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Estudos em Avaliação Educacional

versão impressa ISSN 0103-6831versão On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.30 no.75 São Paulo set./dez 2019  Epub 08-Maio-2020

https://doi.org/10.18222/eae.v30i75.6325 

Artigos

Oportunidades educacionais no Brasil: o que dizem os dados do Saeb

Oportunidades educativas en Brasil: qué dicen los datos de saeb

Educational opportunities in Brazil: what Saeb data say

I Universidade de São Paulo (USP), São Paulo-SP, Brasil; ivan.vieira@usp.br


RESUMO

Este trabalho visa a contribuir para a pesquisa da desigualdade e da eficácia escolar, mapeando a distribuição das oportunidades educacionais no Brasil com base nos dados do Saeb 2013. Para tanto, avaliamos as oportunidades dos alunos do ensino fundamental de acesso, segundo o seu nível socioeconômico (NSE), a professores mais qualificados e escolas com melhores condições de recursos físicos, humanos e pedagógicos. Demonstramos que o nível socioeconômico do aluno aparece como uma variável que atua de forma significativa na distribuição das oportunidades educacionais no Brasil, mesmo num contexto de ampliação e universalização do acesso ao ensino fundamental.

PALAVRAS-CHAVE: DESIGUALDADES SOCIOEDUCACIONAIS; NÍVEL SOCIOECONÔMICO; ENSINO FUNDAMENTAL; BRASIL

RESUMEN

Este trabajo tiene el propósito de contribuir para la investigación de la desigualdad y la eficacia escolar, mapeando la distribución de las oportunidades educacionales en Brasil en base a los datos del Saeb 2013. Para ello, evaluamos las oportunidades de acceso de los alumnos de educación básica, según su nivel socioeconómico (NSE), a profesores más cualificados y escuelas con mejores condiciones de recursos físicos, humanos y pedagógicos. Demostramos que el nivel socioeconómico del alumno aparece como una variable que actúa de forma significativa en la distribución de las oportunidades educacionales en Brasil, incluso en un contexto de ampliación y universalización del acceso a la educación básica.

PALABRAS CLAVE: DESIGUALDADES SOCIOEDUCATIVAS; NIVEL SOCIOECONÓMICO; EDUCACIÓN BÁSICA; BRASIL

ABSTRACT

This paper aims to contribute to the research on inequality and school effectiveness by mapping the distribution of educational opportunities in Brazil based on data from the 2013 SAEB. To do so, we evaluated the opportunities of elementary school students to have access, according to their socioeconomic level (NSE), to more qualified teachers and schools with better physical, human and pedagogical resources. We have demonstrated that the student’s socioeconomic level is an important variable in the distribution of educational opportunities in Brazil, even in a context of expansion and universalization of access to elementary education.

KEYWORDS: SOCIO-EDUCATIONAL INEQUALITIES; SOCIO-ECONOMIC LEVEL; ELEMENTARY SCHOOL; BRAZIL

INTRODUÇÃO

Os primeiros estudos relevantes sobre eficácia escolar surgiram nos Estados Unidos e Inglaterra na década de 1960, em decorrência da preocupação desses países não só com a qualidade de seus sistemas educacionais, mas também pela forma como as oportunidades escolares estavam distribuídas (LIMA, 2011). A pesquisa sobre eficácia escolar busca identificar os fatores associados ao sucesso escolar, ou seja, encontrar escolas que sejam capazes de gerar os resultados esperados e determinar quais características se relacionam a esse resultado (RAUDENBUSH; WILLMS, 1995). Essa tradição de pesquisa também examina as desigualdades educacionais na medida em que pesquisadores têm procurado estabelecer uma relação entre determinados insumos e processos escolares em diferentes contextos e para diferentes grupos sociais (FARRELL, 1999).

Embora em quantidade inferior aos estudos realizados em outros países, a qualidade e a quantidade de trabalhos desenvolvidos no Brasil sobre eficácia escolar têm aumentado nos últimos anos. O desenvolvimento na década de 1990 do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) permitiu aos pesquisadores brasileiros conhecer de forma mais sistemática o nível socioeconômico dos alunos, as características das escolas e seus profissionais, bem como o desempenho dos estudantes em testes padronizados, constituindo a principal base de dados de estudos em eficácia escolar desenvolvidos no Brasil nos últimos anos (ALBERNAZ; FERREIRA; FRANCO, 2002; SOARES; ALVES, 2003; FRANCO; BONAMINO, 2006; ESPÓSITO; DAVIS; NUNES, 2000; BARBOSA; FERNANDES, 2001; FRANCO et al., 2005; SOARES, 2005, LOUZANO, 2007).

Além disso, ao longo das últimas décadas, uma série de medidas foram tomadas pelo governo no sentido de ampliar o acesso à educação no Brasil. O resultado dessas medidas levou a uma grande redução na desigualdade de acesso e conclusão do ensino fundamental, levando também a uma redução do efeito da renda sob esse nível de ensino (ARRETCHE, 2018). No entanto, apesar de a renda (ou do nível socioeconômico, especificamente) explicar menos o acesso ao ensino fundamental, verificamos se ele continua a ser determinante no quadro da distribuição das oportunidades educacionais.

