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Estudos em Avaliação Educacional

versão impressa ISSN 0103-6831versão On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.28 no.69 São Paulo set./dez. 2017  Epub 01-Dez-2017

https://doi.org/10.18222/eae.v28i69.4095 

Artigos

Análise multinível da Transição estudantil do curso técnico para o ensino superior

Análisis multinivel de la transición estudiantil del curso técnico a la educación superior

A multilevel analysis of students’ transition from technical courses to higher education

Paula Elizabeth Nogueira SalesI 

Rosemary Dore HeijmansII 

Carlos Eduardo Guerra SilvaIII 

IUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, paulaens@ufmg.br

IIFaculdade de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, rosedore@fae.ufmg.br

IIIUniversidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, carlose@ufmg.br


Resumo

Este artigo analisa fatores do estudante e do contexto escolar associados à transição da formação técnica de nível médio para o ensino superior. Um survey foi conduzido com 1.570 alunos que concluíram ou abandonaram cursos técnicos entre 2006 e 2010, abrangendo 37 instituições da Rede Federal de Educação Profissional de Minas Gerais. Os dados foram analisados por meio de um modelo estatístico hierárquico, que abrangeu três níveis: estudantes, cursos técnicos e instituições de educação profissional. Os resultados apontam que a transição para o ensino superior está associada a fatores dos estudantes (pessoais, socioeconômicos, profissionais e acadêmicos), dos cursos e das instituições técnicas (curso médio concluído na mesma instituição de educação profissional e localização da instituição). Os resultados contribuem para a reflexão sobre estratégias e políticas de melhoria da qualidade do ensino técnico e do acesso à educação superior.

Palavras-chave: Transição Educacional; Educação Profissional; Educação Superior; Análise Multinível

Resumen

Este artículo analiza factores relativos al estudiante y al contexto escolar asociados a la transición de la formación técnica de nivel medio a la educación superior. Se realizó una encuesta con 1.570 alumnos que concluyeron o abandonaron cursos técnicos entre el 2006 y el 2010, abarcando a 37 instituciones de la Red Federal de Educación Profesional de Minas Gerais. Los datos se analizaron por medio de un modelo estadístico jerárquico, que comprendió tres niveles: estudiantes, cursos técnicos e instituciones de educación profesional. Los resultados señalan que la transición a la educación superior está asociada a factores que afectan a los estudiantes (personales, socioeconómicos, profesionales y académicos), a los cursos y a las instituciones técnicas (curso medio concluido en la misma institución de educación profesional y localización de la institución). Los resultados contribuyen para la reflexión sobre estrategias y políticas de mejora de la calidad de la enseñanza técnica y del acceso a la educación superior.

Palabras clave: Transición Educacional; Educación Profesional; Educación Superior; Análisis Multinivel

Abstract

This article examines factors related to students and the school context associated with the transition from secondary technical schools to higher education. A survey was conducted with 1,570 students who completed or abandoned technical courses between 2006 and 2010, in 37 Federal Institutions of Vocational Education of Minas Gerais. Data were analyzed by means of a hierarchical statistical model comprising three levels: students, technical courses and vocational education institutions. The results show that the transition to higher education is linked to students’ personal, socioeconomic, professional and academic factors, as well as to courses and technical institutions (secondary school completed at the same institution of vocational education, and location of institution). The results contribute to the reflection on strategies and policies to improve the quality of technical education and access to higher education.

Keywords: Educational Transition; Vocational Education; Higher Education; Multilevel Analysis

INTRODUÇÃO

Quanto mais elevada a escolarização da população de um país, maior tende a ser o seu desenvolvimento social e a possibilidade de os sujeitos compreenderem e intervirem efetivamente na sociedade. Partindo da relevância de se entender a elevação da escolaridade, este trabalho focaliza a transição de indivíduos que ingressaram no ensino superior após frequentarem cursos técnicos de nível médio na Rede Federal de Educação Profissional.

Apesar da existência de várias pesquisas internacionais sobre a transição do ensino médio para o superior, especialmente na Europa, no Canadá e nos Estados Unidos, os estudos sobre esse tema no contexto brasileiro são escassos, prevalecendo pesquisas sobre a transição escola-trabalho (ANDRADE, 2009; CARDOSO, 2008; FRESNEDA, 2009; TARTUCE, 2007).

O número de pesquisas sobre os estudantes egressos de cursos técnicos vinculados à Rede Federal é reduzido, predominando abordagens sobre a preparação para o trabalho e a inserção profissional (SAMPAIO, 2009; STEFFEN; FISCHER, 2008; TEIXEIRA, 2010; VIEIRA; GOMES; SILVA, 2011).

Quanto à continuidade dos estudos de nível superior, apenas uma pesquisa (AZEVEDO, 2007) sobre a passagem da formação técnica para o ensino superior foi identificada. Ademais, foram constatados alguns estudos que tratam tangencialmente do assunto, não tendo como foco o ingresso no ensino superior (BRASIL, 2008; PEIXOTO; MENDONÇA, 2007; PIRES, 2008; ZUCCARELLI, 2016).

A escassez de dados empíricos sobre o referido campo evidencia a importância de realizar estudos sobre os egressos da Rede Federal de Educação Profissional que aprofundem o debate acerca da transição para o ensino superior. Pesquisas de acompanhamento de egressos possibilitam avaliar o desempenho das escolas e, assim, contribuem para (re)orientar seus planos de atuação e aprimorar a qualidade do ensino.

