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Revista Educação em Questão

Print version ISSN 0102-7735On-line version ISSN 1981-1802

Rev. Educ. Questão vol.61 no.69 Natal July/Sept 2023  Epub Dec 19, 2023

https://doi.org/10.21680/1981-1802.2023v61n69id33612 

Artigo

Esportes coletivos e formação docente: relações de poder e resistências entre estudantes

Deportes colectivos y la formación docente: relaciones de poder y resistencias entre estudiantes

Myllena Camargo de Oliveira1 
http://orcid.org/0000-0003-3600-8621

Angelita Alice Jaeger2 
http://orcid.org/0000-0003-4998-1578

1Escola Estadual de Educação Básica Tiradentes (Brasil)

2Universidade Federal de Santa Maria (Brasil)


Resumo

Objetivamos analisar as relações de gênero e, em especial, os exercícios de poder e as resistências que emergem entre estudantes nas disciplinas de esportes coletivos em um curso de formação docente em Educação Física. A pesquisa é de inspiração etnográfica e contou com a participação de 86 discentes. As fontes de pesquisa foram produzidas pelas observações das aulas na formação docente em Educação Física - licenciatura, registradas em diário de campo, através de grupos focais e entrevistas, ambos gravados em um dispositivo digital e transcritos na íntegra. As análises, realizadas com o auxílio do software Nvivo 12, foram ancoradas nos estudos foucaultianos, de gênero e feministas, e apontam que os/as estudantes reproduzem um cânone esportivo em que a maioria dos homens ocupam posições privilegiadas, enquanto as mulheres são secundarizadas. Entretanto, muitas mulheres e alguns homens produzem resistências para acessar, permanecer e transformar o contexto das aulas, exigindo que professores utilizem estratégias pedagógicas inclusivas e oportunizem vivências equitativas na formação docente.

Palavras-chave: Gênero; Poder; Esportes; Formação docente

Resumen

Objetivamos analizar las relaciones de género y, en especial, los ejercicios de poder y resistencias que emergen entre los estudiantes en las disciplinas de los deportes colectivos en un curso de formación docente en Educación Física. La investigación es de inspiración etnográfica y contó con la participación de 86 estudiantes. Las fuentes de la investigación fueron producidas por las observaciones de las clases en la formación de profesores de Educación Física - licenciatura, registradas en diario de campo, grupos focales y entrevistas, ambos grabados en un dispositivo digital y transcritas en su totalidad. Los análisis, realizados con la ayuda del software Nvivo 12, se anclaron en los estudios foucaultianos, de género y feministas, y indican que los/las estudiantes reproducen un canon deportivo en el que la mayoría de los hombres ocupan posiciones privilegiadas, mientras que las mujeres son relegadas. Sin embargo, muchas mujeres y algunos hombres producen resistencias para acceder, permanecer y transformar el contexto de las clases, exigiendo que los docentes utilicen estrategias pedagógicas inclusivas y proporcionen experiencias equitativas en la formación inicial docente.

Palabras-clave: Género; Poder; Deporte; Formación docente

Abstract

Our aim is to analyze gender relations and, specifically, exercises of power and resistance that emerge among students in team sports classes in a Physical Education teacher formation program. The research is ethnographically inspired and involved the participation of 86 students. The research sources were produced by observations of classes in Physical Education teacher formation - education program, recorded in a field diary, through focus groups and interviews, both recorded on a digital device and transcribed in full. The analyses, conducted with assistance of Nvivo 12 software, were anchored in Foucauldian, gender, and feminist studies, and indicate that students reproduce the traditional sports canon in which most men occupy privileged positions, while women are relegated to secondary positions. Nevertheless, many women and some men create resistance to access, remain in and transform the classroom context, requiring teachers to use inclusive pedagogical strategies, and provide equitable experiences in teacher formation.

Keywords: Gender; Power; Sports; Teacher formation

Introdução

A espetacularização do esporte produz, e é produzida, em meio a gestos e resultados esportivos que flertam com a surpresa, o inusitado e o imponderável, acionando diferentes emoções e movimentando cifras milionárias, sobretudo, quando protagonizada pelos atletas homens. Não há dúvidas de que o esporte ocupa uma posição central na sociedade contemporânea e, tanto ontem quanto hoje, constitui um potente território de expressão, mas também de transformação das relações de gênero (Hall, 2005). Sua história denota que se erigiu como um espaço reservado ao masculino (Dunning; Maguire, 2010) e, em que pesem as suas mudanças, ainda se perpetua e se mantém como um lugar fortemente associado à masculinidade (Matthews, 2015), sobretudo, a hegemônica (Connell; Messerchmidt, 2013).

