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Revista Educação em Questão

versão impressa ISSN 0102-7735versão On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.61 no.68 Natal abr./jun 2023  Epub 05-Dez-2023

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2023v61n68id32752 

Artigo

Aprender a fazer e fazer para aprender: o modelo escola-fazenda implantado na rede federal de ensino agrícola profissional (1967 a 1986)

Aprender a hacer y hacer para aprender: el modelo escuela-granja implantado en la red federal de enseñanza agrícola profesional (1967 a 1986)

Aristela Arestides Lima1 
http://orcid.org/0000-0003-3038-0422

Joaquim Tavares da Conceição2 
http://orcid.org/0000-0002-8826-8137

1Instituto Federal de Sergipe (Brasil)

2Universidade Federal de Sergipe (Brasil)


Resumo

Este artigo apresenta compreensões históricas a respeito do modelo escola-fazenda implantado na rede federal de ensino agrícola profissional (1967-1986). A pesquisa historiográfica centrou-se em identificar, levantar e transformar em fontes documentos legislativos, manuais, diretrizes curriculares, material didático, entre outros, produzidos pelo Ministério da Educação e por colégios agrícolas. Elege como parâmetro a pesquisa documental e marca intersecções entre a teoria do capital humano e o modelo educacional. Também analisa os pressupostos curriculares e organizacionais, além do funcionamento dos colégios agrícolas, segundo o modelo escola-fazenda. Entendeu-se que as diretrizes do ensino profissional agrícola, implementadas por meio do modelo escola-fazenda para a formação do técnico em agropecuária, emanadas da Coordenação Nacional do Ensino Agropecuário, estavam fundamentadas na tríade ensino/trabalho/produção e visavam a formar técnicos capacitados para contribuir com a modernização do setor agrícola e do meio rural.

Palavras-chave: Colégios Agrícolas; Ensino profissional agrícola; Escola-fazenda; História da Educação

Resumen

Este artículo presenta comprensiones históricas con relación al modelo escuela-granja implantado en la red federal de enseñanza agrícola profesional (1967-1986). La investigación historiográfica se centró en identificar, levantar y transformar en fuentes documentos legislativos, manuales, plan de estudios, material didáctico, entre otros, producidos por el Ministerio de Educación y los colegios agrícolas. Elige como parámetro la investigación documental y marca intersecciones entre la teoría del capital humano y el modelo educacional. También analiza los presupuestos curriculares y organizativos, así como el funcionamiento de los colegios agrícolas según el modelo escuela-granja. Se entendió que las directrices de enseñanza profesional agrícola, implementadas por medio del modelo escuela-granja para la formación del técnico en agropecuaria, emanadas de la Coordinación Nacional de Enseñanza Agropecuaria, estaban fundamentadas en la tríada enseñanza/trabajo/producción y tenían como objetivo formar técnicos capaces de contribuir con la modernización del sector agrícola y del medio rural.

Palabras clave: Colegios Agrícolas; Enseñanza profesional agrícola; Escuela-granja; Historia de la enseñanza

Abstract

This article presents historical understandings regarding the school-farm model implemented in the federal professional agricultural education network (1967-1986). The historiographical research focused on identifying, collecting, and transforming into sources legislative documents, manuals, curricular guidelines, didactic material, among others, produced by the Ministry of Education and agricultural schools. It chooses documentary research as a parameter, and marks intersections between the theory of human capital and the educational model. It also analyses the curricular and organizational assumptions, as well as the functioning of agricultural schools, according to the school-farm model. It is understood that the results indicate that the guidelines for professional agricultural education, implemented through the school-farm model for the training of agricultural technicians, issued by the National Coordination of Agricultural Education, were based on the teaching/working/producing triad, and aimed to train technicians capable of contributing to the modernization of the agricultural sector and the rural environment.

Keywords Agricultural Schools; Agricultural professional education; School-farm; History of Education

Introdução

Este artigo apresenta compreensões históricas a respeito do modelo denominado “escola-fazenda” implantado na rede federal de ensino agrícola profissional, especialmente no período de 1967 a 1986, destacando as intersecções do modelo educacional com a teoria do capital humano, os pressupostos de organização e o funcionamento da escola-fazenda e as propostas curriculares emanadas do Ministério da Educação. A investigação apresenta como marco inicial o ano de 1967, data da transferência (Brasil,1967) da rede federal de ensino profissional agrícola, do Ministério da Agricultura para o Ministério da Educação, e da reconfiguração desse ensino dentro dos princípios do modelo escola-fazenda. E, como data limite desta pesquisa, foi estabelecido o ano de 1986, quando ocorreu a extinção da Coordenação Nacional do Ensino Agropecuário/COAGRI (Brasil, 1986), órgão do MEC criado no ano de 1973 para administrar e acompanhar o mencionado modelo.

A Coordenação Nacional do Ensino Agropecuário (COAGRI) foi o principal órgão do Ministério da Educação que conduziu a implantação do modelo político-pedagógico denominado escola-fazenda em toda a rede federal de ensino agrícola. A COAGRI funcionou como uma agência do governo autoritário – resultante da ditadura civil-militar que governava o Brasil no período –, garantindo a centralização e uniformização das diretrizes e orientações político-pedagógicas da escola-fazenda para os colégios agrícolas federais (Lima, 2021). O período de consolidação do modelo escola-fazenda para muitas escolas da rede federal ocorreu a partir do ano de 1976, após a atuação da COAGRI. Nesse ano, todos os 23 colégios agrícolas federais – posteriormente denominados de escolas agrotécnicas federais – deveriam seguir as diretrizes do modelo escola-fazenda (Brasil, 1976a.)

