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Revista Educação em Questão

Print version ISSN 0102-7735On-line version ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.61 no.68 Natal Apr./June 2023  Epub Dec 05, 2023

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2023v61n68id32229 

Artigo

A atuação do jornalismo na construção da legitimidade da participação de duas organizações da sociedade civil nas políticas nacionais de educação

El papel del periodismo en la legitimación de la participación de dos organizaciones de la sociedad civil en las políticas educativas nacionales

Rosangela Carrilo Moreno1 
http://orcid.org/0000-0003-3828-1349

Stephanie Charles Marques Bundai1 
http://orcid.org/0009-0001-7628-0841

1Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil)


Resumo

As organizações da sociedade civil ganharam uma posição legítima para avaliar, analisar e propor políticas nacionais de educação. Interessado em compreender a construção da legitimidade dessas organizações no campo da política, este trabalho aborda um domínio pouco estudado na área de educação, o jornalismo, para indagar a sua participação nesse processo. Para isso, utilizamos como fontes documentais o acervo de três jornais de grande circulação e os relatórios de atividades de duas organizações de grande visibilidade (Todos pela Educação e Campanha Nacional pelo Direito à Educação). Se a análise dos materiais por um lado permitiu verificar o verdadeiro trabalho de construção da imagem de cada organização e de seus representantes como especialistas em políticas de educação nacional, por outro, esses grupos têm buscado nas mídias o apoio para construir sua legitimidade na política, o que não significa que tenham alcançado a mesma visibilidade.

Palavras-chave: Políticas de educação; Jornalismo; Organizações da sociedade civil

Resumen

Las organizaciones de la sociedad civil se han legitimado para evaluar, analizar y proponer políticas nacionales de educación. Interesado en comprender la construcción de legitimidad de esas organizaciones en el campo de la política, este trabajo aborda un dominio poco estudiado en el área de la educación, el periodismo, para indagar su participación en ese proceso. Para ello, utilizamos como fuentes documentales las colecciones de tres grandes periódicos y los informes de actividades de dos organizaciones de gran visibilidad (Todos pela Educação [Todo por la Educación] e Campanha Nacional pelo Direito à Educação [Campaña Nacional por el Derecho a la Educación]). Si el análisis de los materiales por un lado nos permitió comprobar el verdadero trabajo de construcción de la imagen de cada organización y de sus representantes como expertos en políticas nacionales de educación, por otro, esos grupos han buscado apoyo en los medios de comunicación para construir su legitimidad en la política, lo que no significa que hayan alcanzado la misma visibilidad.

Keywords: Políticas educativas; Periodismo; Organizaciones de la sociedad civil

Abstract

Civil society organizations have gained a legitimate position to evaluate, analyze and propose national education policies. Interested in understanding the construction of legitimacy of these organizations in the field of politics, this paper addresses a little studied domain in the field of education, the journalism, to inquire about the way in which it contributes to this process. To this end, we used as documentary sources the collection of three major newspapers and the activity reports of two high-profile organizations (Todos pela Educação [All for Education] e Campanha Nacional pelo Direito à Educação [National Campaign for the Right to Education]). If the analysis of the materials on the one hand allowed us to verify a real work of image building of each organization and its representatives as experts in national education policies, on the other hand, these groups have sought support in the media to build their legitimacy in politics, which does not mean that they have achieved the same visibility.

Keywords Education policies; Journalism; Civil society organizations

Introdução

As organizações da sociedade civil1 vêm ocupando um lugar proeminente nas políticas nacionais de educação, sendo consideradas instituições legítimas para avaliar, analisar e propor as políticas públicas. Em parte, esse protagonismo se deu nos anos 1990, período em que houve o processo de institucionalização jurídica e política da participação das organizações da sociedade civil, como as Organizações Não Governamentais, nas políticas públicas (Landim, 2002; Lima Neto, 2013; Moreno, 2016).

No Brasil, a presença de tais organizações para tratar das políticas educacionais tem sido considerada natural e até mesmo desejável, sendo vistas como um indicativo de democracia. Porém, poucos grupos alcançam essa posição. Para este artigo, escolhemos duas organizações que se declaram como parte da sociedade civil e têm atuado no debate e na agenda das políticas educacionais brasileiras nos últimos anos, sendo essas: Todos pela Educação e Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

O lugar de destaque que essas organizações têm ocupado pode ser visto na participação recente dos seus representantes no comitê de transição do governo Lula na área de educação. Os dois grupos também participaram ativamente de discussões como a Reforma do Ensino Médio, Base Nacional Curricular Comum (BNCC), adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) durante a pandemia, entre outras temáticas referentes à educação nacional.

Geralmente, os estudiosos da área da educação que pesquisam os dois grupos tendem a analisá-los pela perspectiva das políticas públicas, privilegiando uma abordagem sobre as suas ações e os efeitos de sua atuação nas políticas (Araújo, Nascimento, 2020; Cêa, Silva, Santos, 2019; Deitos, 2019; Evangelista; Leher, 2012; Martins, Krawczy, 2018; Santos, 2020; Ribeiro; Klemann; Ribeiro, 2017; Nascimento, 2021; Carreira, 2006).