Nesse cenário, muitos são os discursos que regulam a participação das mulheres, os quais se movimentam entre diferentes campos, seja o médico, midiático ou jurídico, designando as mulheres como frágeis e sensíveis, afirmando a masculinização dos seus corpos quando potencializados, supondo a consequente perda de graça e da beleza (Devide, 2005; Jaeger; Goellner, 2011). Contudo, ancoradas nos estudos feministas e de gênero que questionam o predomínio dos discursos biológicos, compreendemos que as diferenças corporais que posicionam homens e mulheres hierarquicamente são construções sociais, culturais e históricas (Goellner, 2013), que se modificaram ou desapareceram ao longo do tempo em razão das lutas das mulheres pela ampliação da sua participação esportiva (Ferreira; Salles; Mourão; Moreno, 2013). No Brasil, atualmente, as mulheres estão inseridas em grande parte das modalidades esportivas e questionam, reagem, contestam e exibem feminilidades plurais frente aos discursos classificatórios que posicionam modalidades esportivas como masculinas ou femininas (Adelman, 2006; Jaeger; Goellner, 2011).

Na esteira dessas ideias, é necessário assumir que gênero é uma categoria útil de análise histórica (Scott, 1995), cuja compreensão alicerça-se na noção que os sujeitos performatizam gênero de modo engendrado, reiterado e cotidianamente (Butler, 2016). Nesse sentido, os corpos generificam e são generificados no campo esportivo, marcados pela sexualidade, deficiência, etnia/raça, fisicalidade, geração, classe social, os quais integram um emaranhado de experiências que limitam a participação de alguns/mas e potencializam a de outros/as (Goellner, 2010). A generificação dos corpos é continuamente atravessada pelas relações de poder, possibilitando-nos entender que o poder é exercido e organiza-se em redes, produzindo discursos e saberes (Foucault, 2018) que regulam a presença de determinados sujeitos no contexto esportivo, inclusive desde o período escolar (Altmann, 2015). Todavia, onde há poder, há também resistência, que opera de modo a modificá-lo, visto que o poder é relacional e, por isso, tensionado por múltiplos pontos de resistência, os quais se distribuem de modo irregular no tempo e no espaço (Foucault, 1999; 2018).

Nesse contexto, tais considerações estendem-se à formação docente em Educação Física, uma vez que esse campo emerge como um cenário em que diferentes relações de gênero e poder são constantemente ensaiadas, produzidas e reproduzidas, tornando-se um espaço propício às ações de resistência. Estudos mostram que a formação docente em Educação Física pouco aborda as relações de gênero no currículo obrigatório, ficando a questão a cargo do interesse dos/as professores/as ou de alguma situação conflitante que exija a discussão (Araújo, 2015; Santos, 2016). Ainda há futuros/as docentes que consideram as práticas corporais e esportivas distintas para homens e mulheres dentro do próprio curso (Santos; Silva, 2015). Isso é uma evidência de que os estereótipos de gênero presentes nos esportes produzem efeitos nos/as estudantes do curso de formação de professores/as, dificultando o exercício de consciência crítica em busca da transformação das suas futuras práticas docentes, reforçando a necessidade da inclusão dessas discussões ainda na formação inicial (Piedra; Rodríguez-Fernández, 2016).

A partir dessas considerações, objetivamos analisar as relações de gênero e, em especial, os exercícios de poder e resistências que emergem entre estudantes nas disciplinas de esportes coletivos em um curso de formação docente em Educação Física.

Caminhos metodológicos

Utilizamos uma abordagem qualitativa1 que se caracteriza pelo processo e interpretação do contexto pesquisado, situado em um cenário social, cultural e político, que coloca os/as pesquisadores/as como parte da produção da pesquisa (Creswell, 2014), recorrendo ao olhar inspirado na etnografia que propõe uma imersão no contexto a ser pesquisado (Angrosino, 2009).

Contamos com a participação de 86 estudantes de um curso de Educação Física - licenciatura matriculados/as, que frequentam as disciplinas de esportes coletivos, dos/as quais 15 são oriundos da disciplina de futebol, 28 de voleibol, 19 de basquetebol e 24 de handebol. Cada disciplina é composta por 60h incluindo aulas teóricas e práticas que aconteciam de acordo com a sua especificidade, ora em sala de aula, ora no ginásio poliesportivo ou, no caso do futebol, no campo.

As fontes de pesquisa foram produzidas a partir da observação participante, grupos focais e entrevistas individuais. As observações foram realizadas em cada disciplina entre agosto e novembro de 2019, pelo menos uma vez na semana, em visitas aos ginásios, campo de futebol e salas de aula, de acordo com a estratégia metodológica do docente responsável por cada uma dessas disciplinas. Todas as observações foram minuciosamente registradas em diários de campo (DC) (Creswell, 2014). Em um segundo momento, foram realizados 4 grupos focais (GF) (Barbour, 2009), sendo um de cada disciplina, constituídos ao todo por 25 estudantes que interagiram a partir de um roteiro de perguntas. Por último, realizamos 16 entrevistas semiestruturadas com 4 estudantes de cada uma das disciplinas. Utilizamos nomes fictícios para nos referirmos a eles/as. Para registrar as manifestações dos GF e das entrevistas, foi utilizado um dispositivo digital e, posteriormente, o material foi transcrito na íntegra. Assim, todas as fontes de pesquisa resultaram em 263 páginas digitadas, as quais foram submetidas à triangulação de dados, agregando os DC, GF e entrevistas para auxiliar a validar a qualidade do estudo (Gibbs, 2009).

