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Estudos em Avaliação Educacional

Print version ISSN 0103-6831On-line version ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.28 no.68 São Paulo May/Aug. 2017  Epub May 01, 2017

https://doi.org/10.18222/eae.v28i68.4752 

Artigos

Avaliação no contexto do laboratório Latino-Americano de avaliação da qualidade da educação1

Evaluación en el marco del laboratorio Latinoamericano de evaluación de la calidad de la educación

Evaluation in the context of the Latinamerican laborator y for the assessment of quality education

Sueli Ribeiro ComarI 

ICentro de Ciências Humanas, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Francisco Beltrão, Paraná, Brasil, sueli_ricomar@hotmail.com


RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar a concepção de avaliação adotada pelo Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação (LLECE), órgão ligado à Organização das Nações Unidas Para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A metodologia se constitui na interpretação dos documentos resultantes das atividades do Laboratório. Com o intuito de organizar a discussão, quatro tópicos são apresentados. Inicialmente, breves considerações sobre o histórico e a organização do LLECE. Na sequência, apontamentos referentes ao Primeiro Estudo Regional Comparativo e Explicativo (1997), as atividades do Segundo Estudo Regional Comparativo e Explicativo (2007) e, por fim, a síntese do Terceiro Estudo Regional Comparativo e Explicativo (2014). Como resultado, sinalizou-se que a avaliação em larga escala, no Brasil, converge com as orientações do LLECE nas últimas décadas. Constata-se a consolidação de um perfil meritocrata e gerencial para as práticas avaliativas.

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação em Larga Escala; Qualidade da Educação; Equidade; LLece

RESUMEN

El objetivo de este artículo es analizar la concepción de evaluación adoptada por el Laboratorio Latinoamericano de Evaluación de la Calidad de la Educación (LLECE), organismo vinculado a la Organización de las Naciones Unidas Para la Educación, la Ciencia y la Cultura (Unesco). La metodología se refiere a la interpretación de los documentos resultantes de las actividades del Laboratorio. Con el propósito de organizar la discusión se presentan cuatro tópicos. Inicialmente, breves consideraciones sobre el historial y la organización del LLECE. A continuación, consideraciones relativas al Primer Estudio Regional Comparativo y Explicativo (1997), a las actividades del Segundo Estudio Regional Comparativo y Explicativo (2007) y, por fin, la síntesis del Tercer Estudio Regional Comparativo y Explicativo (2014). Como resultado, señalamos que la evaluación en gran escala en Brasil converge con las orientaciones del LLECE en las últimas décadas. Se constata la consolidación de un perfil gerencial y basado en la meritocracia para las prácticas evaluativas.

PALABRAS CLAVE: Evaluación En Gran Escala; Calidad de la Educación; Equidad; LLece

ABSTRACT

This article aims to analyze the concept of evaluation adopted by the Latin American Laboratory for the Assessment of Quality Education (LLECE), an agency linked to the United Nations for Education, Science and Culture Organization (Unesco). The methodology consists in interpreting the documents resulting from the Laboratory activities. In order to organize the discussion, four topics are presented, starting with brief considerations on the LLECE history and organization. Then, some notes will follow on the First Regional Comparative and Explanatory Study (1997), the activities of the Second Regional Comparative and Explanatory Study (2007) and, finally, we will discuss the synthesis of the Third Regional Comparative and Explanatory Study (2014). As a result, we observed that, in Brazil, large-scale assessment has converged with the LLECE guidelines in the last decades. A consolidation of a merit-based and managerial profile of assessment practices was also noted.

KEYWORDS: Large-Scale Assessment; Quality Education; Equity; LLece

INTRODUÇÃO

O objetivo do texto é analisar a concepção de avaliação adotada pelo Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação (LLECE) nas últimas décadas, bem como o reflexo desse processo para a avaliação em larga escala no Brasil. Isso justifica a importância de se apresentarem os estudos do Laboratório à literatura nacional, denominando-o uma rede internacional de avaliação educacional criada em 10 de novembro de 1994, na Cidade do México, com a pretensão de identificar os níveis e padrões do aprendizado escolar para a região latino-americana, levando em conta os fatores internos e externos à aprendizagem (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA - UNESCO, 1998, p. 14). De forma cooperativa, busca a modernização e a qualificação dos sistemas de ensino, sendo a avaliação um dos meios mais importantes para se alcançarem essas metas.

Assim, conhecer essa instituição é fundamental para compreender as entrelinhas desse processo que não se concretiza de modo impositivo. Consolida-se, sim, como parte do projeto desenvolvimentista para a América Latina, para o qual a educação é abancada como condição para o fim das desigualdades e injustiças sociais. A avaliação em larga escala complementa esse projeto, por ser concebida pela Organização das Nações Unidas Para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como o melhor caminho para a modernização e quantificação desse setor. Evangelista (2014, p. 27) analisa que as

[...] questões envolvendo a qualidade se tornam slogans, cabíveis em qualquer projeto educacional, sob qualquer perspectiva. As reformas que apelam para o bordão qualidade conquistaram a aceitação popular.

Além disso, reler sobre as políticas avaliativas que emergem do LLECE nos faz compreender que a conjuntura na qual a avaliação se insere decorre do paradigma da escola eficaz. Por meio dessa concepção, os organismos internacionais orientam que os sistemas avaliativos dos países considerem indispensáveis fatores como liderança profissional; visão e metas compartilhadas pelos agentes educativos; ambiente de aprendizagem; concentração no processo ensino-aprendizagem; expectativas elevadas para os resultados; reforço e premiação das atitudes positivas; monitoramento do progresso educativo; e divulgação dos resultados da eficiência alcançada em educação.