A pesquisa documental centrou-se em identificar, levantar e transformar em fontes documentos legislativos, manuais, diretrizes curriculares, material didático, entre outros, produzidos pelo MEC e por colégios agrícolas. O levantamento da documentação ocorreu em arquivos e/ou acervos físicos e digitais: INEP-CIBEC, Arquivo Nacional de Brasília, Ministério da Educação, e acervo do Instituto Federal de Sergipe/Campus São Cristóvão. A pesquisa também levantou referências abalizadas a respeito de configurações históricas do ensino agrícola (Mendonça, 1997; Nascimento, 2004; Conceição, 2012; Nery, 2019) e referências que apresentam interpretações a respeito do modelo escola-fazenda (Tavares, 1992; Rodrigues, 1999; Miranda, 2011).

A partir da categoria “representação” identificaram-se, no período estudado, as articulações do modelo escola-fazenda com o projeto de modernização tecnológica e de desenvolvimento rural no Brasil. Observou-se também a participação da COAGRI no processo de implantação do modelo escolar e no acompanhamento da rede de ensino profissional agrícola. Partindo-se dessas articulações e processos, pode-se “[...] compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio” (Chartier,1990, p. 17).

Isso posto, destaca-se que o artigo ainda comporta quatro subdivisões, além dos aspectos introdutórios. Na primeira, intitulada Modelo escola-fazenda: Educação, trabalho e produção, são discutidos os contornos relacionados com as apropriações da teoria do capital humano na idealização do modelo escola-fazenda; na segunda, intitulada Pressupostos de organização e funcionamento da escola-fazenda, são destacadas as finalidades do modelo relacionadas com a formação de técnicos agrícolas de nível médio e ainda os investimentos na infraestrutura geral das escolas e as exigências de contrapartida por sua parte, além da ênfase na formação dos profissionais que atuavam nos colégios agrícolas; na terceira parte, denominada Modelo escola-fazenda e as propostas curriculares para a formação profissional agrícola, são enfatizados os aspectos da organização curricular do modelo escola-fazenda, apresentando sua constituição pela integração de quatro dimensões da escola-fazenda: Sala de aula, Laboratório de Prática e Produção (LPP), Programa Agrícola Orientado (PAO) e a Cooperativa; e, na sequência, as considerações finais são apresentadas.

Modelo escola-fazenda: educação, trabalho e produção

O lema “aprender a fazer e fazer para aprender” demarcou o ensino agrícola profissional oferecido na rede federal de colégios agrícolas sob a competência do Ministério da Educação, nas décadas de 1970 e 1980, com características aproximadas aos modelos educacionais que associaram o fazer pedagógico à observação, à experiência, à praticidade, à realidade e à utilidade. Contudo, é preciso considerar um elemento importante para a compreensão do trabalho como princípio pedagógico, conforme foi apropriado no próprio contexto de elaboração e de disseminação do modelo escola-fazenda. Ou seja, a circulação no Brasil da teoria do “capital humano”, especialmente na década de 1970. De fato, o debate sobre educação e trabalho sob a ótica da economia, respaldado pela teoria do “capital humano”, teve circulação e repercussão importantes nas ações e diretrizes educacionais desse período (Franco, Zibas, 1988). Acreditou-se que a capacidade e o conhecimento humano representavam o produto de investimentos “[...] responsáveis predominantemente pela superioridade produtiva dos países tecnicamente avançados” (Schultz, 1973, p. 35).

A teoria do “capital humano” fundamentou-se diretamente na relação entre educação e trabalho, defendendo “[...] a ideia de que quanto maior o investimento educacional, maior será a probabilidade de obtenção de taxas de retorno” (Franco, Zibas,1988, p. 100). Também se defendia a hipótese de que “[...] os indivíduos são tanto mais produtivos quanto mais educados” (Gusso, 1975, p. 35). E, em se tratando de ensino profissional agrícola, Theodore Schultz (1973) entendeu que não seria possível obter os frutos de uma agricultura moderna e produtiva sem os investimentos nos seres humanos (Schultz, 1973).

O trabalho como princípio educativo também foi analisado e visto como oportunidade de desenvolvimento da qualificação profissional de forma complementar ao ensino. Ele pode ser compreendido como um instrumento educativo e, assim, sobretudo nas escolas de ensino profissional agrícola, deveria prevalecer a junção entre o fazer e o aprender, de modo que o fazer estivesse comprometido de forma complementar com o aprender, além da qualidade e da quantidade (Franco, Zibas, 1988). As autoras chamam a atenção para os riscos de uma análise estreita, descontextualizada e abstrata da junção entre trabalho e educação, pois “[...] o trabalho enquanto princípio educativo não deve basear-se somente na técnica, e sim também nos motivos da atividade do trabalho que refletem as condições objetivas da sociedade” (Franco, Zibas,1988, p. 103). Há um perigo de as finalidades práticas sobrepujarem os fins da aprendizagem, direcionando-se com exclusividade para a produção.

O princípio pedagógico “aprender a fazer e fazer para aprender” também deve ser compreendido a partir das finalidades e condições impostas ao funcionamento dos estabelecimentos de ensino agrícola federal, especialmente na década de 1970. Já nesse período, as finalidades de produção e ensino reservadas aos estabelecimentos de ensino agrícola apontavam para os riscos da sua execução. Na análise dos especialistas do Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional (CENAFOR), a falta de investimento nos espaços de produção e a necessidade de produzir colocariam a aprendizagem numa posição de segundo plano. Como resultante, o estudante ocuparia a maior parte do seu tempo na produção, inserido em uma rotina de trabalho braçal de campo (Brasil, 1979b).