Todo o material produzido foi organizado com o auxílio do software Nvivo 12 e, posteriormente, examinado com o uso das lentes da análise de discurso com inspiração foucaultiana, a qual nos autoriza a questionar discursos que são produzidos como verdadeiros em um dado momento. Ao mesmo tempo, nos permite percorrer as manifestações das descontinuidades e dispersões das relações que emergem entre os sujeitos dos enunciados, que se cruzam, se abandonam e se excluem, constituindo outros discursos (Foucault, 2014). Assim, procuramos analisar os discursos instituídos por um conjunto de enunciados que se repetem, transformam, reativam, inventam e reinventam, que são ditos e não ditos (Foucault, 2008), interrogando-os e multiplicando os seus sentidos e as suas possibilidades, que são fortemente atravessadas pelas relações de poder (Paraíso, 2014). Importa perceber os discursos que emergem entre homens e mulheres nas aulas de esportes coletivos e os processos discursivos que os constituíram ao longo do tempo, resultando em três feixes apresentados a seguir.

Os centros da quadra esportiva

O modo de jogar, o gesto esportivo, as habilidades, os momentos antes e depois das aulas e os intervalos possibilitaram um emaranhado de relações de gênero entre estudantes, homens e mulheres, nas disciplinas de esportes coletivos na formação docente em Educação Física. Para esmiuçarmos esse emaranhado, assumimos que as relações de gênero constituem as identidades dos sujeitos que são atravessadas por diferentes marcadores e interpeladas por múltiplas instituições sociais (Louro, 2014), entre as quais desponta o esporte. O campo esportivo é suscetível de reiterada performatividade, de acordo com o proposto por Butler (2016). É generificado e generifica os corpos dos sujeitos que o praticam, na medida em que engendra representações de homens e mulheres, educa, produz e interpela outros corpos a sua reprodução (Goellner, 2016).

Ancorada nessas noções, vasculhamos as fontes de pesquisa e notamos que, entre os diferentes enunciados que marcam os corpos de homens e mulheres, a habilidade esportiva e a força na intersecção com diferentes marcadores sociais despontam como elementos discursivos potentes que hierarquizam os corpos e são alvo de disputa no decorrer das aulas em que os jogos constituíam o centro do processo de ensino e aprendizagem. Vejamos:

Percebo que alguns homens arremessam mais forte, os três que notei são brancos, altos e possuem habilidades no esporte. Houve um momento que a Marcela, que participa na equipe de handebol da universidade, arremessou forte, e os colegas homens gritam: ‘ei!’, impressionados com a sua força (Myllena, 2019).

[...]

Na equipe B, Daniela fazia gols, mostrou ter grandes habilidades no futebol e jogava agressivamente nas disputas de bola individual. Também, o Maicon, estudante com autismo se mostrou bastante agressivo em situações de recuperação da posse de bola e constituiu a defesa da equipe (Myllena, 2019).

[...]

Eu acho que, na de vôlei, teve uma superioridade dos meninos no ataque. Com muita força assim [...] tipo, eu não ataco assim, e a Larissa e Maisa atacavam normal. Eu acho que eles [homens] fazem isso pra mostrar “olha como eu sou, como eu sei” (Manuela, 2019).

[...]

A menina estava livre e, mesmo assim, não passavam a bola pra ela e mesmo trocando de lugar, nota-se que o pessoal procura o mais habilidoso e não o melhor posicionado. E acho que isso dá bastante problema no esporte [...] (Inácio, 2019).

Os discursos que enunciam e posicionam homens e mulheres nas quadras esportivas indicam que tanto a força quanto a demonstração de habilidades autorizam certos sujeitos a ocuparem as melhores posições e as mais requisitadas no esporte. Nas quatro modalidades esportivas, observamos que o uso da força emerge como uma categoria discursiva que ancora a classificação dos corpos aptos e não aptos aos esportes. Se, por um lado, esse marcador historicamente representou e justificou o predomínio masculino no esporte, por outro, delegou às mulheres uma posição secundária em função de sua suposta fragilidade, delicadeza e graça (Hargreaves, 1986). Notamos que os sujeitos que se esforçam para exibir força e habilidade são, em sua grande maioria, homens brancos sem deficiência. Todavia, quando mergulhamos nos discursos que atravessam e constituem as práticas esportivas em aula, notamos que há homens com deficiências e mulheres que buscam protagonismo. Tais resultados corroboram os achados de outro estudo que afirma que a agressividade e a força no esporte são exercidas tanto por homens quanto por mulheres (Stanger; Kavussanu; Ring, 2016).

