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Estudos em Avaliação Educacional

versión impresa ISSN 0103-6831versión On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.29 no.71 São Paulo ago. 2018

https://doi.org/18222/eae.v29i71.4950 

ARTIGOS

Avaliação emancipatória do ensino médio politécnico: experiências etnográficas na educação física

Evaluación emancipatoria de la educación media politécnica: experiencias etnográficas en la educación física

Emancipatory evaluation of polytechnic high school: ethnographic experiences in physical education

João Luís Coletto da SilvaI 

Éder da Silva SilveiraII 

ISecretaria Municipal de Educação de Vera Cruz, Vera Cruz, RS, Brasil; Grupo de pesquisa “História, Memórias e Narrativas em Educação” - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); dicoletto@hotmail.com

IIUniversidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Santa Cruz do Sul, RS, Brasil; Grupo de pesquisa “História, Memórias e Narrativas em Educação” - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); eders@unisc.br


RESUMO

Propõe-se, neste artigo, analisar experiências de avaliação da Educação Física escolar com a “avaliação emancipatória”, denominação utilizada durante a vigência da reforma curricular ocorrida na rede pública estadual de ensino do Rio Grande do Sul em 2012, e que vigorou até 2016. Trata-se de uma abordagem qualitativa e etnográfica, com utilização de entrevistas, observação participante e análise documental. A pesquisa empírica envolveu o acompanhamento de duas turmas de ensino médio politécnico, de duas diferentes escolas, nas aulas de Educação Física e nos conselhos de classe de um trimestre letivo de 2016. Por meio da triangulação, os dados foram analisados a partir das categorias regulação e emancipação. Distintas tensões e contradições ocorreram nas práticas avaliativas, e também ficou evidente a presença de elementos que as influenciaram no sentido da manutenção da regulação, e não da participação e da emancipação.

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação da Aprendizagem; Ensino Médio; Educação Física; Regulação

RESUMEN

El artículo se propone analizar experiencias de evaluación de la educación física escolar con la “evaluación emancipatoria”, denominación utilizada durante la vigencia de la reforma curricular ocurrida en la red pública estadual de enseñanza de Rio Grande do Sul en 2012 y que permaneció vigente hasta el año de 2016. Se trata de un enfoque cualitativo y etnográfico, con la utilización de entrevistas, observación participante y análisis documental. La investigación empírica involucró el seguimiento de dos clases de la educación media politécnica de dos distintas escuelas en las clases de Educación Física y en los Consejos de Clase de un trimestre lectivo de 2016. Por medio de la triangulación, los datos se analizaron a partir de las categorías de regulación y emancipación. Distintas tensiones y contradicciones ocurrieron en las prácticas evaluativas, así como quedó evidente la presencia de elementos que las influenciaron en el sentido del mantenimiento de la regulación y no de la participación y la emancipación.

PALABRAS CLAVE: Evaluación del Aprendizaje; Educación Media; Educación Física; Regulación

ABSTRACT

This paper proposes to analyze experiences of evaluating physical education in schools using “emancipatory evaluation”. This denomination was used during the period of curriculum reform in the public education network of Rio Grande do Sul in 2012, and was in force until 2016. It takes a qualitative and ethnographic approach, using interviews, participant observation and document analysis. The empirical research involved following two Polytechnic High School groups, from two different schools, in physical education classes and in the class councils of one academic quarter of 2016. The data were analyzed using triangulation in the categories of regulation and emancipation. Different tensions and contradictions occurred in evaluative practices. The presence of elements that influenced these practices was also evident in the sense of maintaining regulation, and not in participation or emancipation.

KEYWORDS: Learning Evaluation; High School; Physical Education; Regulation

INTRODUÇÃO

No Rio Grande do Sul, no ano de 2012, a Secretaria de Estado da Educação (Seduc) implementou uma reforma curricular no ensino médio, em sua rede pública estadual de ensino. Por meio dessa reestruturação, que vigorou até final de 2016, o ensino médio passou a ser constituído por três modalidades curriculares: ensino médio politécnico (EMP), ensino médio curso normal e educação profissional integrada ao ensino médio. Este artigo resulta de uma pesquisa maior (SILVA, 2017), que buscou compreender as formas com que alunos e professores de ensino médio viviam suas experiências em relação às práticas de avaliação da Educação Física escolar no âmbito do EMP gaúcho. No recorte aqui apresentado, analisamos as experiências de avaliação da Educação Física escolar com a “avaliação emancipatória”, denominação utilizada durante a vigência da reforma. O recorte e a parte empírica da pesquisa estão restritos à modalidade do EMP, conforme explicitaremos a seguir, não sendo, pois, escopo do presente texto qualquer verticalização explicativa em relação às diferentes modalidades propostas para esse nível de ensino.

As principais alterações previstas e manifestas nos documentos que regiam o EMP estavam no âmbito da pesquisa, do planejamento, da interdisciplinaridade dos conteúdos e da avaliação emancipatória (SILVEIRA; PEREIRA, 2015). Entre as dificuldades e obstáculos no campo da implementação, evidenciaram-se: falta de compreensão da comunidade escolar sobre a função do EMP, sobre o trabalho como princípio pedagógico e sobre o novo componente curricular (seminário integrado) que, segundo alguns autores, teria sido distorcido conceitualmente (ALVES, 2014; PONTES, 2015; SCHERER, 2014; VIANNA, 2015). Além disso, carências de organização e gestão quanto à infraestrutura das escolas (Diário de campo), somadas ao fato de que a reforma não estava acontecendo como se previu em todas as localidades, aumentaram as contradições dessa etapa educacional (ARAUJO, 2014; SCHERER, 2014).

Somado a isso, os professores de distintas comunidades escolares tiveram pouco tempo para se conectarem às fundamentações teórico-metodológicas das reestruturações do EMP. Silveira e Pereira (2014, p. 2) reforçam essa ideia ao dizerem que

[...] a reforma curricular foi imediata, [...] grande parte da categoria foi tomada pela surpresa e, até mesmo, indignou- se pela ausência de diálogo e formação continuada que contribuíssem para instrução e instrumentalização mínima dos professores em relação ao novo currículo.

Assim como toda política educacional, seja de estado ou de governo, ao não promover a participação efetiva de sujeitos imprescindíveis ao processo, nesse caso, os indivíduos da classe trabalhadora do magistério, a pretensão já teria sua origem enfraquecida. Scherer (2014) reforça que a reforma curricular aumentou as fragilidades do ensino médio por inúmeras problemáticas, dentre as quais, predominantemente, a ausência de investimentos por parte dos governos. Alves (2014) também constatou contradições entre a fundamentação e a praticidade do EMP em escolas públicas inseridas na atual conjuntura. Enfim, essa caracterização e as observações sobre o EMP, oriundas de diversos autores, colaboraram para que olhássemos com maior profundidade para a prática da avaliação emancipatória do EMP no âmbito da Educação Física escolar. Desse modo, nossa pergunta principal era: teriam os professores de ensino médio e, em particular, os de Educação Física, assimilado a proposta curricular e conseguido materializar práticas e princípios de uma avaliação emancipatória em um cenário marcado por uma cultura de avaliação quantitativa e baseada em notas?