Neste trabalho buscamos compreender como tais organizações alcançaram legitimidade para serem autorizadas a tratar das políticas nacionais de educação. Apesar de considerarmos que a resposta para tal questão seja complexa e multifacetada, nos debruçamos sobre uma dimensão pouco considerada – a relação do jornalismo na produção de legitimidade de tais organizações e de seus representantes.

Vale lembrar que a autoridade para atuar nesse espaço político era anteriormente conferida, majoritariamente, aos políticos, aos que atuam na administração pública e aos acadêmicos, sendo que a entrada dessas organizações voltadas à educação tornaram as lutas pelas políticas de educação mais complexas.

Consideramos importante reconhecer as formas a partir das quais o jornalismo busca produzir efeitos sobre o campo da política, ao naturalizar a percepção de que essas organizações e seus representantes são porta-vozes legítimos para tratar das políticas nacionais de educação. Afinal, quem eles representam?

A relação entre o jornalismo e seus efeitos no campo da política já foi apontada por teóricos como Bourdieu (2011). No caso dos estudiosos brasileiros, o trabalho de Petraca (2010) mostra como o processo de institucionalização da profissão do jornalismo no Brasil também se tornou uma forma de atuar politicamente. Essa interação entre os meios de comunicação e a política foi observada por cientistas políticos como Miguel (2002). O pesquisador aponta que a produção de capital simbólico por parte da mídia é essencial para a produção de capital político, uma vez que os meios de comunicação possuem a capacidade de dar visibilidade a determinadas temáticas, agendas, além de aumentar o capital político de determinados indivíduos por meio de entrevistas e de suas declarações.

Nessa perspectiva, entendemos que o discurso jornalístico contribui para a naturalização da visão de que essas organizações e seus representantes são os porta-vozes autorizados a falar sobre educação e, por isso, são constantemente convidados para se pronunciarem em jornais de grande circulação e pelos representantes do campo da política. Como aponta Bourdieu:

É um fato social muito importante que atualmente só se possa aceder ao espaço público através da mediação do jornalismo. É preciso escrever para os jornais, aparecer na televisão, participar de debates, escrever livros. Há uma extraordinária concentração de poder nos meios de difusão (Bourdieu, 2011, p. 212).

Se, por um lado, o jornalismo acaba por interferir na produção de certas percepções no campo da política, por outro, também é reconhecido pelos estudiosos da área dos movimentos sociais como uma estratégia de acesso à opinião pública (Granjon, 2009) e àqueles que estão no campo da política (Bourdieu, 2011, p. 209).

Dito de outra forma, considerando a perspectiva de Bourdieu (2000), as próprias organizações operacionalizam um trabalho político de construção de suas imagens e representações. Isso quer dizer que os jornalistas inserem esses grupos e seus representantes em pautas de matérias sobre a educação ao mesmo tempo que estes desejam ocupar espaço na mídia para construir suas próprias imagens e participar das lutas e impor suas visões de mundo no que se refere à educação.

Sendo assim, na busca para responder questões sobre a construção de legitimidade das duas organizações por meio do jornalismo e interrogando a respeito do trabalho político para conquistar a autoridade na mídia e interferir no campo da política, este estudo utilizou como fonte documental (a) o acervo de três jornais de grande circulação (O Globo, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo) e (b) os relatórios de atividades de cada organização.

A busca no acervo dos três jornais teve como critério de seleção o período de 2016 a 2019. Utilizamos como palavras-chave os nomes e sobrenomes dos representantes das duas organizações (Priscila Cruz e Daniel Cara2) na busca, uma vez que a busca pelo nome das organizações não aparece da mesma maneira nos três acervos.

Em um segundo momento, a busca foi ampliada e teve como início o ano de 2000. É importante mencionar que o padrão de busca nesse novo levantamento foi diferente do anterior, pois os representantes não estavam à frente da organização desde sua criação. Em virtude disso, os nomes das organizações foram utilizados como palavras-chave de busca (Todos pela Educação e Campanha Nacional pelo Direito à Educação), além dos nomes dos representantes. No entanto, apenas no acervo do O Estado de S. Paulo apareceram matérias com o nome das organizações.

Ao final, organizamos uma planilha com um quantitativo de 630 matérias, sistematizadas para análise, nos interrogando sobre questões em torno da visibilidade dada pelos jornais aos representantes e às duas organizações, da forma como apresentam e designam cada uma e do mecanismo para a construção de sua autoridade. As discussões sobre esses pontos são apresentadas nos três primeiros itens do texto. O quarto item, por sua vez, está focado na análise dos relatórios das duas organizações da sociedade civil, a fim de explicar o movimento de cada uma delas em direção à mídia, na busca por alcançar sua visibilidade. Foram consultados os relatórios de atividades produzidos por cada organização e disponibilizados virtualmente (período de 2007 a 2021, no caso do Todos pela Educação e, 2019 e 2021, para a Campanha Nacional pelo Direito à Educação3).

A construção de visibilidade e a hierarquização desigual das organizações da sociedade civil

Entendemos que ocupar as páginas de jornais de grande circulação é um indicativo de visibilidade, visto que há todo um processo de seleção de quem e de quais assuntos farão parte das notícias. Sendo assim, consideramos a quantidade de matérias publicadas anualmente no período de 2000 a 2019 como um indicador para entender, sob uma perspectiva longitudinal, tanto a visibilidade de tais organizações da sociedade civil nos jornais quanto o destaque dado às duas organizações.

