos, fazendo com que funcionem como um investimento “[...] cuja acumulação permitiria não só o aumento da produtividade do indivíduo trabalhador, mas também a maximização crescente de seus rendimentos ao longo da vida” (COSTA, 2009, p. 177).

As reflexões apresentadas até aqui conformam o solo teórico de nossa investigação, as quais nos auxiliaram a identificar algumas regularidades na Educação em Revista, artefato que consiste o material empírico examinado. Na próxima seção, discutiremos as concepções metodológicas do estudo.

Bases metodológicas

Em termos metodológicos, a pesquisa do presente trabalho caracteriza-se como pós-crítica, amparada pelas concepções de Paraíso (2014), sustentadas no pensamento de Foucault. A autora afirma que estudos relacionados a esse registro teórico não possuem métodos pré-estabelecidos que orientem uma forma determinada e única de gerar e analisar o material empírico definido. Porém, podemos mencionar algumas balizas relevantes no ato investigativo, as quais passamos a apontar.

A primeira é considerar as mudanças políticas, econômicas ou educacionais que alteram e modificam o modo de nos relacionarmos com o mundo e, sobretudo, conosco. Ou seja, nesse ponto, Paraíso (2014) faz-nos pensar e considerar a relevância da análise do contexto em que nossa pesquisa desenvolve-se. A segunda baliza refere-se à efemeridade em relação ao conhecimento, possibilitando-nos questionar algumas certezas construídas pela modernidade como, por exemplo, o sujeito racional, as metanarrativas, a linearidade histórica e as verdades absolutas. Em decorrência disso, é importante considerar que não existe a verdade, mas regimes de verdade, com os quais os discursos presentes na educação, na mídia e na própria sociedade conformam o tecido social.

A terceira baliza tem fortes relações com o papel da linguagem nas teorizações pós-críticas. Em nossas investigações, é necessário colocar em suspenso os discursos que envolvem o objeto de pesquisa, entendendo-os como algo que é produzido de modo parcial, a partir daquilo que “[...] conseguimos ver e significar com as ferramentas teórico-analíticas-descritivas que escolhemos para operar” (PARAÍSO, 2014, p. 28).

Além disso, nas pesquisas de inspiração foucaultiana, é relevante considerarmos o papel da linguagem em nossas formas de escrever, na seleção de palavras e/ou expressões e na escolha por determinadas perspectivas teóricas. Nessa explanação, Paraíso (2014) destaca a importância de estarmos atentas ao papel da linguagem na construção de significados sobre as nossas experiências e formas de concebermos aquilo que nos cerca, sobretudo, o que pesquisamos.

Na presente investigação, levamos em consideração essas balizas e buscamos atribuir alguns sentidos àquilo que circula na Educação em Revista, mas não nos preocupando em encontrar explicações totalizantes ou verdades absolutas sobre a inserção do empreendedorismo nas escolas. Procuramos, somente, examinar os modos de ser aluno engendrados pela Educação em Revista quando aborda e apresenta práticas pedagógicas envolvendo o empreendedorismo.

O material empírico examinado consiste em exemplares da Educação em Revista, editada pelo SINEPE/RS, uma instituição sem fins lucrativos com autonomia administrativa e de capital particular. O SINEPE/RS constitui-se em uma entidade sindical de 1º grau que congrega e representa, na base territorial do Rio Grande do Sul, a categoria econômica integrada pelas escolas de ensino fundamental, médio e superior, centros universitários, universidades, escolas de ensino técnico e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Com tiragem bimestral e, por vezes, trimestral, até o presente momento, foram editados 135 exemplares da Educação em Revista, que podem ser consultados em seu formato físico ou de modo on-line.

Em nossa estratégia analítica, a primeira etapa consistiu em delimitar o número de exemplares e reportagens a serem escrutinadas. Inicialmente, foram lidos todos os sumários das 135 revistas para encontrarmos e separarmos as matérias sobre empreendedorismo. Considerando a grande quantidade de matérias, decidimos delimitar esse conjunto usando, como critério, a primeira vez que uma das palavras empreendedorismo, empreendedor ou empreender constasse na capa de uma das edições da revista. Isso ocorreu no exemplar de número 96, publicado em 2013. Com esse critério, examinamos as revistas a partir da edição de número 96 e obtivemos um grupo com 93 reportagens sobre empreendedorismo entre os anos de 2013 a 2021.