Para Mizoguchi (1981), um idealizador do modelo escola-fazenda, o principal objetivo do modelo não era a produção, mas, sim, uma educação integral que permitisse ao estudante obter condições para desenvolver “[...] habilidades e experiências indispensáveis à fixação dos conhecimentos adquiridos nas aulas teórico-práticas [...]” (Brasil, 1972b, p. 1). Assim, a escola deveria ser dinâmica e integral, permitindo experiências reais, sendo projetada para o estudante “[...] com atividades semelhantes às que terá de enfrentar na vida real, em sua vivência com os problemas da agropecuária” (Brasil, 1972b, p. 1). Era uma compreensão de ensino que intentava valorizar a integração entre teoria e prática, escola e comunidade, sala de aula e realidade.

Na compreensão de Tavares (1992), consultor do MEC para questões do ensino agrícola no período de 1976 a 1982, a produção era um direcionamento prioritário da escola-fazenda, cuja finalidade era o autoabas-tecimento das escolas agrícolas, daí o aluno passava a maior parte do tempo desenvolvendo trabalhos de campo. Essa era uma condição, segundo ele, justificada pelas exigências de produção da escola para o seu próprio abastecimento, tendo o estudante como principal mão de obra. Nessa direção, o Manual da escola-fazenda (1972) enfatizava a importância da produção agrícola nas escolas, o atrelava à ideia de “vocação” e à necessidade dos estabelecimentos agrícolas desenvolverem ações de extensionismo rural e cooperativismo agrícola a fim de proporcionar aos estudantes a “vivência com os problemas reais dos trabalhos agropecuários” (Brasil, 1972a, p. 1).

As exigências do desenvolvimento agrícola no Brasil se coadunavam com as perspectivas de desenvolvimento social geral da nação, tendo como fio condutor a “produção” e seu principal agente, o indivíduo. Coube à educação prepará-lo como uma prerrogativa de investimento ao esperado desenvolvimento. Nessa perspectiva, projetos governamentais para o ensino profissional agrícola no Brasil, especialmente da década de 1970 em diante, foram marcados pela adesão de burocratas à teoria do capital humano e a modelos educacionais dos Estados Unidos da América, sobretudo, impulsionados pelos acordos de cooperação desse país com o Brasil. No caso das referências à teoria do “capital humano”, acreditava-se na “[...] exportação de um modelo supostamente aplicável às nações que visavam mudar suas condições econômicas” (Freitas; Biccas, 2009, p. 277). A teoria estava agregada à política educacional de governos do período da Ditadura Civil-Militar, adotada com a justificativa de promover a eficiência, a produtividade e a racionalidade no setor educacional (Sanfelice, 2010).

A partir de 1969, os princípios de educação moral e civismo são incorporados ao currículo escolar por meio da disciplina de Educação Moral e Cívica (Brasil, 1969). O conteúdo desse componente curricular reforçava a ligação existente entre a educação e o trabalho por meio de uma das suas finalidades, além do “culto às leis e à pátria”, também legitimava o entendimento do trabalho como uma necessidade humana e o indivíduo como o principal responsável pelo progresso nacional. A esse respeito, são ilustrativas as concepções disseminadas em materiais didáticos como o livro Moral e Civismo (Brás, 1978) utilizado no curso de agropecuária do Colégio Agrícola Benjamin Constant. O impresso disseminava a ideia de trabalho como fator gerador de prosperidade. O indivíduo deveria ser responsabilizado pelo seu próprio crescimento e, por conseguinte, pelo progresso do país. Outros fatores sociais importantes para essa discussão eram desconsiderados. Essa perspectiva também era observada em cartilhas dirigidas ao homem do campo (Conceição, Lima, 2021).

Pressupostos de organização e funcionamento da escola-fazenda

O principal desafio dos órgãos gerenciadores do ensino profissional agrícola federal era a preparação de um profissional técnico que pudesse intervir ou ser um elemento de extensionismo rural da então propalada modernização agrícola do país. Dentro dessa visão, os colégios agrícolas federais sofreram mudanças na sua organização interna e alterações nos processos educativos através da adoção do modelo escola-fazenda. O desafio da preparação dos estudantes está prescrito no primeiro objetivo da escola-fazenda, o qual explicita a pretensão de proporcionar uma melhor formação profissional através da “[...] vivência com os problemas reais dos trabalhos agropecuários” (Brasil, 1976a, p. 8). A ênfase na qualificação do estudante era também uma tônica no cenário das habilitações profissionais, principalmente na década de 1970, após a aprovação da Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixou as Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus (Brasil, 1971), uma tentativa de identificação das reais necessidades técnicas para o desenvolvimento da economia. Exigia-se um perfil de profissional que dominasse as pesquisas de experimentação agropecuária, porque se pretendia a implantação de uma agricultura com foco empresarial, que desenvolvesse o cooperativismo e as técnicas específicas do crédito rural (Queiroz, 1975).

A condição para o funcionamento do modelo escola-fazenda apontava para algumas exigências ou pressupostos, dentre os quais se encontravam o investimento na infraestrutura geral da escola e a formação de recursos humanos. Assim, procurou-se investir na readequação da estruturação física, da modernização dos equipamentos, e da qualificação de professores e técnicos dos estabelecimentos federais de ensino agrícola. Tudo isso sob a verticalização das decisões de setores gerenciais do MEC, dentro da visão de um estado autoritário.

Na segunda metade da década de 1970, os colégios agrícolas da rede federal receberam investimentos (ampliação da estrutura física e equipamentos) visando a um maior desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem e da diversificação de habilitações para a expansão de matrículas (Brasil, 1976a). Como contrapartida, era exigida dos colégios agrícolas a utilização dos novos espaços e equipamentos no cotidiano da escola-fazenda, principalmente na execução de projetos agrícolas lucrativos. Estes apresentavam dupla finalidade, uma no campo de demonstração para a aprendizagem dos estudantes e outra no autoabastecimento da escola, contribuindo para a diminuição dos custos financeiros. Através da análise de uma relação de 30 projetos agrícolas e pecuários, elaborados pelos colégios agrícolas e aprovados pela equipe da COAGRI para serem financiados pelo MEC, foi possível identificar a ênfase na tríade ensino/trabalho/produção (Brasil, 1976a). Assim, a exigência de indicativos de produtividade e receitas auferidas surge em destaque nos relatórios dos projetos agrícolas executados e enviados pelos colégios agrícolas à COAGRI/MEC (Brasil, 1979b).

