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Estudos em Avaliação Educacional

versión impresa ISSN 0103-6831versión On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.29 no.71 São Paulo ago. 2018

https://doi.org/10.18222/eae.v0ix.4710 

ARTIGOS

Avaliação e recuperação nos ginásios estaduais pluricurriculares experimentais - GEPES (1967-1969)

Evaluación y recuperación en los ginásios estaduais pluricurriculares experimentais - GEPES (1967-1969)

Assessment and recovery in ginásios estaduais pluricurriculares experimentais - GEPES (1967-1969)

Carlos Eduardo BizzocchiI 

IUniversidade Paulista (Unip), São Paulo-SP, Brasil; caebizz@yahoo.com.br


RESUMO

Os processos de avaliação e recuperação integraram-se como ferramentas fundamentais para a promoção automática (como era denominada a progressão continuada) de 1967 a 1969, enquanto funcionou o Núcleo Experimental da Lapa, que coordenou o Grupo Escolar Experimental “Dr. Edmundo de Carvalho” e quatro unidades do Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental (Gepe) na zona oeste paulistana, com o objetivo de implantar a continuidade dos ensinos primário e ginasial. O Núcleo valeu-se de variadas formas de avaliação e recuperação para validar a promoção automática. Com base na revisão bibliográfica, o presente estudo procedeu a uma análise crítica dos relatórios anuais das unidades e dos processos de formulação das propostas de avaliação e recuperação que fizeram parte do projeto, relatando a trajetória nem sempre linear em busca da melhor forma de avaliar e aprovar o aluno, diante do novo desafio da organização por ciclos.

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação da Aprendizagem; Estudos de Recuperação; Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental da Lapa; GEPE

RESUMEN

Los procesos de evaluación y recuperación se integraron como herramientas fundamentales para la promoción automática (como se denominaba la progresión continuada) de 1967 a 1969, mientras funcionó el Núcleo Experimental da Lapa, que coordinó el Grupo Escolar Experimental “Dr. Edmundo de Carvalho” y cuatro unidades del Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental (Gepe [Liceo Estadual Multicurricular Experimental]) en la zona oeste de la ciudad de São Paulo, con el objetivo de implantar la continuidad de la educación primaria y secundaria. El Núcleo utilizó variadas formas de evaluación y recuperación para validar la promoción automática. En base a la revisión bibliográfica, el presente estudio llevó a cabo un análisis crítico de los informes anuales de las unidades y de los procesos de formulación de las propuestas de evaluación y recuperación que formaron parte del proyecto, relatando la trayectoria no siempre lineal en búsqueda de la mejor forma de evaluar y aprobarlo al alumno, frente al nuevo desafío de la organización por ciclos.

PALABRAS CLAVE: Evaluación del Aprendizaje; Estudios de Recuperación; Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental da Lapa; GEPE

ABSTRACT

Assessment and recovery processes have become essential instruments for automatic promotion (as continued advancement was called) from 1967 to 1969, while the Núcleo Experimental da Lapa was operating. It coordinated the “Dr. Edmundo de Carvalho” Experimental School and four units of the Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental (Gepe [Experimental State Multi-Curricular Junior High School]) on the west side of São Paulo, with the goal of deploying the continuity of primary and junior high school education. The Núcleo used various forms of assessment and recovery to validate automatic promotion. Based on the literature review, the present study undertook a critical analysis of the annual reports of the units and the formulation processes of assessment and recovery proposals that were part of the project. It reported the trajectory, which is not always linear, in a search for the best way to evaluate and to promote the student, facing the new challenge of cyclical organization.

KEYWORDS: Learning Assessment; Recovery Studies; Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental da Lapa; GEPE.

INTRODUÇÃO

Segundo Nunes (1980), na década de 1950, a preocupação dos Estados Unidos e dos países europeus capitalistas em relação aos caminhos da educação e à devida formação para o trabalho migra para a América Latina. O processo de industrialização e a necessidade de modernização dos meios de produção requerem concomitantemente a capacitação da população, que cada vez mais se concentra nas grandes cidades, para operar máquinas e gerir o processo liberal que se instala nos países que almejam o desenvolvimento.

No Brasil, as iniciativas dos legisladores federais e estaduais se sobrepõem tanto cronológica quanto ideologicamente. Em pouco menos de uma década, três importantes idealizações assumem o protagonismo do ensino voltado ao trabalho. Ao menos em teoria. Com raízes na Escola Nova e nas práticas adotadas em Sèvres, na França, as classes experimentais são aprovadas pelo governo paulista em 1959; das classes experimentais de Socorro (SP) nasce a experiência dos Ginásios Vocacionais; e, após o golpe de 1964, o governo federal, com a interferência da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e por meio do

Ministério da Educação e Cultura (MEC), idealiza o Ginásio Orientado para o Trabalho (GOT), que em São Paulo foi batizado como Ginásio Pluricurricular.

A implantação das classes experimentais pelo educador Luís Contier no Instituto de Educação Professor Alberto Conte deu- -se no início da década de 1950, após visita à Escola de Sèvres, na França, que aplicava métodos assim relatados por Contier:

[...] defendia uma educação que acompanhasse o ritmo das descobertas científicas e do desenvolvimento econômico e social, que então ocorriam em ritmo vertiginoso no Brasil. Também enaltece a formação do caráter, tão importante quanto à formação da inteligência, e a aquisição de conhecimentos a partir da experiência pessoal. (CHIOZZINI, 2010, p. 9)

No entanto, a instalação das classes experimentais no estado de São Paulo deu-se apenas em 1958 - e a implantação, no ano seguinte - por meio de uma portaria, quando o próprio Contier assumiu a Direção Geral do Departamento de Educação da Secretaria de Educação do Estado. Pressionado, o MEC regulamenta o processo de instalação pouco mais de dois anos depois. O Experimental da Lapa, que já vinha desenvolvendo métodos renovados, amplia sua atuação e passa a aplicar um plano de ensino continuado entre a pré-escola e o primário.

Em 27 de Junho de 1961, o Decreto n. 38.643 (SÃO PAULO, 1961b) regulamentou o Decreto-Lei n. 6.052/61 (SÃO PAULO, 1961a), de 3 de fevereiro, e criou o Serviço de Ensino Vocacional (SEV) no estado de São Paulo. Os Ginásios Vocacionais alcançaram rápida aceitação entre os progressistas, pela forma renovadora como vinham sendo conduzidos. A metodologia crítica adotada pelos Vocacionais não se articulava com a ideia de formação exclusivamente voltada à capacitação para o trabalho, o que gerou desconfianças, primeiramente da ala liberal formada por políticos e empresariado, e depois pelo governo militar instalado em 1964.

Enquanto os Ginásios Vocacionais começavam a operar, o governo federal procurava implantar os GOTs, que surgiam como tentativa de regulamentar o ensino industrial no nível ginasial. Em 1963, nova investida em busca de implantar os GOTs foi inócua e encontrou resistência sob forma de críticas diversas (CHIOZZINI, 2003; BALZAN, 2005), principalmente de ordem ideológica, associando-os a uma possível ingerência norte-americana sobre os destinos da educação brasileira e ao interesse dos industriais tão somente em formar mão de obra.

Com a ascensão dos militares ao poder, por meio de um acordo entre Usaid e MEC, segundo Chiozzini (2003), em conversações mantidas em tom de confidencialidade, os GOTs são implantados em alguns estados brasileiros.

Segundo Nunes (2010, p. 57), por volta de 1967, o estado de São Paulo, por sugestão do governo federal, constituiu uma comissão para formular as bases teóricas e práticas para a instalação dos GOTs, com o nome de Ginásios Pluricurriculares. Criados em caráter experimental pelo Ato n. 41, de 31 de janeiro de 1967, totalizavam 55 Ginásios Pluricurriculares nesse ano (CHIOZZINI, 2003), entre eles o Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental (conhecido reduzidamente como Gepe). Nunes (2010) afirma que eram 60 unidades no ano seguinte e 90 em 1969.