Essas reportagens foram encaradas como documentos inscritos em uma mídia pedagógica digital. Para examiná-los, seguimos as concepções de Foucault (2013) sobre as transformações de documentos em monumentos. Em sua argumentação, o filósofo expressa a relevância de considerarmos que esses materiais emergem como registros da história, ou seja, são datados, forjados e inventados em determinado espaço-tempo. Foucault (2013, p. 8) lembra-nos que o documento não é mais uma “[...] matéria inerte através da qual ela tenta reconstituir o que os homens fizeram ou disseram, o que é passado e o que deixa apenas rastros”.

Ao assumirmos que os documentos, como sublinha Foucault (2013), não são matérias inertes, mas inventados e criados a partir de relações de poder. Em nosso estudo, não nos enredamos à procura pela verdade, tampouco pela descoberta de algo que se presuma estar escondido. Nosso propósito foi olhar para aquilo que está dado, buscando por suas recorrências, pelos conjuntos de significados que emergem de suas enunciações.

Entendemos a análise documental a partir da perspectiva de Pimentel (2001), quando refere-se a estudos com base em documentos. A autora sinaliza que esses materiais são primordiais, pois os pesquisadores

[...] extraem deles toda a análise, organizando-os e interpretando-os segundo os objetivos da investigação proposta [...] se as categorias de análise dependem dos documentos, eles precisam ser encontrados, “extraídos” das prateleiras, receberem um tratamento que, orientado pelo problema proposto pela pesquisa, estabeleça a montagem das peças, como num quebra-cabeça (PIMENTEL, 2001, p. 180).

Autoras como Lüdke e André (1986) sinalizam que examinar documentos configura-se uma fonte estável e rica de informações. Pelo fato de persistirem ao longo do tempo, eles podem ser consultados diversas vezes e são utilizados para embasar uma infinidade de estudos. Além disso, “[...] não são apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre este'' (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 39).

Levando em conta essas premissas metodológicas, detivemo-nos no escrutínio das reportagens da Educação em Revista que abordam o trabalho pedagógico envolvendo o empreendedorismo, focando nas posições de sujeito atribuídas aos alunos. O resultado dessa operação analítica será evidenciado na próxima seção.

Alunos do empreendedorismo: heróis, narcisistas e déspotas de si mesmo

Ao realizar a análise do material empírico, o primeiro resultado encontrado diz respeito ao forte apelo presente na Educação em Revista para que as práticas pedagógicas das escolas privadas do RS ocupem-se em trabalhar o empreendedorismo. O fragmento abaixo evidencia uma ideia que é recorrente ao longo da Revista:

Há uma concordância crescente de que a escola precisa evoluir, redesenhando espaços (mais flexíveis e acolhedores), as metodologias e o currículo, motivando intimamente os alunos para que gostem de aprender, para que sejam protagonistas e capazes de enfrentar desafios cada vez mais complexos em todas as dimensões da vida [...]. Precisamos de mais empreendedores que tenham a coragem de fazer coisas novas, liderar equipes, trabalhar como um time. A escola pode desenvolver isso por meio de trabalhos voluntários e outros projetos que já existem na instituição (MORAN, 2017, p. 44-45).

O excerto leva-nos a pensar sobre os modos como o empreendedorismo tem ocupado o espaço escolar, adentrando em currículos, concepções pedagógicas e práticas docentes. Observamos que a Educação em Revista vale-se de questões relacionadas à área da economia para justificar a necessidade de a escola operar com o empreendedorismo, posicionando a sala de aula como ambiente fértil para desenvolver habilidades e competências vinculadas a esse tema. Para tanto, é preciso levar em conta os potenciais dos estudantes para que possam vencer desafios e tornar-se líderes e protagonistas.

O segundo resultado evidenciado em nossa análise relaciona-se, especificamente, com os modos de ser estudante, que emergem nas reportagens vinculadas ao empreendedorismo. Como é possível destacar no excerto anterior, que os discentes assumem papéis diversos, como protagonistas e líderes. É recorrente na Educação em Revista a alusão a uma multiplicidade de metodologias como forma de atuar na formação desses alunos que apresentam-se cada vez mais donos de si, de suas vontades e desejos, buscando aprender aquilo que lhes parece mais significativo e que mais lhes seduz.

