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Estudos em Avaliação Educacional

versão impressa ISSN 0103-6831versão On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.29 no.71 São Paulo ago. 2018

https://doi.org/10.18222/eae.v0ix.4507 

ARTIGOS

Avaliação na Educação infantil e formação contínua de professores

Evaluación en la educación infantil y formación continuada de profesores

Evaluation in preschool and ongoing teacher training

Juliana Corrêa MoreiraI 

Cleonice Maria TomazzettiII 

IRede Pública Municipal de Santa Maria; Grupo de Investigação e Estudos Contemporâneos sobre a Educação Infantil (GIECEI), Santa Maria, RS, Brasil, jcmoreira76@bol.com.br

IIUniversidade Federal de Santa Maria (UFSM); Grupo de Investigação e Estudos Contemporâneos sobre a Educação Infantil (GIECEI), Santa Maria, RS, Brasil, http://orcid.org/0000-0002-1976-4604; netcleo@gmail.com


RESUMO

Este artigo trata dos resultados a que se chegou na pesquisa de mestrado, desenvolvida por meio de uma investigação-ação educacional (IAE) com o grupo de professoras de uma instituição pública de educação infantil da rede municipal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Focalizou a avaliação na educação infantil buscando compreender sua relação com a qualidade das práticas pedagógicas das professoras que atuam junto às crianças menores de 3 anos. O estudo investigou as práticas avaliativas que se realizam naquele contexto, tendo em vista a qualificação das práticas pedagógicas a partir do processo reflexivo gerado nas professoras. Os resultados indicam que esse é um processo em desenvolvimento no contexto pesquisado, além de evidenciarem a potencialidade da avaliação para a formação contínua dos professores e, consequentemente, a qualificação dos contextos educativos para a infância.

PALAVRAS-CHAVE: Avaliação da Educação; Investigação-Ação; Formação Contínua; Educação Infantil

RESUMEN

Este artículo trata de los resultados que se obtuvieron en una investigación de maestría, desarrollada por medio de una Investigación-Acción Educacional (IAE) con el grupo de maestras de una institución pública de educación infantil de la red municipal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Se enfocó la evaluación en la educación infantil tratando de comprender su relación con la calidad de las prácticas pedagógicas de las docentes que actúan con niños menores de 3 años. El estudio investigó las prácticas evaluativas que se realizan en aquel contexto teniendo en cuenta la cualificación de las prácticas pedagógicas a partir del proceso reflexivo generado en las maestras. Los resultados indican que éste es un proceso en desarrollo en el contexto investigado, además de evidenciar la potencialidad de la evaluación para la formación continuada de los profesores y, por consiguiente, para la cualificación de los contextos educativos para la infancia.

PALABRAS CLAVE: Evaluación de la Educación; Investigación-Acción; Formación Continuada; Educación Infantil

ABSTRACT

This article presents results that were gathered during a Master’s study developed using an Educational Investigative-Action (EIA) method with a group of teachers from a public institution of preschool education in the municipal school system of Santa Maria, Rio Grande do Sul. The focus of the study was the evaluation used in preschool, in order to understand its relation to the quality of the pedagogical practices of teachers who work with children less than 3 years old. In addition, the present study investigated the evaluation practices performed in that context, bearing in mind the qualification of the pedagogic practices based on reflective process generated in the teachers. The results indicate that this is a process under development in the studied context. Furthermore, the potential of evaluation for ongoing teacher training is made evident and, consequently, for the qualification of childhood educational contexts.

KEYWORDS: Educational Evaluation; Investigative Action; Ongoing Training; Preschool Education

INTRODUÇÃO

Há um certo tempo, a educação infantil tem estado na pauta das discussões nos cenários político e acadêmico, constituindo- se como um potente campo de pesquisas. Estudos concernentes a essa etapa educativa buscam compreender a articulação entre as políticas públicas, as práticas pedagógicas e a qualificação dos contextos de educação infantil destinados ao atendimento de crianças de 0 a 5 anos.

Dentre as inúmeras temáticas que envolvem a educação infantil, emerge a questão da avaliação como assunto polêmico no campo educacional. A disputa de ideias e finalidades que permeiam esse conceito torna desafiador o seu estudo e a sua própria definição, e torna-o ainda mais complexo quando voltamos o nosso olhar para a primeira etapa da educação básica, dada a sua especificidade.

No âmbito deste estudo, a avaliação é compreendida como um processo de acompanhamento e reorientação permanente das práticas pedagógicas, o qual envolve múltiplos procedimentos didáticos que se estendem no tempo e em vários espaços escolares (LUCKESI, 2011; HOFFMANN, 2012).

Concordando com essas indicações conceituais, defendemos a ideia de que a avaliação se traduz em um ato intencional que envolve movimento, reflexão e transformação.

No que se refere à educação infantil, é consenso de teóricos e pesquisadores que a avaliação é contextual, baseada em múltiplos registros das vivências de adultos e crianças no dia a dia das instituições, retratando o percurso de aprendizagem do grupo e, ao mesmo tempo, a história individual de cada criança, e de competência das professoras (BRASIL, 2009; BRASIL, 2012; BARBOSA, 2009; HOFFMANN, 2012; DIDONET, 2014). Nessa etapa educativa, a avaliação deve estar mais relacionada ao contexto de atendimento educacional e pedagógico e a como esse contexto estimula e promove as aprendizagens infantis do que ao desempenho da criança em si (MORO, 2012).