Machado (1989) evidencia as principais características dos GOTs, que tinham:

[...] a duração de quatro anos e seu currículo previa, por um lado, disciplinas de cultura acadêmica e geral, não diferindo, essencialmente, dos ginásios convencionais; por outro, artes práticas em pelo menos três dos seguintes campos: artes industriais, técnicas agrícolas, técnicas comerciais e educação para o lar. O ensino era de natureza politécnica, exigindo do professor também uma formação polivalente. Quase todos [os GOTs] pertenceram às redes estaduais de ensino, e nas duas primeiras séries, além da parte geral, previa-se a sondagem de aptidões. (MACHADO, 1989, p. 48)

Durante a coexistência dos dois modelos de ensino voltado ao desenvolvimento vocacional, houve constantes embates ideológicos. O depoimento de Newton Balzan, ex-coordenador da área de Estudos Sociais do SEV, acrescenta

alguns detalhes às discordâncias:

Em 67, o governo do Estado não avalia o Vocacional e decide implantar um novo sistema que é o Ginásio Pluricurricular do MEC/Usaid. Enquanto no Vocacional o centro das disciplinas era Estudos Sociais e os problemas sócio-político- culturais, nos Ginásios Pluricurriculares o centro era Artes Industriais. (CHIOZZINI, 2003, p. 67)

Balzan (2005, p. 139) ratifica tal opinião e aumenta o tom da crítica aos Pluricurriculares: “A formação do educando fica relegada a um segundo plano, vindo em primeiro lugar a preparação de mão-de-obra semiespecializada para o mercado de trabalho.”

As críticas de personagens vinculados à formação e existência dos Vocacionais (CHIOZZINI, 2003; BALZAN, 2005; MASCELLANI, 2010) são ponderadas em linhas gerais pelo ex-coordenador pedagógico do Experimental da Lapa, José Cerchi Fusari, em depoimento a Triguis (2007). Para ele, os projetos pedagógicos eram diferentes. Enquanto o Experimental buscava resgatar a pedagogia tradicional e, baseado na Escola Nova, despertar o adolescente para a crítica da realidade, o Vocacional era explicitamente posicionado ideologicamente à esquerda, utilizando o engajamento e a pedagogia histórico-crítica. Alguns dos professores envolvidos no projeto do Experimental da Lapa eram também de esquerda, segundo Fusari, mas esse posicionamento se fazia notar mais especificamente nas áreas de Estudos Sociais e de conhecimento, não numa estrutura ideológica.

O Relatório do Gepe I de 1969 faz referência à criação dos Pluricurriculares, afirmando que eles tinham

[...] a intenção de se constituir um ginásio único, democrático e flexível, resultante da unificação do primeiro ciclo do grau médio num tronco comum, visando dar educação geral para todos. (GINÁSIO ESTADUAL PLURICURRICULAR EXPERIMENTAL I - GEPE I, 1969, p. 1)

Além disso, deveriam despertar vocações nos alunos, vocações essas que teriam prosseguimento no ensino colegial ou diversificado ou especializado.

Esse trecho aponta para a associação entre progressão continuada e a organização do ensino em ciclos, que se tornariam interligadas e dependentes na década de 1990, com a implantação em alguns estabelecimentos e sistemas de ensino municipais e estaduais. Mainardes (2009) apresenta a experiência no Experimental da Lapa como uma das principais e pioneiras de políticas de não reprovação no Brasil e explica resumidamente parte do processo adotado em relação à avaliação:

[...] as provas e exames eram meios de verificação da aprendizagem, revisão dos conteúdos curriculares ou de reagrupamento e reorganização das classes, mas nunca critérios de promoção ou reprovação dos alunos. Durante o ano letivo, os alunos podiam ser remanejados para classes mais adiantadas, de acordo com seu progresso. (MAINARDES, 2009, p. 36)

As quatro unidades iniciais do Gepe (denominadas I, II, III - iniciadas em 1967 - e IV - com início em 1968) formavam, juntamente com o Grupo Escolar, o Núcleo Experimental da Lapa, em caráter de escolas-piloto subordinadas à Secretaria de Educação do estado de São Paulo. Therezinha Fram, diretora do Grupo Escolar desde 1961 e coordenadora do projeto, em entrevista a Bonino (2011), diz que a criação do Gepe nasceu do vislumbramento da possibilidade de estender ao ginásio as experiências já aplicadas na unidade e que, apesar de constarem na Lei de Diretrizes e Bases desde 1961, não existiam na prática.

A escolha do então Grupo Escolar Experimental “Dr. Edmundo de Carvalho” para integrar os Gepes deveu- -se primeiramente a um passado de quase 30 anos em que a escola funcionava em caráter experimental, sendo que a integração com o grupo escolar tinha o objetivo de unir os cursos primário e ginasial em oito anos sequenciais de formação, iniciativa que resultou, anos depois, no Grupo Escolar - Ginásio Experimental “Dr. Edmundo de Carvalho” (Gegedec). E também ao fato de, em 1961, o diretor do Grupo Escolar Ulysses Lombardi ter implementado uma sugestão de 1958 do diretor geral do Departamento de Educação de São Paulo, Luís Contier, para testar um sistema de “aprovação automática” nos quatro anos do ensino primário. A experimentação foi rebatizada como “rendimento efetivo”, por sugestão do então diretor do Departamento, Carlos Pasquale.

De acordo com o projeto idealizado pela assistente técnico-didática do Grupo Escolar, Elsa Lima Gonçalves Antunha, ainda em 1959 e publicado apenas em 1961, a iniciativa atendia às reivindicações da sociedade e de educadores por uma solução para o problema da reprovação. As consequências da reprovação eram superlotação de classes, falta de vagas e evasão escolar, além de problemas logísticos e administrativos para a instituição e para o Estado, psicológicos para alunos e familiares, e pedagógicos para professores. As conclusões sobre a iniciativa, segundo o documento, seriam apresentadas em cinco anos (VIÉGAS; SOUZA, 2012).

Antunha alertava, no entanto, que tão somente a adoção do rendimento efetivo não resolveria um problema que incluía deficiências instrumentais, administrativas e de formação de professores; propôs, assim, uma reestruturação geral do ensino. Entre as sugestões, a autora elencava a duração do ano letivo, o currículo, a organização das classes, o planejamento e os critérios de avaliação aliando quantidade e qualidade.

Atrelada ao objetivo de progressão continuada, estava implícita a intenção de exclusão do exame de admissão, processo que se assemelhava a um vestibular e limitava aos mais capacitados o ingresso no curso ginasial, excluindo dos menos favorecidos a possibilidade de continuidade dos estudos. Enquanto os Gepes I e II já haviam eliminado o exame, a Secretaria de Educação, sob comando de Ulhôa Cintra, defendia um exame de admissão único, organizado e aplicado pelo órgão a todas as instituições, fossem elas particulares ou públicas, o que, segundo dados da própria Secretaria, dobrou a inclusão de alunos no ano letivo de 1968 (AZANHA, 1999, p. 105). O caráter experimental da instituição lapeana permitia a decisão autônoma de optar pela exclusão do exame.

A AVALIAÇÃO FORMATIVA E A RECUPERAÇÃO COMO SUPORTES PARA A PROMOÇÃO AUTOMÁTICA

A ideia de promoção automática não era nova; segundo Viégas, tem raízes no ano de 1918, quando Sampaio Dória,1 em carta aberta ao então diretor geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo, Oscar Thompson, ataca o analfabetismo no Brasil e defende um projeto educacional que eliminasse “o maior mal do Brasil contemporâneo” (VIÉGAS, 2007, p. 58).

Para dar início à tarefa, Dória propõe a abolição da repetência:

[...] promover do primeiro para o segundo período todos os alunos que tiverem tido o benefício de um ano escolar, só podendo os atrasados repetir o ano, se não houver candidatos aos lugares que ficariam ocupados. (VIÉGAS, 2007, p. 58) Conforme a autora, a discussão sobre a promoção automática (como se denominava na época a progressão) continuou sem resultados efetivos e voltou à tona na segunda metade dos anos 1950.