Este artigo examina a transição da formação técnica de nível médio para a educação superior em Minas Gerais, considerando 1.570 estudantes da Rede Federal de Educação Profissional que saíram de cursos técnicos (abandono ou conclusão) no período de 2006 a 2010. Apresentam-se análises quantitativas descritivas e inferenciais referentes a fatores significativamente associados ao ingresso no ensino superior.

Seus resultados são comparados com outros estudos sobre o assunto e interpretados com base em perspectivas teóricas sobre a influência de fatores individuais e contextuais na transição para o ensino superior. Com isso, busca- -se ampliar a discussão sobre os itinerários educacionais de alunos da Rede Federal de Educação Profissional e contribuir para formar uma base teórico-empírica de relevância para instituições escolares, profissionais da educação e formuladores de políticas educacionais.

ITINERÁRIOS DE TRANSIÇÃO: DO ENSINO MÉDIO E DA FORMAÇÃO TÉCNICA À EDUCAÇÃO SUPERIOR

O termo transição, num sentido amplo, refere-se a situações de mudanças vivenciadas pelo indivíduo, por exemplo, uma nova fase de vida, um novo ciclo de ensino ou o início de uma carreira profissional. Trata-se de um fenômeno multifacetado, comumente estudado a partir de fatores estruturais, individuais ou subjetivos, em diferentes áreas do conhecimento, sobretudo Educação, Sociologia e Psicologia. As abordagens sobre a transição variam muito: desde uma perspectiva abrangente, como processo presente em todas as fases de vida do indivíduo, até abordagens mais específicas, que examinam a transição para o mercado de trabalho ou para o ensino superior. Essas últimas, em geral, são as transições vividas após o fim da educação básica (ensino médio), estando diretamente relacionadas ao objeto deste estudo.

O processo de transição, afirmam Mello e Camarano (2006), pode ser agrupado em três perspectivas: subjetiva/biográfica, sócio-histórica e institucional. A perspectiva subjetiva/biográfica inclui eventos significativos nas trajetórias dos indivíduos, que, em paralelo aos períodos-chave da transição, podem afetá-los e influenciar o resultado final da transição. Entre os jovens, esses eventos podem ser tanto o desemprego, o consumo de drogas e a delinquência quanto às experiências bem-sucedidas de inserção social. Esse conjunto de eventos atinge os indivíduos em tempo e forma distintos, produzindo resultados variados.

Na perspectiva sócio-histórica, destaca-se que, na contemporaneidade, as trajetórias dos jovens tendem a ser mais imprevisíveis, menos padronizadas e não lineares. No âmbito educacional e laboral, o processo de transição tem envolvido o aumento da escolaridade e as dificuldades de inserção profissional dos jovens. Estes tendem a permanecer mais tempo na escola ou a retornar a espaços de formação e profissionalização para aumentar suas chances de inclusão em um mercado de trabalho cada vez mais exigente. Além disso, é mais frequente a passagem dos jovens dos estudos ao trabalho, e vice-versa, ou o exercício simultâneo dessas atividades ao longo de suas trajetórias de transição (ALMEIDA, 2005; MELLO; CAMARANO, 2006).

A perspectiva institucional representa normas e valores socialmente construídos que proveem as bases para a estruturação da sociedade. A instituição escolar se destaca como espaço privilegiado de socialização e construção de sentido, sendo nela que ocorre a transição entre ciclos de ensino. Nesse processo, podem surgir diferenças entre a cultura dos jovens e a da escola, entre as origens étnicas ou de classe dos estudantes. As desigualdades escolares se acentuam nas transições, sendo mais vulneráveis os grupos que apresentam baixos resultados escolares. Em geral, têm mais vantagens os jovens provenientes de famílias mais escolarizadas e de classes sociais mais abastadas (ABRANTES, 2005).

No âmbito da escola média, Gomez (2009) explica a transição adotando a metáfora da “ponte”, que diz respeito à passagem do nível médio para as várias opções de vida, de estudo, de trabalho e de realização pessoal que aguardam os egressos em sua vida pós-escolar. É a ponte entre a vida escolar e a vida do trabalho; entre a escolaridade recém-obtida e as possibilidades de continuar os estudos na educação superior; entre as expectativas e as chances ou limitações de estudo, trabalho e realização pessoal; entre o que a sociedade espera, o que a escola oferece e o que o indivíduo efetivamente pode alcançar.

No contexto atual, grupos sociais tradicionalmente excluídos da educação superior têm sido nela gradualmente incluídos. Contudo, muitas vezes, eles ingressam em instituições de ensino superior de menor status. Não apenas as instituições, mas também as áreas de formação se constituem como eixo de estratificação, expressando diferentes níveis de prestígio e retorno econômico. Os grupos mais abastados geralmente usam seus recursos para ter acesso às profissões mais rentáveis. Tais diferenciações permitem explicar por que a ampliação do acesso ao ensino superior é segmentada: certos espaços são ocupados por indivíduos provindos da classe média ou baixa, enquanto outros são frequentados principalmente por pessoas brancas e de classe média alta, com poder social e capital cultural dominante (DURU-BELLAT; KIEFFER; REIMER, 2008; REAY, 2002).