A partir de uma abordagem qualitativa (TRIVIÑOS, 2015), e com elementos de pesquisa etnográfica no campo da educação (ANDRÉ, 1995), a parte empírica da investigação ocorreu em duas escolas do estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2016, em período no qual permanecia válido, na rede pública estadual de ensino, o EMP. O currículo e as fundamentações teórico-metodológicas do EMP, uma das modalidades implantadas na reforma curricular ocorrida em 2012 na rede pública estadual desse estado, determinaram a prática da “avaliação emancipatória”, cujo registro deveria ser realizado não mais mediante notas, mas mediante conceitos. Essas mudanças estiveram vigentes na rede pública até o término de 2016. A partir de então, todas as escolas estaduais foram obrigadas a reestruturar seus regimentos internos a partir de um novo que lhes foi imposto, colocando fim ao modelo do EMP a partir de 2017. Quanto ao fundamento pedagógico da avaliação, cada escola e comunidade escolar, em princípio, terão autonomia para manter ou não o que estava em vigor, conforme as novas orientações em curso.

Em cada escola, por meio de observação participante, um de nós acompanhou uma turma de EMP nas aulas do componente Educação Física, durante parte do primeiro e do segundo trimestre letivo de 2016, totalizando três meses de observação e acompanhamento das turmas. As escolas foram escolhidas por oferecerem melhores possibilidades de horários para a observação participante com as turmas. Ambas as escolas estão localizadas no município de Santa Cruz do Sul (Rio Grande do Sul). Em conformidade com os critérios éticos da pesquisa, alguns dos quais tratam do comprometimento em relação ao anonimato dos colaboradores, denominamos as duas escolas da seguinte maneira: Escola A e Escola B.

Quanto às turmas, a turma da Escola A é identificada como Turma A (TA) e a da Escola B, como Turma B (TB). A TA contabilizava o total de 35 integrantes do 2º ano do EMP. Mas, devido ao fato de as aulas de Educação Física ocorrerem em turno oposto ao do horário regular da turma, coincidindo com o horário de trabalho dos discentes, esse número de alunos caía drasticamente nessas aulas. O número variava de trimestre para trimestre, motivado pelos movimentos de transferências, oportunidades de trabalhos estudantis e devido à Lei n. 10.793, de 1 de dezembro de 2003 (BRASIL, 2003). Assim, o número de estudantes frequentadores da aula ficava em torno de 17 alunos, normalmente. A TA mostrava-se muito divertida, brincalhona, cooperativa, apesar de ter havido alguns pequenos casos em que o professor advertiu alguém (Diário de campo). A TB era composta de estudantes do 3º ano do EMP, sendo relativamente pequena em relação ao seu total de integrantes. Soma-se a isso o fato de que, nessa escola, as aulas de Educação Física também ocorriam no turno inverso ao horário regular da turma e, além disso, alguns alunos faziam uso de direitos previstos na Lei n. 10.793 (BRASIL, 2003). Nesse caso, as aulas contabilizavam a participação de cerca de um terço do total de seus alunos, gerando tão somente dez alunos ou um pouco mais em determinados dias (Diário de campo).1

Mesmo que a TB fosse composta de alunos provenientes de diferentes bairros do município, alguns estudantes buscavam uma integração cada vez mais coesa entre si.

Assim, crescemos juntos na escola, sabe? A base da turma é isso. Então, todo mundo tem essa relação boa. Claro, esse ano está muito melhor. Eu acho que esse ano está todo mundo conversando com todo mundo, tá (sic) todo mundo interagindo, mas claro, tem os seus grupinhos, as melhores amigas, não tem como evitar. Mas, no mais, é todo mundo integrado e unido e, claro, tem as pessoas que vieram de fora, mas, a princípio, nós tentamos, como é que eu vou dizer, fazer todo mundo sentir parte da turma. (Entrevista com a discente da Escola B, Santa Cruz do Sul, 10/8/2016)

Entre os demais sujeitos colaboradores, encontram-se os docentes das turmas e um representante da equipe diretiva de cada uma das escolas (Quadro 1).

Fonte: Elaboração dos autores (disponível em SILVA, 2017, p. 22). Nota: EMP: ensino médio politécnico; PPP: projeto político-pedagógico; TA: turma da Escola A; TB: turma da Escola B.

QUADRO 1: Síntese referente aos sujeitos, cenários e instrumentos da coleta de dados 

A escolha do supervisor escolar para integrar o quadro de sujeitos da pesquisa relaciona-se ao fato de que, geralmente, trata-se de um profissional que conhece de perto as delimitações descritas nos documentos oficiais e legislativos da reforma curricular do EMP. Segundo o PPP da Escola A, o supervisor tem as funções de: planejar, coordenar, avaliar e aperfeiçoar o todo na escola; ter, ainda, metas, como auxiliar a readequação e reformulação da avaliação; presenciar os conselhos de classes (uma das etapas da avaliação emancipatória do EMP); assessorar as estratégias de avaliações em sentido permanente, entre outras. A intenção inicial era manter, como sujeito da pesquisa, a supervisora da Escola B; entretanto, nessa escola, a inserção do vice-diretor ocorreu como alternativa à decisão da supervisora escolar em não conceder entrevista, preferindo que a entrevista fosse realizada com seu colega vice-diretor. O motivo seria, segundo ela, sua “indisponibilidade” para colaboração. Por esse motivo, na Escola B, em vez de um(a) supervisor(a) escolar, entrevistou-se o vice-diretor que, sem nenhum problema, aceitou participar da pesquisa e “seguiu os mesmos aspectos éticos estabelecidos no Termo de Consentimento” (Diário de campo).

As técnicas utilizadas para coleta, organização e análise dos dados constituíram-se em observações participantes das aulas de Educação Física e do Conselho de Classe das duas turmas. Os registros das observações ocorreram em um diário de campo. Além disso, também houve análise de alguns documentos escolares e a realização de entrevistas semiestruturadas com os docentes e com uma discente de cada turma, com um supervisor escolar e com um vice-diretor. A análise apoiou-se no procedimento da triangulação de dados (STAKE, 1998) e nas seguintes categorias dialéticas: contradição, historicidade e totalidade. As principais categorias de conteúdo foram a regulação e a emancipação.

A constituição das categorias de conteúdo esteve alinhada direta e indiretamente com a coleta e a organização dos dados, todas oriundas do trabalho empírico da pesquisa. As categorias também buscaram dar destaque aos conteúdos latentes encontrados nos cenários e coletados com os sujeitos e documentos. Com o objetivo de sistematizá-las, descrevemos tudo o que foi observado no trabalho de campo. Essas categorias foram organizadas por intermédio do conteúdo manifestado pelo meio, pelos sujeitos e pelos documentos, e dos objetivos centrais da pesquisa.

A AVALIAÇÃO EMANCIPATÓRIA DO EMP E A EDUCAÇÃO FÍSICA

Um dos objetivos principais da proposta e da avaliação emancipatória do EMP estaria em auxiliar o processo de aprendizagem dos estudantes. Internamente, esse procedimento consistiria no colhimento de frutos pedagógicos caracterizados por um caminho mutuamente acionado por todos os indivíduos, considerando, também, os possíveis entraves que tivessem resultado em ações pedagógicas inconclusas. No sentido de a avaliação ser um ato contínuo no percurso escolar, isso requereria que a escola e seus sujeitos se propusessem a mudanças quanto ao formato e à compreensão do ato de avaliar e também que assumissem atitudes e compromissos com esse fazer pedagógico (RIO GRANDE DO SUL, 2011).

Desse modo, a avaliação emancipatória do EMP não pretendia ser um processo apenas de determinado componente curricular, ou somente uma relação específica entre professor e aluno, mas também um compromisso da própria instituição em defender esse modelo de avaliação ao agir conforme as novas diretrizes trazidas pela reforma curricular. Documentalmente, isto é, considerando os textos que regiam esse currículo na escola, a avaliação emancipatória caracterizava-se pela democracia participativa, pois era prevista a participação ativa e consciente de todos os sujeitos no processo.