Ao considerar que é preciso formar empreendedores que sejam corajosos e capazes de atuar na liderança de suas equipes, estabelecemos uma relação com os estudos de Lipovestky (2019, p. 253) sobre a emergência de uma criança-rei, a partir do momento que “[...] a ordem da sedução soberana ganhou o campo da educação”. O filósofo sublinha que, em virtude desse princípio da sedução, é possível perceber uma [...] desqualificação do modelo autoritário e coercitivo de educação [...], emergindo, em seu lugar, um [...] modelo afetivo ou psicológico, centrado na delicadeza compreensiva e no objetivo da felicidade imediata da criança” (LIPOVESTKY, 2019, p. 251).

É nesse contexto que desponta a criança-rei, cuja centralidade educativa está vinculada à sua autonomia, sendo, para isso, respeitados e estimulados seus desejos. Nessa esteira, Lipovestky argumenta que:

Em nossas sociedades trata-se não mais de forçar as crianças, e sim de ouvir suas demandas, dar-lhes a maior felicidade possível, multiplicando as ocasiões de prazer. A educação repressiva foi substituída por uma educação tipo liberal e hedonista que se dedica a responder aos desejos das crianças, a satisfazer, na medida do possível, suas expectativas de prazer (LIPOVESTKY, 2019, p. 252).

Ao tecer discussão sobre o novo modelo educativo que se pauta na arte da sedução, Lipovetsky (2019) afirma que o modelo anterior - centrado na imposição de regras estritas, na punição e no constrangimento - não mais existe. Esse argumento remeteu-nos aos estudos de Han (2018), quando versa sobre os sujeitos da modernidade e da contemporaneidade, utilizando as metáforas toupeira e serpente. O autor discorre sobre o sujeito da modernidade como o disciplinar, que se caracteriza por vincular-se às instituições de confinamento, dentre elas, a escola. Nesse sentido, trata-se de uma toupeira, que se restringe a ocupar os espaços pré-estabelecidos, tendo a disciplina e a obediência como elementos fundantes.

Em contrapartida, as serpentes constituem-se por meio da expansão de determinados espaços pelos quais movimentam-se, bem como abrem espaços a partir de seu serpentear. Sobre as toupeiras e serpentes, o filósofo pontua:

Ao contrário da toupeira, a serpente não se movimenta em espaços fechados; é a partir do movimento que abre espaço. A toupeira é trabalhadora. A cobra, por sua vez, é empreendedora. É o animal do regime neoliberal. A toupeira se move em espaços pré-instalados, e por isso se submete a restrições. É um sujeito submisso. A serpente é um projeto, na medida em que cria o espaço a partir do movimento. A passagem da toupeira para a serpente, do sujeito para o projeto, não é uma irrupção para uma forma de vida completamente diferente, mas uma mutação, um agravamento do próprio capitalismo (HAN, 2018, p. 17, grifos do autor).

É possível fazer uma analogia da criança-rei com a serpente à medida em que esta deixa de ser um sujeito submisso (toupeira) para posicionar-se como um sujeito de desejos (serpente), que deve ser satisfeito pelos adultos, sejam pais ou mesmo professores. O que está em pauta não é mais a obediência e a disciplina, características valorizadas na modernidade, mas a produção de um sujeito autônomo e empreendedor, marca da contemporaneidade.

Observamos que os estudantes estão marcados pela Educação em Revista como sujeitos da aprendizagem, eles ocupam o centro de toda e qualquer prática escolar, pois são narrados como protagonistas, autônomos, empreendedores. Esse processo, para Basei (2014), está pautado por três premissas fundamentais: a primeira é que o aluno passa a ser o protagonista, posicionando-se no centro do processo de ensino; a segunda refere-se ao lugar do educador que deixa de ser o único detentor do conhecimento para assumir lugares como facilitador e motivador. Por sua vez, a terceira premissa vincula-se à personalização da aprendizagem.

Considerando o que foi exposto até este ponto, identificamos um processo de personalização das aprendizagens dos estudantes no material analisado. Aqui está o terceiro resultado de nosso estudo, que diz respeito aos processos de individualização e singularização dos aprendentes quando estão envolvidos em práticas empreendedoras. Destacamos algumas passagens que traduzem o modo como essas práticas vêm sendo apresentadas na Educação em Revista.