Vale ressaltar algumas problematizações as quais norteiam as análises postas neste artigo, tais como: há convergência entre as orientações do LLECE e os instrumentos de avaliação em larga escala elaborados no Brasil? As avaliações em larga escala revelam a configuração do Estado regulador em educação? O grande número de testes para medir a qualidade da educação está ligado à perspectiva que os resultados possam cooperar para o avanço desse setor? É possível dizer que as avaliações têm incorporado um perfil meritocrata e de monitoramento nas últimas décadas?

Levando em conta a importância da temática para a consolidação de práticas avaliativas menos meritocratas, expomos a estrutura do artigo o qual se encontra organizado em quatro tópicos que se complementam quanto aos aspectos teóricos relacionados à avaliação em larga escala. Inicialmente, breves considerações sobre o histórico e organização do LLECE. Na sequência, os apontamentos referentes ao Primeiro Estudo Regional Comparativo e Explicativo (Perce) (1997), as atividades do Segundo Estudo Regional Comparativo e Explicativo (Serce) (2007) e, por fim, a síntese do Terceiro Estudo Regional Comparativo e Explicativo (Terce) (2014). A reflexão sobre esses estudos esclarece qual concepção de avaliação a Unesco utiliza para estruturar seus projetos e orientações aos países em desenvolvimento.

LLECE

O LLECE2 constitui-se em uma

[...] rede internacional de avaliação educacional e seu principal objetivo é a identificação dos níveis e padrões do aprendizado escolar para a região latino-americana, levando em conta os fatores internos e externos à aprendizagem. (UNESCO, 1998, p. 14)

De modo integrado aos países membros, procura a modernização e a qualificação dos sistemas de ensino, sendo a avaliação um dos meios mais importantes para alcançar essa meta.

A partir de acordos entre governos locais e internacionais, essa instituição avaliativa foi criada em 10 de novembro de 1994, na Cidade do México, constituída pela

[…] Assembleia de Coordenadores Nacionais e uma Secretaria Executiva junto à OREALC, com sede em Santiago do Chile. Inicialmente, contava com a participação da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Honduras, México, Paraguai, Peru, República Dominicana e Venezuela. Na atualidade participam os países latino-americanos salvo a Venezuela e a Bolívia. (BRASIL, 2007, p. 21)

A consolidação dessa instituição já havia sido prevista nas conferências realizadas pelas atividades do Projeto Principal da Educação, processo que indicou a necessidade da Conferência Mundial de Educação para aproximar os direcionamentos políticos e econômicos internacionais dos países membros, o que culminou no evento de Jomtien, em 1990.

Pela organização dessa conferência, apresentou-se a preocupação sobre a qualidade em educação:

[...] a educação que hoje é ministrada apresenta graves deficiências, que se faz necessário torná-la mais relevante e melhorar sua qualidade, e que ela deve estar universalmente disponível. (UNESCO, 1990, p. 4-5)

Os apontamentos feitos em Jomtien (1990) constituíram- se, mais tarde, na expressão maior do LLECE, ou seja, a busca pela qualidade em educação por meio da montagem de um sistema complexo de avaliações externas e comparações entre regiões.3 O que nos apresenta a leitura dos documentos relativos aos trabalhos da Unesco é uma tendência a certa imediaticidade no que se refere à criação de indicadores quantitativos para avaliar a educação e programar medidas para melhorar os resultados e o controle do desempenho das escolas da América Latina. Para Casassus (2009, p. 72), é nesse contexto que “ocorre a passagem de um enfoque centrado na quantidade para outro, cujo centro seria a qualidade, entretanto, o que é qualidade nunca foi debatido a contento”. Isso porque qualidade vai muito além dos índices e avaliações pontuais.

No caso do Brasil, sua participação nas avaliações elaboradas pelo LLECE tem sido intensa desde 1994, incentivada pelo processo de redemocratização do país, momento de ampliação dos interesses nas atividades da área de avaliação não apenas nas séries iniciais da educação básica, mas em todos os níveis de ensino. A avaliação torna-se uma dinâmica educacional aliada às reformas administrativas que se consolidavam:

O Ministério da Educação, por meio do Inep, assumiu a responsabilidade que lhe cabia, estruturando desde 1988 um processo de avaliação da educação básica, em escala nacional, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), para fornecer subsídios para apoiar a formulação, reformulação e monitoramento de políticas voltadas para a melhoria da qualidade da educação no Brasil. A participação do Brasil no Laboratório foi assumida como uma complementação ao Saeb pela incorporação de modernas técnicas e metodologias, que o Laboratório coloca à disposição dos países membros, e pelo enriquecimento do banco de itens nacional, cuja formação estava começando. (BRASIL, 2007, p. 25)

Para o Ministério da Educação (MEC), a falta de dados confiáveis apresentava-se como empecilho à qualidade desse setor, em um tempo no qual as novas tecnologias eram anunciadas como insumo essencial para o país desenvolver- -se. Portanto, o formato avaliativo proposto pelo LLECE foi muito bem-vindo, por oferecer um perfil eficiente, com recursos e estrutura capazes de apontar, de modo focalizado e confiável, os problemas em educação.

A justificativa para a intensa participação do país nesse processo seria os benefícios, como apoio internacional às novas tecnologias, modelos de formulários e questionários, troca de experiências para se construir certa autonomia avaliativa, aumento do debate sobre padrões de qualidade nesse setor, fortalecimento dos diálogos sobre os resultados em educação e criação de marcos comparativos entre os ministérios das localidades avaliadas. Esse último fundamental no desenvolvimento quantitativo da educação, uma vez que os países com resultados menos satisfatórios poderiam ser ajudados mutuamente pelos que apresentassem melhores colocações nos rankings. Frente a esse caráter competitivo dado à avaliação, Afonso (2001, p. 26) argumenta

[…] que a presença do Estado-avaliador ao nível do ensino não-superior expressa-se sobretudo pela promoção de um ethos competitivo que começa agora a ser mais explícito através da avaliação externa (exames nacionais, provas aferidas ou estandardizadas).