Considerando o quantitativo de publicações por ano, é possível notar que a partir de 2012 o volume de matérias é muito maior do que nos anos anteriores. Ainda que em alguns anos posteriores à 2012 haja um decréscimo neste quantitativo, os números sempre foram superiores aos anos anteriores à 2011, cuja quantia não chegou a vinte (quadro 1).

Quadro 1 Quantitativo de matérias por palavras chaves/ano 

Palavra de busca 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Total
Daniel Cara 1 1 2 5 9 26 28 35 22 30 23 13 16 211
Priscila Cruz 1 3 10 52 51 25 21 52 48 51 56 370
Campanha Nacional pelo Direito à Educação 1 1 2 4
Todos pela Educação 7 12 11 15 45
Total geral 1 1 7 14 14 17 8 19 78 79 60 43 82 71 64 72 630

Fonte: Elaboração das autoras

Vale notar que cada organização surgiu em anos diferentes – a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação foi fundada em 1999, enquanto a Todos Pela Educação, em 2006. Apesar dessa diferença, as duas organizações começaram a aparecer nas matérias jornalísticas com apenas dois anos de diferença, uma vez que a Campanha possui matérias que datam de 2004, enquanto a Todos pela Educação surge no noticiário desde o ano de sua fundação, 2006 (quadro 1). Independente de quando cada organização passa a ser incluída nas páginas de jornais, a frequência de ambas aumenta efetivamente a partir de 2012.

É bastante comum encontrar em uma mesma matéria a fala das duas organizações, pois são chamadas frequentemente a dar seus pontos de vista sobre uma mesma temática. Entretanto, isso não significa que elas tenham a mesma visibilidade. Ainda que ambas tenham aparecido ao longo dos anos nas páginas dos três jornais, a quantidade de matérias é significativamente diferente entre as duas organizações e seus representantes, especialmente após o ano de 2016 (quadro 1), período cujas temáticas mais presentes eram sobre dois assuntos bastante polêmicos: a reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Curricular Comum. Nesses temas, a Todos Pela Educação e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação mostraram, muitas vezes, posições distintas sobre os assuntos.

Comparativamente, há mais publicações com a Todos pela Educação do que com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação (quadro 1), o que permite afirmar que a visibilidade dada a cada uma e aos seus pontos de vistas são diferentes.

Nos 630 textos encontrados, em 211, aparece o nome “Daniel Cara” na busca e em 4 surge “Campanha Nacional Pelo Direito à Educação”. As matérias encontradas com o termo “Priscila Cruz” somaram 370 e “Todos Pela Educação”, 45. Isso significa que a Todos pela Educação, seja como organização, seja na figura do seu representante, ocupou mais de 65% das matérias dos acervos jornalísticos (quadro 1).

Quando comparamos a quantidade de matérias por ano da Todos pela Educação com as da Campanha Nacional pelo Direito à Educação no acervo de cada jornal (quadro 2), vemos que é no O Estado de S. Paulo que há o maior protagonismo da Todos pela Educação, pois é nele que há um total maior de matérias publicadas sobre a instituição (195). O lugar de destaque que o jornal dá à Todos pela Educação é percebido desde sua fundação (em 2006), o que não ocorreu com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Quadro 2 Quantitativo de matérias por jornal/organização/ano 

Jornal Organização 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Total
Estadão Campanha Nacional pelo Direito à Educação 1 1 3 2 5 3 5 13 11 10 10 5 69
Todos pela Educação 7 13 11 15 2 4 20 25 6 10 20 21 19 22 195
Total 1 1 7 13 14 17 7 7 25 38 17 20 30 26 19 22 264
Folha de São Paulo Campanha Nacional pelo Direito à Educação 2 7 3 4 3 6 6 7 12 50
Todos pela Educação 1 14 10 5 4 18 14 14 18 98
Total 3 21 13 9 7 24 20 21 30 148
O Globo Campanha Nacional pelo Direito à Educação 1 4 14 12 20 9 14 12 6 4 96
Todos pela Educação 1 5 18 16 14 7 14 13 18 16 122
Total 1 1 9 32 28 34 16 28 25 24 20 218
Total geral 1 1 7 14 14 17 8 19 78 79 60 43 82 71 64 72 630

Fonte: Elaboração das autoras

O Estado de S. Paulo anunciou em uma matéria:

Empresários e educadores defenderam ontem, durante o lançamento do movimento Todos Pela Educação, que 5% do Produto Interno Bruto (PIB) seja destinado para o ensino básico brasileiro. [...] O compromisso Todos Pela Educação é formado pelo conjunto dos maiores empresários do país. Ontem, eles divulgaram cinco metas que devem ser atingidas até 2022 - ano em que se comemora o bicentenário da Independência (Cafardo, 2006, p. 18).

O anúncio do surgimento da Todos pela Educação é mais uma demonstração de que o jornal atua em parceria com a organização da sociedade civil, formada preponderantemente por empresários.

Essa aliança permaneceu ao longo do tempo, haja vista que em 2020 encontramos no Instagram da Todos pela Educação a publicação de diversos materiais de divulgação dos eventos intitulados “Diálogos: Educação Já”. Nesses materiais, a logomarca do jornal O Estado de S. Paulo está ao lado da logo da Todos pela Educação, indicando que esses grupos estavam promovendo os eventos juntos. Tais atividades tinham por finalidade debater os projetos de educação dos candidatos à prefeitura de São Paulo, o que parece indicar que a coalizão entre as empresas jornalísticas e as organizações da sociedade civil funcionam como um dos mecanismos de atuação de ambos no campo da política.