O colégio Pedro II promove outras ações de desenvolvimento de habilidades relacionadas a liderança, inovação e empreendedorismo. São clubes de aprendizagens, nos quais os alunos se dedicam às áreas que tem mais interesse. Um exemplo é a Grow Cube, incubadora de negócios voltadas para estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental e Ensino Médio. (PEREIRA, 2019, p. 36-37).

[...]

O Colégio Farroupilha, de Porto Alegre, lançou a disciplina de Cultura da Inovação, com aulas quinzenais, nas quais estudantes do 6º e 7º anos têm a possibilidade de desenvolver diferentes perfis. No perfil maker o estudante explora tecnologias e criações. Como designer, ele lida com sistemas complexos e propõe soluções para ajudar as pessoas. O perfil empreendedor testa, rapidamente, suas ideias para corrigir erros e aprender a melhor forma de concretizá-las. (FARROUPILHA CRIA DISCIPLINA DE CULTURA DA INOVAÇÃO, 2018, p. 34).

Nesse sentido, é possível antever que o empreendedorismo, por meio da individualização, transita entre as práticas pedagógicas, utilizando distintos instrumentos para operar junto às escolas na constituição dos sujeitos contemporâneos: projetos, startups, clubes de aprendizagens, dentre outros. Suspeitamos que as práticas pedagógicas que se ocupam em ensinar empreendedorismo vêm constituindo novos espaços e tempos escolares.

Ademais, é possível depreender do conjunto de fragmentos supracitados a emergência de liberdade de escolha como chave de inteligibilidade à medida que os estudantes desenvolvem seus perfis com base em suas habilidades, desejos e interesses. Tal questão remete aos estudos de Han (2017) quando discute as consequências de se viver numa sociedade em que há infinita liberdade de escolha, opções e otimização.

Assim, a Educação em Revista apresenta muitas práticas alinhadas ao empreendedorismo, a fim de que os educandos sejam livres para fazer suas escolhas, tornando-os protagonistas para investirem em seus projetos de vida. Nesse aspecto, Han (2018, p. 10-11) discute a suposta liberdade do sujeito do desempenho que, ao julgar-se livre, é, sobretudo, um servo: “[...] é um servo absoluto, na medida em que, sem um senhor, explora voluntariamente a si mesmo”. E, na sequência, expressa: “[...] ao contrário da suposição hegeliana, o trabalho não liberta o servo: o servo hegeliano também obriga o senhor a trabalhar”.

Com base nas ideias de Han (2018), suspeitamos que há uma linha tênue entre o sujeito narcisista e o déspota de si mesmo, haja vista que, de certo modo, autoexploramo-nos como servos e senhores ao mesmo tempo e na mesma medida. O filósofo sul-coreano discute essa questão ao enfatizar que estamos subjugados ao neoliberalismo, que “[...] transforma a exploração imposta por outros em uma autoexploração que atinge todas as classes [...] no regime neoliberal de autoexploração, a agressão é dirigida contra nós mesmos” (HAN, 2018, p. 16).

Em efeito, Han (2018, p. 44) pontua que o sujeito neoliberal de desempenho caracteriza-se como o empresário de si mesmo, que explora-se de forma voluntária, fazendo de si uma obra de arte, na qual exibe uma “[...] aparência bela e enganosa que o regime neoliberal mantém para explorá-lo por inteiro”. Nesse aspecto, o sistema neoliberal, sem apoderar-se de modo completo do sujeito, possibilita que o indivíduo “[...] por si só, haja sobre si mesmo de forma que reproduza o contexto de dominação de si e o interprete como liberdade” (HAN, 2018, p. 44).

Identificamos um movimento que vai nessa direção nas tramas do empreendedorismo, contribuindo para a narcisificação de si mesmo, que inclui a escola contemporânea como mais um dentre tantos instrumentos dos quais se valem as agendas neoliberais. Nesse aspecto, Han (2017) anuncia que a sociedade na qual vivemos tem se tornado cada vez mais narcisista e que a libido tem sido investida na própria subjetividade. Ao fazer um exercício para diferenciar o sujeito do amor próprio do sujeito narcísico, Han (2017, n. p.) argumenta que “[...] o sujeito do amor próprio estabelece uma relação negativa frente ao outro em benefício de si mesmo”, ao passo que o sujeito narcisista [...] não consegue estabelecer claramente seus limites”. Desse modo,

[...] desaparecem os limites entre ele e o outro. O mundo se lhe afigura como sombreamentos projetados em si mesmo. Ele não consegue perceber o outro em sua alteridade e reconhecer essa alteridade. Ele só encontra significação ali onde consegue reconhecer de algum modo a si mesmo. Vagueia aleatoriamente nas sombras de si mesmo até que se afoga em si mesmo (HAN, 2017, n. p.).