Com base em produções bibliográficas relacionadas à temática da eficácia escolar e os dados do Saeb 2013, neste artigo buscamos analisar a desigualdade educacional no Brasil, tendo como objeto a distribuição das oportunidades educacionais para alunos do ensino fundamental - com base nos níveis socioeconômicos desses estudantes. Portanto, a pergunta que colocamos é a seguinte: como se dá a distribuição das oportunidades educativas no Brasil, medida pelos insumos e processos disponíveis para alunos do ensino fundamental de diferentes grupos sociais?

Neste trabalho, oportunidade educacional é compreendida enquanto a probabilidade de os alunos de diferentes níveis socioeconômicos terem acesso a professores mais qualificados e escolas com melhores recursos físicos, humanos e pedagógicos. Essa definição parte do debate teórico da literatura sobre escola eficaz, que, além de observar o nível socioeconômico do aluno e seus respectivos efeitos sobre o desempenho discente, confere importância à escola e ao professor no resultado final obtido pelos alunos.

Para este trabalho, portanto, são considerados os seguintes conjuntos de variáveis: I) escolaridade e experiência do professor, bem como sua expectativa em relação ao futuro escolar dos seus alunos; II) a frequência que o professor propõe dever de casa, corrige o dever de casa proposto e solicita que os alunos copiem textos e atividades do livro didático ou do quadro negro (lousa); III) a dificuldade de funcionamento da escola por insuficiência de recursos financeiros, inexistência de professores para algumas disciplinas ou séries, carência de pessoal administrativo, carência de pessoal de apoio pedagógico e falta de recursos pedagógicos.

O modelo de análise utilizado para a compreensão do papel dessas variáveis no nível socioeconômico baseia-se no trabalho desenvolvido por José Francisco Soares (2007, p. 139), que busca apresentar quais são “as várias inter-relações entre os fatores explicativos do aprendizado e destes com o resultado final, aqui tomado como o desempenho cognitivo”. Segundo o referido autor, inúmeros são os fatores que influenciam o desempenho escolar dos estudantes: a legislação e as políticas educacionais adotadas pelo Estado, a demanda social por competência e o envolvimento dos pais na vida escolar de seus filhos, por exemplo. Neste trabalho, entretanto, a atenção recai sobre as características do aluno (em especial, o seu nível socioeconômico, conectado aos recursos econômicos da família); o conhecimento, a experiência e o envolvimento do professor; e os recursos físicos, humanos e pedagógicos da escola. A escolha desses fatores justifica-se pelo debate teórico apresentado a seguir e pelos dados disponíveis nos questionários do Saeb 2013.

O EFEITO DA ESCOLA, DO PROFESSOR E DO NÍVEL SOCIOECONÔMICO DO ALUNO

No âmbito internacional, os primeiros e relevantes estudos sobre a eficácia escolar surgem no início da segunda metade do século XX, sobretudo em países como Estados Unidos e Inglaterra. Preocupados com a qualidade dos seus sistemas de ensino e com a forma como as oportunidades educacionais estavam distribuídas em seus territórios, estudos encomendados por instituições governamentais e conduzidos por pesquisadores estadunidenses (como James S. Coleman) e ingleses (como Bridget Plowden) concluíram que, no campo da distribuição das oportunidades educacionais, “a escola não faz diferença” (BROOKE; SOARES, 2008).

Contudo, na década de 1970, devido à inquietação de alguns dos pesquisadores da área educacional em relação às conclusões do Relatório Coleman sobre a contribuição da escola no desempenho dos alunos, novos estudos surgiram para contradizer a ideia de que “a escola não faz diferença”. Para Brooke e Soares (2008, p. 106):

[...] mesmo admitindo a grande relevância dos antecedentes sociais e econômicos dos alunos para a explicação dos seus resultados escolares, esses pesquisadores se propuseram a mostrar que as escolas não podiam ser tratadas como se fossem todas iguais.

Assim, ao criticarem, por exemplo, a escolha das variáveis por Coleman, a utilização de testes padronizados de desempenho para a composição dos resultados ou a dificuldade em especificar quais são os efeitos que cada uma das variáveis exerce sobre as demais, autores como Madaus, Rutter e Mortimore “deixam transparecer que, embora os efeitos do nível socioeconômico dos alunos não sejam desprezíveis, não se pode admitir que a escola faça pouca ou nenhuma diferença no sucesso escolar de sua clientela” (LIMA, 2011, p. 595).

A partir dessa “reação” aos primeiros estudos sobre eficácia escolar na década de 1960, uma série de novos trabalhos sobre o tema surgiu com o objetivo de incorporar “a ideia da eficácia escolar como um atributo da escola e não como característica de um conjunto de escolas ou do sistema como um todo” (BROOKE; SOARES, 2008, p. 218). A ideia central desses estudos, portanto, era demonstrar que escolas inseridas em um mesmo sistema ou conjunto educacional poderiam produzir resultados diferentes no que diz respeito ao desempenho de seus alunos1.