Conforme o vice-diretor da Escola B, a avaliação emancipatória do EMP estaria associada ao âmbito das aprendizagens:

[...] esta avaliação emancipatória coloca a avaliação do aluno para verificar a questão da aprendizagem do conteúdo, não necessariamente quando vai haver uma recuperação, por exemplo. (Entrevista, Santa Cruz do Sul, 24/8/2016)

Nesse sentido,

[...] o sujeito constrói o seu conhecimento consequentemente, constrói sua avaliação, desta forma ninguém melhor do que o próprio aluno para dizer o que está ou não aprendendo. (RIO GRANDE DO SUL, 2011, p. 17)

A abordagem da avaliação emancipatória impunha a prática do respeito às diferenças cognitivas e sociais dos sujeitos (GONZAGA et al., 2014). Segundo o supervisor escolar da Escola A, a avaliação emancipatória do EMP

[...] é uma situação bastante complexa, porque envolve uma série de concepções pedagógicas, visão e, principalmente, a questão da realidade de cada escola. (Entrevista, Santa Cruz do Sul, 11/8/2016)

De modo geral, as dificuldades que as escolas tinham em compreendê-la associavam-se à regulação e à competição, marcas ainda presentes na cultura da avaliação escolar e também “aos entraves e obstáculos estruturais que, contraditoriamente, os mesmos sistema e governo impunham às escolas” (Diário de campo).

Ambos os docentes de Educação Física participantes da pesquisa não souberam conceituar o significado da avaliação emancipatória em suas práticas pedagógicas, o que também foi percebido em relação aos discentes das duas turmas. O docente da Escola A, que vivia sua primeira experiência na condição de professor do ensino médio, ouviu falar dessa política apenas quando ingressou nessa escola, no ano letivo de 2016 (Entrevista, Santa Cruz do Sul, 5/8/2016). O professor da Escola B não soube explicitar o que seria a avaliação emancipatória do EMP, apesar de já atuar nessa etapa da educação desde 2014 (Entrevista, Santa Cruz do Sul, 3/8/2016). A definição conceitual ou metodológica de “avaliação emancipatória”, conforme documentos escolares, também não fazia sentido para os estudantes das duas turmas.

Uma similar precariedade quanto à compreensão conceitual da avaliação emancipatória já havia sido constatada em outras escolas e sujeitos (ALVES, 2014; PONTES, 2015; VIANNA, 2015), demonstrando que a avaliação era o “calcanhar de Aquiles” do EMP. Nesse sentido, Scherer (2014, p. 172) indagou-se: “como se pode instituir tal concepção sem que os alunos tenham clara compreensão dos processos avaliativos?”

Segundo o Regimento Padrão do Ensino Médio Politécnico (RIO GRANDE DO SUL, 2012), as quatro funções da avaliação emancipatória eram: diagnóstica, formativa, contínua e cumulativa. Elas estariam associadas a um processo didático, objetivando a dialética entre o ensino e a aprendizagem. De acordo com a função diagnóstica, a avaliação projetaria planejamento e caminhos não lineares aos docentes e discentes, possibilitando alternativas que favorecessem a aprendizagem do aluno. Na função formativa, estaria relacionada à contextualização a ser percorrida nos procedimentos educacionais, por meio do respeito à visão do aluno sobre seu próprio desenvolvimento, como a inserção de instrumentos e métodos alternativos para valorizar o discente. Essa etapa serviria para revelar o que e de que forma o estudante estaria aprendendo e o que ficaria aquém do processo educativo ao se buscar uma conscientização pedagógica. As últimas duas funções da avaliação, a contínua e a cumulativa, em conjunto, delimitariam os parâmetros escolhidos quanto à construção do processo avaliativo, de acordo com o que o aluno apresentasse na sua trajetória, sem ausentar, novamente, o olhar sobre essa individualidade (RIO GRANDE DO SUL, 2012).

A avaliação emancipatória do EMP previa dois momentos: avaliava-se, inicialmente, pelo componente curricular e, posteriormente, por áreas de conhecimento. Em relação aos dois momentos de avaliação, a realizada pelo componente curricular e a realizada pela área de conhecimento, em articulação com seus respectivos componentes curriculares e com o projeto vivencial desenvolvido no componente curricular “seminário integrado”,2 as duas turmas demonstraram interessantes divergências em relação à prática. Enquanto na Escola A a avaliação pareceu reduzir-se à fase da avaliação por componente, na Escola B ficaram mais evidentes os dois momentos: por componente curricular e por área de conhecimento (Diário de campo).

Conforme Silveira e Pereira (2015), durante o processo de avaliação no EMP, a avaliação da área de conhecimento ficava sobreposta à avaliação de todos os componentes curriculares que a compunham. No entanto, embora os alunos estivessem sendo avaliados também por área, não havia, na prática, planejamento por área de conhecimento em nenhuma das escolas. Na prática, o primeiro passo da avaliação continuava como sempre havia sido, em cada componente curricular, juntamente com os respectivos docentes e discentes e, após, as disciplinas de cada área de conhecimento deveriam reagrupar-se no outro momento da avaliação: o Conselho de Classe. Nesses espaços, cada coletivo, por área do conhecimento, deveria atribuir, via consenso, um único conceito para cada aluno. Isso porque, nos boletins, apenas o conceito da área, por trimestre, era registrado.

O componente curricular da Educação Física, e também no momento da investigação, está integrando a área de linguagens, juntamente com artes, línguas estrangeiras, língua portuguesa e literatura. Além da busca interdisciplinar, a Educação Física, na proposta das linguagens, tentaria implantar a realização de um trabalho que não se reduzisse às dimensões do biológico e da própria linguagem corporal. Salientamos que, até hoje, percorridas quase duas décadas em que a Educação Física está alocada nessa área específica de conhecimento, na prática não se pode garantir que, quanto ao seu entendimento e às suas abordagens pedagógicas e avaliativas, tenha ocorrido grandes transformações. Até mesmo esse reordenamento causou inquietações e tensões entre professores já no fim do século XX, pois muitos não conseguiram compreender essa “alocação” em sua gênese, marcada por desequilíbrios conceituais entre conhecimentos biológicos versus conhecimentos socioculturais (GONZÁLEZ; FRAGA, 2009).

Quanto às concepções fundamentadas e defendidas pela área de linguagens, do plano de estudos da Educação Física da TA constava o seguinte delineamento:

A área de linguagens compila diferentes expressões humanas, tais como a linguagem falada e gestual, a expressão corporal, as comunicações através das línguas estrangeiras, a sensibilização artística e as diversidades culturais. É essencial que o educando interaja cultural e socialmente com o contexto em que se vive, por meio dos diversos modos de expressão escrita, produções artísticas e expressões corporal e oral. Que o estudante se perceba como um ser participante do seu contexto cultural e social, sabendo identificar e contextualizar as diferentes manifestações humanas, fazendo relações histórico-sociais com as diferentes culturas. (Plano de estudos da Educação Física da Escola A)

A área de linguagens não é uma dimensão nova, mas atualmente ainda exige estudos e reflexões. Segundo o supervisor escolar da Escola A, a Educação Física composta nesse modelo avaliativo do EMP não estaria preparada para uma avaliação por área de conhecimento. Em sua percepção, a Educação Física, as artes e a língua estrangeira foram e continuariam sendo os componentes “mais frágeis” na área de linguagens nas escolas.