Em 1979, dos relatórios enviados por 28 colégios agrícolas à COAGRI/MEC, apenas quatro não apresentaram projetos. A produção de cada estabelecimento de ensino variava de zero a 200%, quando comparada à receita que possuíam. Do total de 28 escolas, 12 obtiveram uma produção superior a 100% e duas não obtiveram produção. Esses resultados serviam para o MEC/COAGRI avaliar sua política de investimentos em expansão e modernização da agricultura e dos recursos humanos (Brasil, 1979b).

A respeito dos resultados dos investimentos na formação do técnico em agropecuária, a COAGRI encarregou-se de divulgar, no ano de 1983, através de um artigo publicado na Revista de Educação, intitulado Escolafazenda uma experiência vitoriosa, as vantagens da adoção do modelo escola-fazenda em toda a rede federal de colégios agrícolas. A COAGRI divulgou, nesse artigo, as experiências da Escola Agrotécnica Federal de Bento Gonçalves, do Rio Grande do Sul. De acordo com os técnicos da COAGRI, Bento Gonçalves foi uma escola que conseguiu, por meio do modelo escola-fazenda, desenvolver-se dentro dos parâmetros nacionais de modernização da agricultura, especialmente por meio da oferta do curso técnico em Agricultura. Segundo o artigo, essa escola preparava técnicos para atuar no setor estatal e privado, em atividades de assistência técnica e extensão rural, pesquisa, fomento, crédito rural, comercialização e cooperativismo (COAGRI, 1983a).

Ainda na Revista Educação de 1983, foi publicado o discurso do ministro da Educação e Cultura, general Rubem Ludwig, paraninfo de 92 formandos do curso de técnico em agropecuária da Escola Agrotécnica Federal de Barbacena, em Minas Gerais. As palavras do ministro expressavam o entusiasmo do governo federal com o ensino agrícola, o desafio dos futuros profissionais e o reconhecimento dos alunos formados nas escolas agrotécnicas como “[...] modelo ideal do novo brasileiro – homem simples, sem vinculações ideológicas ou deformações elitistas de qualquer natureza” (COAGRI, 1983b, p. 56).

No processo de organização e funcionamento da escola-fazenda, também estiveram na pauta investimentos em torno da qualificação técnica e profissional de docentes e gestores dos colégios agrícolas, além de uma remuneração condizente aos professores a fim de que estes pudessem trabalhar em regime de dedicação exclusiva (Brasil, 1972a). Para este investimento, coube à COAGRI, em parceria com o Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para Formação Profissional (CENAFOR), a incumbência de qualificar professores e técnicos dos cursos profissionalizantes, bem como elaborar métodos pedagógicos para a formação profissional e desenvolver cooperação com órgãos nacionais e internacionais (Brasil, 1979b).

O Ministério da Educação, através da COAGRI e do CENAFOR, desenvolveu o projeto “Capacitação de recursos humanos para o ensino agrícola”. Suas metas foram planejadas para o período de 1975-1979 e foram relacionadas ao treinamento para diretores e coordenadores, como também ao aperfeiçoamento, habilitação e atualização de professores das áreas pedagógicas e específicas do ensino agrícola. A partir de 1976, a COAGRI priorizou a qualificação dos recursos humanos voltada para atualização e expansão do ensino profissionalizante, especialmente pelo interesse na ampliação do modelo escola-fazenda. Os cursos e seminários realizados nos estabelecimentos de ensino agrícola pretendiam a qualificação em recursos humanos por meio do novo currículo do ensino de 2º grau, do funcionamento das cooperativas e do aprofundamento teórico da formação especial dessa modalidade de ensino (Brasil, 1976b; 1978; 1979a, 1982).

O aperfeiçoamento e a habilitação para os docentes do ensino agrícola de 2º grau foram planejados e realizados no período de 1974 a 1979, alcançando um total de 695 participantes, 85 dos quais foram capacitados no Esquema I (professores e portadores de diplomas de ensino superior com habilitações específicas), 113 no Esquema II (professores, portadores de diplomas de ensino técnico e de nível médio), 222 nos cursos de aperfeiçoamento e 15 nos cursos de pós-graduação. A avaliação dos investimentos nos recursos humanos, especialmente na qualificação dos docentes, técnicos e diretores da rede federal de ensino, pode ser identificada por meio dos resultados obtidos pela rede de ensino ao longo da atuação da COAGRI.

Além dos cursos para professores, foram estruturados cursos de capacitação para diretores e técnicos das unidades de ensino agrícola. Esses cursos ocorriam anualmente, “[...] buscando proporcionar troca de experiências, discutir e analisar problemas afetos a áreas, e promover o entrosamento com outros órgãos que atuam no setor primário” (Brasil, 1979a). Um dos encontros nacionais de entrosamento entre técnicos dirigentes subordinados ao MEC, ocorrido em Brasília, no período de 18 a 21 de maio de 1982, foi o 1º Encontro Técnico dos Dirigentes do MEC, com a presença de diretores de colégios agrícolas e do diretor geral da COAGRI, Oscar Lamounier Godofredo Júnior. O encontro fez parte das ações desenvolvidas pela

COAGRI na década de 1980. Os gestores do MEC/COAGRI assinalaram a preocupação com um modo de educação que impulsionasse o desenvolvimento agrícola e, para isso, apontavam a necessidade de investimentos na formação de recursos humanos em função da evolução tecnológica e do desenvolvimento da economia do país (Brasil, 1984).