Há a pretensão de um caráter quantitativo que se consolida por avaliações e apreciações pautadas na excelência, qualidade, marketing e competição.

O aprimoramento dos instrumentos avaliativos deu--se, também, pela constatação de que na maioria dos países havia três formas comuns para se verificar a qualidade da educação, quais sejam: a inspeção escolar, que embora eliminada em alguns países reaparece em novos formatos na década de 1990; testes ou provas aplicados para avaliar a qualidade da educação de sistemas; e, por fim, a autoavaliação escolar pautada no princípio da participação de todos os componentes da escola na busca conjunta pela melhoria da qualidade.

Nessa conjuntura, as provas e autoavaliações foram aperfeiçoadas e remodeladas, pois, segundo a Unesco (BRASIL, 2007, p. 18), “a avaliação modernizada poderia se constituir em instrumento primordial no reconhecimento dos problemas educacionais da Região”. Seria o afastamento de modelos limitados de provas e medições estanques e a aproximação de uma avaliação regional para além da sala de aula, com estudos sobre as condições e os fatores escolares e extraescolares os quais pudessem alterar a aprendizagem.

De modo simultâneo às atividades do Projeto Principal de Educação, com destaque para a Conferência do Chile (UNESCO, 1993), assinalaram-se amplas metas a serem cumpridas pelos países membros, tais como: a necessidade de constituir modernos modelos de performance nacionais e sistemas de avaliação de resultados do processo educativo; instigar pesquisas sobre os fatores que determinam a qualidade educacional; redesenhar os sistemas de coleta e processamento da informação e divulgação sobre a realidade de cada país.

Tomando como base as categorias padronização, informação e mecanismos de acompanhamento, elabora-se a primeira avaliação (“externa”) para analisar a situação educacional dos países membros e, posteriormente, incentivá-los:

[À] melhoria da qualidade da educação ministrada nas escolas dos países da região, [à] qualidade dos sistemas e subsistemas educacionais e [à] diminuição das graves desigualdades sociais que ocorrem na região e que se tornam evidentes tanto no interior de cada país quanto a partir de um olhar comparativo internacional. (BRASIL, 2007, p. 28)

A tutoria dessa tarefa foi assumida pelo Escritório Regional da Unesco para América Latina e o Caribe (OREALC), localizada em Santiago do Chile. Inicialmente, sete países participaram da avaliação, entre eles Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, Equador, República Dominicana e Venezuela, tomando-se por base avaliações dispersas que haviam sido realizadas nessas localidades entre 1989 e 1993.

Esse novo projeto avaliativo da América Latina com técnicas e instrumentos modernizados implicou custos operacionais, sendo que as primeiras atividades foram financiadas com recursos provenientes do Fundo de Operações Especiais, Banco Interoamericano de Desenvolvimento (BID), OREALC, Ford Foundation, Unesco e dos países envolvidos nesse projeto. Atualmente, as contribuições financeiras que subsidiam o LLECE são provenientes dos países que apoiam as iniciativas, além de instituições como Fundação Santillana, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entre outras.

No que se refere à colaboração proveniente do BID, essa se constituía em um caráter não reembolsável com perfil humanitário. Na década de 2000, o Banco Mundial deixa de repassar recursos para o LLECE, embora os dados coletados por essa instituição sejam utilizados por essa instituição para proposição de políticas de colaboração internacional.4

A verificação das avaliações feitas pelo laboratório aos países latino-americanos sinaliza o estabelecimento de metas e prioridades estratégicas, as quais se consolidaram em orientação conceitual para as avaliações realizadas pelo LLECE quando da elaboração dos questionários referentes aos fatores associados à aprendizagem desses países.

A primeira meta trazida pelo documento refere-se aos conteúdos e práticas pedagógicas para construir sentido acerca de nós mesmos, dos outros e do mundo em que vivemos. A segunda centra-se nos docentes e no fortalecimento de seu papel relevante nas mudanças educacionais para responder às necessidades de aprendizagem dos alunos. A terceira implica a gestão e a flexibilização dos sistemas educacionais para oferecer oportunidades de aprendizagem efetiva ao longo da vida e, por fim, a responsabilidade social pela educação para gerar compromissos com o seu desenvolvimento e resultados (BRASIL, 2007, p. 21).

Dentre os objetivos específicos do LLECE, consta a modernização dos sistemas de ensino dos países membros, com estratégias definidas a partir de cinco pontos fundamentais, conforme exposto no documento do MEC-Inep (BRASIL, 2007, p. 21):

  1. Programar um sistema regional de avaliação dos níveis de qualidade da aprendizagem. Para a UNESCO, esta ferramenta consolida uma forma de avaliação comparativa dos níveis de qualidade da aprendizagem em Linguagem e Matemática das crianças matriculadas no ensino fundamental nos países da América Latina e do Caribe;

  2. Solidificar sistemas de acompanhamento e monitoramento dos resultados de avaliação. Este processo implica na coleta, disseminação, entrega e capacitação para o uso dos resultados pelos técnicos dos sistemas educacionais dos países. Pretende-se, ainda, a identificação das áreas de risco bem como os possíveis avanços de cada região referentes às disciplinas de Espanhol ou Língua Portuguesa e Matemática. A análise dos fatores que originam as fragilidades é a base para gerar alternativas de solução à melhoria da formação do professor, sua relação com os conteúdos, com os alunos e sua atuação de modo geral;

  3. Consolidação de um sistema de pesquisas comparativas e orientadas para a tomada de decisões, quer em termos de macropolítica, quer de aspectos pontuais do processo educacional. A identificação e definição dos temas de investigação ficam sob a responsabilidade da UNESCO/OREALC e dos países. Há que levar em conta as prioridades de cada país, além de critérios técnicos, financeiros e institucionais;

  4. Orientação técnica aos ministérios da Educação dos países, bem como a capacitação de pessoal para atuar na elaboração das avaliações, condizentes às especificidades regionais. Este processo se consolida mediante consultorias de curto prazo, seminários específicos, ou emprego de tecnologias a distância para consultas do desempenho de cada localidade;

  5. Organização e fortalecimento técnico do próprio Laboratório, processo que visa a maior credibilidade dos trabalhos. Para isso, uma equipe de trabalho é formada por um coordenador geral, juntamente com especialistas para consolidação dos objetivos.