Como é que a Educação Física se integra com as demais disciplinas do planejamento? Como é que o professor de Educação Física, lá na quadra de basquete dele, de futebol, ele vai trabalhar a língua portuguesa, literatura e língua estrangeira? Existe isso? Não existe! (Entrevista com o supervisor escolar da Escola A, Santa Cruz do Sul, 11/8/2016)

Percepções como essa geraram tensões com a perspectiva de educação e avaliação emancipatória, o que acabou dificultando a implementação dessa política de governo na Escola A. Nessa escola, havia indícios de práticas que objetivavam a competitividade dos estudantes ou que se caracterizavam pelo adestramento corporal (e mental), entre os quais simulados para avaliações externas e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Com isso, ao seguir as avaliações externas, a escola elevava, na área de linguagens, hierarquicamente, a língua portuguesa, sobrepondo-a aos demais componentes, massificando essa ideia no senso comum e, ao mesmo tempo, descolando os demais componentes da própria área a um espaço de menor prestígio.

A ementa do plano de estudos da TB apresentava:

Através do desenvolvimento de habilidades psicomotoras, ampliar o conhecimento do corpo, integrando-o de acordo com suas possibilidades individuais nos movimentos estáticos e dinâmicos cooperativamente, em jogos, exercícios e atividades visando à manutenção da saúde mental e física no espaço escolar e na comunidade.

Segundo Neira e Nunes (2009), a Educação Física escolar, compreendida no âmbito contemporâneo da abordagem cultural, não pode ficar refém do seu currículo hegemônico: esportes dominantes, abordagem psicomotora, saúde unicamente no contexto anatomofisiológico e jogos recreativos. Esse discurso, apresentado no plano de estudos da Escola B, também reforça a valorização de modelos curriculares do século passado e não os distingue contemporaneamente.

Os conhecimentos da área de linguagens da TB estavam compostos de modo bastante discreto quanto à perspectiva da cultura corporal do movimento na área de linguagens (BRASIL, 2006; DARIDO, [200-]). As aulas de Educação Física dessa turma pouco permitiram pensar nessas relações, pois estiveram reduzidas, na maior parte do tempo, à prática frágil do “rolar a bola”. Tal realidade se choca não apenas com o que estava previsto no plano de estudos da turma, mas também com a perspectiva da avaliação emancipatória do EMP.

Avaliar em modo conceitual foi um dos pontos mais problemáticos dessa abordagem avaliativa, o que também foi evidenciado em outros estudos (PONTES, 2015; SCHERER, 2014; VIANNA, 2015). As escolas ficaram proibidas, entre 2012 e 2016, de expressar o resultado da construção da aprendizagem dos alunos por meio de notas. O Regimento Padrão do Ensino Médio Politécnico (RIO GRANDE DO SUL, 2012) defendia uma “avaliação emancipatória” na qual a expressão dos resultados era feita mediante três conceitos: Construção Satisfatória da Aprendizagem (CSA); Construção Parcial da Aprendizagem (CPA); e Construção Restrita da Aprendizagem (CRA). A avaliação, no Regimento Padrão do Ensino Médio Politécnico (RIO GRANDE DO SUL, 2012), tinha funções “diagnóstica, formativa, contínua e cumulativa”. O coletivo dos professores, por área de conhecimento, em interface com a autoavaliação do aluno, e após a avaliação realizada pelos componentes curriculares, deveria estabelecer nos conselhos de classe, por consenso, um dos conceitos abaixo:

Construção Satisfatória da Aprendizagem (CSA) - expressa a construção de conceitos necessários para o desenvolvimento dos processos da aprendizagem, embasados na apropriação dos princípios básicos, desenvolvidos na formação geral - das áreas do conhecimento e na parte diversificada, relacionados no Plano de Trabalho do Professor. É atribuída trimestralmente e ao final do ano letivo. [...] [Este conceito] sinaliza a aprovação e o avanço do aluno [...]. Construção Parcial da Aprendizagem (CPA) - expressa construção parcial de conceitos necessários para a construção das aprendizagens [...], embasados na apropriação dos princípios básicos das áreas do conhecimento, desenvolvidos na formação geral e na parte diversificada, ambas relacionadas no Plano de Trabalho do Professor. É atribuída trimestralmente e ao final do ano letivo [...]. Durante os trimestres o aluno realiza estudos de recuperação por meio do PPDA (Plano Pedagógico Didático de Apoio). Ao final do 1º e 2º anos do curso: o aluno é aprovado para o ano seguinte com indicativo no PPDA; ao final do 3º ano do curso, o aluno é aprovado, considerando que a CPA não é impeditiva para que o aluno construa suas aprendizagens em outros tempos e espaços [...]. Construção Restrita da Aprendizagem (CRA) - expressa a construção restrita dos conceitos necessários para a construção das aprendizagens [...], embasados na apropriação dos princípios básicos das áreas do conhecimento, desenvolvidos na formação geral e na parte diversificada, ambas relacionadas no Plano de Trabalho do Professor. É atribuída trimestralmente e ao final do ano letivo [...]. Durante os trimestres: o aluno realiza estudos por meio do PPDA (Plano Pedagógico Didático de Apoio), cabendo ao Conselho de Classe analisar o seu desempenho [...]. No final do 1º e 2º anos do curso, como conceito final em uma área do conhecimento [...], o aluno avança para o ano seguinte com Progressão Parcial. Ao final do 3º ano do curso, como conceito final em uma área do conhecimento, o aluno poderá optar por realizar os Estudos Prolongados ou cursar o 3º ano do ensino médio. Ao final do 3º ano do curso, como conceito final restrito em mais de uma área de conhecimento, após os estudos de recuperação e exames finais, o aluno é reprovado. (RIO GRANDE DO SUL, 2011, p. 19-21, grifos nossos)

Conforme Silveira e Pereira (2015), a avaliação por área do conhecimento impôs às escolas e aos responsáveis pela formação de professores uma série de questões. Lima e Grillo (2010) ponderaram sobre o tema dizendo que as notas e/ou conceitos são símbolos na educação e na avaliação, mas não devem ficar reduzidos unicamente às simbologias, pois é preciso muito cuidado na sua interpretação para não associá-las às práticas quantitativas. Na prática das turmas observadas, a ausência das funções diagnóstica, formativa e cumulativa da avaliação sugeriu maior valorização do caráter, histórico, de regulação.