Podemos pensar no sujeito narcisista como um indivíduo cujo espelho reflete apenas aquilo que tem valor, em que se reconhece diante das imagens à sua escolha e que, acima de tudo, não se abandona nem por um único instante. Suspeitamos que essa ideia de não permitir abandonar-se pode estar ligado àquilo que Han (2017) enuncia como sujeito do desempenho, atribuindo-lhe a ideia da busca por sucesso e o tornar-se empreendedor de si mesmo. O autor articula essa questão ao fato de que,

[...] como empreendedor de si mesmo, o sujeito de desempenho é livre, na medida em que não está submisso a outras pessoas que lhe dão ordem e o exploram; mas realmente livre ele não é, pois ele explora a si mesmo e quiçá por decisão pessoal. O explorado é o mesmo explorador. A gente é vítima e algoz ao mesmo tempo. A autoexploração é muito mais eficiente que a exploração alheia, pois caminha de mãos dadas com o sentimento de liberdade (HAN, 2017, n. p.).

É possível identificar na Educação em Revista práticas escolares que corroboram para que os estudantes constituam-se senhores-escravos de si. Sob a argumentação de que é necessário desenvolver uma cultura empreendedora na escola, a Educação em Revista apresenta práticas pedagógicas que têm um apelo bastante intenso no que diz respeito à formação do capital humano. O fragmento a seguir evidencia essa questão.

Com os estudantes da Educação Infantil e Ensino Fundamental I o projeto inicia com a entrega do Passaporte da Cidadania (documento de identificação civil dos cidadãos de Ir Knatá, cidade laboratório de 500 metros quadrados construída no pátio da escola). Nesse documento é registrada a evolução da bagagem cultural de cada estudante, ou seja, todas as atividades extracurriculares que ele participou. Dessa forma, os alunos começam desde cedo, a representar e acompanhar a criação de seu ‘patrimônio cultural’, criando assim, seu Curriculum Vittae. [...] Ao oferecer tantas opções no currículo, o Colégio tem por propósito garantir que seus alunos desenvolvam ao máximo seus diferentes talentos, sendo apresentados e estimulados à diversidade do conhecimento. A liberdade para escolher ao que se vincula trouxe maior protagonismo dos estudantes no gerenciamento de sua vida acadêmica, o que gerou maior responsabilidade e motivação para aprender. Na formatura do Ensino Médio cada aluno recebe seu Curriculum Vittae personalizado, com registro de sua particular trajetória escolar. O projeto ainda dá seus passos iniciais, mas já é possível que o acompanhamento individualizado aos alunos e o cruzamento de dados que o sistema possibilita fazem a escola avançar na tão sonhada direção do ensino customizado (PROJETO DO COLÉGIO ISRAELITA VALORIZA A IDENTIDADE DO ALUNO, 2013, p. 28).

As enunciações possibilitam identificar que as práticas escolares atuam na formação de um sujeito que, cada vez mais, é incitado a acompanhar a criação de seu patrimônio cultural, tendo, para isso, um acompanhamento individualizado. Para tanto, as estratégias pedagógicas valem-se da construção de um Curriculum Vittae personalizado, que se configura como a materialidade da bagagem cultural que cada estudante vai constituindo em seu processo de formação.

É possível visualizar nos exemplares da Educação em Revista um apelo muito forte para que as práticas escolares agenciem os estudantes a produzir-se a si mesmos, tendo o capital humano como fator fundamental para que tomem a si mesmos como um modo de capital. Também identificamos a lógica mercantil sobre a qual as práticas escolares erigem-se. Nesse aspecto, apresentamos algumas passagens que, de certa forma, têm a materialização dessas questões em seu texto.

O mercado de trabalho está a exigir cada vez mais pessoas autônomas e que sabem resolver problemas de forma criativa e sustentável. E sabemos que não é possível criar estes profissionais sem vivermos experiências concretas na escola (GAMBA, 2016, p. 11).