A ideia da progressão continuada ou (progressão por idade), segundo Jacomini (2008), já fazia parte do sistema de ensino inglês desde a década de 1940, assim como a França também adotava a obrigatoriedade de todos os alunos do ensino primário ingressarem no segundo e terceiro ciclos, sem interrupções ou atrasos. Jacomini (2008, p. 50) afirma ainda que a experiência na Inglaterra serviu “para os educadores Dante Moreira Leite e Almeida Júnior proporem, ainda na década de 1950, a chamada promoção automática no ensino brasileiro”.

Para a autora, os novos meios de controle da aprendizagem e eliminação da reprovação por rendimento têm relação direta com a democratização da educação brasileira:

[...] a democratização da educação requer tanto a ampliação do atendimento, especialmente na educação infantil e no ensino médio, quanto padrões de qualidade inerentes a esse atendimento. Não se trata, entretanto, como reclamam alguns professores, de voltar à qualidade da escola “de antigamente”, mas de se construírem processos educacionais capazes de responder às necessidades de grupos sociais até então alijados do saber escolar. (JACOMINI, 2008, p. 559)

Nesse período, houve defensores, questionadores e opositores à ideia da promoção automática. Mainardes (2009) cita: Anísio Teixeira, Dante Moreira Leite, Lauro de Oliveira Lima e até o presidente da República Juscelino Kubitschek entre as opiniões favoráveis; Almeida Júnior e Carlos Morais entre os que alertavam sobre as possíveis dificuldades de implantação do modelo; e Luís Pereira e Renato Jardim Moreira como contrários.

Mainardes (2009) comenta que os argumentos de quem era favorável à progressão baseavam-se na possibilidade de diminuir os índices de reprovação e evasão, o aumento de vagas e o melhor aproveitamento dos recursos financeiros. As preocupações, mesmo entre seus defensores - Almeida Júnior, em 1957, e Moreira Leite, em 1959 -, eram quanto ao treinamento dos professores e à infraestrutura das instituições. 2 Entre os contrários, Pereira, em 1958, duvidava do sucesso da iniciativa no Brasil, pois o contexto em que ele foi aplicado no exterior não encontrava semelhança com a realidade do país; e Moreira, em 1960, acreditava que “a reprovação era um dos sustentáculos do sistema educacional e não podia ser suprimida” (MAINARDES, 2009, p. 33).

Viégas (2007, p. 4), ao pesquisar sobre o Regime de Progressão Continuada, exprime a dificuldade de encontrar documentos que comprovem a maioria das conclusões acerca da aplicação na rede pública das metodologias testadas no Experimental da Lapa,

[...] conduzindo à necessidade de recurso à história não documentada para conhecer como se deu tal processo. O resgate desta experiência, que envolve, sobretudo, o registro de memórias de participantes [...] parece ser reveladora de sua própria história.

A importância da progressão automática na experiência do ensino continuado de oito anos é levantada no Relatório do Grupo Escolar de 1969, que faz referência às duas pontas do processo e considera a integração de seu Serviço de Orientação Educacional (SOE) com os mesmos setores do pré-primário e do ginasial como principal meio para o sucesso da iniciativa. Reuniões semanais entre estes e a Coordenação dos Gepes (todas as 6ªs feiras) e com a do Pré (última 4ª feira de cada mês) eram habituais.

Em termos conceituais, apesar de este artigo se concentrar principalmente na avaliação da aprendizagem do aluno, é importante ressaltar que tanto a avaliação sistemática como a institucional também eram realizadas periodicamente pela escola, fatos que levaram às constantes modificações organizacionais e pedagógicas no processo de recuperação.

Em relação à avaliação, os sujeitos da pesquisa de Viégas e Souza (2012) sobre a promoção automática no Experimental da Lapa destacam a apreciação constante do rendimento efetivo dos alunos, considerando o trabalho diário e as verificações periódicas. O critério qualitativo da avaliação, segundo o diretor Ulysses Lombardi, encontrava a resistência de pais e alunos, que não compreendiam o novo processo.3

Mesmo assim, as autoras reforçam a importância da experimentação:

Destaque deve ser dado ao fato de que condições fundamentais, apontadas desde Sampaio Dória, foram garantidas no Grupo Experimental da Lapa, visando ao sucesso da promoção automática: número reduzido de alunos por classe, formação docente, mudança nos métodos, nos programas e na avaliação, mas, sobretudo, diálogo profundo com seus participantes - professores, alunos e familiares (VIÉGAS; SOUZA, 2012, p. 512).

A avaliação, apesar de não condicionar a aprovação ou repetência, deveria se converter num indicador das necessidades do aluno que não atingia um patamar suficiente para acompanhar o conteúdo a ser desenvolvido no ano seguinte. Foi com essa concepção que ela se tornou constante e identitária no projeto da instituição nesse período. Uma avaliação que se tornasse um eficiente método de aferir o desenvolvimento do aluno em todas as suas dimensões.

Essa forma de dissociar a avaliação da aprendizagem da mera aquisição de conhecimentos ou de uma aferição posterior de um aprendizado unicamente cognitivo que tenha ou não se dado levou o Experimental da Lapa à busca de uma avaliação formativa e integral do aluno. O termo integral é explicado por Libâneo (2004, p. 240):

A avaliação da aprendizagem escolar feita pelos professores deverá estar a serviço das funções sociais da escola, dos objetivos de ensino, do projeto pedagógico da escola, do currículo, das metodologias. Além disso, ela se assenta no respeito aos direitos de todos os alunos de usufruírem de um ensino de qualidade. Os critérios de relevância da avaliação dos alunos centram-se, portanto, em dimensões qualitativas e quantitativas, ou seja, melhor qualidade da aprendizagem para todos os alunos, em condições iguais. Desse modo, a justa medida da eficácia das escolas está no grau em que todos os alunos incorporam capacidades e competências cognitivas, operativas, afetivas, morais, para sua inserção produtiva, criativa e crítica na sociedade contemporânea.4

Ao optar pela educação integral do aluno (nos termos de Libâneo), o método de avaliação também precisava ser repensado e realocado dentro do sistema de progressão continuada. A avaliação formativa, ao contrário da somativa - que propõe a tradução do conhecimento em nota final e uma consequente hierarquização dentro da classe e da instituição em função do resultado alcançado -, é, em sua essência, uma ferramenta indispensável à condução do aluno pelos modelos de recuperação propostos nos Gepes. Segundo Morales (2003, p. 44), a avaliação formativa tem como principal finalidade servir como medida ao professor e ao aluno; ao primeiro, como modelador do ritmo, do conteúdo e dos reforços, entre outros pontos, e, ao aluno “para que tome consciência do próprio aprendizado e para que corrija seus erros”.

Como ressalta Perrenoud (1999, p. 79), a avalição formativa parece se limitar a funcionar em instituições de caráter experimental (apesar de o autor questionar sua efetividade como prática avaliativa) e “é um componente quase obrigatório de toda formação contínua.” Mais que isso, dentro de uma proposta de escola democrática que se estabelecia com a instalação experimental do ciclo de oito anos, era fundamental que a instituição cumprisse o que Luckesi (2011, p. 97) chama de segundo elemento definidor da democratização do ensino, “a permanência do educando na escola e a consequente terminalidade escolar.” O dilema do diretor Ulisses Lombardi de convencimento dos pais sobre os novos critérios avaliativos e de aprovação continuava a predominar nos anos seguintes:

A questão dos conteúdos do ensino sempre foi um ponto de muita discussão com a comunidade interna e externa. Aspecto considerado “sagrado” no processo de ensino e aprendizagem. Professores e técnicos cujos filhos estudavam na escola manifestavam preocupação com o aprendizado dos conteúdos, mesmo porque havia a comparação com outros irmãos, primos e filhos de amigos que estudavam em outras escolas públicas (“conteudistas”) no próprio bairro. Além disso, estava posta a continuidade dos estudos, vestibular etc. (FUSARI, 2014)

O desafio no encontro com os pais, conforme Fusari (2014), era conseguir fazê-los entender e justificar as diferenças de avaliação entre alunos da mesma classe e de classes diferentes, realizadas por professores igualmente diferentes.