As análises dos excertos apresentados também nos permitem compreender que as posições centrais e periféricas nos espaços dos jogos integraram as relações de gênero no cenário pesquisado, localizando sujeitos em posições ora mais, ora menos privilegiadas. Embora tais lugares não definam todas as experiências dos sujeitos nas aulas esportivas, vale destacar que constituíram um feixe que complexificou as relações entre os/as estudantes no decorrer das disciplinas pesquisadas.

Assim, nas quatro modalidades esportivas, as atuações nas posições centrais nas quadras eram exercidas por homens e, raramente, por mulheres, ambos/as com habilidades, ao passo que as posições secundárias e marginais eram ocupadas pelas mulheres. As enunciações também sugerem que há sujeitos, comumente homens, que são requisitados pelas habilidades e não pela melhor posição, pois, mesmo quando as posições em quadra foram alternadas, preferiu-se aqueles com performances esportivas potencializadas. No entanto, ser homem e habilidoso possibilita atuar enquanto protagonista durante os jogos de quaisquer esportes, independente da distribuição das posições na quadra/campo.

Nesse sentido, ressaltamos que relações de gênero permitem que alguns homens mais privilegiados em questão de raça/etnia e classe dominem o território esportivo, porque esses atributos lhes dão mais possibilidades e recursos para o acesso ao esporte (Hall, 1990). Contudo, as nuances dessas relações, como, por exemplo, mulheres protagonistas da cena esportiva, podem ser efeito da masculinidade hegemônica que interpela mulheres a aderirem às mesmas atitudes que alguns homens utilizam como requisito para uma participação bem sucedida no esporte (English, 2017). Por outro lado, as reivindicações da 3ª onda feminista passam a assumir a competitividade enquanto comportamento inerente ao esporte (Hall, 2005) e não como exclusividade da representação do masculino (Goellner, 2016). Esses aspectos podem incentivar meninas a performar novas identidades e a romper com o binarismo de gênero (Azzarito; Katzew, 2010).

As fontes de pesquisa também indicam que os homens mais engajados no jogo esportivo utilizam os momentos de intervalo ou término das aulas para continuar a jogar e a desenvolver suas potencialidades esportivas. Esse recorte auxilia-nos a compreender os efeitos dos discursos que atravessam as aulas, os quais são produzidos e reproduzidos desde a Educação Física escolar, cujas estratégias e conteúdos educam de modo diferente meninos e meninas. No início e durante as aulas, os meninos experienciam atividades relacionadas ao futebol, por exemplo, enquanto as meninas ocupam os arredores das quadras, atuando em outras atividades que não são esportivas (Uchoga, 2012). Essas situações observadas não são prerrogativas brasileiras, pois estudos produzidos em escolas da Inglaterra e da África do Sul, realizados em momentos alternativos às aulas, constataram que os espaços e as atividades esportivas se direcionavam com maior frequência aos meninos - as meninas e alguns meninos eram por vezes excluídos/as e, invariavelmente, precisavam reivindicar espaços para jogar (Clark; Paechter, 2007; Mayeza, 2016). Portanto, essas representações que emergem da escola repetem-se na formação inicial de professores/as de Educação Física, criando um círculo vicioso, o qual dificulta o desmoronamento de relações de gênero desiguais que constituem as práticas esportivas.

Assim, percebemos que as habilidades esportivas e a demonstração da força associadas aos diferentes marcadores sociais manifestados constituíram um elemento central para determinados/as estudantes ocuparem posições privilegiadas nos jogos, em sua maioria, homens brancos sem deficiência e que performam a heterossexualidade. Tal situação possibilita-nos compreender que muitas vezes a formação docente deste local da pesquisa reproduz o cânone esportivo em que algumas mulheres abrem brechas e derrubam barreiras nesse contexto. Enquanto esse cenário acontece nos centros das quadras esportivas, outros sujeitos ocupam as suas periferias, como veremos no próximo feixe.

As periferias da quadra esportiva

As relações de gênero que emergiram das fontes de pesquisa constituíram sujeitos, marcados por enredos múltiplos, cujos efeitos posicionam diferentemente acadêmicos e acadêmicas nas disciplinas de esportes coletivos na formação docente. Homens e mulheres são construídos por meio de práticas discursivas reiteradas “[...] nas e pelas relações de poder” (Louro, 2014, p. 45), as quais possibilitam o exercício e a circulação do poder em rede (Foucault, 2018). Os sujeitos exercem poder e o movimentam de modo a “[...] incitar, induzir, desviar, tornar fácil ou difícil, limitar e ampliar, tornar mais ou menos provável [...]”, instituindo, assim, uma relação de forças (Eizirik, 2005, p. 74).