Hoffmann (2003) pondera que a avaliação expressa por meio de conceitos e pareceres pode contribuir para integrar à avaliação princípios que nem sempre estiveram presentes no modelo educativo tradicional, que adotava a expressão da avaliação por números. Seria um movimento contra- -hegemônico

[...] pela própria complexidade da tarefa avaliativa, [pois] o uso dos conceitos evita o estigma da precisão e arbitrariedade decorrente do uso abusivo das notas. (HOFFMANN, 2003, p. 67)

Mosna (2013, p. 223) salienta “que o ato avaliativo em essência não cabe em um número/nota”, como tradicionalmente foi e é, ainda, sua trajetória. Essa foi uma das tensões mais manifestadas na pesquisa, independentemente da escola ou da turma. Na Escola B, o vice-diretor e a discente entrevistados manifestaram-se da seguinte forma em relação ao tema:

Eu vejo isso como um processo bem complexo, e a gente tem que considerar inúmeros fatores em relação à questão de expressar o resultado do aluno por conceito ou por nota. O professor que começou lá em 2012, bem perdido em relação a como se utilizar do conceito do CSA, CPA ou CRA, porque a vida toda ele trabalhou com nota de 0 a 100, ele também estudou e foi avaliado assim também. Então, isto está enraizado em nós e é difícil conseguir separar totalmente sem desvincular do conceito de nota numérica e partir para a expressão por menção. Uma segunda coisa que o pessoal comenta e sinto na escola, que fica bastante difícil para o pessoal de casa, para os pais dos alunos entenderem como a avaliação por menção é expressa, o que aquelas sopas de letrinhas, como eu mesmo costumo dizer a eles, o que significa. Porque se tem um 7, 8 ou 4, ele (responsável) vai saber que o seu filho precisa melhorar. Meu filho tem um 5, ele está mais ou menos, ele está no caminho, meu filho tem um 8, ele está bem. Agora se estiver descrito construção satisfatória da aprendizagem, construção parcial da aprendizagem, ele irá querer outras informações, porque isso só não basta. (Entrevista com o vice- -diretor da Escola B, Santa Cruz do Sul, 24/8/2016)

Eu não sei o que significa exatamente as palavras. É o CSA que tu passaste muito bem, CPA que tu ficaste na média e o CRA, que é péssimo. Eu sou bem sincera, não gosto de conceitos porque tu reprimes aquela pessoa que se esforça, sabe? Eu sei que eles fazem isso para deixar mais ou menos igual, regular todo mundo equilibrado, para não menosprezar um ou outro. Porque 60% para cima é CSA, então, tu tiraste, por exemplo, 6 de 10, aí a outra pessoa tirou 9, vocês vão ganhar o mesmo conceito. Eu acho isso pode reprimir a pessoa que tirou 6, como pode reprimir a pessoa que tirou 9. Porque eu vou dar um exemplo próprio: eu era muito estudiosa, eu comecei a não dar tanto valor para isto, pois eu não vou ser reconhecida mesmo. Aí eu vejo pelas minhas colegas, essas que estão ali na Educação Física, que são pessoas muito perfeccionistas e gostam de tirar notas altas, se esforçando demais. Mas elas vão ganhar o mesmo reconhecimento que uma pessoa que passou “chutando”. Eu acho isso injusto. Essa é a minha opinião. (Entrevista com a discente da Escola B, Santa Cruz do Sul, 10/8/2016)

Essas percepções demonstram possíveis choques epistemológicos em trânsito entre educação e avaliação nessa escola. O contexto narrado e ensinado recai apoiado em uma avaliação mercadológica e quantitativa baseada na concepção do mérito ser apenas individual, o que condiz com privilegiar e destacar os primeiros, independentemente dos percursos desiguais transcorridos. A avaliação, nesse sentido, é tão violenta que, mesmo havendo algum nível de consciência por parte do supervisor escolar e do PPP da Escola B, a prática fica distante da teoria.

Como já delineado, a avaliação emancipatória do EMP buscava romper com esse modelo de visão avaliativa. Porém, os contextos das escolas públicas são conectados à vida social competitiva. Nesse imbróglio, Fonseca (2016) sinaliza certa tensão entre o conhecimento-regulação e o conhecimento-emancipação,3 que deveriam, segundo ela, envolver novas formas dialéticas de mediar o ensinar e o apreender em sua totalidade.

As críticas quanto às expressões dos resultados da avaliação emancipatória do EMP foram manifestadas, da mesma forma, na Escola A. A rigor, a instituição escolar reflete suas concepções e seus pensamentos e também os de sua comunidade.

Avaliar por estes três conceitos, hoje, que o governo determinou em todos os regimentos, não tem como mensurar, por mais que as teorias falem. Mas o que é uma construção satisfatória da aprendizagem? O que é uma construção parcial e restrita? Eu tenho que partir de algum critério, então que critérios de avaliação eu uso para isto? E o professor, o que acaba fazendo? Acaba quantificando e codifica, porque ele não tem como compreender. Como é que tu vais sistematizar e apresentar para algum aluno que o seu conceito é satisfatório? Tu partes de algum princípio e esse princípio pode ser o quê? A resposta que ela dá, o nível daquela resposta dissertativa, números de acertos de questões objetivas? [...] Dentro da realidade da rede pública estadual eu não conheço nenhuma escola que conseguiu uma receita para desenvolver e aplicar com transparência essas menções. Na realidade, todas as escolas quantificam. (Entrevista com o supervisor escolar da Escola A, Santa Cruz do Sul, 11/8/2016)

Não gosto nem um pouco dos conceitos. Vamos supor que sou uma aluna que tira nota 9 e tem um que tira nota 6. Vão ter o mesmo conceito. Normalmente, fora da escola, todo mundo é avaliado por nota, todo mundo é cotado por uma nota, e tudo gira em torno da nota. [...] Eu tive que explicar à minha mãe, porque ela também não sabia e também não gostou. (Entrevista com a discente da Escola A, Santa Cruz do Sul, 24/8/2016)

Novamente, um dos aspectos destacados no campo empírico foi o quanto o modelo avaliativo baseado em critérios qualitativos sobrepostos aos quantitativos do EMP provocou incertezas e queixas. A própria ideia de educação emancipatória estaria aquém de uma metamorfose nas esferas escolares, devido às inúmeras barreiras da lógica da funcionalidade na sociedade e nas escolas de hoje. O próprio supervisor escolar refletiu:

[...] então, eu fico pensando: para que fantasiar e criar uma ideia de avaliação como emancipatória se na realidade ela não é emancipatória? (Entrevista com o supervisor escolar da Escola A, Santa Cruz do Sul, 11/8/2016)

Nesse contexto, também cabe demonstrar outras influências e amarras sobre a avaliação interna.

A pesquisa de campo também permitiu perceber que as avaliações externas influenciam direta e diferentemente as avaliações internas das escolas. A autonomia das escolas é relativa em relação a esse aspecto, pois não fica imune a essas pressões externas. Um ponto de entrave em relação a expressar os resultados por meio de conceitos ocorreu na perspectiva do entrelaçamento entre educação e sociedade e vice-versa. Nesse caso, os conceitos não foram entendidos por toda a comunidade escolar, pois, para muitos, ao avaliar por meio de conceitos, a escola estaria em contradição ao próprio MEC, que avalia as escolas e os estudantes por nota. Isso também foi um ponto percebido na Escola B e demais sujeitos, ou seja, quanto à dissociação entre avaliação conceitual, realizada internamente nas escolas da rede do EMP, e as avaliações do meio externo, prescritas pelo MEC e expressas por números. O vice-diretor da Escola B ressaltou a lógica da avaliação externa por meio da seguinte percepção:

A gente tem uma estrutura a nível nacional, que a escola está sendo cobrada externamente não desta forma conceitual. Então, existe um descompasso entre uma coisa e outra. As avaliações externas, como a provinha Brasil, o Enem, também teriam que adotar um formato assim. Só que, daqui a pouco, os institutos de pesquisas, os órgãos governamentais estão trabalhando com o objetivo de captar índices, captar dados, e isto não se consegue com conceito ou menção. Isto só se consegue com números. (Entrevista, Santa Cruz do Sul, 24/8/2016)

O supervisor da Escola A reafirmou a mesma projeção narrada pelo sujeito da Escola B, como justificativa para continuar com a ideia de uma educação e avaliação regulatória na instituição:

[...] a tendência de avaliação é mais regulatória, que aponta alguns ‘caminhos’ e, a partir disso, faz com que a escola tenha algum número ou nota. [...] E é nesse sentido que estamos seguindo a lógica da avaliação externa do trabalho dos professores [...]. (Entrevista, Santa Cruz do Sul, 11/8/2016)

Essa menção anterior vem reforçar o fato de que a Escola A utilizava a avaliação como instrumento regulatório. A avaliação regulatória presenciada e concretizada nessa escola fez alguns discentes da TA narrarem e corroborarem essa apreensão conflituosa:

Nessa reflexão, uma estudante supôs que a avaliação deveria visar a auxiliar o aluno quanto ao fato de evidenciar se aprendeu ou não o conhecimento. Segundo ela, “porque, muitas vezes, os professores só se atentam se ele rodou ou vai rodar, mas às vezes tem gente que tem dificuldade naquilo, mas está tentando aprender”. Para essa aluna, “a avaliação não é uma coisa para provar aos professores, é para nós mesmos (alunos), se a gente está entendendo” (Entrevista com a discente da Escola A, Santa Cruz do Sul, 24/8/2016).