Desde os primeiros anos da fundação da Todos pela Educação, a relação com as empresas de jornalismo foi priorizada, seja pela aproximação da organização com alguns jornalistas, seja pelas parcerias com grandes redes de comunicação de massa. Vale considerar que José Roberto Marinho, acionista do Grupo Globo, é sócio fundador da instituição e foi coordenador da comissão de comunicação, o que mostra a Todos pela Educação se constitui pensando na dimensão dos meios de comunicação de massa como atuação política (Moreira, 2013).

De acordo com Miguel (2002), os meios de comunicação são uma esfera de representação política e um espaço de luta pela construção e legitimação das representações do mundo social, podendo estar associados a determinados grupos e interesses específicos. Assim, o predomínio da Todos pela Educação no discurso jornalístico também possui relação com o fato das representações e concepções mobilizadas pela organização corresponderem aos interesses tanto de certos grupos da mídia, como é o caso do Grupo Globo, quanto de certos grupos do jornalismo, como é o caso de O Estado de S. Paulo que sempre deu maior visibilidade à Todos pela Educação e seus representantes no que se refere à temática das políticas de educação nacional.

Notamos assim que, no caso da Todos pela Educação, há um entrelaçamento entre o campo político, econômico e midiático. Isso porque a organização conta com diversos empresários brasileiros, que possuem alto capital econômico. Trata-se de uma organização que pode ser entendida, conforme a perspectiva de alguns estudiosos, como parte dos aparelhos privados de hegemonia empresarial (Fontes, 2020). No entanto, “[...] a colonização da empresa de mídia pela lógica econômica não ocorre na forma da luta pelo mercado, mas na busca deliberada de determinados resultados políticos” (Miguel, 2002, p. 181). Ou seja, o grupo não utiliza o seu capital econômico para participar de lutas do campo econômico, mas, sim, para influir nas lutas no espaço político.

A linguagem na construção da representação política: o poder de nomear grupos

Se o jornalismo é um espaço de luta pela construção e legitimação das representações do mundo social, é por meio da linguagem que encontramos algumas de suas batalhas. Bourdieu (2008) considera que:

[...] não existem palavras neutras [...], pois elas [...] recebem amiúde sentidos diferentes, por vezes opostos, segundo as classes [...], e na visão de que a “linguagem neutralizada” estabelece [...] um consenso prático entre agentes ou grupos de agentes dotados de interesses parcial ou totalmente diferentes; quer dizer, [...] no campo da luta política legítima, mas também nas transações e interações da vida cotidiana [...] (Bourdieu, 2008, p. 26).

Assim, decidimos nos interrogar sobre a maneira pela qual os jornais constroem a representação dessas duas organizações, analisando como eles as caracterizam e as apresentam.

Nessa perspectiva cabe refletirmos sobre o próprio uso dos termos que mobilizamos neste texto para tratar as duas organizações em questão. Do ponto de vista acadêmico, buscamos enquadrar esse trabalho nos estudos sobre a participação das organizações da sociedade civil nas políticas educacionais, inicialmente pensando especificamente sobre as Organizações Não Governamentais (ONGs)4 e, por isso, escolhendo como objeto de estudo a Todos pela Educação e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Do ponto de vista jurídico, tais grupos são registrados como associações. Entretanto, reconhecendo que o termo ONG: (i) não é uma nomenclatura jurídica, apesar de amplamente difundida ao redor do mundo, especialmente, por organismos multilaterais (Ladim, 2002; Buclet, 2004), que, (ii) é uma terminologia que agrega um conjunto heterogêneo de organizações (Teixeira, 2003; Moreno, 2016) e (iii) que se trata de um vocabulário que vem sendo pouco empregado em publicações acadêmicas5, optamos por utilizarmos no texto o termo organizações da sociedade civil, grupos (de interesse)6 ou pelo próprio nome de cada instituição. Reconhecendo, inclusive, que o termo sociedade civil é alvo de disputas e lutas pelo seu significado.

Vale observar que os dois grupos se apresentam como organizações da sociedade civil. Um conjunto bastante heterogêneo de associações é agrupado nessa nomenclatura, o que gerou estudos em busca de uma melhor compreensão dessa diversidade (Ipea, 2018; Mello, Pereira, 2023).

A Todos pela Educação também se reconhece como uma Organização Não Governamental (ONG), o que pode ser constatado pelo prêmio que recebeu em 2019 de “Melhor ONG do ano”. Já a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, ainda que não se declare como uma ONG, ou divulgue sua imagem como tal, se apresenta como fundadora da Campanha Global pela Educação7, uma organização que nasce da articulação de várias organizações da sociedade civil do mundo todo, em nome da defesa e da promoção da educação enquanto um direito humano básico. Essa forma de atuação que se articula internacionalmente é um modelo bastante difundido de atuação das ONGs (Buclet, 2004).