Fusari alerta também que não houve rápida adaptação do corpo docente às práticas avaliativas:

Para os professores em geral, oriundos de escolas com práticas tradicionais de avaliação, o desafio era grande, exigindo mudanças conceituais, atitudinais e comportamentais do mesmo. Alguns enfrentavam melhor os desafios e outros menos. O agrupamento e reagrupamento de alunos para a formação das classes exigia muito trabalho de todo o pessoal - professores, técnicos, coordenadores. (FUSARI, 2014)

A análise dos documentos demonstra uma clara busca do Núcleo Experimental por modelos ideais. De acordo com o Relatório do Gepe I de 1968, o sistema de avaliação e promoção precisava de reformulações e sua validade só seria conseguida com o trabalho integrado dos diversos setores técnicos junto aos professores, às áreas, aos Gepes, ao Grupo Escolar e aos pais. Para alcançar tais metas, os setores sugeriram: o planejamento comum, a partir do estudo dos planejamentos de cada área; o treinamento dos professores responsáveis, que promoveriam contato com os alunos, professores da classe e técnicos e coordenadores; e participação determinante do Conselho de Classe na caracterização das classes e na busca por meios que solucionassem os problemas levantados que interferiam no processo educativo (GEPE I, 1968)

A avaliação dos alunos do Gepe II em 1968 baseou-se preponderantemente nas atitudes, em função da priorização dos componentes comportamentais estabelecidos como meta, a exemplo do que ocorria nas demais unidades.

Já o Relatório do Gepe IV de 1968 defende a avaliação integral - a percepção do aluno como um todo - e lembra que ela é parte do objetivo maior da promoção. A busca continuava sendo entender o aluno como ser individual e social, e o processo avaliativo era dividido em três etapas: a primeira consistia na descrição da evolução do aluno, da classe e da escola; a segunda, na comparação das observações coletadas; e a terceira e última etapa, na atribuição do conceito com base nos dados obtidos. Esse processo visava ao acompanhamento do aluno e da classe e à verificação clara dos pontos deficientes que impediam que os objetivos fossem alcançados (GEPE IV, 1968).

No ano seguinte, o Relatório do mesmo Gepe IV de 1969 identifica a multidisciplinaridade na avaliação dos alunos como “visão integrada [entre os setores e agentes], não permitindo que a visão [...] de sua área fosse decisiva para avaliar o aluno” (GEPE IV, 1969, p. 204).

Os critérios de avaliação do Gepe II de 1969, segundo o Relatório da unidade, reforçam a tendência do Experimental da Lapa em abandonar o sistema de avaliação final como meio único e definitivo de valoração do aluno, tanto que o próprio título do item referente ao tema anuncia “Avaliação do Processo Educacional” (GEPE II, 1969, p. 8). Constam avaliações iniciais com o objetivo de aferir as dificuldades de conhecimento apresentadas nas disciplinas obrigatórias - provas escritas - e de conhecer a situação econômica, social e nível de escolaridade da família. Ao longo do curso, ela transcorrerá a partir da

[...] análise dos dados observados sistematicamente pelo professor, assessorado pelos setores técnicos não docentes, com referência a rendimento acadêmico e a mudança de comportamento. (GEPE II, 1969, p. 8)

O caráter avaliativo no Experimental da Lapa, entendido como uma ferramenta a ser utilizada para correções dentro do próprio processo educativo, é reafirmado no Relatório de 1969 do Gepe IV. Para a equipe, a avaliação é como

[...] uma contínua e permanente atividade de autocrítica e revisão do próprio trabalho através de elaboração sistemática de planejamento e relatórios anuais e bimestrais, que analisados pelos setores técnicos dão ao professor maior possibilidade de controle e consequente aperfeiçoamento. (GEPE IV, 1969, p. 10)

O documento ainda reforça a ideia de avaliação conjunta e destaca o procedimento de observação dos alunos como processo de avaliação mais amplo e objetivo, prática conjunta de toda a equipe, técnicos e docentes.

O Relatório desse ano do Gepe I também aponta para o sistema de avaliação ainda em processo de elaboração, ao afirmar que reuniões com os professores foram desenvolvidas ao longo do ano, principalmente em Conselho de Classe, visando à discussão sobre “disciplina, dinâmica de grupo e sociabilidade, a fim de se montar um sistema de observação do aluno que favorecesse uma avaliação mais objetiva” (GEPE I, 1969, p. 32, grifo nosso).

A busca por um modelo ideal de avaliação permeou toda a trajetória do Núcleo Experimental da Lapa e fez com que todas as unidades alternassem bastante a forma de avaliar o aluno. O Relatório de 1969 do Gepe II, em seu anexo I, traz as orientações sobre avaliação. Enfatizando os domínios cognitivo, afetivo e motor como de interesse e importância a todas as disciplinas e áreas, o capítulo orienta os avaliadores, determina 18 itens obrigatórios e abre a possibilidade de outros que cada disciplina julgasse interessante incluir, assim como dá liberdade ao docente de conceder pesos diferentes a cada item. O setor de Psicologia da unidade contribuiu com o processo de avaliação nesse ano, interpretando os resultados, discutindo e controlando as aferições do segundo semestre, e considerou-o plenamente satisfatório (GEPE II, 1969).

Conforme o Relatório do Grupo Escolar de 1969, as crianças eram submetidas a uma avaliação inicial constituída de testes psicológicos (pré-escola) e pedagógicos (primário) logo na inscrição. Esses compunham, segundo o documento, os primeiros dados avaliativos da criança. As fichas já utilizadas para registro das observações e conceitos individuais foram aprimoradas. As fichas-síntese continham um dossiê dos alunos, mais amplo e detalhado, que viria a se tornar padrão também na pré-escola. Os dados preenchidos por professores, técnicos ou pais eram feitos em fichas coloridas, diferenciando o conteúdo e quem as preenchia: socioeconômica (preenchida pelos pais) - verde musgo; encaminhamentos (Setor de Orientação Educacional) - amarela; psicológica (Setor de Psicologia) - verde; entrevistas - cinza; e pedagógica (professores) - marrom (GRUPO ESCOLAR EXPERIMENTAL “DR. EDMUNDO DE CARVALHO” - GEEDEC, 1969).

Na unidade, foi formado um Grupo de Trabalho Responsável pela Avaliação (GT1), que, de setembro ao final do ano, elaborou um sistema a ser testado definitivamente no ano seguinte. No entanto, o Relatório alerta que a implantação não seria fácil, pois entendia-se que tanto a comunidade quanto os alunos não estavam preparados para compreender, receber e se submeter ao sistema. Além disso, afirma que os professores também precisariam passar por um processo de treinamento para compreender seus objetivos e técnicas. O Relatório aborda ainda duas fundamentações para o sucesso do processo avaliativo: clareza na explicitação dos objetivos, para alcançar maior fidedignidade e precisão na avaliação; e informações substanciais aos pais, para conhecimento do processo avaliativo, de seus objetivos e dos critérios em que se baseava.

No primeiro bimestre de 1969, a avaliação no Gepe IV, conforme o seu Relatório anual, deu-se também por meio das observações sugeridas pelo Núcleo Experimental da Lapa e adotadas tanto no Grupo Escolar quanto nas outras unidades do Gepe, ou seja, além da avaliação dos conhecimentos de cada área, levou em conta também as observações das atitudes comportamentais. A tentativa, no entanto, foi considerada inconsistente,

[...] por várias razões, entre as quais a crescente pressão dos pais dos alunos no sentido de enfatizarmos mais as áreas de conteúdo que as de expressão e o fato de termos chegado à conclusão que a primeira forma de avaliação não era satisfatória. (GEPE IV, 1969, p. 126)

Assim sendo, a avaliação do segundo bimestre levou em consideração somente o conhecimento. Apenas no bimestre agosto/setembro, o Grupo de Trabalho 1 conseguiu estruturar um sistema mais claro de fichas e incluiu, ainda que de maneira superficial, a observação e a análise dos alunos.

