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Estudos em Avaliação Educacional

versão impressa ISSN 0103-6831versão On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.28 no.68 São Paulo maio/ago. 2017  Epub 01-Maio-2017

https://doi.org/10.18222/eae.v28i68.4848 

Entrevista

Avaliações e pesquisas educacionais internacionais: entrevista com Andreas Schleicher

Evaluaciones e investigaciones educativas internacionales: entrevista con Andreas Schleicher

Gabriela Miranda MoriconiI 

Adriana BauerII 

Tradução:

Ana Paula RenestoIII 

IPesquisadora da Fundação Carlos Chagas (FCC), São Paulo, São Paulo, Brasil, gmoriconi@fcc.org.br

IIPesquisadora da Fundação Carlos Chagas (FCC), São Paulo, São Paulo, Brasil, adbauer@fcc.org.br

IIIFaculdade de Educação, Universidade de São Paulo, SP, SP, Brasil, paularenesto@usp.br


RESUMO

Nesta entrevista, Andreas Schleicher, Diretor de Educação e Assessor Especial em Política Educacional da Secretaria Geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), comenta sobre o papel da OCDE e, em especial, do Programme for International Student Assessment (PISA), no contexto educacional internacional, sua relação com atores da comunidade educacional, bem como os impactos de sua atuação. A entrevista aborda, ainda, aspectos relativos à participação do Brasil em programas e projetos educacionais da OCDE.

Palavras-chave: Avaliação internacional; Pesquisa Comparada; PISA; OCDE

RESUMEN

En esta entrevista, Andreas Schleicher, Director de Educación y Asesor Especial en Política Educacional de la Secretaría General de la Organización para la Cooperación y Desarrollo Económico (OCDE), comenta sobre el papel de la OCDE y, en especial, del Programa Internacional de Evaluación de Estudiantes (PISA), en el contexto educativo internacional; su relación con actores de la comunidad educacional; así como los impactos de su actuación. La entrevista aborda asimismo aspectos relativos a la participación de Brasil en programas y proyectos educativos de la OCDE.

Palabras clave: Evaluación Internacional; Investigación Comparada; PISA; OCDE

ABSTRACT

In this interview, Andreas Schleicher, Director for Education and Sills, and Special Advisor on Education Policy to the Secretary-General at the Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD), comments on the role of the OECD and, in particular, of the Program for International Student Assessment (PISA), in the international education context, its relationship with actors in the educational community, as well as the impacts of its performance. The interview also addresses aspects related to Brazil’s participation in OECD educational programs and projects.

Keywords: International Assessment; Comparative Research; PISA; OECD

APRESENTAÇÃO

Andreas Schleicher é Diretor de Educação e Assessor Especial em Política Educacional da Secretaria Geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Andreas tem graduação em Física pela Universidade de Hamburgo, na Alemanha, e mestrado em Matemática pela Universidade de Deakin, na Austrália. Antes de ingressar na OCDE, Andreas foi Diretor de Análises da IEA (International Association for Educational Achievement), onde ajudou a desenvolver o TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study). Dentre as principais ações da Diretoria de Educação da OCDE sob seu comando, destacam-se o PISA (Programme for International Student Assessment), a TALIS (Teaching and Learning International Survey) e análises sobre políticas e sistemas educacionais. Na entrevista, discute- -se o papel da OCDE e, em especial, do PISA, no contexto educacional internacional; sua relação com pesquisadores, gestores de políticas e outros atores da comunidade educacional; bem como os impactos de sua atuação nos níveis nacional, subnacional e das escolas. A entrevista aborda, ainda, alguns aspectos relativos à participação do Brasil em programas e projetos educacionais da OCDE.

EAE: Sabe-se que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) trabalha em estreita colaboração com analistas e formuladores de políticas de países membros e não membros para desenvolver análises e melhores práticas em educação. Contudo, a relação da OCDE com universidades e instituições de pesquisa e pesquisadores é menos clara. Como a OCDE interage com eles? A Organização promove iniciativas específicas para apoiar pesquisas sobre políticas e práticas educativas? Como um pesquisador pode explorar a base de conhecimento e dados da OCDE?