De modo ainda mais específico, nos últimos anos a literatura sobre a eficácia escolar tem procurado compreender qual o papel desempenhado pelo nível socioeconômico na definição da qualidade do ensino e na redução das desigualdades. De acordo com Soares (2005, p. 101-102),

O nível socioeconômico do aluno é, sabidamente, o fator de maior impacto nos resultados escolares de alunos. Esse é um constrangimento real, extra-escolar, que pode ajudar ou dificultar o aprendizado do aluno e que afeta diretamente o funcionamento e a organização das escolas e das salas de aula. Diminuir as diferenças entre a condição socioeconômica e cultural dos alunos de um sistema de ensino, através de políticas sociais, tem impacto nos resultados cognitivos dos alunos, ainda que não imediatamente.

Ao comparar a educação brasileira com o sistema de ensino cubano - país que apresenta maior homogeneidade de renda entre sua população -, Carnoy (2009) constata que, em testes de matemática, enquanto estudantes brasileiros e de outros países latino-americanos acertam 50% da prova, os alunos cubanos acertam em média mais de 84%; e, em testes de linguagem, enquanto o alunado brasileiro e latino-americano acerta 50% da prova, os estudantes cubanos acertam em média 90% do teste. Para Carnoy (2009), essa “vantagem acadêmica de Cuba” se explica pelo contexto social de inserção dos alunos, concluindo que a desigualdade e o contexto, por exemplo, explicam mais o desempenho dos estudantes do que a pobreza em si:

Em diversos contextos, a família com NSE baixo está associada a maior violência, menor acesso a educação na primeira infância, alimentação mais pobre e serviços de saúde piores [...]. Os estudantes das famílias com NSE baixo muitas vezes enfrentam pressões para trabalhar fora de casa após a aula [...]. Eles podem frequentar escolas em que os alunos de famílias com NSE baixo estejam concentrados. Carentes de grupos socialmente grandes de colegas e pais com maiores aspirações acadêmicas e sociais, os estudantes e seus professores, nessas escolas, muito provavelmente reforçam as baixas expectativas acadêmicas que a sociedade atribui aos jovens de baixa renda (SENNETT; COBB, 1973; WILLIS, 1981)2. Em comparação, o efeito da origem socioeconômica em nível escolar sobre o desempenho do estudante pode ser muito diferente em Cuba, pois suas famílias de baixa renda e menos instruídas enfrentam condições que são menos hostis ao sucesso acadêmico das crianças. As crianças cubanas podem se beneficiar não somente de pais mais educados e professores mais bem instruídos, mas também podem frequentar a escola em um ambiente social que fomenta o maior desempenho acadêmico de crianças de classe socioeconômica média e inferior. (CARNOY, 2000, p. 81-82)

Para além do efeito do nível socioeconômico, estudos mais recentes, no Brasil, têm buscado demonstrar a importância da escola e de seus recursos sobre o desempenho discente. Segundo um dos principais estudos de campo dessa área, desenvolvido por Albernaz, Ferreira e Franco (2002, p. 473-474):

[...] há escolas no Brasil onde as crianças estão aprendendo menos do que deveriam, por causa da insuficiência de recursos financeiros, da insuficiência de professores, de sua baixa escolaridade e de salas barulhentas e/ou abafadas. Não é preciso um grande esforço intelectual para discernir as implicações desse fato para a política pública, com consequências tanto para a eficácia quanto para a igualdade de oportunidades em nosso sistema educacional.

No referido estudo, Albernaz, Ferreira e Franco (2002) utilizam a base de dados do Saeb 1999 para analisar alguns dos insumos escolares (como a trajetória docente e os recursos escolares), e concluem que a diferença do desempenho entre as escolas do país ocorre principalmente pelas diferenças no nível socioeconômico médio dos alunos das escolas. Contudo,

[...] uma vez controlado esse efeito, diferenças na quantidade e qualidade dos insumos escolares ainda respondem por uma parcela significativa da diferença de desempenho entre as escolas. (ALBERNAZ; FERREIRA; FRANCO, 2002, p. 456)

Como um dos exemplos que levam a essa conclusão, Albernaz, Ferreira e Franco (2002, p. 472) constatam, por exemplo, que “quanto melhor for a infra-estrutura escolar, melhor será o ambiente de estudo para os alunos, o que irá favorecer o seu desempenho”. Em síntese, portanto, podemos dizer que “a qualidade dos professores e a qualidade da infraestrutura física das escolas afetam o rendimento de forma significativa” (SIMIELLI, 2015, p. 48).

Segundo Simielli (2015, p. 49), “dentre os recursos escolares, os professores são o fator mais importante”, considerando-se sua influência sobre o desempenho dos alunos e “quanto à sua proporção relativa no orçamento escolar”. Na análise da literatura nacional, constata-se que

[...] as características dos professores são as que possuem maior impacto sobre o desempenho dos alunos. O levantamento sobre o impacto dos recursos e processos demonstrou que, no Brasil, os professores possuem o maior efeito sobre os resultados dentre os recursos escolares. (SIMIELLI, 2015, p. 54)

Contudo, “não há um consenso sobre o que constitui um bom professor” (2005, p. 51). Como destaca Carnoy (2009, p. 77), uma série de

[...] estudos não conseguem localizar com precisão os elementos específicos (experiência docente, formação inicial e formação em serviço) que contribuem para que alguém seja um bom professor. Os bons professores parecem ser simplesmente bons professores.