Enquanto alguns/mas estudantes exerciam poder, de diferentes formas, por mais de uma vez, outras/os eram posicionadas/os nas periferias das quadras/campos esportivos. A partir desse modo de olhar, examinamos os DC, os GF e as entrevistas e percebemos em diversos momentos que a maioria das mulheres e alguns homens possuíam uma participação coadjuvante nos jogos, momentos em que os homens se posicionavam como protagonistas da cena esportiva, como observamos nos excertos a seguir:

Monica não é procurada no jogo, ela recebeu a bola uma ou duas vezes, mesmo estando livre em quadra. Até o professor sugeriu aos colegas passarem a bola para ela, visto que todos/as os/as outros/as da equipe estavam marcados enquanto ela não, mas ninguém passou (Myllena, 2019).

[...]

Pois é. Tu fica numa posição mais inferior, que não tem tanta atuação assim em jogo, aí tu fica numa posição que já não tem muita atuação e aí o pessoal já não te passa a bola. E aí tu fica um jogo inteiro sem tocar na bola, como eu já passei, só correndo de um lado pro outro, fazendo de conta, só pra formar time (Camila, 2019).

[...]

O jogo continua, e os homens da equipe do João começam a percebê-lo mais no jogo, todavia, a bola passa mais entre os outros homens, bem como a maioria dos arremessos são protagonizados por eles. João é homossexual e seus trejeitos o afastam do comportamento padrão dos demais colegas e, embora possua certa habilidade para o esporte, ele é ignorado em aula (Myllena, 2019).

[...]

Outro momento que me chamou a atenção envolveu um aluno com deficiência que apresenta relativa habilidade esportiva. O levantador pouco passava a bola para ele. O número de vezes que o levantador passava a bola para a aluna em relação ao aluno com deficiência era muito maior. Até aconteceu um rally, e nenhuma vez o levantador passou a bola para ele (Myllena, 2019).

[...]

Um aluno quilombola, que comumente há a ausência de interação entre ele e a turma, desiste de participar das atividades na metade da aula. Começa a circular pelo ginásio de chinelo, bermuda, fones de ouvido e realizando batidas nas coxas, sugerindo o ritmo que está ouvindo (Myllena, 2019).

Ao analisar as fontes de pesquisa, observamos que as mulheres, no decorrer das vivências esportivas em aula, incorporam experiências marcadas pela pouca participação ou, frequentemente, pela total exclusão. Algumas vezes, acadêmicas com habilidade na modalidade em questão são deixadas em segundo plano, quando participam de equipes com predomínio masculino, no basquete, handebol, futebol ou voleibol, embora este último com menor frequência. Observamos que, para as posições privilegiadas dos homens nas análises anteriores serem mantidas, outros sujeitos precisaram sustentá-las, sendo posicionados como coadjuvantes em uma configuração relacional.

Assim, os discursos que produzem e reproduzem essas as relações que emergem do contexto esportivo nos possibilitam compreender que seus efeitos geram diferentes situações. Por exemplo, movimentar-se pelo espaço de jogo para preparar-se taticamente, mas não receber a bola; ocupar posições dos sistemas de jogo, que comumente já são menos requisitadas; desistir das atividades da aula e; no caso do voleibol, estar em uma posição de ataque e não receber a bola para exercer a função. Os sujeitos que vivenciam essas experiências, além das mulheres, são homens marcados pela homossexualidade, deficiência e/ou etnia não hegemônica e, nesses casos, independentemente das habilidades esportivas. Tal cenário demonstra a complexidade que marca os interstícios das relações de gênero nos esportes coletivos.

Os sujeitos que ocuparam as margens da arena esportiva no decorrer das aulas foram excluídos ou, espontaneamente, se posicionaram fora da quadra - eles exibiam em seus corpos marcas indeléveis de suas identidades. O que os unia era o fato de que seus corpos se afastavam do padrão festejado no contexto esportivo. O gênero, a deficiência, a etnia indígena e a orientação não heterossexual associam-se às baixas habilidades esportivas e à rejeição à competitividade, constituindo representações de interdependência em que as formas de opressão não são hierarquizadas na perspectiva da interseccionalidade (Auad; Corsino, 2018). Esses diferentes marcadores sociais, portanto, definem práticas excludentes no esporte (Goellner, 2010). Vale ressaltar que aqueles que destoam da masculinidade dominante no esporte, na qual impera a competitividade e as habilidades esportivas, também contribuem para diferentes situações de exclusão no cenário esportivo (Brito; Santos, 2013).

As entrevistas e as conversas dos GF corroboram com as cenas registradas nos DC, as quais reproduzem relações de poder que operam como limitantes da participação de homens que as experimentam quando escapam da representação de masculinidade hegemônica no esporte, a qual exige de antemão habilidades para uma participação bem sucedida (Connell; Messerchmidt, 2013), mas não só isso. Sobretudo, eles não podem apresentar qualquer deficiência e não se admite que a heterossexualidade não seja performada. Ao nos debruçarmos nas fontes de pesquisa, e perceber o dito e o não dito, notamos a centralidade da competitividade, requisito importante para afirmar a masculinidade referente, a qual produz efeitos que marginalizam sujeitos que não se encaixam em tais atributos e não o desejam da mesma forma (English, 2017).