Nessa mesma direção, os encaminhamentos constantes nos documentos e orientações legais que norteiam o trabalho a ser desenvolvido nas instituições de educação infantil brasileiras (BRASIL, 1996; BRASIL, 2009) descrevem a avaliação como um processo contínuo de acompanhamento das aprendizagens das crianças e do trabalho pedagógico que precisa ocorrer por meio da observação, do registro e posterior reflexão docente sobre o material produzido acerca das manifestações infantis nas múltiplas interações que as crianças estabelecem no ambiente escolar.

Apesar desse acervo teórico e legal, ainda hoje se percebe um abismo muito grande entre o que vem sendo pesquisado, o que está proposto na legislação e as práticas cotidianas observadas nas instituições de atendimento à infância. Isso ocorre porque, muitas vezes, os professores desconhecem o conteúdo dos documentos legais que deveriam nortear o seu trabalho com as crianças, além de estarem distantes dos contextos de pesquisa e, quando participam, não são protagonistas em pesquisas educacionais, o que resulta em um afastamento do que vem sendo produzido nas pesquisas em/sobre educação infantil - entre elas, as que versam sobre avaliação.

Essa condição, muitas vezes, leva a práticas equivocadas de avaliação, seguindo orientações e modelos utilizados em outras etapas da educação básica e desconsiderando as peculiaridades que envolvem o trabalho pedagógico na educação infantil, sobretudo quando nos referimos aos bebês e às crianças bem pequenas.1 Diante do exposto, aprofundar as reflexões acerca da temática da avaliação impõe sua importância dentro das práticas pedagógicas, pois, a nosso ver, tem forte relação com a construção do currículo para a pequena infância, que deve se dar a partir da escuta dos interesses e das necessidades das crianças, sendo esse um dos fatores determinantes para a qualificação dos contextos educativos.

Assim, este artigo trata dos resultados a que chegamos com a pesquisa de mestrado, a qual focalizou a avaliação na educação infantil, buscando compreender sua relação com a qualidade das práticas pedagógicas das professoras que atuam junto às crianças menores de três anos.

PESQUISANDO COM PROFESSORAS: INVESTIGAÇÃO-AÇÃO E FORMAÇÃO EM CONTEXTO

A pesquisa foi desenvolvida por meio de uma investigação ação educacional (IAE) com o grupo de professoras de uma instituição pública de educação infantil, denominada Escola Municipal de Educação Infantil (Emei). A intenção do estudo foi investigar as práticas avaliativas que se realizavam naquele contexto, tendo em vista a qualificação das práticas pedagógicas a partir do processo reflexivo gerado nas professoras. A definição do lócus de pesquisa se deu em função de essa instituição ser também espaço de trabalho de uma das pesquisadoras - professora da instituição da pesquisa, elemento interessado e mobilizador do estudo -, fato que possibilitou a inserção no campo de pesquisa e que contribuiu para a definição do método e das técnicas metodológicas.

A opção pela IAE justifica-se por acreditarmos em seu potencial para as necessárias transformações nos contextos educativos. Trata-se de uma modalidade de pesquisa em educação que difere das práticas tradicionais, pois analisa as ações humanas e práticas sociais vivenciadas por professores em seu fazer pedagógico, constituindo-se em uma forma de questionamento reflexivo e coletivo de um determinado problema do dia a dia, cujo estudo e compreensão orientam para a qualificação das práticas, gerando um movimento de mudança (ELLIOTT, 2000).

Nessa perspectiva, o objeto da pesquisa ora apresentada foi também assumido pela equipe gestora como ação central dos encontros formativos da Emei,2 transformando-se, após seu início, em programa de formação continuada em contexto, para todas as professoras da instituição, ao longo do ano de 2014 e 2015. Programa formativo e objeto da pesquisa estavam, assim, orientados pela inquirição das práticas avaliativas que surgiam e se sustentavam nas práticas pedagógicas, as quais também as justificavam.

Coadunadas com esse entendimento e em defesa da ideia de que as mudanças nas práticas e as reformas curriculares, quando ocorrem, são motivadas pelas recomendações de estudos que remetem a situações semelhantes, em condições que aproximam as realidades (PINAZZA, 2014), apresentamos o que Stenhouse (1998, p. 11) designa como investigação educativa, a qual “implica indagação sistemática e autocrítica”, em uma prática situada, que necessariamente deve estar relacionada aos propósitos educativos que devem retornar, sob a forma de melhoria da qualidade das práticas, os resultados da investigação.

Todavia, essa modalidade de investigação só se torna viável e repercute concretamente nas práticas quando o grupo de profissionais diretamente envolvidos no trabalho do dia a dia participa, o que também implica reconhecer os professores como potenciais investigadores. Concordamos com Elliott (2010) quando afirma que a metodologia da IAE se constitui em uma opção metodológica própria para a práxis das escolas como contexto de pesquisa. O autor afirma ainda que

[...] a investigação-ação aperfeiçoa a prática mediante o desenvolvimento das capacidades de discriminação e de juízo do profissional em situações concretas, complexas e humanas. (ELLIOTT, 2010, p. 71)

Esse conjunto de argumentos inspirou a definição dos procedimentos e técnicas para a coleta de dados empíricos, os quais foram produzidos por meio de narrativas orais e escritas do grupo de professoras a partir das observações de situações no cotidiano da instituição e dos encontros formativos.3

Tais situações foram anotadas no momento da ação, depois transcritas e analisadas em diário de campo pela pesquisadora, e posteriormente dialogadas com as demais integrantes do grupo. O recolhimento de dados e o acompanhamento das situações era feito por meio da observação participante, do registro em diário de campo, da reflexão e da proposição da reflexão coletiva com o grupo de professoras nos encontros formativos, desencadeados na sequência do trabalho. Esse instrumento possibilitou a reflexão sobre o processo, permitindo analisar e compreender as situações vivenciadas, as falas dos interlocutores, refletir sobre as práticas, a realidade pesquisada e os rumos da própria investigação.