Alguns estudos específicos sobre a transição da formação profissional de nível médio para a educação superior foram desenvolvidos na Austrália, Inglaterra, Estados Unidos e Reino Unido (ABBOTT-CHAPMAN, 2011; AYNSLEY; CROSSOUARD, 2010; DARE, 2006; HOELSCHER et al., 2008). A escassez de pesquisas sobre esse tipo particular de transição pode estar relacionada à tendência não só no Brasil, mas em outros países, de maior oferta de educação geral média, em comparação com a educação técnica de nível médio. O predomínio de estabelecimentos de ensino médio geral no Brasil, na rede pública e privada, resulta na expressiva diferença entre os números de matrículas no ensino médio e no técnico. Em 2014, não obstante o crescimento nas matrículas no ensino técnico, em relação ao período 2007-2013, o número total de matriculados no ensino médio (7.832.029) foi 4,5 vezes maior do que o do ensino técnico (1.741.528), segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) (BRASIL, 2016).

Além da menor oferta de educação profissional em relação à oferta de educação média (secundária), a transição da educação profissional para o ensino superior não é umprocesso fácil. No sudeste da Inglaterra, por exemplo, menos de 50% das pessoas com qualificação profissional de nível médio progrediram para a educação superior em 2010. Entre essas, a maioria é jovem, do sexo masculino e de baixo status socioeconômico (AYNSLEY; CROSSOUARD, 2010). Esses autores apontam a necessidade de promover ações capazes de incentivar os estudantes com qualificação profissional a continuarem os estudos superiores.

Na Austrália, os estudantes de baixo status socioeconômico procedentes de áreas rurais tendem a procurar inicialmente uma educação técnico-profissional, para terem a opção de um emprego estável, pois muitos não podem, ou não querem, frequentar uma universidade (ABBOTT-CHAPMAN, 2011). Porém, isso não afasta a possibilidade de eles serem capazes de buscar um curso superior no futuro. Para tanto, Abbott-Chapman (2011) enfatiza a importância de uma estreita colaboração entre instituições de educação técnica e universidades, de modo a auxiliar a transição para o ensino superior de estudantes socioeconomicamente desfavorecidos.

Sendo um processo complexo, a transição para o ensino superior e para o mercado de trabalho requer que as universidades identifiquem as necessidades e demandas dos alunos enquanto eles ainda estão na escola média. Nesse sentido, a formulação de programas que combinam educação técnico-profissional com sólida formação acadêmica propicia experiências relevantes de aprendizagem pré-universitárias. Esse é um modo de preparar os estudantes para alcançarem objetivos educacionais e de carreira profissional (DARE, 2006; HOELSCHER et al., 2008).

Os estudos internacionais apresentados tratam a transição do ensino técnico para o superior como algo que deve ser incentivado pelas instâncias educacionais, pois essa transição representa uma evolução educacional e profissional para os estudantes. De modo similar, no Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei n. 9.394/1996) prevê a continuação dos estudos de nível superior aos egressos de cursos técnicos:

[...] os diplomas de cursos de educação profissional técnica de nível médio, quando registrados, terão validade nacional e habilitarão ao prosseguimento de estudos na educação superior. (BRASIL, 1996, p. 15)

Contrárias à transição do ensino técnico para o ensino superior, algumas concepções e iniciativas brasileiras que tomaram força a partir de meados de 1990 defendem o caráter terminal do ensino técnico de nível médio (BRASIL, 1997; CASTRO, 1997, 2008; BRASIL, 2002). Particularmente,a reforma da educação profissional consolidada no Decreto n. 2.208/1997 (BRASIL, 1997) suscitou polêmicas sobre o caráter propedêutico do ensino técnico-médio, ou seja, a progressão para carreiras de nível superior. Naquela época, o acesso ao ensino superior por técnicos diplomados da Rede Federal foi criticado pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2002), que afirmou que as escolas federais estavam entre as poucas alternativas de ensino público de qualidade, sendoatrativas como percurso privilegiado para a educação superior. Para o Ministério da Educação (MEC) (BRASIL, 2002, p. 7), as empresas do país

[...] não recebiam a mão-de-obra técnica que necessitavam, os alunos mais modestos não tinham chance de fazer os cursos que poderiam interessá-los. Pela sua clientela de classe alta, os cursos não eram usados com objetivo de dar uma profissão e constituíam-se em enormes subsídios para os ricos.

A reforma da educação profissional nos anos de 1990 (Decreto n. 2.208/1997) extinguiu a modalidade de ensino técnico integrado ao ensino médio, ofertado na mesma instituição de ensino e com matrícula única para cada aluno, estabelecendo que

[...] a educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este. (BRASIL, 1997, p. 2).

A independência entre ensino médio e técnico foi justificada pelo argumento de ampliação do acesso à formação profissional aos interessados no ensino técnico, que não seriam excluídos por alunos de classe social mais alta, que almejariam nas escolas técnicas federais apenas um ensino médio de qualidade, visando a prepará-los para o ingresso no ensino superior (CASTRO, 2008). Mais recentemente, foi restabelecida a modalidade de ensino técnico integrado com o ensino médio (Decreto n. 5.154/2004), a qual passou a coexistir com as modalidades concomitante e subsequente.

A instituição da Rede Federal de Educação Profissional e a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (Lei n. 11.892/2008) estabeleceu uma estrutura de educação profissional vertical, que possibilita a continuidade de estudos nos campos do ensino técnico e do ensino superior tecnológico. Em uma mesma instituição de ensino profissional, é possível transitar do curso técnico para um curso superior e, ainda, continuar o aperfeiçoamento de conhecimentos e habilidades profissionais por meio de cursos de pós-graduação. Essa diretiva consolida um bloco de formação profissional paralelo ao sistema universitário tradicional, promovendo “a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior” (BRASIL, 2008, p. 5).