Desde a institucionalização do LLECE, ocorre uma ampliação na forma de analisar a avaliação da qualidade da educação, por meio de políticas públicas que envolvam quatro objetivos:

Produzir informação sobre ganhos de aprendizagem e fatores associados dos países da região; gerar conhecimento sobre avaliação de sistemas educacionais e seus componentes: alunos, docentes, escolas, programas, políticas, dentre outros; contribuir com novas ideias e enfoques sobre avaliação da qualidade da educação; contribuir para o fortalecimento das capacidades locais das unidades de avaliação dos países. (BRASIL, 2007, p. 22)

Entre o cumprimento de metas e objetivos para verificação dos resultados da educação, a Unesco e a OREALC organizam sistemas integrados para verificação dos aspectos que avançaram ou retrocederam no percurso das avaliações externas, desde a década de 1990.

Por meio de amplas avaliações, o LLECE analisa o desempenho dos países e, com base nesses resultados, orienta políticas focadas nas áreas que possam apresentar índices menos eficazes. São estudos comparativos realizados desde 1997, com finalidade de acompanhar, identificar, analisar e orientar mecanismos para a melhoria da educação. A análise desses estudos dá pistas de como os modelos avaliativos, realizados primeiramente pelo LLECE, foram incorporados nos testes e avaliações dos países aliados a essa instituição.

A seguir apresentaremos as três atividades realizadas pelo Laboratório, quais sejam: Perce (1997), Serce (2007) e Terce (2014). Embora a apresentação desses trabalhos se dê por itens separados neste artigo, a intenção é identificar as categorias adotadas em cada encontro, considerando que tais categorias se tornaram a base para a formação do sistema avaliativo no Brasil.

PERCE

A análise documental das atividades do LLECE sinaliza que esse primeiro estudo representa o início de uma longa fase de orientações às políticas de avaliação em larga escala da região porque identifica as localidades nas quais a qualidade da educação alcança os mais baixos níveis de desenvolvimento. Essa constatação desencadeia uma etapa de significativas reformas nos sistemas de avaliação em larga escala. Inovadores instrumentos de mensuração e comparação são anunciados como fórmula de cooperação e ajuda mútua entre os países, processo que possibilitaria a igualdade educacional entre esses.

O Perce ocorreu em 1997, justificado pela ideia de que os países que alcançassem um ranking próximo ou abaixo da média poderiam trocar experiências e sugestões altruístas com os países com resultados positivos no setor educacional. Além disso, o LLECE entende que esses dados comparativos podem originar políticas de focalização e racionalização dos insumos financeiros e materiais considerados indispensáveis para a educação de qualidade.

La relevancia del contenido de este Informe radica así, en que los encargados de la toma de decisiones encontrarán información para apoyar los procesos de racionalización y focalización de los recursos hacia procesos que comprobadamente favorecerán el mejoramiento de lacalidad y equidad de la educación que reciben más de sesenta y cuatro millones de niñas y niños de Educación Primaria de la Región. (UNESCO, 2001, p. 3)

A leitura dos documentos aponta, também, a intenção do Laboratório de construir estratégias de cooperação de dados tecnicamente confiáveis para sensibilizar e motivar os países e as instituições avaliadas a criar técnicas eficientes para solucionar os possíveis desníveis em educação.

Esse documento, que se organiza em cinco capítulos, mostra como a Unesco compreende os fatores que influenciam a avaliação da aprendizagem da América Latina. Lembramos que, para essa análise, não nos pautaremos nos resultados dos estudos realizados pelo LLECE, mas em perceber o formato, os conceitos e os consensos formativos presentes nas avaliações elaboradas em contexto internacional e, em seguida, estruturadas em âmbito nacional.

Para a realização do primeiro estudo, o Laboratório definiu como universo de investigação o nível de desenvolvimento em Linguagem e Matemática, mais fatores associados referentes ao terceiro e quarto anos da educação básica. A escolha das áreas se justifica, segundo a Unesco, porque o domínio e a integração da Leitura e Escrita podem ser percebidos já no início da escolaridade, sendo que as outras áreas, como Ciências e Geografia, por exemplo, restringem-se ao grau de escolaridade seguinte.

Com critérios definidos pelo LLECE, o primeiro estudo e o levantamento de dados foram realizados no Brasil, em outubro de 1997, em uma amostra de escolas públicas e privadas. Reiteramos que todos os resultados obtidos por ocasião do primeiro estudo executado pelo LLECE foram expostos e discutidos com o MEC e o Inep: “a participação do Brasil em estudos internacionais sobre a qualidade da educação é uma das diretrizes e metas fundamentais do Inep” (BRASIL, 2007, p. 13). Entre os critérios utilizados pelo governo brasileiro estão os aspectos comparativos dos dados, podendo implicar medidas emergenciais e avaliações mais pontuais, dependendo dos resultados.