Essa organização da pesquisa parte da proposição de que na IAE ocorre um “processo de investigação em espiral” que segue os ciclos do planejamento, observação, reflexão e ação (ELLIOTT, 2000; BARBIER, 2002). Gil (2006) reafirma isso e acrescenta que esse é um processo metodológico dialético e flexível, determinado pela dinâmica do grupo de pesquisadores em seu relacionamento com a situação pesquisada.

Cabe esclarecer que foi possível perceber quatro momentos que definiram seus ciclos, desencadeados por situações- -limite (FREIRE, 2005)4 que ocorreram a partir das reflexões suscitadas no grupo - tenham sido elas impulsionadas pelas discussões coletivas ou pelas percepções de um único sujeito. Essas situações-limite estão relacionadas a momentos em que os sujeitos, confrontados com sua realidade por meio da investigação, problematização, reflexão e ação, passam a compreendê-la de forma mais aprofundada e, desse modo, vão passando da consciência ingênua para a consciência crítica acerca dos problemas e das limitações relacionadas às práticas, atuando para modificá-las (FREIRE, 2001).

Ao se assumirem como pesquisadores de sua prática, questionando e refletindo sobre o trabalho que desenvolvem junto às colegas e às crianças, as professoras foram tornando-se membros de uma comunidade investigativa na qual dúvidas, teorizações e saberes foram partilhados e, nessa perspectiva, tivemos a instauração de um processo de formação em contexto centrada no desenvolvimento e na qualificação da própria instituição (PINAZZA, 2013). Outra característica muito marcante dessa perspectiva é que a pesquisa realizada no próprio contexto escolar potencializa a formação contínua a ser realizada em encontros regulares, previstos no seu calendário, incorporando-se a uma dinâmica de estudos, análises e busca de soluções compartilhadas de modo colaborativo para os problemas vividos pelo coletivo da escola, em vez de saídas burocratizadas (decisões em gabinetes dos gestores da escola ou da Secretaria de Educação) ou participação esporádica e individual em eventos isolados e descontínuos.

Nesses termos, consideramos que o trabalho das professoras vai além da tarefa de aplicação de um plano, ou de cuidar para que as crianças se desenvolvam. O trabalho docente ao qual nos referimos acima implica a capacidade dos sujeitos de fazer julgamentos “sábios e prudentes” a respeito do contexto particular em que ocorrem determinadas práticas e, ao mesmo tempo, de compreender os fatores de ordem mais abrangente relacionados a esse contexto (PINAZZA, 2014).

A essa capacidade de discernimento das professoras sobre as circunstâncias que condicionam seu trabalho é atribuída a origem da autonomia, tão importante para a IAE, pois permite a elas exercerem a tomada de decisão a respeito do seu próprio trabalho, enfrentando os dilemas e os desafios do cotidiano educacional (ELLIOTT, 1978; FREIRE, 2010).

Portanto, nos termos aqui definidos, desenvolver uma pesquisa em contexto escolar é mais do que transferir as ações da pesquisa para a escola. Significa tomar o contexto pedagógico da escola como contexto da práxis pedagógica, considerando-a como espaço potencial para rever os estatutos dos saberes da profissão (PINAZZA, 2014).

A RELAÇÃO DA AVALIAÇÃO COM A QUALIDADE DOS CONTEXTOS EDUCATIVOS

Quando nos referimos à questão da qualidade na educação infantil, temos o entendimento de que esse conceito está relacionado ao desenvolvimento de práticas educativas que respeitem os direitos fundamentais das crianças, garantindo-lhes o atendimento de suas necessidades físicas, emocionais e cognitivas. Desse modo, consideramos que o trabalho pedagógico desenvolvido nas instituições de atendimento à infância precisa ser pautado na reflexão coletiva e permanente sobre as práticas, no sentido de aprimorá-las constantemente, ideia essa que vem ao encontro da concepção de avaliação que defendemos neste estudo.

A atenção à qualidade das práticas pedagógicas desenvolvidas na educação infantil se intensifica, a partir da década de 1990, com a efervescência dos princípios democráticos constantes na Constituição Federal (BRASIL, 1988) e a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). Esses dois marcos legais trazem a criança para a esfera dos direitos, situam a educação infantil dentro dos sistemas de ensino e disparam a preocupação com o estabelecimento de padrões de qualidade.

Nessa perspectiva, temos a publicação de uma série de orientações e dispositivos legais que sinalizam para a questão da qualidade, apresentando finalidades, concepções e propostas que convergem para as formulações de estudos e pesquisas que debatem a temática da avaliação na educação infantil em interlocução com a qualidade dos contextos educativos, relacionando-a à garantia dos direitos das crianças, reconhecidas como protagonistas em seus processos de aprendizagem e socialização.