A possibilidade de prosseguimento dos estudos após a conclusão da formação profissional foi reforçada em 2014 (Decreto n. 8.268/2014), com a determinação de instituir cursos e programas de qualificação profissional e de educação técnica de nível médio “organizados por regulamentação do Ministério da Educação em trajetórias de formação que favoreçam a continuidade da formação” (BRASIL, 2014, p. 1). Essa orientação pode refletir no horizonte de expectativas dos estudantes do ensino técnico em relação à progressão escolar e ao ingresso no mercado de trabalho. Dados de uma recente pesquisa com 220 estudantes em fim de curso, realizada em três escolas técnicas do estado do Rio de Janeiro, evidenciam que a maioria dos estudantes (62%) considera que a formação técnica integrada ao ensino médio serve tanto para a inserção no mercado de trabalho quanto para o acesso ao ensino superior (ZUCCARELLI, 2016).

Tendo em vista que a legislação atual considera a transição da educação técnica para o ensino superior, inclusive estabelecendo mecanismos para o prosseguimento de estudos nas próprias instituições de educação profissional, as discussões do presente trabalho têm relevância tanto teórica, dada a escassez de literatura nacional e internacional sobre esse tipo particular de transição, quanto prática, visto que examina fatores associados à transição para o ensino superior de estudantes da Rede Federal de Educação Profissional de Minas Gerais.

CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO E MÉTODOS DE PESQUISA

A investigação foi desenvolvida com estudantes egressos da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica de Minas Gerais. A rede é constituída por três tipos de instituição: Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet), Escolas Técnicas vinculadas a Universidades Federais (ETU) e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF). As instituições participantes da pesquisa incluem: sete unidades do Cefet-MG, quatro Escolas Técnicas vinculadas a Universidades Federais e cinco Institutos Federais, com seus 26 campi. No total, foram pesquisadas 37 unidades escolares.

Os sujeitos da pesquisa evadiram ou concluíram cursos técnicos de nível médio nas diferentes instituições pesquisadas entre 2006 e 2010. Consideraram-se estudantes dos diversos cursos diurnos e noturnos, envolvendo as diferentes modalidades de oferta (concomitante, integrada e subsequente). Não foram incluídos estudantes evadidos e diplomados de cursos técnicos a distância ou vinculados ao Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja).

Os estudantes diplomados foram definidos como aqueles que concluíram efetivamente o curso técnico, incluindo o nível médio, a formação profissional, o estágio e o relatório de estágio, tendo passado por todas as etapas necessárias à obtenção do diploma. Os evadidos foram aqueles que se matricularam e frequentaram uma parte do curso, abandonando-o sem obter o diploma de técnico por não terem concluído alguma de suas etapas obrigatórias.

Levando em conta a definição do universo da pesquisa e dos sujeitos que dela participariam, buscou-se identificar a população-alvo da pesquisa, por meio de levantamento dos registros escolares das instituições participantes. Isso permitiu estimar o tamanho da população e formar uma lista de respondentes potenciais. As informações coletadas compuseram um banco de dados de 9.950 evadidos e 17.683 diplomados. Com base nesses dados, delineou-se um plano de amostragem probabilística (aleatória) para selecionar os estudantes que responderiam aos questionários da pesquisa. Essa seleção se fundamentou na ideia de que a amostra de determinada população é representativa quando todos os seus membros têm probabilidade igual de serem incluídos na pesquisa, o que possibilita realizar inferências sobre a população maior da qual a amostra faz parte (BABBIE, 1999).

A amostra da pesquisa foi de 1.570 sujeitos, ingressantes e não ingressantes em cursos superiores. Ambos os grupos foram considerados nas análises, com a finalidade de comparar um com o outro e examinar os fatores associados à continuidade, ou não, dos estudos. O tamanho da amostra foi suficiente para realizar análises estatísticas inferenciais com margem de erro geral de 2,4%.

Os dados foram obtidos por meio de uma pesquisa de survey com aplicação de um questionário estruturado.1 As perguntas do questionário foram formuladas buscando evitar a ambiguidade e a incompreensão dos seus enunciados pelos respondentes da pesquisa (CONVERSE; PRESSER, 1986; FOWLER, 1995). A clareza das questões foi verificada com base em procedimentos padronizados de pré-teste, visando a gerar dados válidos e confiáveis na pesquisa de survey. Um pré-teste foi realizado com dez estudantes de quatro instituições participantes, com o propósito de identificar possíveis inconsistências e estimar o tempo gasto para responder o questionário. No pré-teste, também foram realizadas entrevistas cognitivas para conferir o entendimento dos respondentes sobre termos empregados no questionário (SIMÕES; PEREIRA, 2007).

A aplicação dos questionários durou cerca de oito meses (entre 2012 e 2013), tendo ocorrido em escolas, residências e outros locais em que os respondentes atuavam. Os dados coletados foram lançados em um formulário eletrônico, desenvolvido para acelerar os registros de informações, evitar sua perda e minimizar erros de digitação. O conjunto de dados registrados foi convertido automaticamente em um banco de dados para a análise estatística. O software estatístico R foi utilizado para produzir análises descritivas e inferenciais dos dados quantitativos.

As estatísticas descritivas foram usadas para resumir dados, permitindo descrever variáveis isoladamente ou associações que ligam uma variável a outra (BABBIE, 1999). As descrições das variáveis foram feitas utilizando-se média e desvio-padrão para as variáveis contínuas e frequências absolutas e relativas para as variáveis categóricas.