Modelo escola-fazenda e as propostas curriculares para a formação profissional agrícola

Para atender às diretrizes de organização e ao funcionamento da escola-fazenda, conforme anteriormente indicados neste artigo, a formação profissional agrícola no cenário do modelo escola-fazenda estabeleceu inicialmente uma organização curricular constituída pela integração de quatro dimensões: sala de aula, Laboratório de Prática e Produção (LPP), Programa Agrícola Orientado (PAO) e a cooperativa. A primeira representação do modelo escola-fazenda indica essas quatro dimensões de ensino (sala de aula, LPP, PAO e cooperativa) e a ênfase nas relações entre elas. Essa composição sofreu algumas modificações no decorrer da implantação do modelo escola-fazenda nos colégios agrícolas federais. Uma delas está relacionada ao Programa Agrícola Orientado (PAO), que foi gradativamente desativado.

A partir de 1985, houve uma segunda modificação e os Laboratórios de Prática e Produção passaram a denominar-se Unidades Educativas de Produção (UEPs). A criação dessas unidades foi justificada pela necessidade de utilização de salas ambientes, instaladas nas próprias UEPs para o desenvolvimento das aulas teóricas das disciplinas Agricultura e Zootecnia (Tavares, 1992). Diante dessas modificações, o modelo escola-fazenda ficou representado apenas por três dimensões: sala de aula, UEPs e cooperativa.

O indicativo de interdependência entre as diferentes dimensões é atribuído ao princípio norteador do modelo escola-fazenda – aprender a fazer e fazer para aprender – referente à dimensão eminentemente prática e demonstrativa do ensino profissional agrícola. O princípio concretizar-se-ia na medida em que o aprender a fazer correspondesse às aulas de orientação para o campo e ao ensino das disciplinas curriculares realizadas em sala de aula ou nos Laboratórios de Prática e Produção ou nas Unidades Educativas de Produção. O fazer para aprender estava associado ao trabalho no campo, aos laboratórios de prática e produção e aos programas agrícolas orientados, em cumprimento aos direcionamentos didáticos incutidos nos ensinamentos práticos.

As novas necessidades traduziam-se na incorporação de novas técnicas, novos saberes pedagógicos e novos parâmetros de ensino. Modelava-se um ensino mais complexo, com exigência de mais desempenho por parte dos estudantes-trabalhadores, recursos humanos que “[...] manejarão os equipamentos, as máquinas, e também a própria organização que se torna também mais complexa em função desse progresso tecnológico” (Gusso, 1975, p. 36). Na década de 1970, principalmente após a instituição da Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixou as Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus (Brasil, 1971), a disseminação dos significados sobre teoria e prática no ensino profissional agrícola também pode ser observada a partir da discussão sobre “pensar e fazer”, dimensões indissociáveis no processo instrutivo dos indivíduos. Ainda no ano de 1967, a Diretoria de Ensino Agrícola (DEA), de acordo com a Portaria nº 29/1967, instituiu um novo sistema curricular para o ensino agrícola de grau médio, considerando “[...] efetivamente, as condições técnicas e socioeconômicas do meio em que se situa” (Brasil, 1970a, p. 7). O currículo tinha características de flexibilidade, podendo ser ajustado de acordo com as possibilidades de cada escola. Os cursos deveriam ser ministrados em dois ciclos: o ginasial, com duração de quatro anos, e o colegial, no mínimo de três anos. No currículo do segundo ciclo, as disciplinas de cultura geral compreendiam certos componentes curriculares: Português, Matemática, Biologia, Química e mais uma disciplina optativa de livre escolha do estabelecimento dentre as seguintes: Física, Desenho, Língua Estrangeira Moderna, Economia e Ciências Sociais. Já para o currículo do segundo ciclo, as disciplinas de cultura técnica para o curso colegial agrícola compreendiam: I Agricultura; II Zootecnia; III Indústrias Rurais; IV Mecânica Agrícola; V Economia Rural (Brasil, 1970b). O quadro 1, adiante, apresenta os currículos adotados no Ensino Profissional Agrícola referentes aos anos de 1968, 1972, 1976 e 1986, sendo possível verificar certas permanências e mudanças no processo de organização curricular desse ramo de ensino profissional.

Quadro 1 Currículos de habilitação básica em agropecuária (1968, 1972, 1976, 1986) 

Ano 1968 1972 1976 1986
Disciplinas (Cultura Geral) 1. Português 1. Português 1. Português 1. Português
2. Matemática 2. Matemática 2. Matemática 2. Matemática
3. Biologia 3. Ciências 3. C. Física e Biológicas 3. Física
4. Química 4. Geografia 4. Geografia 4. Química
5. História 5. Biologia
Disciplinas Optativas 6. E.M.C. 6. E.M.C. 6. Geografia
Física 7. Educação Artística 7. Educação Artística 7. História
Desenho 8. Língua Estrangeira 8. Língua Estrangeira 8. E.M.C.
Língua Estrang. Moderna 9. O.S.P.B. 9. O.S.P.B. 9. Educação Artística
Economia 10. Língua Estrangeira
Ciências sociais 11. O.S.P.B.
12. Programa de Saúde
Disciplinas (Cultura Técnica) 1. Agricultura 1. Agricultura 1. Agricultura 1. Agricultura I
2. Zootecnia 2. Zootecnia 2. Zootecnia 2. Agricultura II
3. Indústrias Rurais 3. Adm. e Econ. Rural 3. Econ. e Adm. Agrícola 3. Agricultura III
4. Mec. Agrícola 4. Redação e Expressão 4.Programa de Orientação Ocupacional 4. Zootecnia I
5. Economia Rural 5. Estudos Regionais 5. Desenho Básico 5. Zootecnia II
6. Desenho e Topografia 6. Química 6. Zootecnia III
Práticas Educativas 7.Construções e Instalações 7. Biologia 7. Irrigação e Drenagem
Ed. Física 8. Irrigação e Drenagem 8. Física 8. Const. e Instalações
Ed. Artística 9. Culturas 9. Adm. e Econ. Rural
Relações Humanas 10. Programa de Saúde 10. Desenho e Topografia.
Programa Agrícola Orientado
Carga horária 2.010 2.250 3.870

Fonte: Quadro elaborado pela autora (BRASIL, 1970a; 1971; 1972c; 1977; 1985).