No componente da Educação Física da Escola A, o professor realizou o processo da avaliação por meio da equivalência entre numerais e conceitos, da instrução regulatória que recebeu:

[...] se fosse nota é tal conceito, até aqui é uma coisa, daqui para lá é outra. Eu não vou lembrar dos ‘quebradinhos’, mas até 5,5 ou 6,0 o aluno estaria reprovado, e dali para cima aprovado. (Entrevista, Santa Cruz do Sul, 5/8/2016)

Vale lembrar que, sobre esse aspecto, Luckesi (2011) critica a utilização recorrente de tabelas de conversão de notas para conceitos, mencionando isso como uma forma errônea de equivalência no trabalho docente.

Ainda sobre a relação das expressões dos resultados por meio de conceitos na Escola A, outro momento inquietante ocorreu durante uma aula interativa com a TA (Diário de campo). Alguns discentes da classe afirmaram que a instituição fazia uma avaliação considerando apenas os conceitos CSA ou CRA, ou seja, aprovado ou reprovado, ausentando internamente do processo o conceito intermediário de CPA, ou seja, “é 8 ou 80”, como referiu um estudante (Diário de campo).

O aluno, para ser aprovado de acordo com o Regimento Padrão do Ensino Médio Politécnico (RIO GRANDE DO SUL, 2012), não poderia obter CRA em dois componentes de diferentes áreas do conhecimento, por isso, os docentes e discentes deveriam conhecer as respectivas áreas do conhecimento e as disciplinas que as compõem. Caso o discente alcançasse CRA em dois componentes da mesma área de conhecimento, não sendo no último ano do EMP, o aluno teria de realizar a progressão parcial dos dois componentes curriculares, concomitantemente, no próximo ano letivo, sendo considerado aprovado, segundo o Regimento Padrão do Ensino Médio Politécnico (RIO GRANDE DO SUL, 2012).

De acordo com o docente da Escola A, o conceito CPA deu margem para muita “confusão” entre os colegas professores, especialmente no âmbito das recuperações. Com isso, a ideia foi adotar internamente outra circunstância para ficar mais “tranquilo” o trabalho dos professores (Entrevista, Santa Cruz do Sul, 8/8/2016). Conforme a justificativa do supervisor escolar, o conceito CPA teria o sentido de uma espécie de “bengala”, que teria como principal função garantir ao aluno a possibilidade de ser aprovado e passar para o ano seguinte com progressão parcial.

Na realidade, a questão do parcial foi uma dúvida muito grande do professor. No nosso regimento continuam existindo três conceitos, só que com o consenso dos professores se criou o meio termo, no sentido de você ter a construção restrita à construção satisfatória. E aquele meio termo que seria parcial, o professor vai avaliar exatamente aquelas questões que fogem do controle, que é a questão da relação professor-aluno, da pontualidade de entregas de tarefas, e aí o professor, nos juízos de fundamentos dele, vai para um CSA ou CRA. Uma bengala que garanta ao aluno a progressão parcial, porque lá no regimento diz que se ele ficar em progressão parcial teria o direito à progressão. Então, não é ilegal o que estamos fazendo, é uma interpretação do regimento à luz desta realidade escolar, e aí este intervalo entre o restrito e o satisfatório a gente convencionou nos momentos dos conselhos de classes, o professor avança para o conceito superior ou retrocede, dependendo dessas variáveis que estão em sala de aula. Questões formativas que são levadas em consideração. (Entrevista com o supervisor escolar da Escola A, Santa Cruz do Sul, 11/8/2016)

No entendimento de Pontes (2015), a insuficiência de avaliar em modo conceitual na Educação Física seria justificada pelo motivo da rápida inserção dessa política do EMP ao chegar às escolas. Na Escola B, os critérios associados aos instrumentos da assiduidade e da participação na avaliação adotados pelo professor foram bem simples, até chegar às expressões conceituais. Segundo o docente, “quem não vem na aula é CRA. Quem não vem e não tem nenhum atestado é também CRA. Que vem é CSA. O CPA é o aluno que vem e não se dispõe a fazer nada, daí é CPA”. Apreende-se que esses critérios tomados na prática não condiziam com o que a avaliação emancipatória do EMP objetivava: a melhoria da aprendizagem e a avaliação correlacionada com o planejamento docente. Nesse ponto, o próprio professor narrou que não planejava as aulas relacionando-as ao ato avaliativo.

OS CONSELHOS DE CLASSES DA AVALIAÇÃO EMANCIPATÓRIA DO EMP: A EDUCAÇÃO FÍSICA INVISÍVEL E SEM VOZ

O Regimento Padrão do Ensino Médio Politécnico (RIO GRANDE DO SUL, 2012) visou a determinar que o espaço e o momento dos conselhos de classe se tornassem, de fato, significativos durante o processo. Seria na realização dos conselhos de classe que os docentes de cada componente curricular, da respectiva área de conhecimento a que pertencessem, chegariam a um único conceito geral da área. Os conselhos de classe não teriam apenas um único formato ou modelo a ser realizado, podendo permitir um contexto mais amplo aos professores, como a reflexão e a análise sobre as procedências dos caminhos, em que se articularia, em conjunto, a etapa da avaliação por área de conhecimento e dos componentes curriculares. Essa concepção poderia ser uma alternativa para desburocratizá-lo, pois, muitas vezes, na história da educação e da avaliação, o Conselho de Classe foi, e é ainda, um momento estagnado nas escolas (HOFFMANN, 2014a; ROMÃO, 2011; SANT´ANNA, 2014). Assim, destaca Hoffmann (2014a, 2014b), o Conselho serve para desfragmentar os conhecimentos dos componentes curriculares, em sentido interdisciplinar, e para não deixar os docentes pensarem sobre (im)possibilidades de aprendizagens do aluno, ao tratarem das suas epistemologias e didáticas.

Em nossa pesquisa, cada escola evidenciou um formato interno diferente em relação à organização e à realização da avaliação prevista no EMP. Em relação aos conselhos de classe observados, os professores de Educação Física estiveram ausentes por motivos distintos. Os conselhos evidenciaram a dificuldade de os docentes de cada área de conhecimento chegarem a consensos quanto a determinar um conceito final por áreas de conhecimento (Diário de campo).