O procedimento inferencial utilizado foi a análise de regressão hierárquica ou multinível, que possibilita lidar com fenômenos para os quais a variável resposta é associada simultaneamente a múltiplos fatores. A dimensão multinível da regressão refere-se às relações entre variáveis estabelecidas pelo pesquisador, com base em teorias ou evidências empíricas que remetem à estruturação hierárquica dos elementos do fenômeno investigado. Conforme Goldstein (1999), em uma estrutura de dados de dois níveis, por exemplo, estudantes podem ser o nível 1 de unidades agrupadas dentro de escolas, as quais são as unidades de nível 2. Modelos estatísticos multiníveis vêm sendo amplamente aplicados em áreas como a educação, justamente por possibilitarem explorar as formas pelas quais os contextos educacionais podem influenciar os estudantes, considerando tanto a escola quanto o estudante como importantes unidades de análise (LEE, 2008).

O modelo de regressão hierárquica da pesquisa considerou três níveis de análise, associados à transição para o ensino superior: a) estudante; b) curso técnico; e c) instituição de educação profissional. O “ingresso no ensino superior” constitui a variável resposta da regressão, sendo do tipo binária, pois apresenta dois valores possíveis: 0 atribuído aos casos de não ingresso no ensino superior e 1 aos casos de ingresso. Por sua vez, as variáveis explicativas, agrupadas nos respectivos níveis de análise da pesquisa, estão relacionadas no Quadro 1.

Quadro 1:  Variáveis empregadas no modelo de regressão hierárquica 

Em relação ao nível do estudante, o modelo inclui variáveis: a) pessoais – idade, raça, estado civil e filhos; b) socioeconômicas – escolaridade dos pais e renda familiar; c) acadêmicas – rede de ensino fundamental frequentada (pública ou privada) e perfil escolar no curso técnico (evadido ou concluinte); e d) profissionais – situação de trabalho após o curso técnico e atuação na área técnica.

Quanto ao nível do curso técnico, o modelo contempla as seguintes variáveis: a) turno – diurno ou noturno; b) modalidade de oferta – curso médio externo ou concluído na instituição técnica; e c) área de conhecimento do curso técnico.

No que se refere à modalidade de oferta do curso, foram considerados: a) curso médio realizado na mesma instituição do curso técnico (formação integrada); b) curso médio concluído em outra instituição escolar (formação concomitante ou subsequente). Na formação concomitante, o ensino técnico e o médio são cursados ao mesmo tempo, mas em escolas diferentes e com matrículas e matrizes curriculares distintas. Na formação integrada, a educação média e a técnica são unificadas em um mesmo currículo e escola. Por sua vez, a formação técnica subsequente é direcionada àqueles que já tenham concluído o ensino médio.

Com relação à área de conhecimento dos cursos técnicos, embora estes sejam classificados em 13 eixos tecnológicos pelo Catálogo nacional dos cursos técnicos (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA – SETEC, 2012), optou-se por agrupá-los em cinco áreas, de modo a possibilitar o estabelecimento de relações entre as áreas profissionais dos cursos técnicos e superiores: a) Agrárias; b) Biológicas e Saúde; c) Exatas; d) Humanas; e e) Sociais Aplicadas. Tais áreas representam uma adaptação das oito grandes áreas do conhecimento aplicadas geralmente aos cursos superiores (CONSELHO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO – CNPQ, 2013). Essas adaptações realizadas pela pesquisa originaram uma classificação que se aplica tanto aos cursos técnicos quanto aos cursos superiores, possibilitando que a correspondência entre ambos seja analisada.

No que concerne ao nível da instituição de educação profissional e tecnológica, o modelo abrange: a) ano de criação de cada instituição pesquisada, incluindo desde instituições centenárias até aquelas fundadas recentemente; b) localização – capital ou interior de Minas Gerais; e c) tipo de instituição – Cefet, ETU e IF.

As variáveis do modelo estatístico apresentadas nesta seção se fundamentam na reflexão sobre a literatura consultada, que indica que recursos materiais, sociais e culturais do indivíduo, associados aos aspectos contextuais da escola e do curso, podem influenciar sua permanência no sistema educacional e a transição para um grau de escolaridade mais elevado (DORE; LÜSCHER, 2011; FINI, 2007; SILVA; HASENBALG, 2002; SOARES; ALVES; OLIVEIRA, 2001). Juntamente com a análise de literatura, o modelo foi fundamentado em informações diretamente obtidas em reuniões e entrevistas com estudantes, professores e gestores da Rede Federal de Educação Profissional de Minas Gerais.

Sobre o tratamento estatístico do modelo, a seleção inicial do conjunto de variáveis explicativas potencialmente associadas com o ingresso no ensino superior foi realizada por meio de regressões logísticas univariadas com efeitos mistos, tendo sido adotado o nível de 25% de significância. Esse critério visou a evitar a exclusão de variáveis que poderiam ser importantes para compor o modelo final. Para a seleção preliminar de variáveis, os níveis de significância recomendados vão de 15% a 25% (HOSMER; LEMESHOW; STURDIVANT, 2013).

As variáveis selecionadas foram incluídas na regressão logística multivariada, sendo aplicado nessa etapa o método backward, com nível de significância de 5%. O método backward consiste em retirar variáveis gradativamente até que fiquem no modelo apenas variáveis significativas (EFROYMSON, 1960). O modelo final da regressão foi definido com base nos parâmetros de R² marginal e condicional. O R² marginal permite averiguar o quanto os efeitos fixos explicam a variabilidade da resposta, e o R² condicional, o quanto os efeitos fixos mais os aleatórios explicam a variabilidade da resposta (NAKAGAWA; SCHIELZETH, 2013).