É possível saber um pouco mais sobre o processo avaliativo no Anexo V desse Relatório (GEPE IV, 1969), no qual um roteiro para observação dos alunos detalha os aspectos a serem avaliados (físico, mental, emocional e social). As orientações deixam transparecer a busca por uma padronização da avaliação e enquadramento dos alunos em tipos de comportamento. Cada professor deveria anotar:

[...] cenas, fatos, diálogos ou qualquer episódio que descreva o comportamento dominante do aluno observado [...] [e] classificar o aluno, segundo a escala de avaliação apresentada [...], fazendo um círculo na letra maiúscula que, a seu ver, é o que há de característico, frequente ou dominante na criança. (GEPE IV, 1969, p. 37)

Os critérios de observação constavam no Relatório de 1969 do Gepe I, baseados no ranking scale do Research Institute of Ohio - uma espécie de relação de pontos a serem observados e as possíveis reações do observando diante de situações específicas, classificadas em quatro estágios, que variavam de um oposto a outro com variações intermediárias menos extremadas. Eram eles: humor (de acentuadamente animado a deprimido), atividade (de vigorosa e enérgica a baixo nível de energia), sociabilidade e educabilidade (de atitudes dirigidas para atender às expectativas das pessoas a comportamentos rebeldes), reação emocional (de muito sensível a insensível), sociabilidade (de relaciona-se com facilidade a retração e desconfiança social), liderança (de autoritário a acompanha os demais), emulação (de altamente estimulado pela competição a desistência diante de uma situação competitiva que exija esforço maior), adaptabilidade social (de envergonhado ou assustado diante de outras pessoas a sempre à vontade), interesses (de aguda responsabilidade e sensibilidade social a indiferença e individualismo) (GEPE I, 1969, p. 38).

Nesse mesmo documento, o SOE tece comentários interessantes que explicitam a dificuldade de, ao buscar a cientificidade e procurar atender ao modelo do projeto experimental, avaliar os objetivos comportamentais do aluno:

Parece impossível uma avaliação quanto aos objetivos comportamentais e de conhecimento, pelo SOE, que seja realmente válida, do ponto de vista científico. Seria necessário montar uma pesquisa, com grupos de controle onde as variáveis fossem delimitadas, controladas, a fim de se avaliar a evolução de alguns aspectos do comportamento. O que se pode fazer são avaliações empíricas, baseadas em observações diretas com os alunos, ou informações recebidas da equipe nas reuniões de professores responsáveis, nos Conselhos de Classe ou no encontro assistemático com professores. (GEPE I, 1969, p. 331)

O sistema de fichas é uma constante nas unidades dos Gepes e no Grupo Escolar (GE). O professor dispunha de várias das referidas fichas, nas quais anotava as observações comportamentais pertinentes à avaliação. Elas tinham espaço para anotações às vezes eventuais, diárias, semanais ou mensais. Todas elas serviam para que ele, ao final de cada bimestre, atribuísse ao aluno um conceito, baseado nas características observadas e no seu desenvolvimento. Da mesma forma, as fichas das classes eram preenchidas com as ocorrências não rotineiras e transformadas em conceitos. No Gepe IV, de acordo com o Relatório de 1968, os critérios a serem avaliados eram quatro: atenção, interesse, reflexão e cooperação. Houve liberdade para que cada área incluísse seus próprios critérios de observação, desde que eles pudessem, ao final, resultar num único conceito, numa síntese de avaliação individual. O conceito geral era atribuído a partir dos conceitos de cada área, com base em todos os itens considerados, e então transferido para uma tabela (GEPE IV, 1968).

Em 1969, o modelo de ficha individual, que já vinha sendo testado e seria utilizado nos anos seguintes também no Gegedec, já estava devidamente estabelecido, ao menos no Gepe I. Nela constavam os conceitos e as observações em relação a rendimento intelectual, social-comportamental e físico. As informações eram transmitidas aos pais bimestralmente.

A inclusão da autoavaliação no processo avaliativo é relatada como usual desde os primeiros anos, porém como sempre controversa. Já nas primeiras experiências ainda apenas com o Grupo Escolar, no final da década de 1950, o diretor Ulysses Lombardi, segundo Viégas e Souza (2012), afirma que a promoção da autoavaliação demorou a ser compreendida pelos alunos e pelos pais e, consequentemente, a funcionar adequadamente. Com o tempo, ainda de acordo com Lombardi, o aluno se acostumaria a compreender o quanto ele havia se dedicado ou não à disciplina e conferia a si próprio um valor, apesar de subjetivo, mais próximo do real.

No Gepe I, quando da implantação das fichas individuais, a autoavaliação do aluno também fazia parte efetiva do procedimento, segundo Relatório referente ao ano. No Gepe IV, ela aparece em 1969; no entanto, sem contar para a avaliação final. O Relatório defende que, ao incluir a autoavaliação como componente da nota do aluno, insere-o como participante do processo, a exemplo do que também já ocorria nas outras unidades e no Grupo Escolar. Nessa unidade, a tentativa de incluir comportamentos como atenção, interesse, reflexão e cooperação na autoavaliação dos alunos não teve sucesso, sendo considerados apenas conceitos que o professor tentava implantar.

Os parâmetros e símbolos para a avaliação por meio de conceitos que substituíam as notas numéricas variaram bastante. Em 1968, o Gepe IV adotou as letras I, F, R, B e B+, que correspondiam a insuficiente, fraco, regular, bom e muito bom, respectivamente. O Relatório de 1969 do Gepe II refere-se a esses conceitos como muito bom (MB), bom (B), regular (R), fraco (F) e insuficiente (I). Nessa unidade, cada aluno tinha uma ficha que o Setor de Orientação Pedagógica (SOP) utilizava nas reuniões com os pais, para informar sobre o rendimento individual, nas quais os conceitos MB e B eram assinalados em verde, o R em amarelo, e F e I, em vermelho. Seriam as cores uma analogia ao semáforo? Viégas e Souza (2012) ratificam essa prática na década de 1970, explicando que o sistema de avaliação do Experimental da Lapa era baseado em observações diárias e avaliações periódicas e que causou certa confusão a pais e alunos que ainda se confundiam com a decrescente avaliação: A, B, C, D e E. A cada letra correspondiam avaliações do rendimento em ótimo, bom, regular, fraco e insuficiente, respectivamente. Ao final do ano de 1969, no último bimestre, batizado de bimestre- -síntese, todos os professores de cada classe do Gepe IV se reuniram em conselho. Interessante notar que, já nessa época, o sistema de letras constituía um modelo adaptado do citado no parágrafo anterior. Seriam aprovados os que obtivessem B ou B+, enquanto os alunos que obtivessem conceitos R (regular), F (fraco) ou I (insuficiente) passariam por um período de recuperação imediato, sendo aprovados aqueles que recebessem conceitos até R.

Nesse Relatório do Gepe IV, consta que foram também encaminhados para uma recuperação diferenciada alunos que “se não fossem atendidos pela escola seriam sempre marginalizados no grupo da classe que já os rejeitavam e onde esses alunos estariam cada vez mais defasados” (GEPE IV, 1969, p. 200). Os primeiros foram encaminhados para uma recuperação denominada “a curto prazo” e os outros, para a de “longo prazo”.

A questão da avaliação no Experimental da Lapa estava diretamente relacionada a proporcionar ao aluno a promoção automática, sem prejuízo de seu desenvolvimento escolar. Sendo assim, a recuperação ocupa lugar de destaque no planejamento, como consequência da avaliação e causa da continuidade. O processo não foi tão tranquilo nem linear durante o período de experimentação. Houve tentativas de implantação de diferentes modelos desde os primeiros meses, com alguns sendo abandonados e substituídos dentro do mesmo ano letivo.

A organização das classes intermediárias tinha especial atenção do diretor, assistente técnico-didático, psicólogo e professor da série anterior, os quais, juntos, agrupavam os alunos de acordo com algumas similaridades referentes ao rendimento no ano anterior ou a características particulares que exigissem assistência mais próxima do docente. Inicialmente, duas séries foram incluídas para reforçar o conteúdo que se apresentasse defasado para certos alunos. Entre o 1º e 2º anos, existiria uma classe intermediária para atender aqueles que não atingiram um patamar mínimo para cursar o 2º, enquanto que, após o 4º ano, uma “classe de ensino emendativo” (GEPE IV, 1969, p. 83) complementaria o elementar não aprendido.