No entanto, na tentativa de se compreender melhor os efeitos associados a esse elemento central do processo educativo, uma série de estudos se dedicam a avaliar a importância de características observáveis dos docentes.

Na vertente de estudos acima mencionada, o trabalho de Alves (2008) e Pereira (2006) demonstra que alunos de professores com formação superior, na maioria dos casos, apresentam resultados acima da média observada para todo o conjunto discente. Já a análise empírica de Albernaz, Ferreira e Franco (2002, p. 471) informa que “o aumento na escolaridade dos professores beneficia todos os alunos da escola”; entretanto, quanto maior o nível de escolaridade do professor, mais relevante será o impacto do nível socioeconômico do aluno em seu desempenho escolar. Desse modo, “professores mais qualificados contribuem para o aprendizado de todos, mas de forma mais efetiva para o dos alunos de nível socioeconômico mais elevado” (ALBERNAZ; FERREIRA; FRANCO, 2002, p. 471).

O trabalho de Albernaz, Ferreira e Franco (2002, p. 468) ainda demonstra o resultado da experiência escolar do docente sob o desempenho de seus alunos:

Na literatura das funções de produção da educação, a variável escolar que se mostrou significativa um maior número de vezes para explicar a variância do desempenho dos alunos foi a experiência do professor. No contexto educacional brasileiro, essa variável não parece ser relevante, pois em nenhum momento foi significativa: nem na modelagem do intercepto, nem na da inclinação.

DESIGUALDADE ECONÔMICA E PANORAMA EDUCACIONAL DO BRASIL

Desde o final do século XX, o grau da desigualdade de distribuição de renda no Brasil tem apresentado algumas quedas. Se entre as décadas de 1970 e 1990 o grau da desigualdade de renda brasileira permaneceu praticamente estável - o coeficiente de Gini em 1977 era 0,62, e, em 1998, era 0,60 -, após a consolidação do Plano Real, a introdução de programas sociais (como o Bolsa Família) e a política constante de valorização do salário mínimo permitiram que a diferença de renda entre as classes sociais fosse reduzida (SOARES, 2010; ARRETCHE, 2014).

Entre 2001 e 2006, o coeficiente de Gini brasileiro caiu, em média, 0,7 ponto ao ano, apresentando um ritmo de queda superior ao observado na maioria dos países europeus durante a implementação do estado de bem-estar social (SOARES, 2010). Ainda, segundo Arretche (2018, p. 7):

No período democrático contemporâneo (1985-2015), os estratos inferiores de renda obtiveram proporcionalmente mais do que os estratos superiores. A renda dos domicílios do 3° ao 6° vintis cresceu 160%. Os ganhos relativos dos domicílios localizados no 16° vintil foram similares aos do 1° vintil: 100%. Os mais baixos ganhos foram obtidos pelos domicílios acima do 16° vintil.

Contudo, para além da dimensão monetária da renda, a análise sobre a desigualdade pode incorporar elementos não monetários, dado que o acesso a serviços como educação, saúde e proteção social exercem influência sobre a renda das famílias e dos indivíduos (ARRETCHE, 2018). Nesse sentido, dado o foco deste trabalho, privilegiaremos a dimensão da educação (não monetária) para verificar como ela se relaciona ao nível socioeconômico dos alunos e à distribuição das oportunidades educacionais.

Nos últimos anos, o Brasil tem registrado avanços significativos nos índices que medem fatores associados ao desempenho do sistema de ensino. As reformas educacionais iniciadas em diferentes esferas governamentais, sobretudo a partir da promulgação da Constituição de 1988, levaram a mudanças consideráveis no quadro geral da educação nacional.

De acordo com Arretche (2002, p. 444),

[...] a Constituição Federal de 1988 havia estabelecido que a oferta de matrículas no nível fundamental deveria ser universal e oferecida preferencialmente pelos governos municipais. Além disso, obrigava governos estaduais e municipais a gastar 25% de suas receitas de impostos e transferências em ensino. Essa regra de vinculação de gastos deu origem a uma expansão generalizada - por parte de governos estaduais e municipais - da oferta de matrículas em todos os níveis de ensino - infantil, fundamental, médio e, até mesmo, superior.

De forma análoga, após as modificações introduzidas pelo texto constitucional de 1988, outras grandes reformas na educação foram implementadas pelo governo federal nos anos seguintes e levaram à ampliação do sistema de ensino nacional. Em 1996, por exemplo, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 14 que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que alterou a estrutura de distribuição de recursos e de financiamento do ensino fundamental no país, destinando 15% da arrecadação global de estados e municípios para investimento nas 1ª a 8ª séries do antigo 1º grau. Em 2006, durante o governo de Luís Inácio Lula da Silva, com a Emenda Constitucional n. 53, o Fundef foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que passou a incluir o ensino infantil e o ensino médio, além de aumentar para 25% a parcela da arrecadação global que estados e municípios devem direcionar ao fundo.