O conjunto de métodos adotado proporcionou uma base para a abordagem do objeto da pesquisa, cuja descrição da amostra e resultados obtidos são apresentados nas seções seguintes.

DESCRIÇÃO DA AMOSTRA: ESTUDANTES, CURSOS E INSTITUIÇÕES DE ENSINO TÉCNICO

Da amostra total de estudantes (n = 1.570), 969 (62%) ingressaram no ensino superior após o curso técnico e 601 (38%) não ingressaram. As demais variáveis da pesquisa constam das Tabelas 1, 2 e 3. Foram consideradas, na análise descritiva, apenas as respostas válidas, sendo excluídos os dados não informados pelos participantes (missing values).

TABELA 1: Descrição das variáveis do estudante 

A idade média dos estudantes foi de 27 anos, com um desvio-padrão de 7 anos. Quanto ao gênero, 54% eram do sexo masculino e 46% do sexo feminino. Essa diferença de gênero indica maior presença de estudantes homens no ensino profissional, em consonância com outros estudos (ALMEIDA, 2005; SALES, 2010).

Em relação à raça, 52% se identificaram como pretos, pardos, amarelos ou indígenas e 48% como brancos, o que sugere maior acesso à formação técnica por grupos de cor ou raça socialmente menos privilegiados. No que se refere às variáveis sobre estado civil e filhos, a grande maioria era solteira (76%) e não possuía filhos (82%).

Sobre a situação financeira dos estudantes, a média da renda familiar per capita foi de R$1.040,00, com um desvio- -padrão de R$950,00, refletindo grande disparidade entre as rendas, cuja análise adicional evidencia que 37% dos estudantes possuíam renda familiar per capita de até um salário mínimo. Além disso, 48% das mães e 39,5% dos pais nunca estudaram ou não completaram o ensino fundamental e só 6% das mães e 10% dos pais tinham nível superior completo. A frequência elevada de estudantes de baixa renda e de pais com baixa escolaridade evidencia a participação expressiva de camadas socioeconômicas populares no ensino técnico federal. Isso também foi confirmado na Pesquisa nacional de egressos de cursos técnicos de nível médio da Rede Federal (BRASIL, 2008), que apontou que 54% dos pais e 46% das mães dos egressos tinham, no máximo, ensino fundamental.

Outro dado sobre a origem socioeconômica dos estudantes refere-se ao tipo de escola fundamental frequentada: a grande maioria (87%) estudou apenas ou a maior parte do tempo em escolas públicas e só 13% em escolas privadas. De forma aproximada, o estudo do MEC (BRASIL, 2008) estimou que 78% dos egressos cursaram o ensino fundamental em escolas públicas.

Quanto ao perfil acadêmico no curso técnico, os diplomados representaram 62,5% da amostra, sendo significativo o percentual de evadidos (37,5%). O problema da evasão também foi identificado pelo Tribunal de Contas da União, que reportou índices de 31% a 47% de conclusão dos cursos técnicos na Rede Federal. Esses índices destoam da meta de 90% de conclusão (período de 2011 a 2020) do Plano Nacional de Educação (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO –TCU, 2012).

Sobre o vínculo de trabalho, 34% dos estudantes não conseguiram ou não buscaram trabalho após o curso técnico e 66% conseguiram ou já trabalhavam antes de sair do curso. Quanto à área de atuação, 47% trabalhavam ou já haviam trabalhado na área do curso técnico. Similarmente, o MEC indicou que 72% dos egressos estavam inseridos no mercado e, entre esses, 44% atuavam na área do curso técnico concluído e 21% em áreas afins (BRASIL, 2008).

A seguir, são apresentadas, na Tabela 2, as variáveis relacionadas ao nível do curso técnico.

TABELA 2: Descrição das variáveis do curso técnico 

Em relação à modalidade, 70% concluíram o ensino médio externamente à instituição federal do curso técnico, tendo cursado a formação profissional nas modalidades concomitante externa ou subsequente, ou tendo evadido do curso técnico e concluído o ensino médio em outra instituição. Quanto ao turno, foi significativo o percentual de estudantes em cursos noturnos (29%), comumente procurados por indivíduos que exercem outras atividades de estudo ou trabalho durante o dia.

Sobre a área dos cursos técnicos, a maioria dos estudantes (55,5%) optou pela de Exatas, com maior predominância do curso de Informática, seguindo-se Mecânica, Edificações e Eletrônica. A segunda área mais frequentada foi a de Agrárias (24%), com prevalência do curso de Agropecuária, seguindo-se Meio ambiente, Zootecnia e Agricultura. A área Biológicas/Saúde foi a terceira mais procurada (11%), com predominância do curso de Enfermagem, seguindo-se Gerência em Saúde, Nutrição e Dietética e Análises Clínicas. A área de Humanas apresentou a menor concentração (1,1%), notadamente pela baixa oferta de cursos técnicos afins.

Finalmente, as variáveis relacionadas ao nível da instituição de educação profissional e tecnológica são apresentadas na Tabela 3.

TABELA 3: Descrição das variáveis da instituição de educação profissiona 

Quanto ao tipo de instituição, 67% dos respondentes estudaram nos Institutos Federais, que totalizam 26 unidades pesquisadas no interior do estado de Minas Gerais. O Cefet representou 26% da amostra, reunindo estudantes do campus Belo Horizonte e de outros 6 campi do interior. As Escolas Técnicas vinculadas a Universidades constituíram 7% da amostra, com uma escola na capital e 3 no interior. No conjunto, a amostra incluiu 16% de estudantes da capital e 84% do interior.