Concebendo a criança a partir desses pressupostos, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) (BRASIL, 2009) reafirmam que o trabalho desenvolvido nas instituições de educação para a infância deve garantir experiências que permitam às crianças desenvolverem- se em suas múltiplas dimensões: emocional, sensorial, motora, mental, ética, estética e socioafetiva, trazendo como eixos orientadores das práticas o brincar - que é próprio da cultura infantil - e as interações com seus pares, com os adultos e com os objetos do conhecimento, articulando educação e cuidados. A ideia de currículo contemplada nesse documento também busca articular o conhecimento construído e acumulado pela humanidade com as experiências e saberes das crianças, tidas como centro da ação pedagógica e parceiras no planejamento de tais ações.

Ao iniciarmos o estudo na instituição lócus da pesquisa, logo nas primeiras intervenções junto ao grupo de professoras, foi possível perceber que as concepções que norteavam o seu trabalho com os grupos de crianças chocavam-se com as concepções defendidas nas publicações legais e teóricas aqui descritas, o que comprometia o trabalho em educação infantil ali desenvolvido.

Além disso, identificamos falas e atitudes de algumas professoras que revelavam incoerências entre o discurso e as práticas em seu cotidiano com as crianças, mostrando uma aproximação com concepções tradicionais e disciplinadoras, indo de encontro à imagem de criança evocada por elas próprias (as professoras da educação infantil). Também observamos, em determinadas situações, que as professoras eram bastante autoritárias, deixando pouco espaço para as manifestações infantis, comprometendo a perspectiva do protagonismo e da participação da criança como elemento da qualidade desse trabalho.

Outro ponto que merece destaque em nossos registros iniciais é que o brincar, as práticas cotidianas e os momentos de alimentação e higiene não eram percebidos por algumas professoras da instituição como atividades produtivas,55 o que, a nosso ver, significa dissociar as dimensões da educação e do cuidado e ir, mais uma vez, na contramão das orientações presentes nas DCNEI (BRASIL, 2009) e do seu próprio discurso propagado em situações formais (como reuniões de planejamento na escola ou encontros pedagógicos com gestores da educação no município). Tais afirmações ficam evidentes nas falas das professoras, transcritas a seguir:

Além de termos só quatro horas de aula, perdemos muito tempo amarrando os tênis, levando ao banheiro... daí já vem o lanche... e, como se isso não bastasse, as crianças só querem saber de brincar e não se interessam pelas atividades que a gente traz [...]. Professora F - atua na etapa creche e pré-escola. Na hora que eles [as crianças] não estão fazendo nada [brincando], é o momento em que eu aproveito para planejar algumas atividades. Professora A (referindo-se à falta de hora-atividade, em diálogo em um dos encontros formativos) − atua na etapa creche e pré-escola. (Diário de campo, junho/2014)

No decurso da pesquisa, consideramos que era fundamental desconstruir tais ideias, pois

Cuidar e educar significa afirmar na Educação Infantil a dimensão de defesa dos direitos das crianças, não somente aqueles vinculados à proteção da vida, à participação social, cultural e política, mas também aos direitos universais de aprender a sonhar, a duvidar, a pensar, a fingir, a não saber, a silenciar, a rir e a movimentar-se. (BARBOSA, 2009, p. 69)

Esses registros ilustram o abismo existente entre os discursos, as políticas atuais e as práticas na instituição desta pesquisa. Apesar dos intensos debates e da efervescência de ideias defendidas no final do século XX em defesa de mais espaços de participação da criança nas pedagogias, considerando-a como ser sócio-histórico-cultural, agente ativo na construção do conhecimento e produção de culturas, ainda é bastante difícil para muitos educadores despirem-se de práticas transmissivas - aquelas que trazem o professor como figura detentora de conteúdos que devem ser repassados de um determinado modo e em um determinado tempo, na perspectiva da pedagogia da transmissão (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007).

Tais concepções se refletem e interferem nas práticas avaliativas, pois a falta ou a superficialidade nos registros das professoras estão relacionadas também a certo simplismo das suas práticas pedagógicas, expressas em situações improvisadas, de baixa repercussão para a participação e atividade das crianças, e desprovidas de intencionalidade pedagógica por parte das docentes. Por isso, limitam o acompanhamento das aprendizagens infantis e restringem a construção da documentação pedagógica, entendida como prática avaliativa que mais se aproxima das concepções presentes nas orientações legais.

No escopo desta pesquisa, a avaliação ainda era vista pela maioria das docentes como um momento pontual, considerada somente na escrita dos pareceres descritivos ao final de cada semestre letivo (fevereiro a março, e agosto a dezembro), e focada normalmente nas questões comportamentais das crianças.

Diante dessa situação, consideramos urgente dialogar com as docentes da pesquisa sobre as concepções e práticas tradicionais cristalizadas na educação infantil, refletindo sobre e compartilhando, por meio do diálogo nos encontros formativos, questões relativas ao currículo na educação infantil, à intencionalidade das ações educativas desenvolvidas junto às crianças e aos seus registros e constituição da documentação pedagógica como elementos da prática avaliativa.

Cabe destacar que, a partir da pesquisa, essas questões − relacionadas às especificidades da educação infantil - passaram a ser pauta de discussões permanentes e levaram o grupo de professoras a desconstruírem concepções e avançarem em suas práticas junto às crianças. Entretanto, apesar dos avanços, ainda ocorrem situações-limite que nos confrontam, que geram novos questionamentos e exigem novas discussões, impulsionando-nos a um novo patamar de qualidade. Talvez esse seja o maior ganho da pesquisa: alcançou um patamar de compromisso coletivo com o diálogo e a busca da reflexão por meio da abertura para questionar as próprias práticas, em uma dinâmica por vezes tensa e conflituosa, mas também de aceitação de que essas dimensões são constitutivas do trabalho docente.