Além de alterações no sistema de financiamento, o governo também adotou outras medidas, como a elaboração de planos decenais para articular os entes federativos e organizar a educação nacional. E ainda nos anos finais do século anterior, outras políticas públicas foram adotadas por gestores do Estado para reformar a educação no Brasil. Segundo Louzano (2007, p. 23, tradução nossa),

[…] o governo federal tentou aumentar a qualidade da educação aprovando uma nova legislação educacional (MEC, 1996) que proporcionava autonomia aos municípios e estados para organizar seus sistemas em ciclos em vez de séries e, se preferissem, adotar a promoção social como um meio de evitar repetições, interrupções e desistências. A nova legislação também estabeleceu uma base nacional curricular comum, a ser complementada pelos sistemas estaduais e municipais, assim como um sistema nacional de avaliação para monitorar a qualidade da educação do país.3

Com a adoção das medidas mencionadas e de outras políticas públicas, algumas alterações foram observadas nos índices oficiais que buscam medir o desempenho do sistema de ensino do país. Em 2005, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nacional para os anos iniciais do ensino fundamental ficou em 3,8 pontos (numa escala de 0 a 10); em 2013, a média registrada para o mesmo índice foi de 5,2; já para os anos finais do ensino fundamental, o índice subiu de 3,5 para 4,2. Além disso, entre os dois anos, o avanço no índice foi observado em todas as unidades federativas do país4.

No mesmo sentido, os principais indicadores estatísticos da educação brasileira revelam que, nas últimas décadas, houve avanços positivos: nos anos iniciais do ensino fundamental, a taxa de aprovação subiu de 81,6% (2005) para 92,7% (2013); nos anos finais do ensino fundamental, para o mesmo período, o avanço foi de 77% para 85,1%. Já a taxa de abandono escolar, nos anos iniciais, passou de 1,8% (2010) para 1,2% (2013), e de 4,7% (2010) para 3,6% (2013) nos anos finais5.

No entanto, os dados apresentados acima representam uma média, e não mostram como os resultados estão distribuídos entre os diferentes grupos dentro do território nacional, bem como os insumos e processos disponíveis aos diferentes estudantes brasileiros. Além disso,

[...] qualquer política para melhorar a qualidade da educação básica em um país altamente desigual como o Brasil deve considerar o papel das escolas na redução da importância entre os resultados discentes [...] e os antecedentes sociais e demográficos dos estudantes.6 (LOUZANO, 2007, p. 17, tradução nossa)

Nesse sentido, com o intuito de contribuir com esta investigação, prosseguiremos com a análise empírica das variáveis selecionadas dos questionários do Saeb a fim de observar como questões relacionadas à escola (sobretudo) podem agir sobre o processo de distribuição das oportunidades educacionais.

METODOLOGIA

O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica foi instituído na década de 1990. Trata-se de uma pesquisa bienal que tem o objetivo central de coletar e produzir informações sobre a realidade educacional brasileira. Desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC), o exame é aplicado em alunos do 5º e 9º anos do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio (e em amostra para estudantes de escolas particulares). O exame, essencialmente, consiste na avaliação da proficiência de alunos de escolas públicas e privadas em Matemática e Língua Portuguesa (leitura). Além disso, por meio de questionários específicos, o exame também investiga junto a alunos, professores e diretores informações sobre as características socioeconômicas dos alunos, a experiência e formação docente e os recursos da escola.

Como vimos na breve revisão da literatura, alguns dos fatores que exercem influência sobre o desempenho cognitivo do aluno, avaliaremos a distribuição das oportunidades educacionais no Brasil (para os anos iniciais e finais do ensino fundamental, especificamente) a partir da comparação entre alguns fatores escolares e o nível socioeconômico. Para isso utilizaremos como base algumas das perguntas e respostas coletadas pelo Saeb nos questionários do professor e do diretor, relacionando essas informações ao nível socioeconômico do aluno.

O nível socioeconômico do aluno foi calculado a partir de perguntas por eles respondidas durante a aplicação do Saeb 2013. Para a elaboração de um índice que permitisse organizar os alunos em classes sociais, utilizamos o Critério de Classificação Econômica Brasil (ou, simplesmente, Critério Brasil) de 2013 (mesmo ano da base de dados do Saeb utilizado na pesquisa), desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep). Seguindo as diretrizes do Critério Brasil - que considera a posse de bens, e não a renda familiar -, selecionamos questões relacionadas à quantidade de bens e escolaridade da família (televisão, rádio, DVD, geladeira, freezer, máquina de lavar, carro, banheiro, presença de empregado doméstico e anos de estudo dos pais)7 e atribuímos “pontos” à presença ou ausência desses itens8. Com a pontuação final obtida por cada aluno, utilizamos os critérios da ABEP para separar os indivíduos em cinco diferentes clusters de nível socioeconômico (A, B, C, D e E).