A funcionalidade do Conselho de Classe da Escola A, de forma tradicional, reforçava o conhecimento-regulação. O momento observado iniciou com o docente-regente da TA lendo algumas opiniões de respostas a questões que lhes foram entregues pela orientação educacional e pelo supervisor escolar. Os alunos construíram as respostas a partir das questões elaboradas pela equipe diretiva. As perguntas foram respondidas pela turma antes do Conselho e buscaram a seguinte direção: O que está bom? O que pode melhorar? O que está péssimo? Enquanto o regente-docente da TA lia todas as respostas aos professores participantes (os alunos não participavam do Conselho), o supervisor escolar fazia suas anotações, registrando formalmente. Essa foi a única forma de participação dos discentes naqueles momento e espaço (Diário de campo). Por esse motivo, afirmamos, anteriormente, que, nessa escola, esteve menos evidente a realização dos dois momentos de avaliação previstos no currículo (por área e por componente).

No mesmo documento, houve algumas críticas dos estudantes em relação a determinados professores, referente a possíveis maneiras regulatórias que alguns docentes estariam adotando ou por estarem desrespeitando os alunos. Sobre esse aspecto, o docente regente justificou, a partir das condições do trabalhador docente:

De fato, como vimos anteriormente, alguns fatores ligados às estruturas e condições de trabalho precarizadas também devem ser considerados em relação aos obstáculos encontrados por esses trabalhadores para realização de uma avaliação emancipatória. Assim, no atual momento, em 2016, turmas cheias devido ao fechamento de salas de aula e escolas, além do atraso e parcelamento de salários, foram fatores que afetaram o cotidiano dos profissionais da educação pública estadual no Rio Grande do Sul.

A dinâmica geral do Conselho de Classe da TA funcionou com o seguinte formato: cada aluno era chamado oralmente pelo supervisor escolar, em ordem alfabética, pela lista do caderno de chamadas. O supervisor escolar mencionava o nome do discente e perguntava ao grupo se o estudante estaria com dois dos três conceitos, ausentando o conceito intermediário que seria obrigatório no EMP: CPA (na Escola A também não houve participação dos alunos nesse momento). Cada docente respondia sem reflexões e, rapidamente, um dos dois conceitos, CSA ou CRA, era atribuído. Em seguida, o supervisor escolar solicitava que cada docente citasse números que se relacionavam às menções ou orientações para pareceres que cada aluno receberia. Quanto a essa última parte, percebemos que uma tabela de equivalência entre notas e conceitos foi criada internamente pela própria instituição. Da mesma forma, também havia modelos de pareceres padronizados, muitos dos quais carregavam exemplos de deveres a serem seguidos por todos.

O boletim dos alunos deveria expressar, além de um conceito por área, um parecer descritivo também por área. O uso dos pareceres descritivos por área do conhecimento era, também, uma exigência da avaliação do EMP. Os pareceres padronizados e utilizados internamente pelos professores para os discentes vão na contracorrente de uma educação humanística. Em primeiro lugar porque não foram resultados da participação dos alunos, que seriam os principais sujeitos nesse processo. Da mesma forma, pode-se compreender a ideia de regular os indivíduos por meio da padronização e também das terminologias utilizadas para cada um dos estudantes, em sentido de competição e de um único ideal de aluno. Os adjetivos esforçado ou não esforçado, disciplinado ou indisciplinado, responsável ou irresponsável, conversador ou obediente, associados à ideia de avaliação no âmbito tradicional, punitivo, regulatório, comportamentalista, também caracterizaram as falas dos docentes durante o Conselho. Cabe lembrar que, conforme registrou Sant’Anna (2014), o Conselho de Classe também serve para reorientar concretamente o estudante, não o etiquetando. A autora salienta que um parecer descritivo e não padronizado a ser entregue aos familiares e/ou responsáveis seria importante para facilitar o processo, diferente dessa lógica da Escola A. A análise dessa prática nessa escola indicou haver uma distância muito grande da perspectiva de uma avaliação emancipatória. Na prática, os pareceres privilegiam questões atitudinais, não apontam problemas de aprendizagem no sentido de indicar caminhos, rotulam, classificam e se assemelham, a exemplo do que observou Hoffmann (2012, p. 118) quando se referiu “às antigas fichas de comportamento, tradicionalmente preenchidas com cruzinhas ou outros códigos em muitas de nossas escolas”.

O modelo do Conselho de Classe adotado e realizado pela Escola A ocorreu com todas as áreas de conhecimento, de forma conjunta. Não havia nenhum consenso quando algum discente apresentava um conceito diferente, independentemente do componente ou área de conhecimento. A regra geral utilizada era: para o menor conceito/resultado atribuía-se determinada menção. Esse modo procedimental foi igualmente na contramão da proposta prescrita no EMP.

Outro ponto que mereceu destaque ao observarmos o andamento do Conselho de Classe da Escola A foi a forma como a heterogeneidade da TA foi tratada nesse espaço. De maneira geral, os “alunos CSA” eram estudantes que se destacavam com os seus bons rendimentos e demonstravam boas atitudes. Os alunos que não alcançavam CSA (no caso dessa instituição eram todos os demais) e ficavam com CRA foram considerados “medianos” (Entrevista com o supervisor escolar da Escola A, Santa Cruz do Sul, 11/8/2016). Mas o que seriam alunos medianos e não medianos citados oralmente pelo supervisor escolar nesse caso? Na lógica apoiada por grande parte do grupo de docentes, os bons seriam aqueles que se aproximavam das “melhores notas”, seja nas avaliações internas ou nas externas, como no Enem, por exemplo. Na realidade, a avaliação, nesse caso, era vista como um fim, requerendo a formatação das turmas de modo a ficarem homogêneas para projetar resultados similares, não se respeitando as diferenças e as individualidades.

Quanto à observação do Conselho de Classe ocorrido na Escola B, enfatizou-se outro olhar sobre essa etapa da avaliação emancipatória do EMP. Em um primeiro momento, todos os professores do EMP, incluindo o professor de Educação Física, estavam reunidos em uma única sala de aula, independentemente da área de conhecimento, para informações e recados gerais da equipe pedagógica sobre a função daquele determinado momento. Em seguida, houve explicações da equipe diretiva de que cada área de conhecimento teria um coordenador para mediar o Conselho de Classe, e esse seria encarregado de anotar e organizar todos os conceitos em um documento recebido das mãos da supervisora escolar. Ao término do Conselho, o mesmo professor/coordenador foi o responsável pela entrega da coleta dos conceitos das áreas de conhecimento à equipe diretiva (Diário de campo).

No segundo momento do Conselho da TB, cada área de conhecimento deslocou-se para alguma sala de aula, respectiva aos seus componentes curriculares, separando-se das demais. Nessa etapa, a equipe pedagógica também se ausentou, deixando cada grupo de professores trabalhar em conjunto com seus colegas de área (Diário de campo). Esse ponto apresenta uma contradição na própria fundamentação metodológica da avaliação emancipatória prevista no Regimento Padrão do Ensino Médio Politécnico (RIO GRANDE DO SUL, 2012). O mesmo documento, assim como os PPPs institucionais, previa que uma das funções do supervisor escolar seria a de acompanhar os conselhos de classe. Mas de que modo uma mesma pessoa poderia fazer esse acompanhamento se o mesmo documento orientava que o Conselho de Classe deveria estar organizado por áreas de conhecimento? Isso só seria possível se fossem realizados em horários e dias distintos, fato esse inoportuno pelo modo com que as condições dos trabalhadores estavam e estão postas na educação pública.

Da mesma forma, percebemos que o professor de Educação Física da TB também se ausentou da sala da área de linguagens no segundo momento do Conselho. Paralelamente ao Conselho de Classe, aconteciam alguns jogos entre alunos, e o professor estava com a função da arbitragem do evento organizado pelos próprios discentes. Desse modo, no momento do consenso e da atribuição dos conceitos da área, não houve participação do professor de Educação Física. A voz da Educação Física esteve silenciada e invisível no Conselho de Classe.