Continuamos a acreditar que, somente por meio de momentos de estudo, individual e coletivo, diálogos e reflexões, é possível iniciar um processo de transformação nas práticas e nos contextos, na intenção de oferecer uma educação de qualidade para as crianças e, nesse sentido, reconhecemos que a formação profissional específica − por meio da capacitação em serviço, associando teoria e prática − é uma dimensão importante para a qualidade do atendimento às crianças (WINTERHALTER et al., 2014).

Por isso, no âmbito desta pesquisa, defendemos que a construção da avaliação das aprendizagens infantis é um importante fator de reflexão sobre a prática, constituindo- -se como aquilo que buscamos em processos de formação contínua a partir de seu contexto de trabalho, centrada no projeto político-pedagógico e no desenvolvimento da instituição, e configurando-se em um processo de melhoria das práticas docentes, que promove mudanças em benefício da comunidade educativa (PINAZZA, 2013).

AVALIAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA PRÁTICA EM CONSTRUÇÃO

As DCNEI (BRASIL, 2009) norteiam o trabalho nas creches e pré-escolas e orientam que a avaliação deve ser feita mediante a observação crítica dos acontecimentos significativos do cotidiano de cada criança e do grupo, expressos por meio de diferentes formas de registro, realizados por adultos e crianças.

Nesse sentido, a pesquisa revelou nessa instituição que essa é uma prática em construção. No início da investigação, percebemos fragilidades nas concepções que atravessavam as práticas das professoras com as crianças e inviabilizavam a produção da documentação pedagógica nesse contexto.

Percebendo a necessidade de problematização e desconstrução de algumas concepções que indicavam limitações para a realização de um processo avaliativo coerente com as especificidades da educação infantil, a pesquisa enfatizou a observação, o registro e a reflexão como ações fundamentais para a melhoria da prática pedagógica, uma vez entendido que é por meio de tais ações que construímos a documentação pedagógica, assumida por nós como prática avaliativa que mais se aproxima das orientações legais e teóricas no que se refere à avaliação na educação infantil. Desse processo de construção da documentação pedagógica, resultam crianças e professoras se assumindo como produtores de registros que, por meio da manifestação de múltiplas linguagens, guardam a memória das aprendizagens e experiências construídas nas interações do grupo.

Nessa direção, reforçamos o conteúdo das DCNEI (BRASIL, 2009), que concebem a criança como sujeito histórico e de direitos que, por meio do brincar, das interações, relações e práticas cotidianas vivenciadas com seus pares, com parceiros mais experientes ou com os objetos de conhecimento, constrói conhecimento e produz cultura.

Centro do planejamento curricular, a criança é parceira na organização didática e, nesse sentido, cabe à professora observar, registrar e refletir acerca das múltiplas manifestações infantis, (re)orientando, por meio dessas estratégias, a sua própria prática. Esse processo deve ocorrer de modo contínuo e, a nosso ver, é um dos fatores determinantes para a qualificação dos contextos educativos.

No entanto, por meio da observação participante, percebemos que as concepções indicadas pelas práticas pedagógicas das professoras chocavam-se com as concepções presentes nos documentos legais no que se refere ao currículo, ao planejamento e à avaliação. Diante dessas constatações, demos início a um ciclo de aprofundamento de temáticas que se integram com a questão da avaliação, a fim de levar as professoras a superar a concepção de avaliação como um produto.

Instauramos um ciclo de formação contínua centrada na própria prática docente a partir da problematização e da reflexão de situações vivenciadas na instituição, o que resultou em um processo de qualificação do trabalho pedagógico, potencializando as melhorias necessárias para a garantia dos direitos e do bem-estar das crianças no ambiente educativo. A figura apresentada a seguir ilustra e sintetiza os ciclos investigativos dessa IEA e representa o movimento dialético e formativo da pesquisa vivenciado pelo grupo de professoras.

Fonte: Moreira, 2015

FIGURA 1: Espiral reflexiva - Ciclos investigativos 

Cada um desses ciclos foi marcado por desafios e avanços decorrentes das reflexões geradas pela pesquisa no grupo de professoras. É importante destacar que o processo investigativo deflagrado em uma IAE pode ser tenso, marcado por conflitos e contradições decorrentes do movimento de problematização e desconstrução de certezas e concepções presentes nas práticas docentes.

No primeiro ciclo, iniciamos o percurso investigativo apresentando as intenções do estudo às professoras, constituindo assim o grupo de trabalho com o qual foi desenvolvida a pesquisa. Há que salientar que, embora o estudo enfatizasse a relação entre as práticas avaliativas e pedagógicas das professoras que atuavam junto aos grupos de crianças menores de três anos, todas as professoras (num total de dez, incluindo a equipe gestora) da Emei participaram, tendo em vista que a maioria atuava nos dois segmentos da educação infantil (creche e pré-escola). Além disso, consideramos ainda que excluir alguns membros do grupo de professoras iria de encontro à perspectiva colaborativa e emancipatória de uma IAE. Nesse sentido, acreditamos que a pesquisa representou uma oportunidade para toda a instituição, que, a partir dela, passou a refletir e qualificar a(s) sua(s) prática(s) junto às crianças, caminhando em direção à perspectiva de uma pedagogia da participação.