Apesar dos termos e qualificações para a sua atuação nas lutas políticas, notamos por meio dos dados coletados no acervo dos três jornais, que o jornalismo operacionalizou um verdadeiro trabalho de construção de autoridade dessas organizações citando apenas os seus nomes, ao invés de vinculá-las a representações da sociedade civil ou enquadrá-las em alguma denominação como, por exemplo, ONGs.

Na maior parte das matérias dos jornais, as organizações são apresentadas pelos seus próprios nomes (339 de um total de 5808, sendo 157 referentes à Todos pela Educação e 182, à Campanha Nacional pelo Direito à Educação). Isso não significa que em algumas matérias elas não tenham sido vinculadas a uma denominação específica (237 matérias vinculam a Todos pela Educação a alguma caracterização e 4 reportagens fazem o mesmo em relação à Campanha Nacional pelo Direito à Educação). No caso da Todos pela Educação, foi registrada uma maior variabilidade no que concerne às formas de menções, totalizando onze, são elas: movimento (152), ONG (63), compromisso (5), instituto (4), movimento e compromisso (3), movimento e ONG (1), organização (3), organização da sociedade civil (2), programa (1), projeto (1), entidade (1) e grupo (1). No caso da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a organização contou com três termos: entidade (2), organização da sociedade civil (1), e rede (1).

A variedade de denominações utilizadas para qualificar a Todos pela Educação parece indicar que a organização é vista de diversas maneiras, uma vez que é qualificada por um vocabulário fluido, bastante genérico, mas com certa aceitabilidade (“compromisso”, “movimento”, “programa”, “projeto” são bons exemplos). Por outro lado, temos a Campanha Nacional pelo Direito à Educação que contou com um número reduzido de qualificações. Apesar da constatação da diferença, ambas as organizações não tiveram nenhuma qualificação adicionada aos seus respectivos nomes na maioria das matérias. Esses dados indicam que, apesar dessas organizações serem registradas como associações, a sua força e legitimidade são construídas no discurso jornalístico a partir de seus nomes.

Por meio da linguagem utilizada, os jornais mostram que as duas organizações são consideradas legítimas para tratar das políticas públicas de educação, independentemente dos “rótulos” a elas atribuídos a exemplo de organizações da sociedade civil, ONGs ou associações. A força e legitimidade de cada organização se dá por meio dos seus nomes próprios, de modo que são autorizadas a falar, a avaliar e a propor políticas públicas de educação, ainda que não sejam instituições governamentais ou acadêmicas.

Mas se a autoridade dessas organizações não é associada nos jornais ao pertencimento à sociedade civil – termo amplamente difundido pelo Estado brasileiro para realizar parcerias a que podemos atribuir tal legitimidade?

Expertise como capital de legitimação

Se os jornais têm dado visibilidade à essas duas organizações, construindo o seu reconhecimento pelos seus nomes, parte dessa legitimidade é atribuída à sua capacidade de responder aos temas educacionais utilizando recursos de produção de dados e pesquisas na área. Nas páginas dos jornais, as propostas de políticas, opiniões e avaliações se dão a partir do resultado de pesquisas e trabalhos realizados por cada organização.

Essa característica de atuação das duas organizações é igual em ambas, ainda que muitas vezes elas tenham perspectivas distintas sobre a educação. Uma das estratégias de atuação da Campanha Nacional pelo Direito à Educação é a produção de conhecimento, entendida como “produção de subsídio técnico e político às ações por meio da realização de pesquisas de opinião; produção e sistematização de informações, análises e notas técnicas; produção e edição de cadernos e livros, bem como outros materiais”9. A Todos pela Educação utiliza o termo “advocacy” para “produzir conhecimento e elaborar propostas” por meio de uma atuação “estrategicamente eficaz”, nesse sentido produzem dados para o “monitoramento de resultados e de processos de implementação das políticas educacionais”, sendo essa a maneira “de aprofundar diagnósticos e alimentar a produção de conhecimento”10.

Sob a justificativa de um conhecimento técnico, mobilizando o vocabulário científico, essas organizações impõem sua autoridade e legitimidade. Entretanto, são os representantes de cada grupo que dão vida a essas ideias nas matérias jornalísticas, o que os torna porta-vozes legítimos para falar sobre as políticas nacionais de educação.

Daniel Cara, que ocupou o cargo de coordenador geral na Campanha Nacional pelo Direito à Educação, e Priscila Cruz, que é presidente executiva da Todos pela Educação, são chamados constantemente a emitir opiniões, avaliações e apresentarem propostas sobre a educação representando tais organizações.

Dessa forma, entendendo que discurso jornalístico, como parte da mídia, se configura como construção da legitimidade, analisamos a maneira pela qual as matérias apresentam tais representantes. Na grande parte das matérias (534), os representantes são tratados pelos seus cargos. Em um menor número, os representantes também são designados como especialistas (46), o que parece indicar, por um lado, que a sua força está diretamente associada ao nome da instituição e, por outro lado, esta se vale das credenciais desses indivíduos para alimentar sua legitimidade.

