SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.61 número68Aprender a hacer y hacer para aprender: el modelo escuela-granja implantado en la red federal de enseñanza agrícola profesional (1967 a 1986) índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Compartir


Revista Educação em Questão

versión impresa ISSN 0102-7735versión On-line ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.61 no.68 Natal abr./june 2023  Epub 05-Dic-2023

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2023v61n68id32418 

Resenha

Educação para o coletivismo socialista: perspectiva soviética

Education for socialist collectivism: Soviet perspective

Educación para el colectivismo socialista: perspectiva soviética

1Universidade Federal do Pampa (Brasil)

Fundamentos da educação social. SHULGIN, Viktor Nikolaevich. Pavlova, Natalya. Freitas, Luiz Carlos de. São Paulo: Expressão Popular, 2022.


Vivemos um tempo em que a escola brasileira apresenta dificuldades no que tange a desenvolver as pretensões da Constituição Federal do Brasil de 1988. Na escola atual, ainda prepondera a mera reprodução de conhecimentos e informações e isso reduz sua capacidade de conseguir superar os desafios da sociedade hodierna. O enfraquecimento das grandes economias, as crises cíclicas do capitalismo mundial e a ascensão de ideologias neoconservadoras, aliadas ao neoliberalismo agressivo, também têm incitado sobremaneira os sistemas sociais atuais a repensar o papel da escola. São tempos de superexploração da classe trabalhadora, baseada na alta tecnologia, em processos produtivos que cada vez mais retiram espaço da mão de obra humana que passa a ser substituída por programas computacionais e pela inteligência artificial.

Nesse contexto desafiador, o livro “Fundamentos da educação social”, de Viktor Shulgin, escrito nos anos seguintes à Revolução Russa de 1917 – publicado apenas em 1924 em meio à guerra civil que ocorreu após a Revolução –, possui grande relevância. Constitui-se em uma obra que apresenta ideias de caminhos que a educação pode seguir, no sentido de conduzir na direção de uma transição socialista que permita uma nova ordem social, diferente da capitalista. A obra realiza uma dura crítica às teorias educacionais burguesas que eclodiram no mundo durante a Revolução Russa e que chegaram até os dias atuais com novas matizes.

O livro faz parte de um conjunto de obras publicadas pela editora Expressão Popular, produzidas pela primeira geração de educadores que se dedicaram intensamente a pensar caminhos e propostas para a educação no período posterior à Revolução Russa de 1917. Autores como Anatoli Lunacharsky, Nadezhda Krupskaya, Viktor Shulgin e Moisey Pistrak, entre outros.

Essa produção é fruto da experimentação pedagógica conduzida na Escola Experimental-Demonstrativa P. N. Lepeshinsky, ou Escola-Comuna, que esteve sob a responsabilidade do Comissariado do Povo para Educação, órgão máximo da educação russa após a Revolução.

Ao longo do livro, ao fazer a crítica das teorias educacionais burguesas da época, Shulgin destaca as finalidades da educação socialista e suas principais categorias como a “atualidade”, a “auto-organização” e o “trabalho”. Com base nesses elementos, passa a orientar um novo tipo de escola soviética para combater o individualismo e a exploração de um ser humano sobre outro.

O livro está dividido em cinco capítulos:

  1. Sobre as finalidades da educação. No primeiro capítulo, discutem-se as finalidades da educação após a Revolução de outubro, qual seria a formação que a escola socialista precisaria prover para preparar as juventudes para a vida adulta na nova organização coletivista da sociedade, além das ocupações e profissões que poderiam desempenhar. O sistema educacional destaca-se como o melhor instrumento para o poder estatal exercer transformações no pensamento social dos homens e das mulheres daquele tempo. O escritor critica a existência de modelos escolares distintos para jovens com origens de classe diferentes. À época, coexistiam escolas religiosas para a aristocracia, confessionais e militares para formar os líderes, escolas para a classe média e oriundos da burguesia, além de outras para os filhos de camponeses e operários com caráter assistencialista e instrumentalizadoras para o trabalho.

  2. A atualidade e as crianças. No segundo capítulo, as reflexões problematizam a categoria “atualidade”, que apontam a educação como aquela destinada a perceber os desafios de determinado tempo histórico e voltar sua atividade à superação dos entraves que teimam em direcionar ao fracasso recorrente da escola burguesa. Esta, por sua vez, pauta-se em uma realidade estática e desconexa de seu contexto social, mirando a perpetuação das desigualdades. O pensador provoca a reflexão a respeito do estudante, qual é sua origem de classe e quais conteúdos e escola queremos. Destaca que a escola precisa formar “um lutador pelos ideais da classe trabalhadora” para estudar e compreender a atualidade em sua totalidade (p. 49).