Assim, no primeiro encontro, nosso objetivo era verificar o que as colegas pensavam a respeito da temática da avaliação na educação infantil. Tencionávamos levantar as dimensões do estudo que viriam a ser discutidas nos encontros formativos. Nesse momento, constatamos que as concepções apresentadas pelo grupo indicavam um entendimento superficial sobre as especificidades da educação infantil e mesmo sobre as orientações constantes nas DCNEI (BRASIL, 2009), o que acabava comprometendo a qualidade do trabalho com as crianças.

Diante do quadro que se apresentou, o grupo definiu que, ao longo dos encontros, discutiríamos tópicos relacionados a essa etapa educativa com a intenção de refletirmos sobre as finalidades, conceitos e concepções de educação infantil, infância(s) e criança, constantes nos preceitos das DCNEI (BRASIL, 2009), a partir da leitura e discussão de textos apoiada em uma perspectiva dialógica e emancipatória na problematização das práticas docentes.

O segundo ciclo desse processo investigativo caracterizou- se por uma tomada de consciência a respeito da problemática que envolve a avaliação na educação infantil, de modo especial por parte da coordenadora pedagógica da escola, a partir de suas percepções acerca da leitura dos pareceres descritivos elaborados pelas professoras para cada criança.66 De acordo com as colocações da coordenadora pedagógica, esses documentos apresentavam muitas fragilidades devido à falta de registros das docentes; e a sua escrita pautava-se no julgamento de atitudes e comportamentos das crianças, distanciando-se de uma concepção de avaliação formativa.

Fazendo uso de suas atribuições, a coordenadora pedagógica organizou um momento formativo para compartilhar suas angústias e incertezas com as demais integrantes do grupo, provocando o confronto de ideias e concepções entre as professoras. Consideramos esse como um dos momentos cruciais para o andamento da pesquisa, pois, a partir das situações desencadeadas, o grupo tomou consciência da problemática em questão; um problema que não estava pautado até ser apresentado como o problema de pesquisa da professora e pesquisadora e que só foi efetivamente assumido por todo o grupo em sua complexidade com a ação parceira, intencional e pedagógica da coordenadora e da professora pesquisadora. A partir desse momento, a temática em tela foi assumida pelo conjunto das professoras participantes da pesquisa, passando esta a caracterizar-se como pesquisa da prática das professoras das crianças de 0 a 3 anos da instituição envolvida. Nesse sentido, destacamos a pertinência de Freire (2011) em sua afirmação de que ninguém conscientiza ninguém; a conscientização vem de um movimento dialético de reflexão crítica sobre as ações que, no caso desta proposta investigativa, foi suscitada, nos encontros formativos, por meio das leituras e dos diálogos. A partir desse momento, houve um maior engajamento das professoras do grupo, gerando, de fato, um processo de reflexão coletiva acerca da temática da avaliação na educação infantil e sua importância nas práticas junto às crianças. Isso suscitou novos encaminhamentos e a discussão de outras temáticas, em especial a do registro das práticas na educação infantil.

O marco inicial do terceiro ciclo foi desencadeado, mais uma vez, a partir de colocações da coordenadora pedagógica com relação à falta de um registro institucional que permitisse o acompanhamento do trabalho desenvolvido pelas professoras com os grupos de crianças. Suas inquietações foram discutidas, uma vez mais, em um de nossos encontros formativos, no qual foi sugerido criarmos uma forma de registro institucional, a ser entregue a cada mês, para que o trabalho desenvolvido junto às crianças pudesse ser acompanhado adequadamente, tanto pelas professoras quanto pela coordenadora da escola. Esse se constituiu em um momento bastante delicado para a pesquisa, pois as colocações da coordenadora pedagógica e da professora pesquisadora foram recebidas com muita crítica pelo grupo, que reagiu de forma bastante negativa. Isso nos revelou o quanto esse processo de mudança pode ser tenso, permeado por conflitos no grupo, mas também em nível individual, pois é difícil os professores romperem com concepções tão fortes presentes em sua ação, e assumirem-se como autores de sua prática, deixando que suas concepções de criança, de educação infantil e de currículo se evidenciem.

A esse respeito, Pinazza (2013) esclarece que, muitas vezes, as atitudes de recusa e a postura defensiva tomada por parte de alguns professores ocorrem no momento em que as reflexões levantadas os fazem sair de sua zona de conforto e enfrentar situações que até então não eram consideradas como problemáticas.

Nesse sentido, o desconforto demonstrado pelas professoras talvez tenha sido maior em função de que as inquietações apresentadas pela coordenadora pedagógica surgiram da própria condição de trabalho, a partir das reflexões suscitadas pela pesquisa. No momento em que uma situação- -problema é revelada e confrontada, no contexto de atuação, por alguém do próprio grupo - no caso, a coordenadora pedagógica e a pesquisadora, que também é professora e colega -, surge a necessidade de estabelecer um movimento de mudança, que implica um agir e um pensar diferentes do que até então estava estabelecido.

Em função das vivências desse ciclo da pesquisa, alterou- se a estrutura dos encontros formativos e, a partir desse momento, optamos por privilegiar a observação participante e o diálogo em grupo e individual com as professoras.7 Além disso, a parceria estabelecida com a coordenadora pedagógica nos permitia planejar e acompanhar em conjunto o desenvolvimento do trabalho da coordenação pedagógica junto ao grupo de professoras.