[...]

As instituições da Educação Superior passarão por grandes transformações nos próximos anos. Especialistas apontam mudanças significativas irreversíveis na aquisição do conhecimento. Seguindo tendências mundiais, a sociedade - e o mercado de trabalho - vão exigir do aluno desempenho para aprender e não apenas para passar de ano. Nunca a proatividade estará tão em evidência (GAMBA, 2016, p. 13).

[...]

Existem alguns exemplos hoje, no Brasil, de “laboratórios de empresas” dentro das universidades com discussão de cases reais sobre aquilo que é encontrado no dia a dia dos profissionais e no mercado de trabalho. E isso com certeza prepara melhor e auxilia o jovem na tomada de decisão de carreira que ele deve seguir (MACHADO, 2016, p. 11).

[...]

Vinte e oito instituições oportunizam aos seus estudantes o Programa Miniempresa, cujo objetivo é despertar o espírito empreendedor e proporcionar uma visão clara do mundo dos negócios [...] o desenvolvimento das múltiplas práticas didático-pedagógicas agrega novos formatos de aprendizagem e permitem aos estudantes a identificação de suas potencialidades e características básicas de personalidade, preparando-os para futuras escolhas (DIRK, 2016, p. 44).

Considerando o que foi exposto, identificamos nas práticas escolares que se ocupam em trabalhar o empreendedorismo uma possibilidade de agenciar os estudantes a (con)formarem-se sob a égide do mundo empresarial. Esse agenciamento, por sua vez, faz com que cada vez mais os estudantes persigam seus desejos e procurem munir-se do capital humano para colocar-se na vitrine, tornando-se uma mercadoria vendável e desejável.

Desse modo, apresentam-se como heróis à medida em que destacam-se dos demais e imprimem em si valor de mercado. Em contrapartida, também é possível identificar que esse sujeito traz consigo o déspota de si mesmo ao incorporar o herói. Os estudantes acabam sendo déspotas de si mesmo na busca incessante por qualificar-se, tornar-se mercadoria, desenvolver habilidades e competências, ser empreendedores, inovadores, criativos, produzir seu próprio capital humano. Assim, cada vez mais, pagam um preço bastante alto por todo esse investimento ao mesmo tempo em que são responsabilizados pelas suas escolhas e consequências. É nessa conjuntura que os estudantes são conduzidos a configurar-se como sujeitos contemporâneos, empresários de suas próprias vidas, cujo modelo a seguir é o do homem que governa a si próprio, constituindo-se em herói de si mesmo.

Considerações finais

Ao finalizar este artigo, consideramos pertinente destacar que a discussão empreendida não teve a pretensão de apresentar grandes conclusões; foi configurada em pontos que ora se aproximavam, ora se afastavam, constituindo um enredo em uma rede de (in)significações que tensiona um diálogo com o leitor. É com esse intento que escrevemos pontos que julgamos relevantes acerca desta investigação centrada em evidenciar as marcas que a Educação em Revista atribui aos estudantes quando envolvidos nas atividades ligadas ao empreendedorismo. As teorizações que se fazem presente neste artigo decorrem de contribuições do filósofo francês Michel Foucault e de seus revisores.

A análise mostrou que a Revista posiciona os estudantes como sujeitos instados a assumir a centralidade da aprendizagem, pautados por liberdade de escolha e pela construção de projetos de vida, tornando-se, assim, protagonistas. No exercício de evidenciar as marcas que a Educação em Revista atribui aos alunos, identificamos a emergência de um duplo sujeito: herói e narcísico/déspota de si mesmo que, dentre outras marcas, explora a si mesmo. A esse respeito, Rocha (2018) destaca que

[...] o mito heroico atualmente transposto para a vida do homem pós-moderno serve de amuleto para o enfrentamento das adversidades e incertezas da contemporaneidade. Como meio de alcançar o pleno sucesso heroico, o empreendedorismo se torna uma via de acesso pré-projetada para o alcance dos desejos individuais. O problema é que atualmente o desejo deixou de ser algo opcional, uma vez que se torna obrigatório para a conquista de reconhecimento na sociedade (ROCHA, 2018, p. 161).