Desse ponto de vista, os fatores associados consistem na base de análise do Laboratório, na busca da qualidade da educação, tão relevantes quanto os conhecimentos específicos das áreas de ensino. A utilização de fatores externos nas avaliações é justificada pelos seguintes argumentos (UNESCO, 2001, p. 5):

Entre las razones de tipo práctico que globalmente han llevado, a estudiar los factores que se asocian con la educación de calidad, se encuentran: i) la competencia internacional en el campo económico que requiere de mayores y mejores niveles educativos en la mayoría de las personas; ii) el crecimiento en los gastos educativos que demandan tener en cuenta otros indicadores educativos más allá del rendimiento académico; iii) que actualmente, la calidad de la educación (considerando sus elementos de equidad y excelencia) es una meta que persigue la mayoría de los países y que se evalúa con datos objetivos disponibles; iv) que ya sea que los sistemas educativos estén en camino de la autonomía y descentralización o de la centralización, hay una mayor demanda por la evaluación homogénea de resultados en relación con variables asociadas a él; v) que las integraciones regionales de cualquier tipo y la globalización, requieren mayor homogeneidad educativa.

Identificamos que o LLECE reconhece o contexto amplo que norteia a avaliação. Mas, ao mesmo tempo, identifica fatores como o contexto familiar, a relação entre pais e filhos, a escolaridade dos responsáveis, a participação dos pais na escola, a satisfação dos professores quanto a salário, condições de trabalho, tempo de formação, gestão democrática e trabalho coletivo na escola, eficiência do diretor e autonomia e descentralização da escola diante das iniciativas governamentais.

De modo abrangente, o Perce possibilitou à Unesco o conhecimento da realidade sobre diferentes graus de competência dos alunos, bem como a verificação das condições de qualidade e equidade em educação.

Como resultado político desse primeiro estudo, temos orientações políticas de alfabetização, reestruturação curricular, formação e certificação de professores, aquisição de equipamentos tecnológicos, entre outras sugestões que compõem o cenário de reformulações no campo educacional.

Reiteramos a similaridade e os impactos dessas orientações no Brasil após 1990, por meio de políticas como os Parâmetros Curriculares Nacionais, Plano Nacional da Educação, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, legislações que se compõem de metas a serem atingidas em curto prazo, o que indica uma dinâmica com sinais do mercado, pautada em resultados imediatos e com certo grau de linearidade.

Desse contexto, identificamos uma centralidade curricular em áreas específicas do campo avaliativo para o qual a prioridade está na Leitura e Escrita. Na contramão da perspectiva da Unesco, Freitas (2015, p. 5) avalia que os países latino-americanos precisam repudiar propostas que visam a:

  • consolidação de um sistema de educação baseado na preparação para o teste e não na formação de fato, que idiotiza a juventude restringindo sua formação à escolha de alternativas em testes padronizados;

  • simplificação curricular da formação dos jovens enfatizada no estudo apenas das disciplinas que são objeto dos exames, sonegando-lhes uma formação vasta que contemple o desenvolvimento das artes, do corpo, e que os conduza ao desenvolvimento da criatividade e da inovação, tão cruciais no próprio desenvolvimento econômico contemporâneo;

  • conservadorismo moral e comportamental sobre as crianças desfavorecidas, que recuperam teorias já descartadas pela ciência em relação à interpretação da formação da personalidade das crianças e seu desenvolvimento socioemocional.

Partilhamos, também, dessa preocupação porque as políticas elaboradas desde 1990 nutrem um caráter receituário e prescritivo para a avaliação. Nesse processo, convergem as recomendações e metas a serem cumpridas, sem considerar o contexto social, emocional, econômico e, principalmente, o tempo pedagógico que cada pessoa precisa para sua aprendizagem. Assim,

[...] há que se construir uma estratégia alternativa que recoloque os processos de medição de desempenho dos alunos em seu devido lugar - desgastados que foram pelas políticas neoliberais ávidas por premiar e punir professores e alunos. (FREITAS, 2005, p. 930)

Esse lugar apontado pelo autor certamente não condiz com políticas legitimadoras da exclusão educacional, mas comprometidas com as questões sociais e com a democratização da escola, apesar do descrédito desse discurso. A seguir destacamos o resultado do Serce realizado pelo Laboratório. O objetivo é identificar o perfil avaliativo priorizado para o estudo, podendo aproximar-se ou afastar- -se de uma avaliação enquanto processo formativo.

SERCE

Dando sequência aos trabalhos realizados pelo LLECE, organizou- se, em 2007, o Serce. A partir dos resultados do primeiro estudo, buscou-se a identificação de fatores que ainda limitavam a qualidade da educação na região. Para essa segunda etapa avaliativa, 16 países participaram das atividades: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai, além do estado mexicano de Nuevo León. Para a Unesco, esse envolvimento favoreceu a consolidação de aprendizagens sobre os significados das avaliações externas, pois a qualidade educacional dos países ainda demandava grande empenho por parte de todos.

Diferentemente do primeiro estudo, que se limitou aos terceiro e quarto anos do ensino fundamental, a Unesco orientou a ampliação das áreas estudadas, incluindo Matemática, Linguagem (Leitura e Escrita) e Ciências Naturais, das terceira e sexta séries do ensino fundamental, para verificação da aprendizagem.

Gerar conhecimento sobre as aprendizagens de linguagem, matemática e ciências, e sobre os fatores associados aos alunos da 3ª e 6ª séries da educação primária, para apoiar os países na melhoria de suas políticas e práticas educacionais, com o propósito de oferecer uma educação com maior qualidade e equidade. (BRASIL, 2007, p. 36)

Para garantir os padrões homogêneos dos dados, a Unesco selecionou, primeiramente, o universo da pesquisa com os alunos das terceira e sexta séries do ensino fundamental no final de 2005 e 2006. Excluíram-se escolas com educação de jovens e adultos, não presenciais ou que ofertavam educação especial. Escolas indígenas foram excluídas pelo fato de muitos alunos ainda não se apropriarem da Língua Portuguesa. Assim, nessa seleção incluíam-se apenas alunos matriculados nas escolas regulares contempladas com vagas universais.