No caso da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em ciência política e bacharel em ciências sociais pela mesma Universidade, carregando consigo altas credenciais acadêmicas. Participou como membro-titular do Conselho Nacional da Juventude11 (2005-2007), circulando no universo das políticas públicas. Foi membro-titular do Fórum Nacional de Educação12 (2010-2016) do Comitê Diretivo da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação13 (2009-2012), sendo uma pessoa reconhecida nacional e internacionalmente pela atuação engajada no universo das associações. Também foi colunista do UOL Educação (2012-2018) e teve um blog na Revista Educação (2010-2012), participando do espaço midiático. Por suas ações em nome da promoção e da defesa da educação, foi reconhecido pelo poder público, ganhando, em 2015, o prêmio Darcy Ribeiro de Educação14. Em 2018, se apresentou como candidato ao senado pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), indicando o interesse na política profissional. Desde março de 2020, se tornou professor na USP, quando deixou o cargo de coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, em que trabalhava desde junho de 2006.

Como podemos ver, mais do que as credenciais acadêmicas tanto nas ciências sociais e ciência política quanto na educação, Daniel Cara é um indivíduo multiposicionado, que circulou em diversos espaços, desde o universo militante por meio do engajamento associativo, alcançando posições em cadeiras de debate das políticas públicas como representante da sociedade civil, chegando mais tarde a concorrer um cargo na política profissional. Vale notar que já atuava como colaborador ativo na mídia desde 2010, ocupando a posição de colunista em um meio de comunicação de grande visibilidade de 2012 a 2018, período que coincide com a maior presença de matérias sobre essas organizações nos jornais pesquisados.

Já no caso da presidente executiva da Todos pela Educação, Priscila Cruz é mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School of Government, graduada em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e em direito pela Universidade de São Paulo (USP). Ainda que a sua maior diplomação seja o mestrado, ela o cursou em uma instituição internacional altamente prestigiada. No mundo associativo, foi fundadora e coordenadora geral do Instituto Faça Parte15 (2002-2006), membro da Fundação Itaú de Educação e Cultura16 e do Instituto Rodrigo Mendes17, todas instituições vinculadas ao setor empresarial, além do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo. Suas credenciais internacionais também vieram de instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU), onde se tornou coordenadora do Ano Internacional do Voluntário18 no Brasil (2001). Em instituições públicas, é membro dos Conselhos do Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça19 (DPJ/CNJ). Academicamente, também faz parte do Grupo de Estudos de Educação do Instituto de Estudos Avançados da Unicamp, do Centro de Estudos de Educação e Inovação em Educação da FGV/RJ e do Instituto Singularidades20. Por sua atuação, ganhou o prêmio Darcy Ribeiro de Educação, em 2012.

Ainda que ambos os representantes tenham credenciais acadêmicas, uma atuação engajada no mundo associativo, com participação em espaços da administração pública, e circulação em espaços internacionais, a formação distinta de cada um posiciona-os em circuitos distintos. No caso de Priscila Cruz, uma formação em direito, especialmente em administração, coloca-a em uma perspectiva alinhada à visão do mundo empresarial, razão pela qual sua atuação na Todos pela Educação e demais grupos associativos está estreitamente vinculado ao setor empresarial e financeiro. Já no caso do Daniel Cara, sua formação em ciências sociais, aliada a um engajamento em grupos associativos, coloca-o em um circuito vinculado ao mundo das mobilizações sociais.

Apesar das diferenças, ambos os representantes foram chamados pelos jornais, assinando matérias sobre diversas temáticas educacionais. De 580 matérias, 500 foram assinadas pelo jornal e 80, pelos representantes das organizações. Mesmo não sendo um número expressivo, ter matérias assinadas diretamente pelas figuras de seus representantes evidencia a legitimidade das opiniões veiculadas por essas organizações (quadro 3).

Quadro 3 Quantitativo de matérias assinadas pelo jornal ou pelo representante de cada organização 

Assinatura do texto Campanha Nacional pelo Direito à Educação Todos pela Educação Total
Jornal 176 324 500
Representante 10 70 80
Total 186 394 580

Fonte: Elaboração das autoras

Uma análise mais detalhada sobre as páginas dos jornais mostra que, além do espaço dado aos representantes – seja assinando, seja emitindo suas posições nas matérias – todos os jornais promoveram eventos nos quais Priscila Cruz e Daniel Cara estiveram presentes, legitimando, mais uma vez, as suas opiniões.

Foi possível contabilizar um total de 8 eventos, entre os anos de 2016 e 2019, que contaram com a presença de Priscila Cruz, e apenas um com Daniel Cara, reforçando que as empresas jornalísticas privilegiaram uma das organizações em detrimento da outra (quadro 4). O único evento (Educação 360°) que Daniel Cara participou, em 2018, foi ao lado de Priscila Cruz.

Quadro 4 Eventos e temas organizados por jornais 

Ano Jornal Evento Tema Representante
2016 Folha de S. Paulo Inovação Educativa Reforma do Ensino Médio Priscila Cruz
2017 Folha de S. Paulo Inovação Educativa Formação docente Priscila Cruz
2018 Folha de S. Paulo Inovação Educativa Modelos de Ensino Priscila Cruz
2017 O Estado de S. Paulo Fórum Estadão Reforma do Ensino Médio Priscila Cruz
2018 O Estado de S. Paulo Fórum Estadão SAEB Priscila Cruz
2018 O Globo E agora, Brasil? Investimento em educação Priscila Cruz
2018 O Globo Educação 360° Jovens e mercado de trabalho Priscila Cruz
2019 O Globo Educação 360° Tecnologia e Novo Ensino Médio Priscila Cruz
2018 O Globo Educação 360° BNCC Daniel Cara

Fonte: Elaboração das autoras

Como pode ser observado no quadro 4, várias dessas atividades abordaram assuntos relativos às políticas educacionais da educação básica e geraram grandes debates públicos na época. A reforma do ensino médio é um exemplo.