A existência das enunciações tornou-se possível devido a discursos que estruturam as relações de gênero no esporte (Whitson, 1990), cujos efeitos da presença de sujeitos plurais produzem uma taxionomia na quadra esportiva, construindo redes de poder que posicionam outros como principais nos jogos, ou ainda, outros que são o “[...] efeito do poder e simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser um efeito, seu centro de transmissão” (Foucault, 2018, p. 285).

A partir das análises realizadas, questionamo-nos acerca dos discursos que são produzidos, na medida em que muitas mulheres e homens que fogem da masculinidade dominante não recebem a bola, não participam ativamente no jogo, não são convidadas/os a construir as jogadas, são empurrados/as às posições coadjuvantes. Que negociações, ações e reações emergem quando as relações de poder são exercidas? Ou, até mesmo, será que o poder “sempre se precipita de cima para baixo, do centro para a periferia”? (Foucault, 2018, p. 356). As próximas análises nos convidam a refletir sobre isso.

As resistências possíveis nas relações entre centros e periferias

As relações de gênero esmiuçadas no contexto das disciplinas de esportes coletivos visibilizam também ações de resistência que transformaram o exercício das relações de poder, pois, como afirma Foucault (2018, p. 360), “[...] podemos sempre modificar sua dominação em condições determinadas e segundo uma estratégia precisa”. Assim, torna-se necessário assumir que “[...] onde há poder, há resistência” (Foucault, 1999, p. 91). Essa teorização aguçou nossos olhares e possibilitou observar múltiplas ações de resistência empreendidas pelos/as estudantes que agem para acessar e permanecer no esporte e produzir outras redes de poder. Vejamos os seguintes excertos:

Em função de um desequilíbrio no placar entre as equipes, o professor parou o jogo e solicitou que todos/as se reunissem para se reorganizarem. Nisso, um dos alunos da equipe B disse para a aluna que estava no gol: “deixa eu atacar, tu tá levando muito gol”, como se ela não fosse capaz de exercer a função. Outro colega o reprimiu e disse: “tu tá sendo machista!”. Contudo, a estudante ficou em silêncio e permaneceu no gol. O jogo reiniciou (Myllena, 2019).

[...]

Mas não pelo fato do sexo, e sim pela sexualidade né? Por conta das características físicas, sociais, que eu me levo mais pro afeminado, e não pro lado mais masculino do ser homem, então sim, eu tenho que tá o tempo todo resistindo. [...] Ainda bem que sou uma pessoa que fala muito e tá sempre ativa, porque se eu fosse mais retraído, seria outra visão, outro tudo, então eu tô o tempo todo gritando, falando, chamando atenção, eu chamo atenção de todo mundo: “olha o que você tá fazendo” (João, 2019).

[...]

Daí a gente policiava os colegas nas aulas, parava o jogo as vezes, falava: ‘oh, tu tens que jogar pras meninas também, né?’. Porque a gente tá participando, não vai ficar em papel inferior a vocês. Foi assim mais ou menos (Luiza, 2019).

[...]

‘Então, por exemplo, quando a gente tá numa prática e eu falo pra um deles: ‘Ah! Tu não deixa eu jogar!’. Naquele momento ela resolve, por mais que volte acontecer, mas a fala tá sendo efetiva (Michele, 2019).

[...]

O Henrique, aluno com deficiência, se esforça a cada aula para aprender o voleibol. Sua intérprete, o professor, o Miguel e a Larissa o ajudam nisso e ele se mostra sempre muito atento a tudo que eles/as explicam. Hoje, suas habilidades já estão mais desenvolvidas do que no início do semestre (Myllena, 2019).

As enunciações permitem-nos notar que os/as estudantes, ao resistirem, ocupam a posição de sujeitos ativos que negociam as relações de poder, ao passo que refutam a ideia de serem oprimidos ou passivos (Azzarito; Solmon; Harrisson, 2006). Ao solicitar continuamente a bola, contestar o exercício do poder dos colegas, ignorar os discursos que objetivam reprimir, permanecer em quadra, movimentar-se e desenvolver suas habilidades motoras buscam afirmar sua presença no campo esportivo e visibilizar suas ações. Assim, constituem efeitos que operam estrategicamente para desestabilizar a hegemonia dos estudantes homens, brancos, sem deficiência, heterossexuais, competitivos e com as habilidades aperfeiçoadas. Essas resistências não funcionam de modo isolado, pois foram produzidas no decorrer do semestre letivo tornando-se cada vez mais efetivas, constituindo-se de diferentes formas enquanto “[...] possíveis, necessárias, improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias, planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliáveis, prontas ao compromisso, interessadas ou fadadas ao sacrifício” (Foucault, 1999, p. 91). São múltiplos os sujeitos que produzem diferentes resistências, mas, em grande parte, são mulheres e homens que performam corpos que se afastam do padrão hegemônico cultivado pelo campo esportivo. Contudo, são sujeitos que agenciam suas posições e produzem estratégias para inserir-se e permanecer no cenário esportivo, desafiando o ambiente que foi construído pelos ideais masculinos (Clark; Paechter, 2007).