No que se refere aos fatores que podem influenciar a aprendizagem, o Serce vai além dos fatores contemplados no primeiro estudo. Com as novas exigências que se colocam aos países membros no que compete à qualidade da educação, o Laboratório propôs identificar e analisar o universo cotidiano dos alunos das terceira e sexta séries e suas particularidades, como: a moradia; a relação entre pais ou responsáveis; e a organização das turmas, seus professores, escolas e diretores.

Quanto ao tamanho da escola, três categorias foram selecionadas para todos os países participantes: pequena - escola com uma só turma da série em estudo; média - escola com duas ou três turmas da série em estudo; e grande - escola com quatro ou mais turmas da série indicada.

Esse segundo estudo foi realizado no final do ano letivo, o que resultou na diferença de número de alunos em relação à matrícula inicial devido à desistência escolar nesse período. Outro fato percebido foram os problemas cotidianos com a saúde dos educandos, problemas familiares, temporada de chuva, precariedade no transporte, entre outros que impediram o alcance a um maior número da população, especificamente no Brasil.

Destacam-se, no quadro abaixo, categorias ou marco de referência utilizados pela Unesco nas avaliações da região, lembrando que essas têm sido frequentes nos formulários avaliativos elaborados pela Secretaria de Educação Básica brasileira.

QUADRO 1: Referências para o Serce (o que se avalia?) 

A interpretação do quadro sugere que o Serce trata com maior ênfase a equiparação curricular entre os países, processo ainda tímido no primeiro estudo.

Além das áreas específicas, verificam-se as habilidades para a vida, como valores e potencialidades para o enfrentamento dos desafios atuais, em uma perspectiva que se aproxima das considerações expostas no livro de Jacques Delors (2001) Educação: um tesouro a descobrir. Muito mais que a meritocracia individual, a avaliação em larga escala, enviesada por esses moldes, descentraliza os resultados, visto sempre na lógica do empenho e esforço individual das escolas.

Na contramão da concepção avaliativa da Unesco demonstrada no quadro, reiteramos a importância dos países perceberem que

A avaliação é um caminho promissor em direção à concretização do direito à educação; não pode ser reduzida a medida de proficiência dos alunos, nem seus resultados serem interpretados exclusivamente como responsabilidade das escolas, dos alunos e suas famílias. (SOUZA, 2014, p. 418)

Outro elemento a ser destacado na análise do documento do Serce é a orientação do LLECE para que as escolas avaliadas insiram, em seus currículos, tópicos que possibilitem o enfrentamento de desafios da existência, pois as crianças de hoje serão os dirigentes do amanhã e a escola precisa prepará- las para essa missão.

Nesse sentido, há preocupação com o processo de alfabetização dos meninos e meninas, uma vez que eles carecem avançar para o letramento, compreendido como a leitura para além do ato mecânico, posto que as novas tecnologias exigirão, cada vez mais, pessoas com habilidade mecânicas e interpretativas no mundo do trabalho.

Feitas essas considerações, encaminhamos a discussão para a última etapa de avaliação realizada pelo Laboratório, qual seja, o Terce, realizado em 2013.

TERCE

A entrega do Terce aconteceu em Brasília, em 2014. Nesse encontro, firmaram-se acordos com os governos da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e com o estado mexicano de Nuevo León.

Para o Brasil (2015), esse terceiro estudo foi fundamental para a participação dos países, para expor suas expectativas sobre as avaliações externas e promover a cultura da avaliação por meio da instalação e capacitação de eficazes questionários investigativos. Assim, a leitura do documento indica centralidade na avaliação como principal critério para identificar as fragilidades que ainda impedem a equidade social. Ainda segundo o Inep (BRASIL, 2015, p. 2), que acompanhou os trabalhos do LLECE, são cinco as razões que justificam a participação dos países no Terce:

  1. O Laboratório Latino-americano de Avaliação da Qualidade da Educação (LLECE) pauta seus estudos em análises curriculares dos países participantes e seus questionários são construídos a partir de parceria;

  2. O Estudo toma como ponto basilar os fatores associados ao rendimento escolar, uma vez que a Unesco é conhecedora das condições sociais da Região. Tal conhecimento garante que as recomendações que emanam desse estudo sejam apropriadas para o contexto de políticas públicas no qual serão utilizadas;

  3. Este Estudo (TERCE), conta, também, com módulos nacionais de fatores associados, os quais estão fundamentados em hipóteses levantadas pelos próprios países e cujos itens foram desenhados em estreita colaboração com eles. Isso permite aos países estudar fatores associados específicos à sua realidade e pertinentes às suas políticas nacionais;

  4. Se constitui em um dos poucos estudos existentes no mundo que avalia habilidades em escrita, e é o único que realiza essa análise educacional nos países da América Latina;

  5. Nos trabalhos do TERCE são avaliados estudantes do ensino fundamental de 3ª série/4º ano e 6ª Série/ 7ºAno, níveis educacionais fundamentais para o futuro das pessoas no que compete à formação para o trabalho. É uma etapa do processo educacional no qual as políticas públicas baseadas em evidências, constatadas de forma sistemática, podem fazer a diferença para o futuro de alunos provenientes de entornos vulneráveis, buscando assim a equidade do sistema.

A exposição dos documentos relativos ao Terce tem como objetivo evidenciar a consolidação dos testes padronizados direcionados para a América Latina nas últimas décadas e o alcance desses em séries específicas de ensino.

Diferentemente das duas etapas anteriores, a padronização avaliativa avança dos terceiro e quarto anos para o sétimo ano do ensino fundamental. Em contrapartida, as áreas avaliadas permanecem na Leitura, Escrita e Ciências, como demonstra o quadro.