É importante destacar que, ao longo desse ciclo, ocorreram outras situações-limite, caracterizando-o dessa forma como o mais longo, o mais conflituoso, mas também o mais produtivo da pesquisa para o grupo de professoras.

O quarto ciclo da pesquisa se iniciou quando a professora pesquisadora assumiu a coordenação pedagógica da escola a convite da equipe gestora, passando a compartilhar essa função com sua colega. A partir de então, foi possível acompanhar, de maneira mais próxima, o trabalho desenvolvido pelas professoras e problematizar outras questões que surgiram por meio da observação das práticas pedagógicas, amplificando as reflexões acerca das questões curriculares e desconstruindo algumas concepções e práticas que estavam cristalizadas dentro da instituição. Isso resultou na avaliação e reformulação do projeto político-pedagógico da instituição, o qual se apresentava em desacordo com a política atual vigente, no que se refere a sua organização curricular.8

Segundo a proposição e a descrição dos ciclos, entendemos que nestes é possível evidenciar o movimento dialético que caracterizou esse processo investigativo. Acreditamos que, a partir da dinâmica de pesquisa implementada, houve um movimento de mudança nas percepções e práticas de cada professora, o que possibilitou modificações importantes, embora tímidas, nas práticas docentes e institucionais. Reafirmamos aqui a proposição de que a IAE é muito pertinente como opção metodológica para a pesquisa da práxis da escola, desafiando as práticas cristalizadas em pensamentos ancorados no tempo, na repetição e na transmissão da cultura profissional, o que, para Elliott (2010), é passível de ser transformado por meio do aperfeiçoamento das práticas e da melhora das capacidades de discriminação e de juízo das situações no próprio contexto escolar.

Tais modificações vêm ocorrendo de forma gradativa, de acordo com o tempo e a caminhada de cada professora, mas sinalizam para importantes conquistas do grupo no âmbito deste estudo. Dentre essas, destacamos, como resultado do processo formativo vivido, que as práticas junto às crianças passaram a ser registradas de modo qualificado, com registros diários e semanais do trabalho, o que, a nosso ver, ampliou as possibilidades de documentação das aprendizagens infantis, das vivências e das práticas desenvolvidas com o grupo/a turma, conferindo maior visibilidade ao trabalho realizado na instituição.

Recentemente, após a conclusão da pesquisa, identificamos um quinto ciclo desse processo com a percepção, por parte das docentes, da necessidade de um instrumento de registro institucional que permita à coordenação pedagógica acompanhar e contribuir de forma mais eficiente com o trabalho desenvolvido com cada grupo de crianças, o qual já havia sido sugerido pela coordenadora pedagógica e pela professora pesquisadora e rejeitado sumariamente pelo grupo no terceiro ciclo da pesquisa. Isso comprova que um trabalho sustentado pela reflexão e problematização constantes promove a transformação.

Embora este seja um processo em permanente construção, acreditamos que, de um modo geral, a realização dos registros vem ampliando as possibilidades de reflexão sobre as práticas, o que tem se revelado na reestruturação e na organização dos materiais, tempos e espaços dentro da instituição, bem como na proposição de projetos e situações de aprendizagem mais significativas para as crianças. Em nosso entendimento, isso denota o aumento da observação e escuta das crianças, amplificando assim os seus canais de participação na codefinição de seu percurso de aprendizagem, e evidenciando um novo olhar das professoras sobre a criança, o currículo, a prática pedagógica e a avaliação. Isso aponta, segundo os princípios orientadores desse processo, para uma tomada de consciência, por parte do grupo, de que a prática pedagógica exige reflexão constante em favor da qualidade do trabalho desenvolvido com as crianças, o que foi entendido e assumido pelo grupo como novos caminhos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

[...] a mudança significativa e duradoura é lenta. As pessoas não mudam da noite para o dia [...]. (FULLAN; HARGREAVES, 200199 apud PINAZZA, 2013)

O panorama vislumbrado a partir dos movimentos iniciais da pesquisa ratifica a ideia de que a educação infantil é um campo em construção e que, por isso, envolve questões polêmicas, sujeitas ao debate, dentre as quais se encontra a avaliação.

Assim, a pesquisa enfatizou a observação, o registro e a reflexão como elementos fundamentais para as práticas pedagógicas, uma vez que é por meio delas que construímos a documentação pedagógica, a qual reafirmamos como prática avaliativa que mais se aproxima das orientações das políticas vigentes para a avaliação na educação infantil. Nesse sentido, a pesquisa revelou que, na instituição onde foi realizado o estudo, essa é uma prática em construção, pois, no início da investigação, percebemos, no grupo de professoras, fragilidades nas concepções e práticas que envolvem a avaliação na educação infantil que inviabilizavam a produção da documentação pedagógica naquele contexto.

Tais fragilidades estavam relacionadas a um conhecimento restrito das políticas educacionais que norteiam o trabalho a ser desenvolvido na primeira etapa da educação básica, bem como das concepções de criança e educação que devem orientar a organização curricular e as propostas pedagógicas na educação infantil na contemporaneidade.

O brincar, as interações e as práticas cotidianas não eram considerados como norteadores da organização curricular e das práticas pedagógicas; a concepção de currículo presente entre os integrantes do grupo era a de um currículo fragmentado, em cujas práticas desconsideravam-se o potencial de participação da criança. Da mesma forma, a avaliação era entendida de forma dissociada de todo o processo pedagógico, como uma etapa pontual e considerada apenas no momento de formular os pareceres descritivos das crianças.