As análises, ainda apontam que as diferentes ações de resistências também são produzidas por sujeitos que percebem os/as colegas enquanto alvos do poder que está sendo exercido no jogo. Assim, nesses casos, a resistência torna-se uma estratégia que outros sujeitos utilizam para tensionar o exercício do poder, na medida que são interpelados pelo seu efeito. Vejamos algumas situações:

Houve um período que estávamos eu, Alice, Simone e Monica observando o jogo e, ao perceber que João ficou sem tocar na bola, Alice gritou: ‘toquem a bola pro João! Que saco!’. Nada muda. Alice continuou: ‘o guri não tá recebendo a bola!’. Simone diz: ‘calma, Alice!’. Ela complementa: ‘mas é! Que saco!’. O jogo continua, e os outros homens da equipe do João começam a percebê-lo mais no jogo, embora ainda com escassa demanda (Myllena, 2019).

[...]

Em uma atividade de condução de bola de um ponto até outro do campo, chegou a vez da Cristiane. Entretanto, seu colega, alto e rápido, atravessou na sua frente, pegou a bola com o pé e a conduziu. Sua equipe reclamou: ‘que isso?’; ‘é a vez da Cristiane!’; ‘Volta! Não é tua vez!’. A expressão facial de Cristiane mostrava indignação e espanto (Myllena, 2019).

[...]

Às vezes eles passam a bola para mulheres que tem habilidades, e essas tocam para as colegas que ocupam posições secundárias, realizando um meio campo (Myllena, 2019).

[...]

Tem alguns guris da turma que tão sempre buscando passar a bola e, eles param pra olhar assim se a gente tá pegando a bola, as vezes eu escuto ‘ah passa a bola pra fulana, passa a bola pra cicrana’. Isso eu acho bem importante, até pra ajudar os outros colegas a se ligar também (Antônia, 2019).

Ao analisar os enunciados, compreendemos que são diversas as formas que os/as colegas utilizam para desestabilizar as redes de poder. Observamos que variam desde a enunciação para notar que o/colega não está ou está participando menos das jogadas, até ações dentro do jogo para integrar e envolver os/as estudantes que são menos requisitados/as. As resistências produzidas pelos sujeitos que são alvo do exercício do poder somadas a essas ações apresentadas por alunos/as que se sensibilizam com tais circunstâncias contribuem para que os sujeitos que não ocupam posições privilegiadas participem e permaneçam no jogo, produzindo uma multiplicidade de nós de resistências que se costuram e distribuem-se por toda a rede de poder, reorganizando-a e provocando outros sujeitos e/ou grupos a engajar-se em sua produção (Grabois, 2011).

Assim, as relações de poder e resistência que alteram as experiências dos sujeitos constituem-se por meio de práticas que são negociadas, consentidas, recuadas, requerem a construção de alianças, repulsas e que atuam para contestar a anulação desses sujeitos (Louro, 2014) nas aulas, seja ao verbalizar para acender as consciências dos demais estudantes, seja no envolvimento de todos/as no processo educativo. Nas palavras de Foucault (1999, p. 90), as diferentes formas de resistências agem como “[...] o papel de adversário, de alvo, de apoio, de saliências que permite a preensão [...] estão presentes em toda a rede de poder”.

Na esteira dessas ideias, percebemos que as resistências são exercidas no decorrer do processo de aprendizagem. Ao empregar esforços para ampliar as suas performances durante as aulas, anunciam uma ação possível para uma participação mais efetiva nos jogos. O ensaio dessas performances foi observado enquanto um dos requisitos para ampliar a atuação nas aulas e foi realizado mais vezes pelas mulheres. No entanto, importa salientar que isso não é suficiente e não garante a plena participação, como já discutido neste trabalho.

Assim, por meio de múltiplas estratégias de resistências as/os participantes passam a ocupar, em alguns momentos, o lugar de protagonistas e a produzir “[...] condições para se sustentarem numa prática tradicionalmente masculina e, como efeito, tensionam representações de gênero” (Silva; Nazário, 2018, p. 12). É por meio das práticas pontuais, específicas e transgressoras, como chamar atenção dos colegas, reivindicar junto aos colegas a participação ativa nos jogos, privilegiar aquelas/es que não são recrutados/as nas ações em campo, entre outras possibilidades, que é possível desestabilizar e alterar as relações de poder de modo que o objetivo não é eliminá-las, mas considerá-las como agente produtor de múltiplas resistências que se fazem possíveis na produção das transformações (Markula, 2003). Desse modo, assumem posições no território esportivo, rompem com as práticas que limitaram a participação e pelo fato de “[...] permanecerem no esporte já denota uma ação de resistência” (Jaeger; Gomes; Silva; Goellner, 2010, p. 261).