Os currículos apresentados no quadro 1 em geral indicavam a proposta curricular vigente para a formação do estudante em condições de atuar profissionalmente no setor agropecuário, nas áreas de produção, como propagador de tecnologias e nas áreas de crédito rural, cooperativismo, agroindústria e extensionismo rural. O primeiro currículo (1968) apresentado no quadro anteriormente, datado de 1968, estava em conformidade com as diretrizes da LDB nº 4.024 de 20 de dezembro de 1961. Para os seus organizadores, a proposta não foi considerada uma inovação, mas, sim, o resultado de uma série de estudos que objetivaram a racionalização do ensino profissional agrícola, o que, para eles, contribuiu significativamente para a economia nacional (Brasil, 1970a). Nesse currículo, observa-se inicialmente uma característica comum a todos os outros analisados: a tentativa de organização dos componentes curriculares de cultura geral e técnica. Desta forma, foram estabelecidas quatro disciplinas de cultura geral e cinco de cultura técnica. Também integravam o currículo as disciplinas optativas e as denominadas práticas educativas. Estas últimas representavam atividades regulares desenvolvidas na escola, compostas das práticas de Educação Física, Educação Artística, Relações Humanas e Programa Agrícola Orientado.

Observando o quantitativo das disciplinas, nota-se que há um equilíbrio na distribuição dos componentes curriculares de cultura geral (sete componentes) e técnica (oito componentes), sem incluir as disciplinas optativas, haja vista que apenas uma disciplina deveria ser escolhida. A conjugação entre educação e trabalho estava prevista nesse currículo do ano de 1968. Nos currículos de 1972 e 1976, a oferta foi a mesma, em quantidade e tipo de disciplina, excetuando-se as disciplinas de ciências, que denominaram-se de Ciências Físicas e Biológicas, em 1976. A compreensão das muitas mudanças ocorridas nos currículos da década de 1970 está relacionada ao contexto de implementação de leis e portarias criadas para atender às concepções da política educacional do governo autoritário então vigente no Brasil.

A Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixou as Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus (Brasil, 1971), apresentou uma proposta ou perspectiva diferente para o denominado ensino de 2º grau, anteriormente denominado de colegial. E propôs reformá-lo para fins de qualificação para o trabalho, de acordo com o Parecer 45/1972, do Conselho Federal de Educação, com a justificativa de ajustamento desse ensino às necessidades de novos setores de produção dependentes de mão de obra especializada, “[...] no seio dos quais começa a disseminar-se, com rapidez nunca dantes conhecida, o emprego de técnicas cujo aprendizado praticamente só é acessível aos que frequentam a escola, de modo sistemático, ao longo de vários anos” (Brasil, 1972c, p. 9). Esse parecer também estabeleceu o mínimo exigido em cada habilitação profissional, sobretudo o “[...] princípio de profissionalização do ensino de 2º grau” (Warde,1979, p. 17).

Para o ensino de 2º grau, além do núcleo comum, definiu-se o mínimo a ser exigido em cada habilitação profissional, sendo que “[...] predomine a parte de formação especial” (Brasil,1971). O currículo contemplava a divisão entre educação geral e formação especial, o que foi designado no Parecer 45/1972 como a divisão entre humanismo para a educação gera e tecnologia para a formação especial, além do mais destacava: “A parte de formação especial de currículo: a) Terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho, no ensino de 1º grau e de habilitação profissional, no ensino de 2º grau” (Brasil, 1971, grifo nosso).

Para o ingresso no ensino de 2º grau, era exigida a conclusão do ensino de 1º grau ou de estudos equivalentes, ofertado em três ou quatro séries anuais (Brasil, 1971). O número de disciplinas cresceu entre as duas formações (geral e especial), pois 9 dos 19 componentes curriculares, eram de educação geral, enquanto 10 eram de formação especial. Além dessa mudança, a carga horária também era superior à do currículo anterior. O planejamento da carga horária total das disciplinas, na categoria de formação especial (Desenho e Topografia, Construção e Instalações, Agricultura, Zootecnia, Irrigação e Drenagem, Culturas) era de 1.500 horas/aula, um pouco superior ao total de horas/aula exigidas para a formação geral, 1.140 horas/aula.

Na década de 1970, iniciou-se o processo de expansão do modelo escola-fazenda nas escolas agrícolas da rede federal e, a partir da implementação desse currículo, buscou-se a integração na aprendizagem das disciplinas teóricas e práticas. Naquele período, os órgãos governamentais, por meio de documentações específicas, procuravam transmitir o entendimento de que a educação profissionalizante necessitaria ser mais do que um treinamento; deveria “[...] permitir ao aluno melhor compreensão do mundo em que vive, ao mesmo tempo em que lhe dá uma base de conhecimentos que permitirá readaptar-se às mutações do mundo do trabalho” (Brasil,1975, p. 11).

A proposta curricular das habilitações básicas em agropecuária, a partir de 1976, apresentou a distribuição de carga horária por disciplina, com ampliação da carga horária total e algumas modificações nos componentes curriculares, tanto da educação geral quanto da especial. Das disciplinas específicas à agropecuária, foram mantidas: Agricultura, Zootecnia, Economia e Administração Agrícola e Desenho Básico. As disciplinas Irrigação e Drenagem, Construções e Instalações e Culturas, que estavam presentes no currículo do ano 1972, não compuseram o currículo do ano de 1976, mas reapareceram no ano de 1986. Para a educação geral, observa-se uma redistribuição das disciplinas de ciências, com o acréscimo de Química, Biologia e Física, consideradas disciplinas de formação especial.