Entre os pontos similares dos documentos disponibilizados pela Unesco estão a ênfase na educação básica, a padronização curricular entre os países, a leitura dos fatores associados como elementos determinantes na aprendizagem dos alunos, a formação para o trabalho, as competências emocionais e interpessoais e os valores e atitudes como meio adaptativo do aluno ao seu entorno.

O acompanhamento desses fatores internos ou não à escola se justifica, segundo o Laboratório, porque há muitas desigualdades entre os países avaliados, o que implica expandir cada vez mais o alcance à educação básica como condição para a igualdade e redução da miséria almejada para a região.

[…] desse modo, a educação passa a ter uma função política específica nas diferentes fases da cooperação técnica, segundo a evolução do projeto econômico do Banco. Esse conjunto de políticas é suportado por princípios retoricamente humanitários de equidade, combate à pobreza e de autonomia local. (FONSECA, 1998, p. 6)

No entanto, o LLECE não atribui diferenças entre escolas urbanas públicas, urbanas privadas nem rurais, considerando os fatores sociais das turmas e das escolas. Relata, ainda, que escolas com pouca estrutura não apresentam relação significativa com o baixo desempenho, justamente porque os resultados dependem da gestão escolar e dos domínios pedagógicos de cada instituição.

Outro dado significativo nos documentos do Terce é o caráter permanente da avaliação, uma vez que esse é um processo ao longo da vida. Assim, a inovação de ferramentas para medir a eficácia dos sistemas educativos é elemento primordial para o monitoramento dos avanços ao direito à educação. Com esse objetivo, intenciona-se:

Redesenhar, elaborar e colocar em prática um sistema de avaliação da qualidade dos aprendizados em Língua e em Matemática, nos níveis de educação básica dos países da região; estabelecer um sistema de acompanhamento, monitoração e disseminação dos resultados da avaliação, de modo a motivar e a capacitar os dirigentes educacionais na utilização desses resultados, na tomada de decisões sobre reformas e políticas educativas; Fortalecer a capacidade técnica dos Ministérios da Educação, na área de avaliação da qualidade. (BRASIL, 2013 p. 32)

Cabe discutir em que medida as ações, apontadas na citação, consolidam-se no cenário nacional. Como se dá o retorno aos países membros após a avaliação dos resultados e índices educacionais locais, propostas e reorientação para a América Latina, diante de resultados pouco significativos?

Sobre a consolidação de um sistema de avaliação da qualidade da educação, mostramos, ao longo deste estudo, que nas últimas décadas novos modelos investigativos foram firmados, a exemplo da Provinha Brasil, Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) e o amplo Programme for International Student Assessment (Pisa), direcionado aos educandos na faixa etária de 15 anos, concluintes da educação básica.

Não por acaso inserimos o Pisa na pauta da discussão, visto que ele se estrutura no mesmo contexto e padrão das avaliações elaboradas pela Unesco, o que sinaliza um alinhamento entre as políticas de avaliação em níveis nacional e internacional.

Esse programa é coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas sua aplicação está sob a responsabilidade dos países que aderem a essa avaliação em larga escala, objetivando atender à demanda de modernização de seus sistemas de ensino. No Brasil, o Pisa é coordenado pelo Inep e foi implantado em 2000.

Chama atenção o fato de o Pisa incorporar de forma clara as orientações sobre avaliação lançadas pelo Laboratório, principalmente no que se refere à mensuração dos fatores externos ou para além dos conhecimentos adquiridos nas disciplinas escolares:

A operacionalização de esquemas cognitivos de leitura, pré-requisito básico para que os aprendizes possam continuar seus estudos de forma autônoma. A partir dessa premissa, o Pisa avalia a capacidade de jovens para usar seus conhecimentos e habilidades para enfrentar os desafios da vida em sociedade, tendo em vista um mundo em transformação. (BRASIL, 2000, p. 29)

Para além da Leitura e da Escrita, as avaliações orientam- -se, ainda, na construção de um currículo interdisciplinar e, nesse processo, os questionários avaliam indicadores referentes à forma de financiamento da escola; ao seu caráter disciplinar; às condições estruturais da sala de aula quanto a tamanho e ventilação; aos recursos tecnológicos, como a existência de computadores e outros recursos; à duração da jornada escolar; à qualificação dos professores; e às expectativas dos docentes na gestão democrática (BRASIL, 2000). Tal processo ocorre por meio de monitoramento do desempenho dos funcionários e alunos, bem como da verificação dos aspectos emocionais e pessoais desses.

Portanto, o breve comparativo entre as avaliações do Pisa e as avaliações estruturadas pelo LLECE é mais um indicativo da similaridade entre os conceitos e formas pelas quais as avaliações consolidaram-se no Brasil nas últimas décadas.

A partir de um panorama mais amplo sobre os três estudos realizados pelo Laboratório, indicamos que não houve mudanças nas categorias utilizadas pelo LLECE, visto que desde a primeira avaliação, realizada em 1997, seguem-se os mesmos objetivos, normativas e metas relacionados à gestão, fatores externos à aprendizagem, leitura e escrita.

Outra questão que nos parece similar nos três estudos analisados é o lugar ocupado pelo bom desempenho, ou performance, dos alunos e suas instituições. O sucesso ou o fracasso são medidos no plano micro da escola, nos insumos e pessoas, fato que naturaliza e retira, da avaliação em larga escala, a complexidade e o autoritarismo exercido sobre os sistemas de ensino.

Não é com políticas culpabilizantes e formas autoritárias de controlo, nem mesmo com bonificações conjunturalmente compensatórias, que se pode dignificar a profissão docente e conseguir que a escola pública passe a estar ao serviço, não de uma discriminação classista e meritocrática (encoberta por uma suposta neutralidade ou igualdade formal de oportunidades), mas sim ao serviço de uma pluralidade de excelências. (AFONSO, 2014, p. 494)

Mas a cobrança da eficiência dos sistemas de ensino, evidenciada nos documentos do Laboratório, não ocorre de modo isolado. Em seu entorno, outros consensos são necessários, como a gestão eficiente, o esforço pessoal e a busca da igualdade social pela via da igualdade educacional.