Com isso, o primário poderia ser cumprido em quatro ou seis anos, dependendo do rendimento individual. Além disso, os alunos defasados recebiam, nas férias de meio de ano e antes do início do ano letivo seguinte, aulas especiais com o conteúdo a ser desenvolvido, que se chamava de “reforço antecipado”. Em relação às classes intermediárias, Abramowicz, Elias e Silva (19875 apud VIÉGAS; SOUZA, 2012) criticam-nas, pois as julgam inviáveis no sistema escolar público.

A inovação não demorou a ser abandonada, como pode ser comprovado na ausência de citações nas publicações dos anos seguintes, o que leva a crer que a ideia foi substituída por outra forma de recuperação paralela. Além do fato de não atender ao plano de ensino continuado de oito anos, pois visava basicamente a uma correção do processo de aprendizagem que se mostrou improdutivo no primário, fazia com que um aluno pudesse passar dois anos por classes intermediárias e ingressasse com atraso considerável no próximo ciclo. De certo modo, poderia contornar o problema da evasão, mas não o da repetência, que estava implícita nessas classes.

Com a instalação dos Gepes, a questão da recuperação recrudesce. No Relatório do Gepe I de 1968, a questão é tratada de modo enfático e não são poucas as críticas. Apesar da defesa da progressão continuada pelo Projeto Experimental, os autores guardam ressalvas quanto ao método. O sistema de recuperação mereceu pouco destaque no documento e, diante da evidência dos fatos, foi considerado inócuo, por causa talvez das dificuldades vividas durante o ano:

Em função das dificuldades materiais sofridas não foi possível estabelecer um sistema de recuperação comum a todas as áreas. Foi decidido pela equipe que cada área procurasse desenvolver o trabalho de recuperação que julgasse necessário, dentro do esquema de aulas existentes. (GEPE I, 1968, p. 44)

Essa posição foi modificada nos anos seguintes, tanto que os relatos apontam para uma recuperação planejada por várias áreas, procurando propor a obtenção de resultados com a cooperação de todo o corpo docente. A recuperação era planejada e ministrada com atividades que desenvolvessem aspectos comportamentais do aluno.

Ao contrário da ênfase dada nas outras unidades ao processo de recuperação, apenas no início do ano seguinte nota-se, ao menos no Relatório de 1968, que o Gepe II tinha um procedimento antecipatório. O processo de recuperação tinha início a partir da observação do professor de uma dificuldade do aluno em determinada área. O acompanhamento tinha início tão logo fossem detectadas as necessidades e procurava-se não permitir que a defasagem se acentuasse até o final do ano. Os setores técnicos auxiliavam, procurando identificar as causas do baixo rendimento e fatores que pudessem ser comunicados aos professores e aos pais e, em conjunto com estes, trabalhados no processo recuperativo durante o ano letivo (GEPE II, 1968).

Ao mesmo tempo em que reivindicam uma maior autonomia, os professores do Gepe II propõem um sistema único de avaliação para cada área: a aplicação de quatro provas por bimestre e de uma espécie de admissão aos que devem ser recuperados, para que se tenha um resultado concreto de suas necessidades. São sugeridas também a recuperação no começo do ano e planejamentos diferentes para cada classe, que deveriam ser divididas de acordo com o aproveitamento dos alunos.

O Gepe II procurava também manter os alunos próximos a seus colegas de classe; para isso, a organização das sessões de recuperação obedecia a um agrupamento que possibilitasse isso. O funcionamento e o conteúdo da recuperação podem ser conferidos no seguinte trecho do Relatório de 1968:

O plano de recuperação baseou-se na constatação dos professores de que alguns alunos necessitavam de certos fundamentos básicos que impediam um desenvolvimento normal da aprendizagem, devido principalmente a falhas do curso primário. Por essa razão foram selecionados, em cada uma das áreas de conhecimento, os alunos que precisavam de recuperação especial. Assim, as duas primeiras faixas do horário foram destinadas a essa recuperação, de modo que na primeira faixa, as três turmas de primeira série trabalhavam com Português, sendo que o professor titular ficava com a classe especial e outros professores das demais áreas auxiliavam os alunos que trabalhavam em grupos (para revisão e fixação da matéria lecionada durante o ano). Da mesma maneira, na segunda faixa, os alunos da segunda série trabalhavam com Português. (GEPE II, 1968, p. 12)

Esse mesmo Relatório aponta para outra questão relevante quanto à promoção automática: o número excessivo de ausências. Quanto a esse ponto, os professores sugerem a criação de um sistema de acumulação das faltas no ano seguinte, incluindo as do ano anterior no total possível do ano presente. Institui-se, dessa forma, a repetência por faltas, mesmo no caso dos alunos novos, que teriam um limite a ser respeitado desde o início. A justificativa é de que não há sistema de recuperação capaz de compensar a ausência absoluta de conteúdo.

O Relatório de 1969 do Gepe II aponta que a recuperação era realizada simultaneamente ao desenvolvimento das unidades de estudo, bimestralmente, num esforço conjunto de professores e técnicos, com atendimento especial em horários extras. Em 1969, no mês de março, as classes do ano anterior foram mantidas e o conteúdo desenvolvido referia- -se ao ano anterior, com vista à recuperação dos alunos com problemas de rendimento escolar (GEPE III, 1968).

Nesse mesmo ano, o Gepe I criou algumas classes de recuperação durante o ano letivo e fora do horário normal das aulas. A justificativa era a necessidade de fornecer um tempo e uma atenção maior àqueles que não os tinham em casa:

Alguns alunos trabalhavam fora, outros na própria casa. Outros fatores foram constatados [...]: conflitos familiares, expectativa alta dos pais em relação ao aprendizado; pais que trabalham o dia todo fora de casa, ficando estas crianças com avós, tias ou sozinhas. (GEPE I, 1969, p. 29)

De 13 de dezembro do ano anterior ao final de fevereiro de 1969, no Gepe IV, houve a recuperação dos alunos conceituados com I ou F, tanto em relação ao conhecimento do conteúdo de cada área quanto ao comportamento. Cerca de 50% dos alunos participaram da recuperação, que foi organizada em aulas duplas de 100 minutos, nas áreas de Português, Matemática, Estudos Sociais, Ciências, Inglês e Educação Musical. Apesar do resultado considerado satisfatório, a conclusão dos professores e técnicos da unidade foi de que o processo de recuperação deveria ser revisto, para que ocorresse durante o próprio ano letivo e não no seguinte. Um total de 184 alunos ficou de recuperação em 1969, no Gepe IV, com apenas 37 sendo aprovados de imediato. Daqueles, participaram da recuperação de longo prazo 54 alunos (19,6%) (GEPE IV, 1969).

O Relatório desse ano (GEPE IV, 1969) considerou os números significativamente preocupantes, exigindo que se repensasse o planejamento - considerado muito distante da realidade do público - ou que as avaliações periódicas conduzissem a alterações que diminuíssem esse número. A discussão da eficácia da continuidade entre o ensino primário e o secundário acirra-se com a constatação de que 57,1% dos alunos precisaram passar pela recuperação de curto prazo, enquanto 74,1% dos integrantes da de longo prazo vinham do próprio Grupo Escolar Reynaldo Porchat, associado diretamente ao Gepe IV.

Os alunos de recuperação de longo prazo do Gepe IV, em 1969, tiveram registradas no Relatório observações detalhadas do SOP, como orientadoras das condutas adequa das por parte dos professores para com o grupo em 1970. Os setores técnicos elaborariam um levantamento condensado e sintetizado para servir de apoio aos docentes encarregados de lidar com esses alunos.

Quarenta e sete dos alunos que ficaram na recuperação de longo prazo “foram considerados como alunos que dificilmente teriam condições de frequentarem (sic) a série seguinte no ano de 1970” (GEPE IV, 1969, p. 210), enquanto os outros sete alunos participantes desse grupo seriam integrados normalmente às séries seguintes após 12 dias de trabalho de recuperação. Estes receberiam assistência especial, individualizada e frequente por parte de professores e técnicos.