  3. Sobre a auto-organização. No terceiro capítulo, debate-se sobre a categoria “auto-organização”. O autor permite abstrair seu significado em dois sentidos: a organização pessoal e coletiva relativas à preparação para uma vida socialista que deve ser aprendida desde cedo nas relações escola/vida, sendo o trabalho social a forma necessária de mediação primeva. Reflete sobre a importância da construção de uma nova lógica de poder, o poder dividido entre todos e não mais o poder exercido sobre alguém. Nesse processo, o autor critica o papel do professor como centralizador do poder e zelador da ordem. Frisa que, para formar o sujeito que luta pelos ideais da classe trabalhadora, é preciso que o professor saiba trabalhar e construir coletivamente e que seja capaz de organizar a vida no interior da escola no exercício da cooperação.

  4. Sobre os objetivos do trabalho. No quarto capítulo, a categoria “trabalho” é tomada como o instrumento pelo qual se produz tecnologia, cultura e ciência. No sentido ontológico, o trabalho é o que humaniza o ser humano, é por ele que toda a natureza social e física pode ser transformada e potencializada na construção do mundo simbólico e material. O autor russo afirma que a escola deve se aproximar da vida; portanto, das formas laborais diversas e complexas existentes fora da escola, reconectando o pensar e o fazer, o trabalho intelectual e o manual em todas as atividades possíveis.

  5. Sobre a questão da formação de professores. Na última parte do livro, o pesquisador destaca que o novo professor deve ser capaz de superar o mero papel de transmissor de “grãos de sabedoria”, de um burocrata que condiciona mentes a pensar igual, conformadas com a realidade de subalternização. Na perspectiva da educação socialista, o docente deve ser capaz de observar a realidade, a rede de interesses dos alunos, as ações locais da comunidade, de forma que coloque a escola a serviço da vida. Para ele, o professor não está sozinho, mas conectado com a comunidade escolar, passando a exercer o papel de um construtor, de um criador junto ao coletivo. Nessa linha, o professor destaca-se por ser um observador, um realizador, um trabalhador da pedagogia junto aos demais trabalhadores da região, não mais nem menos importante na construção do futuro do coletivismo que é perseguido. Sua proposta prevê um “professor-construtor”, figura pública que chama os demais para a mudança, um “professor revolucionário”.

O livro soviético nos ajuda a compreender os passos dados pelos educadores e organizadores dos preceitos pertencentes a uma pedagogia socialista nos anos posteriores à Revolução Russa.

Nessa esteira reflexiva, é mister lembrar que eclodem no mundo ocidental inúmeras manifestações de indignação das classes exploradas pela social-democracia e pelos partidos de centro-esquerda, que, ao ascender ao poder, parecem não conseguir suplantar os problemas da democracia liberal, como a desigualdade, a concentração de riquezas e a restrição dos direitos humanos. Isso revela as inúmeras dificuldades existentes dentro da luta institucional no que diz respeito à desmobilização dos artefatos estruturais que organizam e mantém as desigualdades e a injustiça social. Nos Estados Unidos, percebemos movimentos parecidos no que tange à reivindicação dos direitos das minorias. A Europa também sofre há anos com investidas semelhantes da classe trabalhadora, que luta contra a redução da qualidade de vida, combatendo as políticas governamentais de austeridade e cortes de direitos trabalhistas e previdenciários.

Na América Latina, países como Chile, Bolívia, Peru, Argentina e Brasil viveram ciclos econômicos liderados pela centro-esquerda que melhoraram as condições da classe trabalhadora através de reformas, mas sem mexer na estrutura básica da educação. De uma forma ou de outra, essas nações não conseguiram superar os limites impostos pelo capitalismo (em sua fase de financeirização) e experimentaram ciclos de ascensão e queda de governos liderados por pensamentos progressistas.

Considerando esse cenário, o livro pode auxiliar os educadores brasileiros a pensar em táticas mais adequadas no interior das escolas e de um sistema educacional desigual a estabelecer consonâncias com a educação progressista que possam formar homens e mulheres diferentes, cidadãos mais coletivistas e menos individualistas. Isso pode levar a uma formação mais humana, coadunada a anseios de sustentabilidade para um novo sociometabolismo, uma nova conexão respeitosa com a natureza circundante, para além da fórmula organizacional predatória existente. O livro pode ajudar a pensar uma educação que desmobilize o paradigma capitalista que subalterniza a humanidade, superando a ideologia da meritocracia ainda hoje preponderante na escola brasileira

Recebido: 01 de Maio de 2023; Aceito: 15 de Maio de 2023

Prof. Dr. Jonas Tarcísio Reis , Universidade Federal do Pampa – Jaguarão , (Rio Grande do Sul, Brasil), Orcid id: 0000-0001-6748-2225, E-mail: jotaonas@yahoo.com.br

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution NonCommercial, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que sem fins comerciais e que o trabalho original seja corretamente citado.