Essas concepções não eram compartilhadas pela pesquisadora, que também foi sujeito da pesquisa, e que defendia uma concepção de avaliação processual, voltada para reflexão das práticas docentes e sua qualificação.

A pesquisa-ação empreendida no âmbito da escola para crianças menores de 6 anos nos revelou dados que, depois de discutidos e analisados, evidenciaram a busca pelo trabalho colaborativo com o grupo de professoras, como um processo de formação contínua centrada na própria prática docente, a partir da problematização e da reflexão de situações vivenciadas na instituição. Entendemos que seus resultados são condizentes com a vivência de um processo de qualificação do trabalho pedagógico, potencializando as melhorias necessárias para a garantia dos direitos e do bem-estar das crianças nesse ambiente educativo. Nesse sentido, acreditamos que o estudo abordou a avaliação de forma interligada à concepção e às estratégias da formação em contexto, conforme defendem pesquisadores e estudiosos da área (PINAZZA, 2013; MORO, 2012).

Há que se destacar que esse processo formativo foi permeado por tensões e conflitos, visto que abalou para digmas estabelecidos e mexeu com as concepções de cada professora, provocando-as a confrontarem o seu fazer pedagógico e suas práticas avaliativas com outras perspectivas (TOMAZZETTI et al., 2015). Acreditamos que, a partir dessa dinâmica, houve um movimento de mudança nas percepções e práticas de cada professora, o que trouxe modificações significativas, embora tímidas, nas práticas docentes e institucionais. Tais modificações ainda ocorrem de forma gradativa, de acordo com o tempo e a caminhada de cada professora, mas sinalizam para importantes conquistas do grupo no âmbito deste estudo.

Embora esse seja um processo em construção, acreditamos que, de um modo geral, a ênfase nos registros e na organização da documentação pedagógica realizada no decorrer da pesquisa ampliou as possibilidades de reflexão sobre as práticas, o que pode ser acompanhado pela movimentação das professoras em busca de novos arranjos pedagógicos - dos tempos e espaços, de materiais e de iniciativas para tornar as propostas apresentadas às crianças mais significativas.

Por fim, salientamos que, embora essa seja uma caminhada individual, consideramos que, no contexto em que foi desenvolvida essa IAE, este estudo constituiu-se como um ponto de partida para o grupo de professoras, na medida em que as levou a caminhar para práticas mais reflexivas por meio do registro e da partilha de experiências, bem como para a realização da documentação pedagógica.

A partir do desenvolvimento desta pesquisa, esse processo se tornou permanente na instituição, o que reafirma a formação contínua e em serviço como um espaço potente para elevar a qualidade das práticas desenvolvidas junto às crianças, reverberando na melhoria da qualidade da práxis docente na educação infantil.

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Notas

1Para fins deste estudo, quando nos referimos a “bebês e crianças bem pequenas”, estamos dando ênfase para o segmento creche (crianças de 0 a 3 anos), destacando as especificidades requeridas para essa faixa etária, corroborando com o definido por Barbosa (2009).

2Neste sistema municipal de Educação, fazem parte da equipe gestora a diretora e a coordenadora pedagógica, sendo esta a que pautou a questão da avaliação no contexto da Emei, em iniciativa conjunta com a professora pesquisadora.

3Momentos propostos pelas pesquisadoras para reflexão de temáticas concernentes à pesquisa, levantadas a partir das observações e registros do diário de campo, ou a partir das falas e materiais escritos produzidos pelas professoras do grupo. Esclarecemos que, com relação à escolha das técnicas e procedimentos da pesquisa, seu detalhamento estará mais à frente, quando são explicitados os ciclos e os procedimentos adotados.

4De acordo com Freire (2005), Vieira Pinto afirma que os homens veem as situações-limite como algo que não podem ultrapassar, esquecendo que tal superação não existe fora da relação homens-mundo. Assim, conceitua atos-limite como ações que se dirigem à superação e à negação do dado, pois não significa que haja, por parte dos homens, aceitação passiva da realidade.

5Esclarecemos que, segundo as concepções expressas pelas professoras, as atividades produtivas se referem às atividades coordenadas pelo adulto, com foco nas áreas do conhecimento. Já o brincar e as interações eram consideradas atividades improdutivas.

6Esses pareceres descritivos, na instituição onde se desenvolveu a pesquisa, referem-se à documentação entregue aos pais, a cada seis meses, que deve permitir às famílias conhecerem o trabalho da instituição junto às crianças e os seus processos de desenvolvimento e aprendizagem, conforme determinam as DCNEI (BRASIL, 2009).

7Isso não significou o distanciamento dos membros do grupo e nem o afastamento da pesquisadora: as reflexões suscitadas no decorrer dos encontros formativos eram constantemente retomadas e compartilhadas pelas professoras, em outros momentos e lugares, sempre que era possível o encontro e o diálogo.

8A matriz curricular da instituição, expressa em seu projeto político- -pedagógico, seguia as orientações dos Referenciais Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), sendo dividido por áreas de conhecimento.

9FULLAN, M.; HARGREAVES, A. Por que é que vale a pena lutar? O trabalho de equipa na escola. Porto: Porto, 2001.

Recebido: 07 de Março de 2017; Aceito: 01 de Fevereiro de 2018

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