No Grupo Escolar, atrelado ao Gepe I, foi montada uma Coordenação de Recuperação, conforme consta no Relatório de 1969. No documento, fica claro que o reforço pedagógico não é a única preocupação do processo que eliminou a retenção. Numa clara referência à educação integral do aluno, o texto traça um objetivo em especial:

Realizar a recuperação em termos amplos, não colocando- a apenas como simples recuperação pedagógica em determinada área problemática, mas dando atenção ao processo de aprendizagem como um todo complexo que envolve Aptidão, Motivação, Interesses, Incentivos, e que se situa em um contexto em que as relações humanas [...] são de capital importância para o sucesso das ações. (GEEDEC, 1969, p. 149)

A Coordenação de Recuperação do Grupo Escolar, no Relatório de 1969 (GEEDEC, 1969), defende também a importância da conscientização do professor e dos pais como agentes fundamentais no processo, os primeiros na aplicação de métodos que facilitem o aprendizado desses alunos que apresentam uma apreensão mais lenta e difícil, e os pais na compreensão de sua importância na recuperação, com uma participação mais efetiva em casa. Em 1969, 112 alunos passaram pela recuperação no Grupo Escolar.

O processo de recuperação incluía não apenas aulas específicas da disciplina, mas acompanhamento conjunto dos demais setores. Além do reforço do conteúdo defasado, buscava-se a conscientização do aluno em relação ao processo pelo qual ele estava passando e dos esforços que ele precisava empreender para atingir a aprovação. As aulas de Educação Física foram utilizadas num trabalho em conjunto com o Setor de Psicologia, sem que o Relatório especificasse objetivos e detalhes da integração.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não é possível concluir que o Experimental da Lapa tenha encontrado um sistema ideal de avaliação e de recuperação durante o período em que foi testada a continuidade do ensino primário e ginasial em oito anos. As várias, controversas e abandonadas experiências ao longo dos três anos em que os Gepes existiram nos levam a crer que a busca por processos eficientes ainda estava em curso. É visível, ao longo dos anos, a evolução das estratégias e o aprimoramento dos métodos, mas é difícil determinar que se houvesse chegado a um modelo em comum concordância no Núcleo que gestava as quatro unidades e seus respectivos Grupos Escolares.

Diante dessa profusão de experimentações, para auxiliar a tecer as considerações finais deste artigo, utilizaremos as referências constantes nas publicações que sintetizaram a experiência com os Gepes. Em 1971, toda a fundamentação da iniciativa da fusão dos ensinos primário e ginasial foi relatada e divulgada em publicações chamadas Cadernos, nas quais eram apresentadas, a professores de todo país, as principais experiências desenvolvidas no período. O material, além de documentar as práticas anteriores, fundamentou o Gegedec.

As principais referências sobre avaliação constituíram o Caderno III (GRUPO ESCOLAR - GINÁSIO EXPERIMENTAL “DR. EDMUNDO DE CARVALHO” − GEEDEC, 1971). A apresentação dessa forma permite um panorama mais isolado e concentrado de como o Experimental da Lapa compreendeu toda a questão e nos traz um balanço mais conciso dessas experiências. Também são relevantes tais informações, pois trazem trechos de relatórios dos Gepes não encontrados para a elaboração da presente pesquisa.

A primeira preocupação da publicação é definir avaliação e determinar princípios que possibilitem ao professor saber o que é importante avaliar. Os autores apresentam princípios como “o que avaliar”, “como coletar e registrar informações”, “quando” e “como utilizar os dados obtidos durante o processo de ensino e aprendizagem”.

De acordo com o Caderno, a avaliação está diretamente relacionada aos objetivos instrucionais e é considerada de mais fácil elaboração quando esses são bem explicitados. Ela se presta a dois propósitos: avaliar a eficiência do próprio planejamento e o progresso do aluno. Entre tantas outras possíveis, a definição de avaliação estabelecida demonstra, pois, o ponto de partida para os procedimentos posteriores e indica a filosofia do Experimental da Lapa em relação ao tema. Sendo assim, a avaliação:

[...] é um processo contínuo de pesquisas que visa estudar e interpretar os conhecimentos, habilidades e atitudes dos alunos, tendo em vista mudanças esperadas no comportamento, propostas nos objetivos da escola, a fim de que haja condições de propor alternativas no planejamento do professor e da escola como um todo. (GEEDEC, 1971, p. 9)

A apresentação do Caderno III utiliza o Relatório do Gepe I de 1967 (GEEDEC, 1971) para introduzir o tema e demonstrar que a avaliação em si não é apenas uma checagem final, mas todo um processo que demanda esforço coletivo e elaboração contínua de procedimentos. O documento afirma que a equipe escolar (professores, técnicos e coordenadores) trabalhou durante todo o ano em busca de “um sistema de avaliação e promoção que fosse coerente com os objetivos educacionais propostos” (GEEDEC, 1971, p. 5). O Setor de Orientação Educacional promovia a integração e uniformização das observações comportamentais, fornecendo um roteiro de observações que era adotado por todos os professores.

A avaliação como instrumento intermediário de aferição de desenvolvimento tanto de aluno quanto de professor é reiterada:

[...] a avaliação deve ser encarada como tendo uma função de diagnóstico tanto para que o adolescente tenha consciência do desenvolvimento de sua aprendizagem, como para o professor aprimorar sua função. (GEEDEC, 1971, p. 5)

Apesar da busca pela integração, a avaliação retoma um caráter específico ao conferir autonomia ao professor de cada área para desenvolver um instrumental adequado para que seu conteúdo seja avaliado de acordo com sua realidade própria.

Está explícita, na apresentação do Caderno, a referência à importância da promoção para que seja respeitado o “ritmo” de cada aluno e que seus resultados sejam pontos de partida para novos aprendizados. A estrutura pedagógica “deve-se caracterizar por um sistema de avaliação e promoção flexível, contínuo, capaz de respeitar as diferenças individuais” (GEEDEC, 1971, p. 6).

Alguns trechos explicitam os objetivos da avaliação no Experimental da Lapa e procuram dirimir dúvidas em relação ao processo. Uma das preocupações era deixar claro que ele se referia a um processamento contínuo, em que todos os agentes deveriam buscar a melhor maneira de avaliar, até mesmo modificando os procedimentos, caso houvesse novas formas que trouxessem resultados mais fidedignos e voltados para os critérios avaliativos esperados:

Avaliar é diagnosticar o desenvolvimento dos alunos, ao invés de julgar, uma vez que é um processo mais amplo que medida. Enquanto medida, restringe-se ao aspecto quantitativo. Avaliação aplica-se tanto aos aspectos quantitativos como qualitativos do desenvolvimento. (GEEDEC, 1971, p. 9)

A aferição de conhecimento estava longe de ser a meta de avaliação. Mais que isso, para estar em consonância com a definição proposta, a avaliação buscava aferir o relacionamento interpessoal, os interesses pessoais, o autoconhecimento e o autossentimento, a empatia e consciência do outro, além do entendimento e da participação nos trabalhos conjuntos e na interação social nas produções coletivas. O aluno era inserido no processo de avaliação como agente ao se autoavaliar, com o objetivo de integrá-lo no processo de aprendizagem, desenvolver sua participação ativa e consciente e atitudes de autocrítica e cooperação.

O treinamento do professor vinculava estritamente conteúdo, objetivos e avaliação. Com base nos objetivos propostos - e aí ocorre a junção dos domínios humanos - e no conteúdo idealizado, era possível pensar em avaliações verificadoras dos resultados alcançados. A partir dos dados coletados, o professor tem subsídios significativos para replanejar seu trabalho:

A função primordial do processo de avaliação está, pois, no aperfeiçoamento das situações de aprendizagem e do currículo como um todo. Essa proposição difere daquela em que a avaliação é um momento especial do ano letivo e cujos resultados são esperados para serem utilizados unicamente nas decisões sobre promoção ou retenção de alunos e para reagrupar as classes.