Após a classificação dos alunos segundo o nível socioeconômico, recorremos aos questionários respondidos por professores e diretores, selecionando questões que tratassem dos três conjuntos de variáveis já citados9.

Por fim, relacionamos os dados obtidos dos três questionários (aluno, professor e diretor) para verificar a distribuição das oportunidades educacionais no Brasil com base no recorte retratado anteriormente. Para o tratamento estatístico dos dados, por meio de tabelas de contingência, utilizamos o software Stata.

O QUE REVELAM OS DADOS DO SAEB 2013

Características das escolas

Segundo as informações disponíveis no banco de dados do Saeb 2013 para o 5º ano, 2.524.125 alunos responderam ao questionário; já para o 9º ano, houve 2.720.588 respostas10. Contudo, desconsiderando-se os dados faltantes (missing values) das variáveis selecionadas para a construção do nível socioeconômico e valendo-se das variáveis “Peso do Aluno em Língua Portuguesa” ou “Peso do Aluno em Matemática”11, o número de observações disponíveis para a análise, respectivamente, é de 1.091.565 e 1.522.848.

TABELA 1 Classificação dos alunos segundo o nível socioeconômico  

SÉRIE CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano 94458,02 467652,6 441655,7 77396,58 10402,06 1091565
8,65% 42,84% 40,46% 7,09% 1,95% 100,00%
9º ano 113853 666977,1 627841 103302,5 10874,53 1522848
7,48% 43,80% 41,23% 6,78% 0,71% 100,00%

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

Como apresentado na Tabela 1, há uma predominância de alunos das classes B e C nos dois anos (sem grandes diferenças proporcionais entre 5º e 9º ano). Em contrapartida, as classes A, D e E exibem representação menos expressiva no conjunto de dados disponível para análise. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (2013), estima-se que a renda bruta familiar mensal da classe A seja igual ou maior a R$9.263, que a da classe B varie entre R$2.654 e R$5.241, que a da classe C varie entre R$1.147 e R$1.685, e que a da classe D e E seja de R$776 (em 2013, para efeito de comparação, o valor do salário mínimo era de R$678,00).

Com relação à dependência administrativa, nota-se que a grande maioria dos alunos (82,85% do 5º ano e 84,82% do 9º ano) frequenta escolas públicas de administração municipal, estadual ou federal. Entretanto, dentre os 17,15% de alunos de 5º ano e os 15,18% do 9º ano que estudam em instituições privadas, perto de 88% pertencem às classes A e B (quando reunidas).

TABELA 2 Distribuição percentual dos alunos por dependência administrativa, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Pública 34,12 77,46 95,72 99,25 99,49 82,85
Privada 65,88 22,54 4,28 0,75 0,51 17,15
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Pública 31,27 80,25 96,67 99,39 98,49 84,82
Privada 68,74 19,75 3,32 0,61 1,51 15,18
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

Comparação entre características das escolas e o nível socioeconômico dos alunos

Para examinar certas características associadas à escola, avaliamos algumas das respostas concedidas pelos diretores a respeito de suas escolas. No Saeb 2013, 56.737 diretores de escolas de ensino fundamental responderam ao questionário.

Em relação a eventuais problemas da escola e dificuldades de gestão, observamos para o 5º e o 9º ano que quanto mais alto o nível socioeconômico do aluno, menor a probabilidade de que o funcionamento da sua escola seja dificultado por insuficiência de recursos financeiros - sendo que, no total das observações, pouco mais da metade das escolas informaram não passar por tal problema (50,82% para o 5º ano e 51,64% para o 9º ano).

TABELA 3 Distribuição percentual dos alunos por grau de insuficiência de recursos financeiros, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS FINANCEIROS CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Não 68,14 53,14 46,36 43,37 36,76 50,82
Sim, pouco 15,49 21,94 24,29 26,18 32,29 22,74
Sim, moderadamente 13,03 18,29 20,76 20,81 18,59 19,03
Sim, muito 3,34 6,63 8,60 9,64 12,36 7,41
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Não 69,94 53,66 47,75 43,58 43,04 51,64
Sim, pouco 13,17 21,10 23,70 25,64 28,41 21,96
Sim, moderadamente 11,95 18,05 20,57 21,55 20,33 18,90
Sim, muito 4,93 7,20 7,98 9,23 8,22 7,50
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

No que se refere à variável “insuficiência de professores para algumas disciplinas ou séries”, a distribuição parece não seguir a mesma regra: os estudantes das classes D e E apresentam, em alguns casos, menor probabilidade de ocorrência desse problema do que o observado para as classes B e C (em que, reunidas, concentram mais de 80% da amostra). Importante destacar também que no 5º ano a insuficiência de professores é um problema menos grave (“não” aparece em 59,79% das respostas) do que no 9º ano (“não” cai para 43,44%, indicando um aumento do número de diretores que afirmaram a existência do referido problema).