Na próxima etapa da organização do trabalho no Conselho de Classe, o professor designado como coordenador e com o documento/modelo em mãos mediava o Conselho. Antes do início, o professor/coordenador fez a chamada de cada um dos componentes curriculares e dos professores de cada disciplina e o fato percebido foi a ausência do professor de Educação Física, como se sua presença não tivesse a mesma relevância dos demais. Após a chamada do mediador, este mencionou o nome de um aluno por vez, em ordem alfabética, seguindo o modelo recebido pela supervisora. Nesse caminho, cada docente teve a oportunidade de relatar um dos três conceitos da avaliação do EMP, conforme o componente e o aluno (Diário de campo). De certa forma, essa ausência da Educação Física pode ser reveladora de diferentes questões ligadas às percepções dos docentes quanto a esse componente curricular na escola, algumas das quais estão vinculadas à carência de identidade e falta de legitimidade.

O quarto momento do Conselho constituiu-se na atribuição de um único conceito final para cada estudante, na área do conhecimento. Percebemos que, nessa fase, cada docente citava rapidamente sua menção, devido ao curto tempo e ao número de turmas e alunos que o grupo tinha para dar conta. Novamente, o contexto das condições do trabalho influenciou o seguimento das exigências da avaliação emancipatória do EMP.

Às vezes, o conceito final ficava definido conforme a solicitação de um único docente de um componente curricular específico. Em outros casos, utilizava-se uma concepção somativa, por exemplo, conforme uma professora narrou: “o aluno deve ficar com o CPA, pois o atingiu em três disciplinas” (Diário de campo). Entretanto, tal regra não se aplicou a todos e a supervisora escolar confirmou que a indicação da equipe pedagógica foi evitar trabalhar a ideia de avaliação somativa, seguindo a intenção de aproximação com o regimento. De modo geral, não houve construção coletiva entre os componentes até chegarem a um consenso claro do conceito final, devido, principalmente, aos encargos dos trabalhadores.

Após o conceito final, o coordenador passou ao seguinte discente da lista até preencher a TB como um todo.

Apesar da organização e da funcionalidade do Conselho para o preenchimento dos resultados finais, o professor/ coordenador da área de linguagens queixou-se quanto a não praticidade do método, especialmente por estar escrevendo à mão. Para isso, iria sugerir à supervisora escolar que, das próximas vezes, o documento fosse digitado diretamente em um computador. O coordenador do Conselho relatou que desenvolveu um software para inserir os conceitos, no qual, automaticamente, já resultariam os pareceres descritivos, e isso, segundo ele, aparentava ser uma alternativa bem viável às condições de trabalho no momento da avaliação emancipatória.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo geral, a avaliação emancipatória imposta pela reestruturação do EMP gerou diferentes tensões entre os sujeitos de ambas as escolas e turmas observadas. As inúmeras lacunas demonstradas estão correlacionadas com a historicidade, a totalidade e as contradições que envolvem as diferentes concepções de educação, resultando em um jogo desigual entre regulação versus emancipação. Nesse contexto, a educação, a escola e a avaliação estiveram voltadas mais aos interesses mercadológicos do que aos pedagógicos. Na prática observada, nem todos os jovens tiveram as mesmas oportunidades, apesar de “constitucionalmente” conterem os “mesmos” direitos.

A “avaliação emancipatória”, denominação dada ao processo avaliativo prescrito no Regimento Padrão do Ensino Médio Politécnico (RIO GRANDE DO SUL, 2012) e na proposta da Seduc do Rio Grande do Sul, na prática foi constituída de forma distante e “adaptada” nas duas escolas em relação ao que foi previsto nesses documentos-base. De modo geral, cada escola apresentou alguns problemas e possibilidades (des)favoráveis quanto à prática de uma avaliação emancipatória no EMP. Dentre essas, citamos algumas que se assemelharam e outras que se diferenciaram entre as instituições.

Os professores de Educação Física e os discentes, caso tivessem uma noção clara do significado da avaliação emancipatória do EMP e buscassem mobilizar coletivamente esse processo como pedagógico e contínuo, poderiam ter mais chances de obter resultados mais qualitativos. Essa seria uma das etapas para demonstrar um processo contra-hegemônico ao sistema que oprime as escolas públicas, vindo a resistir e se autotransformar na direção de uma essência avaliativa e educativamente humanística. No entanto, não queremos dizer que a não realização de uma avaliação emancipatória tenha sido responsabilidade única ou exclusiva dos docentes. É pertinente afirmar que fatores ligados às características de precarização do trabalho docente tiveram peso igualmente relevante. Em especial, faltaram investimentos por parte do poder público em relação à infraestrutura e à formação continuada para implantação dessa proposta política. Além disso, a escola, enquanto instituição, reflete e reverbera características de uma sociedade e de um sistema que não estimulam a emancipação humana.

Segundo Pontes (2015), o fato de a avaliação emancipatória ter sido decorrente de uma política educacional de governo inserida, às pressas, nas diferentes escolas acarretou resultados negativos no âmbito de sua compreensão e de sua praticidade. Isso se evidenciou como obstáculo, pois as instituições e os sujeitos não tiveram as condições necessárias para avançar em relação à formação omnilateral, uma das principais propostas do EMP. Isso também demonstrou uma lacuna compreensiva que influenciou a aplicabilidade da educação emancipatória.

Compartilhamos do pensamento de Barbosa (2014) quando salienta que em qualquer abordagem de avaliação mal compreendida, ou que não possibilite oportunidade real de apreendê-la, os principais prejudicados são justamente aqueles que mais deveriam estar no centro do processo educativo, ou seja, os estudantes. Da mesma forma, assim como a incompreensão da avaliação colabora para a opressão dos sujeitos das escolas públicas, são esses sujeitos, justamente, os que mais necessitariam vivenciar outro conceito de educação. Como demonstramos, distintas tensões e contradições ocorreram nas práticas avaliativas, e também ficou evidente a presença de elementos que as influenciaram no sentido da manutenção da regulação e não da participação e da emancipação.

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Notas

1 A Lei n. 10.793 (BRASIL, 2003) trata desse aspecto. A norma considera, como frequência facultativa na Educação Física escolar, os seguintes casos: o discente estar trabalhando diariamente seis horas ou mais; ter mais de 30 anos de idade; estar prestando serviço militar ou outra situação que contenha também sua obrigatoriedade às práticas de Educação Física fora da escola; estar amparado pelo Decreto-Lei n. 1.044, de 21 de outubro de 1969 (BRASIL, 1969), caso também tenha prole. Percebeu-se, ainda, que o próprio projeto político-pedagógico (PPP) da escola ratifica, nos seus anexos, a dispensa dos alunos das aulas de Educação Física, acompanhando a mesma legislação, ainda vigente.

2O projeto vivencial, denominado formalmente seminário integrado, foi um novo componente curricular inserido na reforma do EMP. Nele, os estudantes, em colaboração com seus orientadores (professores), deveriam, em conjunto, apresentar uma pesquisa similar aos moldes de “iniciação científica” que, posteriormente, da mesma forma, seria individualmente conceituada nos elementos da avaliação emancipatória do EMP.

3Para maior profundidade conceitual sobre a temática entre conhecimento- -regulação e conhecimento- -emancipação, sugere-se a leitura de Boaventura de Souza Santos: A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

Recebido: 07 de Setembro de 2017; Aceito: 26 de Março de 2018

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