No “Fórum Estadão” (edições 2017 e 2018) Priscila Cruz debateu, respectivamente, as mudanças derivadas da reforma do ensino médio e os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB). No evento “E agora, Brasil?” (2018), do jornal O Globo, Priscila Cruz debateu o impacto do investimento em educação no desenvolvimento econômico. No evento “Educação 360º”, (edição 2018 e 2019), do mesmo jornal, a representante da Todos pela Educação debateu acerca da preparação dos jovens para o mercado de trabalho e o papel da tecnologia na implementação do novo ensino médio. Já no evento “Inovação Educativa” (edição 2016, 2017 e 2018) promovido pelo jornal Folha de S. Paulo, a presidente executiva participou dos seguintes debates: Papel do professor a partir da reforma do ensino médio, Dicotomia entre teoria e prática na formação do professor, e Modelos de “Ensino Inovadores”. Nota-se um debate sobre educação muito mais voltado para o mercado de trabalho e desenvolvimento econômico. Daniel Cara, por sua vez, no evento “Educação 360º” (edição 2018), debateu os principais efeitos da BNCC na alfabetização e nos modelos de avaliação, numa perspectiva humanista.

Assim como já vimos anteriormente, os eventos organizados pelos jornais dão maior protagonismo à Todos pela Educação e Priscila Cruz.

Além da participação em eventos, os representantes foram indicados a prêmios também promovidos pelos jornais. Em 2012, Priscila Cruz foi indicada e ganhou o Prêmio Jovens Lideranças, promovido por O Estado de S. Paulo. O representante da Campanha, Daniel Cara, em 2013, foi indicado ao “Prêmio Faz Diferença”, promovido pelo O Globo, na categoria educação, reconhecendo a importância deste interlocutor, ainda que ele não tenha sido vencedor.

O que notamos é que esse espaço de entrada de algumas organizações nas políticas públicas nacionais de educação exige a presença de indivíduos e grupos que tenham altas credenciais acadêmicas, um espaço de atuação multiposicionado na política, desde o mundo associativo até a administração pública.

Os três jornais operacionalizaram um verdadeiro trabalho de construção da autoridade e legitimidade dessas duas organizações e de seus representantes, seja dando maior destaque aos nomes das instituições, seja convocando seus representantes para assinarem matérias, participarem de eventos ou serem indicados às premiações. Ao mesmo tempo, esse trabalho dos jornais na construção de autoridade e legitimidade das duas instituições também vai ao encontro do desejo delas em galgar tal posição.

Os relatórios de atividades das duas organizações demonstram esse movimento. Ambas contabilizam em seus relatórios os quantitativos de quanto aparecem nos meios de comunicação, desde matérias de jornais até na televisão e no rádio, assim como registram o alcance de suas divulgações por meio de visitas ao site, e publicações nas redes sociais, como Facebook, Twitter, Instagram, Youtube, Linkedin e Telegram. O esforço dessas duas organizações mostra a importância que a mídia ocupa para que possam participar das batalhas no campo da política, sem que sua presença seja questionada.

Considerações finais

A análise dos materiais permitiu verificar que os grandes jornais realizam um verdadeiro trabalho de construção da imagem de cada organização e de seus representantes como especialistas em políticas de educação nacional. A frequência que as organizações ganham nas páginas dos jornais ao longo do tempo, o vocabulário utilizado para tratar de cada grupo e seus representantes, além dos eventos e prêmios organizados pelos jornais com a presença dos representantes indicam a maneira como os jornais tornam a presença dessas instituições naturais e legítimas no cenário das políticas nacionais de educação.

Tal legitimidade está, em parte, assentada nas características sociais e redes de circulação dos representantes, indicando altas credenciais em espaços destinados à elite, tais como os espaços internacionais, as credenciais acadêmicas, a atuação no universo associativo e na administração pública. Essa similaridade não apaga as diferenças entre as organizações, que possuem circuitos e posições distintas. Daniel Cara e a Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, fazem parte de uma rede ligada aos movimentos sociais, enquanto Priscila Cruz e a Todos pela Educação se inserem no circuito empresarial.

Essas diferenças fazem com que os grupos não tenham a mesma visibilidade nas páginas dos jornais, como podemos ver ao longo do texto. A relação bastante intrínseca entre o Todos Pela Educação e diversos meios de comunicação, entre eles O Estado de S. Paulo, mostra que não é ao acaso que essa organização ocupe as páginas dos jornais com maior frequência.

Notas

1Compreendemos que o termo variou de sentido e de perspectiva ao longo do tempo e recentemente se tornou um mercado de crescente representação nacional e internacional (Offerlé, 2003). Nosso interesse está no uso mais recente do termo, cujas disputas pelo significado estão associadas aos distintos projetos de construção democrática no Brasil a partir dos anos 1980 (Dagnino, 2004).

2Daniel Cara foi coordenador-geral da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação de junho de 2006 a março de 2020. Atualmente, a organização é coordenada por Andressa Pellanda. Disponível em: <https://campanha.org.br/> Acesso em: 20 ago. 2021.