Outro aspecto relevante é a forma como novas categorias neoliberais são acrescidas aos modelos avaliativos. No primeiro estudo realizado pelo LLECE, a dinâmica avaliativa enfatizava questões ligadas à descentralização, ênfase nos resultados imediatos, eficiência da escola e metas a serem alcançadas em tempo determinado. Isso reflete as mudanças do papel do Estado, na década de 1990, cuja prioridade para a educação correspondia ao perfil de mercado. De outro modo, na década de 2000, não se exoneram as categorias da década anterior, mas se acrescenta um modelo de avaliação enquanto monitoramento, comparação e divulgação de resultados, ou seja, categorias ligadas à escola meritocrata.

Esse conjunto de manifestações avaliativas com caráter empresarial adotado pelos governos convertidos ao neoliberalismo cria, na educação e nas escolas, uma condição desumana, pois nenhuma ética é utilizada quando se trata da obtenção de resultados. Não é demais apontarmos que, em muitas escolas, crianças são separadas das demais, em dias de avaliações pontuais, como forma de garantir uma colocação positiva no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

Entre esses e muitos outros elementos que nos incomodam, esperamos que este texto sinalize para uma avaliação que não se limite em atender à lógica do mercado. Como analisa Freitas (2015, p. 1), “no mercado, existem ganhadores e perdedores. É da sua natureza. Na educação, só devem existir ganhadores”. Que as políticas para a avaliação em larga escala, orientadas por projetos desenvolvimentistas, possam ser repensadas no contexto de um projeto nacional de educação. Do contrário, reforçaremos, certamente, efeitos severamente negativos para a educação do país.

Vale ressaltar que os apontamentos feitos sobre as atividades do Laboratório não pretendem um desmerecimento em relação a essa instituição, que no cenário educacional tem contribuído para identificar situações caóticas da educação em certas regiões da América Latina.

No entanto, nossa preocupação é a forma como os modelos avaliativos são adotados pelos países, muitas vezes sem a análise da distância conceitual, política e econômica que separam o ponto de partida da política até o local de aplicação das avaliações. Temos, também, o fato de dispormos de um imenso sistema avaliativo, mas que raramente contribui com mudanças efetivas nas escolas avaliadas. Além do aspecto comparativo e meritocrata, tímidas mudanças consolidam-se no que se refere à reorganização dos espaços pedagógicos e avaliativos.

Das lições apreendidas, temos consciência de que apenas um amplo e moderno sistema de avaliação não garante a qualidade da educação no país. Embora a concepção da Unesco sobre avaliação, revelada nos documentos, sinalize uma perspectiva que se aproxima dos anseios do mercado, da meritocracia, da qualidade total e da comparação de resultados entre localidade e instituições, esses parâmetros não podem ser naturalizados entre os pesquisadores e profissionais da educação, especialmente porque o que precisa nos mover é a concepção de qualidade como apropriação intelectual e prática, mudança da qualidade de vida e, principalmente, processo humanizador no seu mais amplo sentido.

Referências

AFONSO, A. J. Reforma do estado e políticas educacionais: entre a crise do estado-nação e a emergência da regulação supranacional. Educação & Sociedade, Campinas, SP, v. 22, n. 75, p. 15-32, ago. 2001. [ Links ]

AFONSO, A. J. Questões, objetos e perspectivas em avaliação. Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior, Campinas, SP, v. 19, n. 2, p. 487-507, jul. 2014. [ Links ]

CASASSUS, J. Uma nota crítica sobre a avaliação estandardizada: a perda de qualidade e a segmentação social. Sísifo: Revista de Ciência da Educação, Lisboa, n. 9, p. 71-78, maio/ago. 2009. [ Links ]

FONSECA, M. O Banco Mundial como referência para a justiça social no terceiro mundo: evidências do caso brasileiro. Revista da Faculdade de Educação, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 37-69, jan. 1998. [ Links ]

FREITAS, L. C. Qualidade negociada: avaliação e contra-regulação na escola pública. Revista Educação & Sociedade , Campinas, SP, v. 26, n. 92, p. 911-933, out. 2005. [ Links ]

SOUZA, Sandra Zákia. Concepções de qualidade da educação básica forjadas por meio de avaliações em larga escala. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 19, n. 2, p. 407-420, jul. 2014. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/avaliação >. Acesso em: 12/03/2015 [ Links ]

1Este texto é parte da tese de doutorado intitulada Projeto principal de educação da América Latina e Caribe e Projeto Regional para Educação: repercussões na política de avaliação em larga escala no Brasil, orientada pela Profª Dra. Maria Cecilia Lorea Leite, coorientada pelo Prof. Dr. Jarbas dos Santos Vieira e financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundação Araucária.

2No Brasil, são escassos os estudos sobre o LLECE. Até o momento, apenas um texto foi publicado: CASTRO, Maria Helena Guimarães de; PESTANA, Maria Inês Gomes de Sá; MARTE, Maria Alejandra Schulmeyer. O Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação: um mecanismo de integração político- -social. Em Aberto, v. 15, n. 68, p. 49-57, out./dez. 1995. Em 2017, continuo a pesquisa sobre essa instituição, por meio de visita técnica ao escritório da Unesco, no Chile. Assim, todas as análises sobre o Laboratório constam deste artigo.

3Nesta pesquisa os termos Regiões/Região fazem referência aos países Latino-Americanos.

4Esses dados foram coletados em entrevista com o diretor do Llece realizada no Escritório Regional da Unesco-Chile, em maio de 2015.

Recebido: Junho de 2017; Aceito: Julho de 2017

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