AS: Na verdade, trabalhamos muito com as universidades. A maioria dos nossos instrumentos, como o Programme for International Student Assessment [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes] e o Teaching and Learning International Survey [Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem], são desenvolvidos com a ajuda de acadêmicos e universidades de ponta. Também trabalhamos com uma rede de universidades para construir conexões globais. E temos um programa de trabalho para ajudar os sistemas de ensino superior a olhar para outros países. Toda a base de conhecimento e dados da OCDE está disponível on-line, e também damos suporte aos pesquisadores a respeito de suas dúvidas. Nos últimos anos, também temos um programa de bolsas com o qual os pesquisadores podem trabalhar na OCDE para realizar sua pesquisa.

EAE: Países com diferentes condições econômicas e sociais têm aderido cada vez mais às iniciativas da OCDE. As escolas nesses países geralmente enfrentam mais desafios que as escolas na maioria dos países membros da OCDE, tais como o atendimento em vários turnos e salas de aula superlotadas. Que estratégias a OCDE aplica para levar em conta essas diferenças? Como a OCDE pode tentar lidar com as agendas desses países?

AS: Sim, estamos tentando apreender o contexto em que as escolas e os sistemas de ensino funcionam de forma cada vez mais detalhada, para que possamos fazer comparações significativas. Recentemente, com a iniciativa PISA for Development [PISA para o Desenvolvimento], adaptamos os instrumentos do PISA especificamente para países em desenvolvimento, e isso inclui até mesmo avaliar habilidades relevantes de estudantes que não estão matriculados na escola. E, comparando escolas e sistemas educacionais, podemos levar em conta essas diferenças em nossos modelos estatísticos. Mas, mesmo quando se comparam escolas similares em vários países, encontram-se diferenças incríveis. Por exemplo, os alunos que estão entre os 10% mais desfavorecidos no Vietnã têm habilidades matemáticas melhores que os alunos que estão entre os 10% mais privilegiados na maior parte da América Latina. É importante entender que o mundo não está mais dividido entre os países que são ricos e têm educação de qualidade e aqueles que são pobres e têm educação de baixa qualidade. Os países podem optar por desenvolver um sistema de educação melhor e, se eles conseguirem, isso será muito recompensador.

EAE: Parece que a OCDE mudou seu papel ao longo do tempo: ela passou da apresentação de análises para um envolvimento maior com o aconselhamento a respeito de políticas públicas. Alguns críticos argumentam que a Organização deveria abster- se de recomendar a adoção de políticas específicas. Eles apontam a incerteza da eficácia dessas políticas e questionam o uso da abordagem “um mesmo modelo serve para todos os casos” (da expressão em inglês, “one size fits all”). Na opinião dos críticos, a OCDE deve restringir o seu papel a produzir informações e ajudar as pessoas a usá-las para decidir sobre as melhores práticas para seus contextos. Como você vê essas críticas? Qual é o papel institucional da OCDE?

AS: Na verdade, raramente dizemos aos países o que fazer; nossa abordagem é dizer aos países o que todos os outros no mundo têm feito e com que grau de sucesso. Tentamos ajudar os formuladores de políticas a encontrar respostas em vez de dar-lhes respostas. Nosso objetivo é ajudar os países a melhorar a qualidade, relevância e equidade na aprendizagem; e as estratégias a alcançar podem ser muito diversas no contexto de diferentes países.

EAE: Além disso, pode-se notar que o PISA está desempenhando um papel fundamental para a integração de países sob uma agenda educacional global para melhorar a educação, o que pode entrar em conflito com questões educacionais locais. Como você vê essa relação entre as agendas globais e locais na educação?

AS: Creio que as perspectivas globais e locais são complementares. Sim, alguns dizem que o benchmarking internacional funciona contra a diversidade nos sistemas educacionais e desvaloriza as culturas locais. Eles alegam que usar um padrão internacional para aferição pressiona os países e regiões a perderem sua identidade individual. Mas eu argumentaria o contrário. No escuro, todas as instituições e sistemas educacionais parecem iguais e são justamente as comparações internacionais que lançam luz sobre as diferenças e mostram o que pode e deve ser reformado. São as comparações internacionais que nos permitem ver a natureza diversa das políticas e práticas educacionais e extrair benefícios desse conhecimento para a concepção e implementação de políticas e práticas.