TABELA 4 Distribuição percentual dos alunos pela inexistência de professores para algumas disciplinas ou séries, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE INEXISTÊNCIA DE PROFESSORES PARA ALGUMAS DISCIPLINAS OU SÉRIES CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Não 74,38 59,54 56,71 61,22 61,95 59,79
Sim, pouco 15,02 22,32 23,98 22,39 24,70 22,40
Sim, moderadamente 7,31 11,50 12,36 10,75 8,52 11,41
Sim, muito 3,30 6,64 6,95 5,64 4,83 6,39
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Não 68,14 42,62 39,02 47,86 53,29 43,44
Sim, pouco 18,56 30,13 31,87 28,78 29,53 29,90
Sim, moderadamente 8,91 16,46 17,64 14,59 10,58 16,23
Sim, muito 4,39 10,80 11,47 8,76 6,60 10,43
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

Em relação à carência de pessoal administrativo, o 5º ano aparece com uma porcentagem de “não” (58,69%) maior do que a do 9º ano (50,03%) - este problema, portanto, parecer ser mais recorrente nos anos finais do ensino fundamental. Quanto ao nível socioeconômico, se agruparmos todas as categorias de “sim”, observaremos para o 5º ano que, quanto mais alta a classe social, menor será a probabilidade da ocorrência de carência de pessoal administrativo: a classe E (51,5%) é a mais afetada, seguida da D (46,78%), C (46,29%), B (39,45%) e A (21,44%); para o 9º ano, a relação se mantém quase a mesma, dado que a classe C aparece como a mais prejudicada na análise da referida variável: C (55,36%), E (52,68%), D (51,08%), B (48,72%) e A (24,94%).

TABELA 5 Distribuição percentual dos alunos por carência de pessoal administrativo, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE CARÊNCIA DE PESSOAL ADMINISTRATIVO CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Não 78,57 60,55 53,71 53,22 48,51 58,69
Sim, pouco 12,08 20,64 23,76 24,69 30,93 21,55
Sim, moderadamente 5,38 10,31 11,90 11,20 11,04 10,60
Sim, muito 3,98 8,50 10,63 10,89 9,53 9,16
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
SÉRIE CARÊNCIA DE PESSOAL ADMINISTRATIVO CLASSE TOTAL
A B C D E
9º ano Não 75,06 51,28 44,64 48,07 47,32 50,03
Sim, pouco 13,66 23,91 25,60 25,01 26,55 23,95
Sim, moderadamente 6,21 13,02 15,16 13,63 16,38 13,47
Sim, muito 5,06 11,79 14,60 13,30 9,75 12,55
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

Sobre as variáveis “carência de pessoal de apoio pedagógico” e “falta de recursos pedagógicos”, notamos um comportamento semelhante entre as duas: quanto menor o nível socioeconômico do aluno, maior a probabilidade de ele pertencer a uma escola que apresente esses problemas - a porcentagem de “não”, por exemplo, sobe conforme vamos da classe E para a classe A (com uma única exceção da classe C, no 9º ano, para a variável “carência de pessoal de apoio pedagógico”). Na comparação entre os anos do fundamental, constatamos que os referidos problemas são mais frequentes no 9º do que no 5º ano.

TABELA 6 Distribuição percentual dos alunos por carência de pessoal de apoio pedagógico, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE CARÊNCIA DE PESSOAL DE APOIO PEDAGÓGICO CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Não 79,95 63,20 55,15 52,44 42,37 60,43
Sim, pouco 9,66 18,15 21,56 22,33 27,32 19,18
Sim, moderadamente 6,28 10,28 11,97 12,14 11,80 10,76
Sim, muito 4,11 8,37 11,32 13,09 18,51 9,62
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Não 78,05 58,51 49,40 45,35 38,83 55,14
Sim, pouco 11,33 19,45 21,97 23,17 21,05 20,16
Sim, moderadamente 5,77 11,37 13,92 15,30 21,00 12,35
Sim, muito 4,85 10,67 14,72 16,17 19,12 12,35
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

TABELA 7 Distribuição percentual dos alunos por falta de recursos pedagógicos, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE FALTA DE RECURSOS PEDAGÓGICOS CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Não 81,11 66,50 58,54 53,97 49,06 63,49
Sim, pouco 12,39 21,09 24,68 26,77 24,66 22,23
Sim, moderadamente 5,45 9,86 12,77 13,76 18,15 11,01
Sim, muito 1,05 2,55 4,02 5,50 8,13 3,28
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Não 80,40 63,17 55,73 49,91 43,77 60,32
Sim, pouco 12,88 23,01 26,13 27,49 29,14 23,90
Sim, moderadamente 5,42 10,67 13,79 15,91 19,51 12,00
Sim, muito 1,30 3,15 4,36 6,69 7,59 3,79
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

Comparação entre características dos professores e o nível socioeconômico

Na edição de 2013, para todo o ensino fundamental, 109.658 professores responderam aos questionários do Saeb.