A avaliação, portanto, deve ser percebida como aquela que imprime dinamismo ao trabalho escolar, pois, diagnosticada a situação, torna-se possível modificá-la de acordo com as necessidades detectadas. (GEEDEC, 1971, p. 10)

O Caderno apresenta sugestões de fichas de avaliação padronizadas elaboradas pelo SOP.6 Essas eram utilizadas por todos os professores e apresentadas aos pais nas reuniões bimestrais. Associada à avaliação específica de cada área, criou-se uma observação unificada referente ao comportamento dos alunos. O resultado foi uma ficha bimensal na qual havia uma avaliação do rendimento pedagógico específico de cada área e uma referente às “atitudes comportamentais”, traduzidas em quatro conceitos testados nos Gepes e no GE: muito bem, bem, regular e insuficiente.

A proposta se complementa com uma avaliação de três aspectos: físico e motor; social e afetivo; e cognitivo. No aspecto físico e motor, as aulas de Educação Física eram laboratório fértil, com avaliações constantes de capacidade aeróbia - teste dos 12 minutos -,7 força - com o uso de dinamômetro -, resistência muscular - com circuitos de exercícios localizados. Complementando a bateria de exames físicos, fonoaudiólogos, oftalmologistas, nutricionistas e clínicos gerais faziam parte do staff de avaliação médica pelo qual os alunos passavam e após a qual recebiam encaminhamento, caso necessário.

A avaliação social e afetiva pregava o cruzamento das observações comportamentais realizadas na escola com o relato dos pais quando o aluno se encontrava no ambiente familiar. No plano intelectual, a avaliação se dava em termos não somente concretos do resultado obtido na realização de provas, mas também de observação em relação ao interesse específico, participação em trabalhos em grupos, meios de estudo que potencializavam a aprendizagem individual e comportamento diante das diversas formas de trabalho e adaptação quanto a organização, planejamento, divisão de tarefas, etc.

Nesse Caderno, a avaliação é posteriormente discriminada, atendendo especificamente a cada área, propondo avaliações em Português, Matemática, História, etc. e oferecendo subsídios, inclusive, sobre como elaborar provas com questões de múltipla escolha ou dissertativas e como redigi-las.

A avaliação não determina, portanto, o destino do aluno, se a aprovação ou a repetência, mas mostra onde se encontra o atraso no aprendizado, fornecendo, aos professores, indicadores para a elaboração do conteúdo a ser desenvolvido na recuperação do aluno em dificuldade no ano seguinte, com vista a aproximá-lo do grupo que avançou com um nível de conhecimento mais elevado.

Com isso, a escola procurava unir esforços com as famílias para convencê-las da validade da promoção automática, novidade que era vista com desconfiança por alguns:

Dentro de uma visão evolutiva, devem-se considerar três aspectos: 1. o processo evolutivo contínuo; 2. os diferentes aspectos da personalidade; 3. as diferenças individuais. Cada adolescente se desenvolve num determinado ritmo e numa certa direção, que devem ser respeitados e considerados como ponto de partida para novos progressos. Portanto, esse processo evolutivo não pode ser interrompido e quebrado, o que fatalmente ocorreria, na hipótese de retenção daqueles alunos que não alcançaram um nível de evolução “desejável”. Isto porque não somente não respeitaria o nível em que ele se encontra e o colocaria de novo em situações semelhantes às já vivenciadas, como o retiraria do grupo correspondente à sua faixa etária e ao qual se incorporou, participando de sua dinâmica. (GEEDEC, 1971, p. 6)

Outra justificativa para a defesa da aprovação automática era a questão democrática e social. O momento era de possibilidade de abertura de mais vagas e acesso mais amplo à educação, o que levava os autores a argumentar:

Num país em desenvolvimento, onde o investimento em educação é ainda pequeno, não se pode permitir que este diminua ainda mais; com um aluno reprovado gasta-se o dobro, além de diminuir a chance de acesso às vagas. [...] Uma estrutura pedagógica, no que diz respeito à avaliação e promoção para atender favoravelmente aos aspectos colocados, deve-se caracterizar por um sistema de avaliação e promoção flexível, contínuo, capaz de respeitar as diferenças individuais e capaz, portanto, de promover automaticamente. (GEEDEC, 1971, p. 6)

Dentre todas as práticas, a avaliação é uma das que mais deram fundamentação ao projeto político-pedagógico do Experimental da Lapa. Por meio dela e de todas as suas variações é que o percurso da proposta pedagógica da escola se modificava, já que ela pontuava todos os processos, estando envolvidos professores, técnicos, alunos, comunidade e até mesmo a instituição.

Apesar dos esforços, o retrato da educação brasileira em relação à evasão escolar, todavia, continuou sombrio até a década de 1980. Números apresentados por Xavier, Ribeiro e Noronha (1994, p. 280) mostram que “de mil crianças que tinham 7 anos de idade em 1980 e conseguiram entrar na 1ª série do 1º grau, apenas 148 conseguiram chegar à oitava série em 1987.”

Segundo Viégas (2007), o regime de progressão continuada foi implantado apenas mais de 30 anos depois das primeiras iniciativas no Experimental da Lapa. Em 1998, o governo paulista, na primeira gestão Mário Covas (1995-1998) e tendo Teresa Roserley Neubauer da Silva no comando da Secretaria da Educação, oficializou-o em todas as escolas da rede pública estadual - segundo Fusari (2014), “como pretexto para viabilizar a promoção automática”. Reorganizado, o ensino fundamental passou a ter dois ciclos de quatro anos cada: o ciclo I englobava da 1ª à 4ª série, enquanto o ciclo II compreendia da 5ª à 8ª. A reprovação não poderia acontecer nesse período de oito anos, exceto por motivo de faltas:

A progressão continuada foi implantada visando, sobretudo, alterar os altos índices de reprovação, defasagem série/idade e evasão, marcantes na história da educação pública paulista, e que vinham, há décadas, sendo apontados como grave sintoma de que a escola estava fracassando em seu objetivo de dar acesso ao patrimônio histórico, científico e cultural dos alunos. (VIÉGAS, 2007, p. 3)

Vinte anos depois de implementada a organização por ciclos e a progressão continuada, e mais de meio século após as experiências pioneiras aqui relatadas, as críticas e defesas do método alternam-se entre liberais e progressistas. Em agosto de 2017, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n. 8.200/14 (em tramitação no Senado) (BRASIL, 2014), que veda a aprovação automática de alunos a qualquer série ou ciclo dentro do ensino fundamental e médio em todo o território nacional.

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Notas

1 O advogado e educador Antonio de Sampaio Dória veio a exercer o cargo de diretor geral da Instrução Pública do Estado de São Paulo de 1920 a 1926.

2Nesse ponto, o Experimental da Lapa contava com vantagens, além da autonomia, das quais as demais unidades da rede estadual não dispunham: recursos diferenciados e formação de professores em serviço.

3Quase meio século depois, Jacomini (2008, p. IX) demonstra, em sua tese de doutorado, que a opinião pública e os pais dos alunos continuam duvidando e criticando a não reprovação, a qual, no entender deles, “é necessária para pressionar os alunos a estudarem”, pois acreditam que “os alunos têm melhor aprendizagem com a existência da reprovação” (2008, p. IX).

4Essa citação de Libâneo é de particular importância do ponto de vista contextual, pois foi publicada décadas depois que o autor atuou como diretor de uma das unidades do Gepe no Núcleo Experimental da Lapa, encerrando posicionamento compatível com o que a escola adotava na década de 1960.

5ABRAMOWICZ, Mere; ELIAS, Marisa Del Cioppo; SILVA, Teresinha M. Neli. A melhoria do ensino nas 1as séries: enfrentando o desafio. São Paulo: EPU/Educ, 1987.

6Há referências às fichas em outros Cadernos

7Teste inventado pelo médico norte-americano Keneth Cooper, que constituía de uma corrida de 12 minutos num local previamente delimitado e que proporcionasse ao avaliador aferir com precisão a distância percorrida pelo avaliando ao final do tempo.

Recebido: 12 de Maio de 2017; Aceito: 26 de Março de 2018

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