O debate, na segunda década de 1970, no campo da habilitação profissional referente à habilitação básica em agropecuária teve como pretensão a expansão desse ensino com o intuito de despertar o interesse de jovens para a atuação profissional no setor agropecuário (Brasil, 1977). Outros aspectos observados nesse período, referentes à profissionalização do ensino agrícola, estão relacionados, pelo menos, a três características: 1) interdependência das atividades agropecuárias, 2) existência de um mercado de trabalho (agente de extensão rural, administrador de propriedades agrícolas, produtor rural); e 3) existência de ocupações especializadas (Brasil, 1977). Esses aspectos podem ser identificados, a partir do currículo de 1976, na reestruturação da disciplina Economia e Administração Agrícola – com a indicação de conteúdos relacionados com a administração agrícola, comercialização agrícola, extensão rural, problemas econômicos e administração agrícola – e na inserção do Programa de Orientação Ocupacional (Brasil, 1975).

A disciplina Economia e Administração Agrícola esteve presente nos quatro currículos em discussão, porém com denominações e cargas horárias diferentes. No currículo de 1968, foram ofertadas duas disciplinas: Indústrias Rurais (180 h) e Economia Rural (60 h); em 1972, as duas disciplinas se aglutinaram sob a nomenclatura de Administração e Economia rural (60h); em 1976 passou a ser denominada Economia e Administração Agrícola (210h); e, finalmente, no currículo de 1986, essa disciplina voltou a ser denominada de Administração e Economia Rural (90h). O objetivo da disciplina Administração e Economia Rural abordava os problemas da produção vegetal e animal, das características do processo de produção e comercialização, bem como da identificação das atividades empresariais, numa perspectiva de apoio ao setor agropecuário (Brasil,1975). De acordo com suas finalidades, pretendia-se proporcionar ao estudante a participação no planejamento e na comercialização dos produtos e incutir noções de cooperativismo e extensão rural, objetivando o desenvolvimento do espaço rural.

Já o Programa de Orientação Ocupacional definia como objetivo “[...] preparar e/ou orientar os alunos para ocupações agrícolas através de atividades identificadas em função de suas necessidades, interesses, aspirações e requisitos para ingresso no emprego” (Brasil, 1977, p. 41). A proposta desse componente curricular era apresentar ao estudante informações sobre as possíveis ocupações agrícolas, preparando-o para o mercado de trabalho, ao tempo em que incutia a valorização das atividades agropecuárias. No currículo de 1986, o Programa de Orientação Ocupacional não estava incluído. Outro componente curricular complementar da formação profissional dos estudantes – Estágio Supervisionado – foi incluído no currículo do ano de 1986, conforme especifica o quadro 2.

Quadro 2 Currículo do curso de agropecuária a partir de 1986 

Núcleo Comum Educação geral Educação especial
Disciplinas SÉRIES Horas Disciplinas Séries Horas
@
Comunicação e Expressão

Língua P. e Lit. Bras.

Educação Artística

Língua Estrangeira

3

2

-

3

-

2

2

-

-

240

60

60

Redação e Expressão - - 2 60
Estudos sociais

História

Geografia

O.S.P.B.

Educação Moral e Cívica

2

2

-

2

-

-

2

-

-

-

-

-

60

60

60

60

Estudos Regionais

Adm. e Econ. Rural

-

-

-

-

2

3

60

90

Ciências

Matemática

Física

Química

Biologia

Programa de Saúde

3

-

2

2

2

3

2

2

2

-

2

2

-

-

-

240

120

120

120

60

Desenho e Topog.

Agricultura I

Agricultura II

Agricultura III

Zootecnia I

Zootecnia II

Zootecnia III

Irrigação e Drenagem

Construções e Instalações

-

8

-

-

8

-

-

-

-

4

-

8

-

-

8

-

-

-

-

-

-

8

-

-

8

3

3

120

240

240

240

240

240

240

90

90

Outros

Educação Física

Ensino Religioso

270

30

Estágio Supervisionado - - - 360
Educação Geral: 24 19 09 1.560 16 20 29 2.310
Total Geral: 3.870

Fonte: Brasil (1985).

Esse currículo, referente ao curso de agropecuária, apresentou uma reorganização na distribuição das disciplinas e na ampliação da carga horária total dos componentes curriculares. As disciplinas de formação geral não foram alteradas, mas realocadas, no caso das disciplinas de Química, Física e Biologia, da formação especial, presentes no currículo de 1976 para a formação geral. Quanto à formação especial, todas as disciplinas do currículo anterior foram mantidas, porém as disciplinas Agricultura e Zootecnia foram subdivididas em três, com uma carga horária maior. Assim, Agricultura passou de 240 horas/aula para 720 horas/aulas e Zootecnia, de 150 horas/aula para 720 horas/aula. Além disso, acrescentou-se o Estágio Supervisionado.

A reorganização curricular apontou a distinção e a objetividade das disciplinas de acordo com cada tipo de formação, notando-se que houve uma maior amplitude para a formação especial com o aumento da carga horária e a inclusão do Estágio Supervisionado. Esse componente curricular era responsável por fazer a interligação entre escola e comunidade, empresas e propriedades familiares, por meio da realização de projetos nas áreas correspondentes às Unidades Educativas de Produção (Brasil,1985). A proposta curricular andava em sintonia com os objetivos definidos pela COAGRI, em 1985, e obedeceu à necessidade da formação profissional nas habilitações de agropecuária, agricultura, enologia e economia doméstica, destinadas a áreas de produção, difusão de tecnologias e desenvolvimento regional, através de orientações a respeito de crédito rural, cooperativismo, agroindústria e extensão rural (Brasil,1985).