Talvez o mais importante seja que uma perspectiva internacional oferece aos formuladores de políticas e aos profissionais uma oportunidade de ter uma visão muito mais clara de seus próprios sistemas educacionais, revelando mais sobre as crenças e estruturas subjacentes. Tal perspectiva pode conter um espelho revelador para mostrar as características distintivas, os pontos fortes e fracos. Essa compreensão mantém a promessa de que os sistemas educacionais possam ser mais bem entendidos e depois mudados e melhorados.

Creio que existem muitos muros entre os sistemas educacionais, com poucas oportunidades para os países olharem para as políticas educacionais desenvolvidas e implementadas fora de suas fronteiras. Não há muito aprendizado com a experiência de outras pessoas. É por isso que as comparações internacionais como o PISA são tão importantes. Elas podem mostrar o que é possível na educação em termos de qualidade, equidade e eficiência dos serviços educacionais alcançados pelos líderes da educação no mundo; elas podem promover uma melhor compreensão de como diferentes sistemas de educação lidam com problemas semelhantes; e elas podem ajudar a estabelecer metas significativas em termos de objetivos mensuráveis alcançados pelos líderes da educação no mundo.

EAE: Quando a OCDE compartilha melhores políticas e práticas, assume tanto uma responsabilidade ética como técnica. Quais são os critérios éticos e técnicos adotados pela Organização para identificar e compartilhar melhores políticas e práticas?

AS: Os critérios éticos giram em torno do futuro das crianças. Nosso programa Education 2030 [Educação 2030] especifica os conhecimentos, as habilidades, os valores e as atitudes que acreditamos que ajudarão as crianças a pensar por si mesmas e a trabalhar com e para os outros. Os critérios técnicos giram em torno da relevância, validade e confiabilidade das comparações.

EAE: Mais especificamente, existem algumas críticas devido à natureza dos dados produzidos pela OCDE e seu uso. O desenho do PISA e da TALIS, por exemplo, é em cross-section, o qual se restringe a permitir extrair correlações entre diferentes medidas. No entanto, os relatórios e as apresentações da Organização geralmente contêm algumas recomendações relativas a essas correlações ou até mesmo fazem uso de termos como efeitos, que dão a ideia de causalidade. Quais são as diretrizes que a OCDE dá a seus analistas para produzirem informações com base nesse tipo de dados?

AS: Sim, muitas das nossas fontes de dados são em cross-section, e por si só não permitem inferências causais. A educação é altamente carregada de valor. Os sistemas se desenvolvem por motivos históricos que refletem os valores e as preferências dos pais, alunos, administradores, políticos e muitos outros. Mas os responsáveis por tomar decisões na educação podem se beneficiar de comparações internacionais, da mesma forma que os líderes empresariais aprendem sobre a gama de fatores que levam ao sucesso, inspirando-se nas lições dos outros e depois adaptando-as ao contexto local. Não se trata de especificar uma fórmula para o sucesso. Não se trata de prescrições de políticas. Trata-se de descrever a experiência dos países cujos sistemas educacionais se revelaram excepcionalmente bem-sucedidos para, assim, ajudar a identificar opções de políticas para outros. E, quando extraímos inferências, nunca é com base apenas nos dados, mas sim em inúmeras informações.

EAE: O PISA tem dirigido sua atenção para questões além do desempenho do aluno, como podemos ver no relatório publicado recentemente, PISA 2015 Results (Volume III): Students’ Well-Being [Resultados do PISA 2015 (Volume III): o bem-estar dos estudantes]. Esse tipo de iniciativa deve ser incentivada, já que fornece dados que podem melhorar a pesquisa sobre um tema muito importante. Mas há muitas outras questões tão importantes quanto o bem-estar dos estudantes. Por que esse tema foi escolhido? Como um tema entra na agenda do PISA?