Embora as resistências almejem a equidade nas aulas de esportes coletivos, novos e renovados desafios precisam ser enfrentados, uma vez que novas formas de resistências emergem como necessárias para modificar os efeitos das redes de poder estabelecidas. Assim, importa perceber que essas ações não garantem a plena, efetiva e longa participação em aula, pois, como as próprias fontes de pesquisa exprimem e Foucault (1999) enuncia, as resistências são transitórias e não são reféns da produção de grandes revoluções, mas movimentam-se em diferentes pontos refazendo-se cotidiana e reiteradamente e produzindo, a cada vez, novas possibilidades de resistir às relações de poder.

Considerações finais

As relações de gênero produzidas pelos/as estudantes no decorrer das aulas das disciplinas de esportes coletivos no curso de formação docente em Educação Física - licenciatura despontam em meio às relações de poder e resistências exibidas em discursos ora gritantes, ora sussurrados, ora silenciosos, ora em movimento de enunciação, constituindo registros únicos, desassossegadores e plurais no campo de pesquisa. Algumas vezes, reproduzem relações que emergem do esporte e que educam homens e mulheres desde a infância, outras vezes produziam relações que fogem das linhas de regularidade, vazando para outras instâncias sociais, possibilitando-nos perceber que o campo de pesquisa é complexo e exige condições de possibilidades para enxergar o que está ali.

As quatro modalidades esportivas coletivas, embora organizadas com regras e objetivos diferentes, aproximam-se na medida que são marcadas por prática discursivas recorrentes. As posições protagonistas e o tempo em ação no jogo foram vivenciadas pela maioria dos homens brancos, que performam a heterossexualidade, e poucas mulheres, enquanto as situações coadjuvantes, os espaços marginais e as resistências foram mais vezes ocupadas e produzidas pelas mulheres e escassamente pelos homens, os quais inscreviam em seus corpos na não-heterossexualidade, na etnia indígena ou quilombola e/ou na deficiência. Assim, percebemos a necessidade de olhar essas relações de modo interseccional, o qual emana a consideração de que o cenário pesquisado é múltiplo e diverso. A habilidade e a demonstração da força apresentaram-se como um dos requisitos para uma participação mais efetiva. Entretanto, vale refletir sobre o quanto o desempenho esportivo é necessário para a atuação docente na escola, pois as abordagens críticas da Educação Física enunciam que seu objetivo é apropriar-se dos conhecimentos da cultura corporal em sua totalidade (Castellani Filho; Soares; Taffarel; Varjal; Escobar, 2009) ou abrir e ampliar o campo existencial do/a aluno/a na perspectiva do se-movimentar (Kunz, 2014).

Esse cenário mostra que ainda há muito o que fazer para que mulheres e homens marcados/as pela diversidade étnica, pelas distintas orientações sexuais, pelas múltiplas arquiteturas e potencialidades corporais participem ativamente das aulas de esportes coletivos na formação docente em Educação Física. Os resultados apontam que a masculinidade hegemônica produzida e reproduzida pelo cânone esportivo ainda é cultivada nas aulas e reverbera desde o período escolar até a formação inicial de professores/as. Entretanto, é preciso desconstruí-la e os cursos de formação docente em Educação Física são, ao mesmo tempo, o espaço central de sua produção e o lócus privilegiado de seu desmoronamento.

Por fim, as relações de gênero, poder e resistência que atravessam as disciplinas de esportes coletivos sugerem que os estudos feministas do esporte e os estudos de gênero precisam atravessar a construção dos currículos de formação docente. Sobretudo, os/as professores/as das disciplinas de esportes coletivos, envolvidos no processo de formação, necessitam apropriar-se de tais estudos, revendo suas estratégias de ensino cujos efeitos resultariam em um processo educativo permeado por saberes e práticas inclusivas e equitativas e, como um fenômeno em cascata, tais práticas seriam, primeiramente, vivenciadas na educação básica. Ao mesmo tempo, o questionamento de relações desiguais tensiona as relações de poder entre as práticas esportivas e a formação docente, produzindo múltiplas resistências. Romper os essencialismos e operar com noções que multiplicam as possibilidades de viver as masculinidades e as feminilidades é imperativo para uma formação humana, inclusiva e equitativa de professores e professoras.

Nota

1O projeto foi registrado na Plataforma Brasil e aprovado sob o número 18021219.2.0000.5346.

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Recebido: 15 de Agosto de 2023; Aceito: 05 de Outubro de 2023

Prof.ª Ms. Myllena Camargo de Oliveira, Escola Estadual de Educação Básica Tiradentes (Nova Palma, RS, Brasil), Grupo de Estudos em Diversidade, Corpo e Gênero, Orcid id: https://orcid.org/0000-0003-3600-8621, E-mail: myllenacamargo22@gmail.com

Prof.ª Dr.ª Angelita Alice Jaeger, Universidade Federal de Santa Maria (Brasil), Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento e Reabilitação, Grupo de Estudos em Diversidade, Corpo e Gênero, Orcid id: https://orcid.org/0000-0003-4998-1578, E-mail: angelita@ufsm.br

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