Percebemos que a aventura heroica instada na modernidade (re)atualiza-se e articula-se aos modos como forçosamente todos somos convocados a realizarmos proezas: termos projetos de vida e de sermos livres para fazermos nossas escolhas, responsabilizando-nos por elas. Isso gera, ao nosso ver, efeitos sobre a nossa forma de viver na sociedade.

Um desses efeitos está diretamente relacionado à produção de nossas subjetividades. Como nos lembra Rose (1998), os desejos e aspirações são produzidos e subjugados a técnicas de administração e regulação. Nesse sentido, depreendemos que a Educação em Revista atua, de certo modo, sobre o eu privado quando incentiva atividades ligadas ao empreendedorismo, fazendo com que a subjetividade humana seja governada.

Assim, nosso estudo identificou, a partir do referencial teórico adotado, que as práticas pedagógicas alinhadas ao empreendedorismo atuam na constituição, administração e regulação dos sujeitos que, ao compreenderem-se livres para fazer suas escolhas, tornam-se cada vez mais servos de si mesmos. Arriscamos dizer que não só nas escolas, mas em outras esferas sociais, engendradas pela racionalidade neoliberal, constituímo-nos plenos de valor econômico e sofremos os efeitos dessa formação e também tornamo-nos narcisistas e déspotas de nós mesmos.

Além disso, outro efeito, diretamente relacionado ao exposto anteriormente, é que a sociedade tem se constituído com rastros narcisistas. Assim, evidencia-se a produção de sujeitos interessados e focados na realização de seus objetivos e desejos, enfraquecendo os processos coletivos, tão relevantes não só nas escolas, mas em nossa forma de vida contemporânea. Consideramos que as discussões e reflexões coletivas podem mobilizar ações capazes de romper, justamente, com algumas marcas neoliberais que forjam esses sujeitos narcisistas e déspotas, que não atentam para questões sociais e políticas mais amplas.

Referências

AQUINO, Rodrigo Pelet Nascimento. O empreendedorismo individual como fator de (re) inclusão produtiva dos beneficiários do programa Bolsa Família. 2017. 92 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2017. [ Links ]

BASEI, Ana Cristina. Ensino para desenvolver a autonomia. Educação em Revista, Porto Alegre, v. 18,, n. 102, p. 16, nov./dez. 2014. Disponível em: https://www.sinepe-rs.org.br/servicos/educacao-em-revista/detalhe/102. Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

BAUMAN, Zygmunt. Capitalismo parasitário e outros temas contemporâneos. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2010. [ Links ]

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2944/2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir os temas do empreendedorismo e da inovação nos currículos da educação básica e superior. Disponível em https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/149527. Acesso em: 13 maio 2022. [ Links ]

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. [ Links ]

COSTA, Sylvio de Sousa Gadelha. Governamentalidade neoliberal, teoria do capital humano e empreendedorismo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 34, n. 2, p. 171-186, maio/ago. 2009. [ Links ]

DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016. [ Links ]

DIRK, Adolfo Dirceu. A formação humana integral das escolas privadas. Educação em Revista, Porto Alegre, v. 20, n. 119, p. 44, nov./dez. 2016. Disponível em: https://www.sinepe-rs.org.br/servicos/educacao-em-revista/detalhe/119. Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

FARROUPILHA CRIA DISCIPLINA de cultura da inovação. Educação em Revista, Porto Alegre, v. 22, n. 127, p, 34, abr./maio 2018. Disponível em: https://www.sinepe-rs.org.br/servicos/educacao-em-revista/detalhe/127 Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. Segurança, território e população: curso dado no Collège de France (1977-1978). Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008. [ Links ]

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013. [ Links ]

GAMBA, Vívian. A universidade deve ir além do currículo. Educação em Revista, Porto Alegre, v. 20, n. 118, p. 11, set./out. 2016. Disponível em: https://www.sinepe-rs.org.br/servicos/educacao-em-revista/detalhe/118. Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

HAN, Byung-Chul. Agonia dos eros. Tradução Enio Paulo Giachini. Petrópolis: Editora Vozes, 2017. [ Links ]

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Tradução Maurício Liesen. Belo Horizonte: Editora Ayiné, 2018. [ Links ]

LIPOVETSKY, Gilles. A sociedade da sedução: democracia e narcisismo na hipermodernidade liberal. Tradução Idalina Lopes. Barueri: Editora Manole, 2019. [ Links ]