AS: Os temas são escolhidos pelos países participantes, e essas escolhas são difíceis porque refletem tanto o que é importante quanto o que é possível avaliar. O uso da avaliação por computador no PISA significa que uma ampla gama de conhecimentos e habilidades pode ser testada agora. A avaliação do PISA 2012 das habilidades criativas de resolução de problemas, a avaliação do PISA 2015 das habilidades colaborativas de resolução de problemas e a avaliação do PISA de competências globais, planejada para 2018, oferecem exemplos para isso. Mas nem tudo pode ser testado com tais abordagens. O desenvolvimento de medidas de habilidades sociais e emocionais é mais desafiador. Mas, mesmo nesse aspecto, o relatório Skills for Social Progress [Habilidades para o progresso social], publicado pela OCDE em 2015, mostrou que muitos de seus componentes agora podem ser medidos de forma significativa. Dito isso, levará muito tempo para que avaliações como o PISA possam representar adequadamente os recursos fundamentais necessários para o aprendizado e desenvolvimento humanos, tais como: o verdadeiro, o campo do conhecimento humano e da aprendizagem; o belo, o campo da criatividade, da estética e do design; o bom, o campo da ética, do justo e bem ordenado, o campo da vida política e cívica; e o sustentável, o campo da saúde natural e física.

EAE: A pesquisa mostra de forma consistente que as estratégias de algumas escolas para melhorar os resultados em avaliações nacionais estão, na verdade, contribuindo para aumentar as desigualdades. Qual é o papel das avaliações internacionais, como o PISA, nessa questão? Elas podem apoiar os governos para superarem essas desigualdades ou elas apenas pressionam por mais competição e, portanto, mais disparidades?

AS: Mostrar que a qualidade e a equidade na educação podem ser conciliadas tem sido um dos temas mais importantes do PISA. Na verdade, o PISA mostra reiteradas vezes que a maioria dos sistemas educacionais de melhor desempenho também são os que alcançam altos níveis de equidade. Mais importante do que isso, o PISA dá aos países uma ampla orientação sobre como melhorar a equidade em oportunidades e resultados educacionais.

EAE: Mais do que desempenhar um papel na política em nível nacional, o PISA for Schools [PISA para Escolas] parece inovar ao descer até o nível da escola. Quais são os objetivos do PISA for Schools? Um município brasileiro, Sobral (Ceará), acaba de anunciar que algumas escolas locais participarão dessa iniciativa. O que podemos esperar disso? Como as escolas e os formuladores de políticas podem se beneficiar de sua participação no PISA for Schools?

AS: Com o PISA for Schools, estamos tentando dar às próprias escolas as ferramentas para olhar para fora. E as escolas estão começando a usar esses dados. Em setembro de 2014, abri a primeira reunião anual de escolas nos Estados Unidos que tinham participado da prova, e foi encorajador ver o quanto elas estavam interessadas em comparar-se não apenas com as escolas vizinhas, mas com as melhores escolas em nível internacional. Em Fairfax County, Virgínia, dez escolas tinham começado uma discussão de um ano envolvendo diretores e professores, com base nos resultados dos primeiros relatórios, com a ajuda das diretorias de ensino (e a OCDE). Eles estavam examinando seus dados em maior profundidade para comparar suas escolas entre si e com outras escolas ao redor do mundo. Esses diretores e professores começaram a se ver como companheiros de time, e não apenas como espectadores, num jogo global. Em outras palavras, em Fairfax County, grandes bancos de dados (da expressão em inglês “big data”) começaram a construir uma grande confiança.

EAE: Entre 2003 e 2015, o desempenho do Brasil em matemática no PISA melhorou 21 pontos apesar de o país ter aumentado consideravelmente a matrícula dos alunos na escola - uma melhora notável, de acordo com a OCDE. No entanto, o mesmo não aconteceu em ciências e leitura, cujos resultados permaneceram estáveis nesse período. Isso é bastante intrigante, uma vez que a maioria das políticas federais e locais implementadas nesse período concentraram-se em melhorar o desempenho dos alunos em matemática e leitura. Você tem alguma hipótese de por que o desempenho do Brasil melhorou em matemática, mas não em leitura, apesar de ambos receberem investimentos similares? Você tem conhecimento de casos semelhantes? AS: Isso foi estudado em detalhes no relatório nacional sobre o Brasil no PISA.

EAE: O governo brasileiro enviou recentemente um pedido formal para integrar a OCDE. Se o Brasil se tornar membro dela, como a participação do país nos projetos e programas educacionais da OCDE mudará? Como a comunidade educativa brasileira pode se beneficiar dessas mudanças?

AS: O Brasil já é um membro ativo da maioria das principais iniciativas de educação da OCDE.

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