Sobre o tempo de existência das instituições de ensino técnico, a média foi de 57 anos (desvio-padrão = 31 anos). O Cefet de Belo Horizonte, instituição mais antiga do estado, foi fundado em 1909. Suas unidades do interior foram criadas entre 1987 e 2007. Já as Escolas Técnicas vinculadas a Universidades foram criadas entre 1969 e 1990. Quanto aos Institutos Federais, 12 de seus campi foram criados entre 2009 e 2010, por determinação da Lei n. 11.892/2008, e os outros 13, preexistentes a essa legislação, foram estabelecidos entre 1910 e 2007.

As variáveis descritas nesta seção são analisadas a seguir, visando a identificar suas associações com a transição estudantil do curso técnico para o ensino superior.

TRANSIÇÃO PARA O ENSINO SUPERIOR DE ALUNOS DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

A análise multinível da transição para o ensino superior considerou 1.456 alunos, tendo sido eliminados 114 respondentes (7% da amostra total), que tiveram um ou mais valores faltantes (missing values) no conjunto de variáveis constituintes do modelo.

A partir dos componentes das variâncias σ (curso) = 0,409 e σ (unidade escolar) = 0,443, foi estimado o coeficiente intraclasse (ICC) para os cursos e as unidades. O ICC para os cursos mediu a semelhança dos alunos que frequentaram o mesmo curso técnico, enquanto o ICC para a unidade escolar mediu a semelhança dos alunos que cursaram o ensino técnico na mesma unidade. O ICC para os cursos foi de 0,045 e o das unidades foi de 0,054. Alunos dentro de cursos de uma mesma unidade apresentam um ICC de aproximadamente 0,10. O ICC é uma medida que varia de 0 a 1, sendo que valores entre 0,05 e 0,20 são comuns em resultados de pesquisas educacionais (SNIJDERS; BOSKER, 1999).

Com base no R² marginal, verificou-se que todos os efeitos fixos explicam 33,1% do ingresso no curso superior, sendo que, se considerados os efeitos fixos mais os aleatórios (heterogeneidade entre os cursos e instituições), o modelo explica 38,3% (R² condicional) do ingresso. Os valores de referência de R² variam significativamente conforme cada ciência. Para dados típicos das ciências sociais, valores acima de 25% são considerados de relevância explicativa (ANDERSON; SWEENEY; WILLIAMS, 2003).

A regressão multinível utilizada para constatar as variáveis do estudante e do contexto escolar associadas ao ingresso no ensino superior é apresentada na Tabela 4. O modelo estimou a significância das variáveis (valor-p), as probabilidades de ocorrência (Odds Ratio – OR) do ingresso na educação superior e os intervalos de confiança (IC) de 95%. Dentre as 18 variáveis inicialmente consideradas no modelo da pesquisa, somente oito permaneceram na regressão final, pois apresentaram nível de significância inferior ou igual a 0,05.

TABELA 4: Modelo multinível de ingresso no ensino superior 

Em relação a cada variável vinculada ao nível do estudante, considerando aqueles de um mesmo curso e instituição e mantendo constantes as demais variáveis, houve um efeito significativo no ingresso na educação superior quanto a:

  • idade (valor-p = 0,000) – para cada ano que se aumenta na idade do aluno, a chance de ingresso no curso superior diminui em 0,950 vezes;

  • estado civil (valor-p = 0,000) – alunos solteiros apresentaram 2,557 vezes mais chance de ingresso no curso superior do que os alunos casados. Também houve diferença significativa entre os estados civis viúvo, separado e divorciado (valor-p = 0,013), sendo que estes apresentaram 3,392 vezes mais chance de ingresso no curso superior do que os alunos casados;

  • escolaridade do pai (valor-p = 0,002) – alunos com pais com nível superior completo ou pós-graduação apresentaram 2,030 vezes mais chance de ingresso no curso superior do que aqueles com pais que nunca estudaram ou com ensino fundamental incompleto;

  • renda per capita (valor-p = 0,000) – a cada 100 reais aumentados na renda per capita do aluno, a chance de ingresso no curso superior aumenta 1,051 vez;

  • conclusão ou evasão do curso técnico (valor-p = 0,000) – os alunos que se diplomaram apresentaram uma chance 2,513 vezes maior de ingresso no curso superior do que os evadidos;

  • vínculo de trabalho após o curso técnico (valor-p = 0,000) – os alunos que não tinham vínculo de trabalho após o curso técnico apresentaram 1,969 vez mais chance de ingresso no curso superior do que os alunos que tinham vínculo.

Considerando características sociodemográficas, os indivíduos que apresentam mais chances de acesso à educação superior incluem os mais jovens, solteiros, com maior renda familiar e com pais com ensino superior completo. Esses resultados estão alinhados com outras pesquisas educacionais, de acordo com as quais as características dos estudantes e a situação socioeconômica das famílias estão associadas às chances de maior escolarização (RUMBERGER, 2011; SILVA; HASENBALG, 2002). Quanto ao perfil acadêmico, os diplomados no curso técnico tendem a ingressar mais no ensino superior em relação aos evadidos. Os concluintes, sugestivamente, possuem melhor preparo acadêmico e profissional, pois finalizaram as diferentes etapas do curso, requeridas para obter o diploma de técnico: formação média e técnica, estágio profissional e elaboração de relatório de estágio. Já os estudantes evadidos podem se desengajar da vida escolar por circunstâncias individuais, institucionais ou sociais, que podem levar a uma saída temporária ou definitiva do sistema de ensino (DORE; LÜSCHER, 2011). Em termos de atividade profissional, aqueles que não trabalham apresentaram mais vantagens na continuidade dos estudos em comparação com aqueles que trabalham. O exercício de atividade remunerada pode ser tomado como indicação de tempo indisponível para estudo (SOARES; ALVES; OLIVEIRA, 2001).