Considerações Finais

As diretrizes político-pedagógicas do ensino profissional agrícola ensejavam a implantação de um modelo pedagógico específico para a preparação de técnicos agrícolas de nível médio, capazes de atender ao mercado de trabalho já existente ou em formação, que exigia qualificações em extensão agrícola, crédito rural, produção e uso de maquinaria. Atendendo à essas demandas, o modelo escola-fazenda foi implantado pelo Ministério da Educação em 33 escolas da rede federal de ensino profissional agrícola, no período de 1967 a 1986, o que resultou em alterações no espaço e tempo dos colégios agrícolas e em ressignificações de práticas pedagógicos enfatizadas na tríade ensino/trabalho/produção, representada pelo lema propagandístico “aprender a fazer e fazer para aprender”.

Para implantação e funcionamento do modelo escola-fazenda na rede federal de colégios agrícolas, concorreram os financiamentos internacionais, as diretrizes gerais emanadas do MEC e as condições específicas de cada colégio agrícola. Os financiamentos, fruto de acordos e/ou convênios com organismos internacionais, especialmente capitaneados pelos Estados Unidos da América, promoveram a assistência técnica e financeira para as escolas agrícolas, resultando na modernização de instalações e equipamentos e na qualificação de profissionais. Tudo isso foi caracterizado pela ideia de desenvolvimento e alinhamento com a política dos EUA para a região, fundamentados na teoria do “capital humano”. Os investimentos no ensino agrícola exigiam uma contrapartida por parte dos colégios agrícolas, como a implementação do modelo escola-fazenda, o aumento da oferta de vagas e a utilização das instalações e equipamentos nos processos de ensino-aprendizagem, sobretudo na execução de projetos agrícolas que resultassem em produtividade. Estes apresentavam dupla finalidade, serviam como campo de demonstração para a aprendizagem dos estudantes e como autoabastecimento da escola, contribuindo para a diminuição dos custos.

Os documentos que disciplinavam os parâmetros do modelo escola-fazenda estavam pautados na ideia ou na confiança no funcionamento de um sistema organizado por áreas ou dimensões – sala de aula, Laboratório de Prática e Produção (LPP), Programa Agrícola Orientado (PAO) e Cooperativa Escolar Agrícola (COOP) –, o qual deveria funcionar em uma situação de interdependência entre as partes integrantes. Essa concepção, ainda que tenha passado por modificações de nomenclaturas e inserções de novos elementos, permaneceu vigente em todo o período estudado.

A proposta político-pedagógica para a formação profissional, baseada na tríade ensino/trabalho/produção, explica a ampla defesa da execução de projetos agrícolas como instância de aprendizagem (“aprender fazendo”). A ênfase na necessidade de viabilidade técnica e econômica dos projetos agropecuários a serem desenvolvidos pelos colégios foi uma estratégia de evidenciar o sucesso do modelo escola-fazenda, sem esquecer o enfoque no autoabastecimento da escola.

O lema do modelo educacional escola-fazenda – “aprender para fazer e fazer para aprender” – representou a defesa da conexão de conhecimentos e aprendizagens teóricas e práticas. Todavia, nem sempre essa proposta funcionou. As disciplinas de conhecimento geral apresentavam dificuldades para realizar a integração entre a sala de aula e as práticas de campo. Nessas disciplinas, havia, por parte do aluno, a manutenção de interesses mais acadêmicos, voltados para a progressão aos estudos superiores. Com relação às disciplinas profissionalizantes, as oportunidades de interação entre as áreas de ensino-aprendizagem eram maiores, principalmente com relação às atividades relacionadas à execução dos projetos agropecuários, as quais evidenciavam uma outra finalidade do modelo em foco: a necessidade de autoabastecimento da escola.

O lema “aprender a fazer e fazer para aprender” também deve ser compreendido a partir das finalidades de produção reservadas aos estabelecimentos de ensino agrícola, situação que resultava em riscos para a sua execução, causando receio entre estudiosos do setor agrícola. A esse respeito, especialistas da área evidenciaram, que a exigência de as escolas comprovarem, em seus relatórios, a produção agropecuária colocava a aprendizagem numa posição de segundo plano. O aluno ocuparia a maior parte do seu tempo na produção, tornando suas atividades em rotineiro trabalho braçal de campo, muitas vezes desvinculado da formação técnica específica. Mesmo assim, o modelo escola-fazenda persistiu e permaneceu confrontando desafios, visando a formar técnicos capacitados para contribuir com a modernização do setor agrícola e do meio rural, apesar das dificuldades e do risco da predominância do produtivismo sobre a aprendizagem.

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Recebido: 04 de Junho de 2023; Aceito: 31 de Julho de 2023

Prof.ª Dr.ª Aristela Arestides Lima, Instituto Federal de Sergipe (Brasil), Grupo de Pesquisa em História da Educação: Memórias, Sujeitos, Saberes e Práticas, Educativas (GEPHED/CNPq/UFS), Orcid id: 0000-0003-3038-0422, E-mail: aristela90@gmail.com

Prof. Dr. Joaquim Tavares da Conceição, Universidade Federal de Sergipe (Brasil), Programa de Pós-Graduação em Educação, Programa de Mestrado Profissional em Ensino de História, Colégio de Aplicação, Líder do Grupo de Pesquisa em História da Educação: Memórias, Sujeitos, Saberes e Práticas Educativas (GEPHED/CNPq/UFS), Bolsista de Produtividade em Pesquisa/CNPq, Orcid id: 0000-0002-8826-8137, E-mail: jtc20111@academico.ufs.br

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