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Revista Educação em Questão

Print version ISSN 0102-7735On-line version ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.61 no.67 Natal Jan./Mar 2023  Epub Dec 05, 2023

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2023v61n67id31640 

Resenha

Novos Shakespeares na sala de aula: ensino crítico e colaborativo em busca de transformação

New Shakespeares in the classroom: critical and collaborative teaching in pursuit of transformation

Nuevos Shakespeares en el aula: enseñanza crítica y colabo-rativa en pos de transformaciones

Laura Ribeiro Araújo1 
http://orcid.org/0000-0002-3539-0980

1Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil)


A ascensão dos estudos decolonais na academia vem abrindo espaço para que releituras críticas dos chamados “clássicos da literatura mundial” ganhem a sala de aula. Nessa linha, Reimagining Shakespeare Education traz, em cinco partes, reflexões atualíssimas sobre projetos colaborativos de ensino voltados para a transformação social. Em artigos que avaliam os erros e acertos de trabalhos implementados ao redor do mundo, podemos testemunhar modos de ensinar, aprender e experimentar as obras de Shakespeare a partir propostas que coloquem no centro não só a experiência cultural local, mas também aspectos de gênero, sexualidade, raça, identidade, mobilidade e justiça social.

A primeira parte, “Reimagining Shakespeare with/in schools”, destina-se à discussão de quatro diferentes projetos de ensino colaborativo nos anos fundamental e médio. Com o interesse de democratizar o acesso e os modos de interagir com as obras do bardo, esses quatro projetos oferecem aos leitores alternativas horizontais de abordagem que transportam a sala de aula para fora do espaço físico tradicional. Parcerias com companhias e festivais de teatro são discutidas nessa primeira parte como alternativa para que a comunidade escolar integre também espaços culturais carentes de participação daqueles que estão à margem da sociedade. Workshops de atuação, por exemplo, trazem para a experiência cinestésica questões de identidade, gênero e inclusão de pessoas com deficiência, podendo fortalecer o senso de coesão social e solidariedade necessários para a superação das lógicas individualizantes da sociedade moderna. Apesar de profundamente marcados pela realidade de ensino e acesso à cultura do Norte Global, os quatro projetos descritos nessa primeira parte definitivamente oferecem alternativas passíveis de adaptação ao contexto brasileiro de ensino de artes e literatura nas escolas, principalmente no que diz respeito à deselitização do acesso às artes no país e à experimentação do texto literário em práticas ativas na sala de aula. A possibilidade de questionar “leituras autorizadas” (BARBOSA, 2011) em favor de interpretações que tomem como referência a bagagem cultural que os próprios alunos (e professores) levam para a sala de aula, como proposto nessa seção do livro, é, claro, fundamental para processos de letramento em qualquer parte do globo. No Brasil, esse tipo de abordagem oferece ainda a possibilidade de questionarmos aspectos de colonialidade, espaço geográfico e representação identitária a partir de textos literários publicizados como “globais”.

Já a segunda parte, “Reimagining Shakespeare with/in Universities”, volta-se para o sistema superior de ensino e as possibilidades de colaboração entre agentes acadêmicos, companhias de teatro e sistemas carcerários como alternativa para valorização e integração de comunidades locais a partir do rompimento de limites que se manifestam não apenas no meio geográfico, mas também por concepções de espaço, cidadania e sociedade. Os quatro capítulos que compõe essa seção discutem o papel de universidades na transformação do social, propondo ações que partam do teatro como meio de melhor integrar espaços de circulação do texto e dos sujeitos e de criar campos de exploração pedagógica que ultrapassem os limites da sala de aula. Enquanto os dois primeiros artigos aparecem a partir de entrevistas com companhias de teatro britânicas, os capítulos posteriores dessa seção tratam do aspecto prático da implementação de ações pedagógicas transformadoras. Modelos de ensino colaborativos são apresentados nessa seção também a partir de plataformas digitais que viabilizem abordagens transculturais do texto e integrem múltiplos campos dos saberes, sem se limitar às artes e humanidades. Essa alternativa oferece a oportunidade de atualização dos textos de Shakespeare para visões contemporâneas particulares às esferas de colaboração, enriquecendo a miríade de interpretações das peças. Para nós, no entanto, a implementação dos modelos relatados depende, antes, da cuidadosa consideração de questões de acesso a meios digitais e os modos de integração de tecnologias ao ambiente universitário a partir das demandas e particularidades do alunado.

As partes seguintes do livro, “Public Reimaginings”, “Digital Reimaginings” e “Reimagining Performance”, exploram projetos educacionais voltados para a comunidade local, para novos usos digitais como meio de instrução e para o papel da performance teatral em processos de inclusão e reflexão sobre temas como gênero, marginalização, diferenças culturais e deficiências em todas as instâncias sociais. Trabalhos que consideram o processo de tradução de Shakespeare para línguas aborígenes a partir da perspectiva desses povos são descritos nessa etapa e inspiram a proposição de projetos que visem descentralizar as leituras de Shakespeare em prol de interpretações cênicas e textuais que avancem na desconstrução de práticas imperialistas enraizadas em nosso imaginário. O décimo artigo, de título “‘I’ll Teach you Differences’ Learning across Languages and Cultures with Fórum Shakespeare (Brazil)”, traz experiências em solo brasileiro a partir de parcerias firmadas entre iniciativas como o projeto Nós do Morro, Fórum Shakespeare e a Royal Shakespeare Company. A proposta descrita e comentada no artigo oferece caminhos para leitores interessados no viés transformador da linguagem quando incorporada e reapropriada por grupos marginalizados de países do Sul Global, principalmente no que diz respeito a temas como colonização e desapropriação cultural em relação às obras de Shakespeare.

Em conclusão, esse livro soma ao famoso artigo de Farah Karim-Cooper (2021) “Shakespeare Through Decolonization”, ao trazer projetos que parecem atender aos passos necessários para uma educação crítica e decolonizada a partir de Shakespeare, oferecendo oportunidades de transformação da sala de aula sem sobrescrever a bagagem cultural e social do alunado por propostas tradicionais que privilegiam o viés colonialista. Reimagining Shakespeare Education enriquece o debate do ensino colaborativo, crítico e decolonial ao propor a reapropriação do texto original de Shakespeare via reescritas, releituras e reimaginações que incorporem e valorizem a identidade local dos participantes envolvidos no processo educacional. Mais do que uma galeria de projetos, a obra oferece aos leitores do campo literário, educacional e pedagógico insumos o suficiente para a elaborações de práticas de ensino que coloquem o estudante como centro, que valorizem a sua integridade e permitam não só amplificação de suas vozes, mas os tornem, também, agentes de transformação a partir da colaboração com a comunidade local.

Referências

BARBOSA, Begma Tavares. Letramento literário: sobre a formação escolar do leitor jovem. Educação em Foco, Juiz de Fora, v. 16, n. 1, p. 145-167, 2011. [ Links ]

KARIM-COOPER, Farah. Shakespeare Through Decolonization. English: Journal of the English Association, v. 70, n. 271, p. 319-324, 2021. [ Links ]

Recebido: 01 de Março de 2023; Aceito: 16 de Março de 2023

Mestranda Laura Ribeiro Araújo, Universidade Federal de Minas Gerais (Brasil), Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários – Literaturas de Língua Inglesa, Orcid id: https://orcid.org/0000-0002-3539-0980, E-mail: lauraribaraujo@gmail.com

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