Quanto às variáveis do contexto escolar (níveis do curso técnico e da instituição de ensino técnico), considerando os alunos que frequentaram cursos similares em uma mesma instituição, houve efeito significativo no ingresso no ensino superior com relação à:

  • modalidade de oferta do curso (valor-p = 0,011) – os alunos que concluíram o curso médio na instituição técnica apresentaram 1,575 vez mais chance de ingresso no curso superior do que alunos que concluíram o ensino médio em outras instituições escolares;

  • localização da instituição de ensino técnico (valor-p = 0,000) – os alunos que cursaram o ensino técnico na capital apresentaram 6,570 vezes mais chance de ingresso no curso superior do que os alunos que o fizeram no interior.

No que diz respeito à modalidade de oferta do curso técnico, a formação média concluída na instituição técnica federal constitui um diferencial em relação ao ensino médio concluído externamente. Entre os concluintes do ensino médio externo, 956 (88%) cursaram esse nível de ensino em escolas públicas e apenas 129 (12%) em escolas particulares.

Quanto à localização das instituições, o ingresso no ensino superior ocorre com maior probabilidade em instituições técnicas situadas em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. Esse resultado pode estar associado ao fato de que as instituições técnicas da capital estão entre as mais antigas e consolidadas do estado, com elevada demanda e concorrência nos vestibulares para acesso aos cursos técnicos e consequente seletividade de seus estudantes. Além disso, é na capital que se concentra o maior número de instituições de ensino superior. A localização geográfica das escolas expressa diferenças socioeconômicas entre regiões, que podem contribuir para a diversidade dos resultados educacionais dos alunos (FINI, 2007).

As informações obtidas por meio da investigação e analisadas à luz do modelo formulado sugerem que a transição para o ensino superior, após a saída do curso técnico (conclusão/evasão), está associada a um complexo de fatores inter-relacionados, concernentes ao estudante e ao contexto educacional, os quais foram examinados nesta seção. Dentre as variáveis consideradas inicialmente pela pesquisa (Quadro 1), as seguintes não permaneceram no modelo multinível final: nível do estudante (sexo, raça, filhos, escolaridade da mãe, escola fundamental frequentada e atuação na área técnica); nível do curso técnico (turno e área de conhecimento); e nível da instituição de ensino (tempo de criação e tipo). Embora não tenham apresentado significância estatística nesta pesquisa, tais variáveis são discutidas extensamente pela literatura e sua relevância não deve ser ignorada por estudos futuros. Nessa direção, a próxima seção traz as considerações finais da pesquisa, assim como discute outras possibilidades para o desenvolvimento de novos estudos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa sobre a transição estudantil do curso técnico para o ensino superior analisou os fatores relativos ao estudante e ao contexto escolar associados à continuidade de estudos.

A descrição da amostra da pesquisa indicou maior presença masculina e de grupos raciais não brancos nas carreiras técnicas, além de uma maioria proveniente de escolas públicas de ensino fundamental. Parte significativa era procedente de famílias de baixa renda e de pais com pouca escolaridade. A maioria também conseguiu o primeiro emprego ou já trabalhava antes de sair da instituição de ensino técnico e quase metade trabalhava na área do curso técnico frequentado. A maior parte dos estudantes pesquisados (62%) ingressou na educação superior, corroborando pesquisa nacional do MEC (BRASIL, 2008) sobre egressos de cursos técnicos da Rede Federal, a qual identificou que 57% dos egressos concluíram ou estavam cursando o ensino superior.

Essa transição educacional se associa com fatores diversos, como foi demonstrado no modelo de regressão multinível da pesquisa. Os resultados indicaram que os indivíduos com chances maiores de acesso ao ensino superior foram os mais jovens, solteiros, com maior renda familiar e aqueles cujos pais completaram o ensino superior. Aqueles que não trabalhavam e os diplomados no curso técnico também tenderam mais a prosseguir os estudos. No nível dos cursos técnicos, destaca-se a associação entre o tipo de oferta do curso técnico frequentado e a continuidade dos estudos: o ensino médio concluído na instituição de ensino técnico favoreceu mais o ingresso no ensino superior, em comparação ao ensino médio cursado externamente. No nível das instituições de ensino técnico, as da capital apresentaram mais estudantes que ingressaram no ensino superior do que as do interior.

Tendo em vista que pesquisas com estudantes egressos são relevantes para acompanhar o desempenho das escolas e aprimorar a qualidade do ensino, os resultados apresentados podem auxiliar a avaliação da educação profissional ofertada pela Rede Federal ou outras escolas técnicas de nível médio, especialmente no que tange ao acesso à educação superior. Para além da continuidade de estudos no nível superior, sugere-se que novas pesquisas focalizem outros aspectos da transição, com destaque para as trajetórias de ingresso no mundo do trabalho. Adicionalmente, considerando tanto a transição para o trabalho quanto para o curso superior, novas investigações poderiam analisar as inter-relações entre as áreas do curso técnico, do curso superior e da ocupação profissional, possibilitando a avaliação do avanço educacional e ocupacional do egresso e seus reflexos para o desenvolvimento socioeconômico do país.

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1O questionário da pesquisa poderá ser disponibilizado para os interessados mediante solicitação aos autores.

Recebido: Julho de 2016; Aceito: Março de 2017

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