3Os anos dos relatórios de atividades de cada organização que foram analisados são distintos em virtude dos materiais disponibilizados por cada instituição.

4A princípio, consideramos que tais associações, que se denominam organizações da sociedade civil, poderiam ser vistas como ONGs, uma vez que atuam em nome e em defesa da educação, tanto no espaço nacional quanto internacional, mobilizando uma larga rede de relações nestes dois espaços, inclusive são reconhecidas como ONGs por organizações como a UNESCO e a Unicef.

5Estudos realizados (Nascimento; Moreno, 2021) identificaram a diminuição de artigos publicados que incluem o termo ONG para se referir às organizações da sociedade civil que participam das políticas públicas.

6Optamos por chamar essas organizações de grupos, seguindo o entendimento de Offerlé (1998, p. 44) sobre grupos de interesse. Para o autor “[...] se o grupo de interesses for produzido pelos interesses de uma comunidade, é também – ou mesmo principalmente – um produtor, um formador desses interesses e da comunidade”.

7Coalizão internacional de grupos que atuam em campanhas nacionais de educação em seus respectivos países, tendo como objetivo defender e promover a educação enquanto um direito humano básico. Disponível em: <https://campanha.org.br/quem-somos/a-campanha/> Acesso em: 28 out. 2021.

8Vale observar que a partir deste item não conseguimos analisar qualitativamente as matérias dos anos de 2014 e 2015 do acervo O Globo, em razão de um problema de acesso ao site. Sendo assim, das 630 matérias quantitativamente analisadas, apenas 580 contaram com a análise qualitativa.

9Informações extraídas do site: <https://campanha.org.br/o-que-fazemos/estrategias-de-atuacao/> Acesso em: 21 mar. 2023.

11Criado em 2005 pela Lei 11.129 possui, entre as suas atribuições, a proposição e a formulação de diretrizes são voltadas para as políticas públicas de juventude. Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/juventude/conjuve>. Acesso em: 29 mar. 2022.

12Espaço de interlocução entre a sociedade civil e o Estado brasileiro. Possui caráter permanente e foi criado pela Portaria n.º 1.407 de 14 de dezembro de 2010 do Ministério da Educação. Entre as atribuições do Fórum, há a sua participação no processo de concepção, implementação e avaliação da política nacional de educação. Disponível em: <https://fne.mec.gov.br/#ancora>. Acesso em: 29 mar. 2022.

13É uma rede plural de organizações da sociedade civil, que atua em 18 países da América Latina e do Caribe. Procura defender o direito humano a uma educação transformadora, pública, laica e gratuita para todos e todas. Disponível em: <https://redclade.org/pt-br/o-que-e/>. Acesso em: 29 mar. 2022.

14Concede menção honrosa e outorga de medalha a pessoas/entidades cujos trabalhos merecem especial destaque na defesa e promoção da educação no Brasil. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/ce/outros-documentos/premiodarcyribeiro>. Acesso em: 18 out. 2021.

15Organização não governamental que atua formalmente, desde 2018, nos segmentos da educação especial e inclusiva, educação indígena, geologia, agroecologia, permacultura, agricultura familiar e sustentabilidade. Disponível em: <https://institutofacaparte.com.br/sobre/>. Acesso em: 19 abr. 2022.

16Ligada ao Itaú Unibanco, a Fundação objetiva promover a educação, a cultura, a assistência social, a defesa e a garantia de direitos, além do fortalecimento da sociedade civil. Disponível em: <https://fundacaoitau.org.br/ >. Acesso em: 29 mar. 2022.

17Organização sem fins lucrativos cujo objetivo é contribuir para a educação inclusiva. Disponível em: <https://institutorodrigomendes.org.br/#nos>. Acesso em: 29 mar. 2022.

18Em 2001, a ONU instituiu o ano internacional do voluntário, visando a despertar a sociedade e a mobilizar as pessoas, grupos e instituições sociais para o compromisso de cada um para a solução dos problemas sociais. Disponível em: <https://www.pucsp.br/voluntario/projeto.htm#:~:text=2001%20foi%20o%20ano%20internacional,dos%20problemas%20sociais%20do%20pa%C3%ADs>. Acesso em: 19 abr. 2022.

19Instituição pública cujo objetivo é aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/sobre-o-cnj/quem-somos/>. Acesso em: 29 mar. 2022.

20Criado em 2011, oferece cursos de graduação/licenciatura; cursos de pós-graduação lato sensu; extensão universitária e cursos on-line, todos focados na área de educação. Disponível em: <https://institutosingularidades.edu.br/sobre-nos/>. Acesso em: 29 mar. 2022.

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Recebido: 07 de Abril de 2023; Aceito: 06 de Julho de 2023

Prof.ª Dr.ª Rosangela Carrilo Moreno, Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil), Faculdade de Educação, Grupo LIEJA (Laboratório de Investigação, Ensino e Extensão em, Educação de Jovens e Adultos), Orcid id: 0000-0003-3828-1349, E-mail: romorenoufrj@gmail.com

Stephanie Charles Marques Bundai, Curso de Pedagogia, Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil), Grupo LIEJA (Laboratório de Investigação, Ensino e Extensão em, Educação de Jovens e Adultos), Orcid id: 0009-0001-7628-0841, E-mail: stef22.char@gmail.com

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