LÓPEZ-RUIZ, Osvaldo Javier. O “ethos” dos executivos das transnacionais e o espírito do capitalismo. 2004, 375 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade de Campinas, 2004. [ Links ]

LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em Educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. [ Links ]

MACHADO, Adriana de Barros. Qual o futuro da educação superior? Educação em Revista, Porto Alegre, v. 19, n. 114, p.4-5, fev./mar. 2016. Disponível em: https://www.sinepe-rs.org.br/servicos/educacao-emrevista/detalhe/114. Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

MIGUEL, Iván Gregorio Silva; TOMAZETTI, Elisete Medianeira. #Zikazero: o empreendedorismo na educação como estratégia produtora de governamentalidade neoliberal. Acta Scientiarum: Education, Maringá, v. 41, n. 1, p. e35321, 2019. [ Links ]

MORAES, Roselaine Monteiro. Educação empreendedora no ensino fundamental: uma investigação sobre o programa de educação empreendedora Sebrae - jovens empreendedores Primeiros Passos - JEEP em Pejuçara, RS. 2019. 160 f. Dissertação (Mestrado em Gestão Educacional) - Programa de Pós-Graduação em Gestão Educacional, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2019. [ Links ]

MORAN, José. Como transformar nossas escolas em instituições inovadoras? Educação em Revista, Porto Alegre, v. 21, n. 124, p. 44-45, set./out. 2017. Disponível em: https://www.sinepe-rs.org.br/servicos/educacao-emrevista/detalhe/124. Acesso em:13 set. 2020. [ Links ]

PARAÍSO, Marlucy Alves. Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação e currículo: trajetórias, pressupostos, procedimentos, e estratégias analíticas. In: MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves. (org.). Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação. Belo Horizonte: Mazza, 2014. [ Links ]

PEREIRA, Pedro. Pacto Alegre. Educação em Revista, Porto Alegre, v. 17, n. 132, p. 36-37, maio/jun. 2019. Disponível em: https://www.sinepe-rs.org.br/servicos/educacao-em-revista/detalhe/132. Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

PIMENTEL, Alessandra. O método da análise documental: seu uso numa pesquisa historiográfica. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 114, p. 179-195, nov. 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/FGx3yzvz7XrHRvqQBWLzDNv/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 23 jan. 2022. [ Links ]

PROJETO DO COLÉGIO ISRAELITA valoriza a identidade do aluno. Educação em Revista, Porto Alegre, v. 17, n. 97, p, 28, abr./maio 2013. Disponível em: https://www.sinepe-rs.org.br/servicos/educacao-em-revista/detalhe/97. Acesso em: 13 set. 2020. [ Links ]

PRYTOLUK, André Luis. Articulações entre a educação empreendedora e o ensino de ciências. 2019. 197 f. Dissertação (Mestrado em Ciências: Química da Vida e Saúde) - Programa de Pós-Graduação em Ciências: Química da Vida e Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019. [ Links ]

ROCHA, Thiago Alencar da. O culto da performance: o novo modelo do trabalho do Século XXI. Revista Sem Aspas, Araraquara, v. 7, n. 1, p. 156-167, jan./jun. 2018. [ Links ]

ROSE, Nicolas. Governando a alma: a formação do eu privado. In: SILVA, Tomaz Tadeu da. (org.). Liberdades reguladas. Petrópolis: Vozes, 1998. [ Links ]

SANTOS, Maurício Ivan dos. A proposta de educação para o empreendedorismo do Instituto Empreender Endeavor: um estudo sobre parceria público-privada. 2017. 170 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017. [ Links ]

SPIES, Luciana Guimarães. Empreendedorismo e desenvolvimento econômico no Brasil. 2018. 53 f. Dissertação (Mestrado em Economia) - Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. [ Links ]

Recebido: 18 de Maio de 2020; Aceito: 15 de Agosto de 2020

Ms. Liliane Ribeiro de Mello, Universidade Estadual Paulista (Brasil), Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (UNESP/Rio Claro), Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional (GREPPE), E-mail: liliane.mello@unesp.br

Profa. Dra. Regiane Helena Bertagna, Universidade Estadual Paulista (Brasil), Programa de Pós Graduação em Educação, Departamento de Educação (UNESP/Rio Claro), Vice-líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional (GREPPE), E-mail: regiane.bertagna@unesp.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.