Após a análise de um conjunto de variáveis associadas aos docentes, verificamos para o 5º e 9º anos que, quanto mais baixo for o nível socioeconômico do aluno, maior a probabilidade de que ele tenha um professor cuja formação não supere o nível médio. Agrupadas as três primeiras categorias que aparecem na Tabela 8, notamos que a proporção de docentes com formação no ensino médio, de acordo com as classes, é a seguinte para o 5º ano: E (24,63%), D (18,26%), C (12,27%), B (9,64%), A (5,62%); e para o 9º ano, respectivamente, E (24,46%), D (17,05%), C (11,58%), B (8,57%), A (2,79%). Em contraste, quanto mais alto o nível socioeconômico, maiores são as oportunidades de os alunos terem como professor um docente formado em Pedagogia. Já a distribuição de professores com licenciatura apresenta maior uniformidade entre as cinco classes analisadas, com pouca variação percentual entre os grupos (com exceção do 9º ano, classe A e docente com “Ensino superior - Licenciatura”, que apresenta proporção maior em relação aos demais).

TABELA 8 Distribuição percentual dos alunos por nível de escolaridade do professor, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE NÍVEL DE ESCOLARIDADE DO PROFESSOR CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Menos que o Ensino Médio (antigo 2.º grau) 0,06 0,14 0,17 0,25 0,51 0,16
Ensino Médio - Magistério (antigo 2.º grau) 4,55 8,13 10,39 15,79 20,63 9,37
Ensino Médio - Outros (antigo 2.º grau) 1,01 1,37 1,71 2,22 3,49 1,56
Ensino Superior - Pedagogia 60,66 56,62 53,35 47,15 41,22 54,86
Ensino Superior - Curso Normal Superior 4,60 6,58 7,52 7,40 6,96 6,85
Ensino Superior - Licenciatura 26,28 23,48 23,24 23,75 24,45 23,65
Ensino Superior - Outras áreas 2,83 3,67 3,62 3,37 2,74 3,55
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Menos que o Ensino Médio (antigo 2.º grau) 0,06 0,18 0,18 0,12 0,18 0,16
Ensino Médio - Magistério (antigo 2.º grau) 2,21 7,11 9,67 13,78 19,37 8,11
Ensino Médio - Outros (antigo 2.º grau) 0,52 1,28 1,73 3,15 4,91 1,52
Ensino Superior - Pedagogia 58,52 57,25 53,44 45,43 36,51 55,02
Ensino Superior - Curso Normal Superior 4,19 6,96 8,97 9,93 12,27 7,68
Ensino Superior - Licenciatura 32,56 24,02 22,49 23,58 20,58 24,25
Ensino Superior - Outras áreas 1,94 3,19 3,51 3,99 6,18 3,26
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

Com relação à experiência docente, verificamos para o 5º ano que a maioria dos estudantes da classe E (63,54%) e D (54,24%) tem aulas com docentes com 3 a 15 anos de experiência - o mesmo foi constatado para a classe E do 9º ano (60,31%). Já o grupo de estudantes da classe C do 5º ano e da classe D do 9º ano apresentam uma distribuição mais igualitária entre as faixas de anos de experiência, com valores mais concentrados entre docentes que possuem: de 3 a 10 anos (26,91%), de 11 a 15 anos (21,65%) e mais de 20 anos (28,17%) para os anos iniciais; e de 3 a 10 anos (26,98%), de 11 a 15 anos (23,04%) e mais de 20 anos (24,01%) para os anos finais do ensino fundamental. Ainda constatamos para o 5º e 9º anos do ensino fundamental que, quanto mais alto o nível socioeconômico do aluno, maior a oportunidade de que o seu professor tenha mais de 20 anos de experiência em lecionar.

TABELA 9 Distribuição percentual dos alunos pelo tempo que o professor trabalha como docente, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE TEMPO QUE TRABALHA COMO PROFESSOR CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano 0 a 2 anos 4,08 5,85 6,35 7,01 8,52 6,00
3 a 10 anos 25,30 27,51 26,91 29,03 32,64 27,23
11 a 15 anos 13,24 18,99 21,65 25,21 30,90 20,11
16 a 20 anos 16,57 16,42 16,92 16,70 13,16 16,63
Mais de 20 anos 40,81 31,24 28,17 22,05 14,78 30,03
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano 0 a 2 anos 5,10 6,69 7,18 8,82 7,38 6,86
3 a 10 anos 21,60 26,14 25,93 26,98 37,02 25,73
11 a 15 anos 13,99 17,64 20,39 23,04 23,29 18,73
16 a 20 anos 17,53 14,90 16,11 17,14 15,26 15,79
Mais de 20 anos 41,78 34,62 30,38 24,01 17,05 32,88
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

Com relação às práticas pedagógicas, os dados revelam para ambas as séries que a maior parte dos professores, para alunos de todas as classes sociais, propõe dever de casa diariamente - mesmo que essa proporção seja maior para estudantes da classe A (80,71% do 5º ano e 82,15% do 9º ano) e relativamente menor para alunos das outras classes. A grande maioria dos professores também disse corrigir diariamente os deveres de casa propostos. Para essa variável, observamos distribuições de frequência muito semelhantes entre alunos da classe B e C (73,87% e 73,44%, para o 5º ano, e 74,94% e 73,95%, para o 9º ano) e entre estudantes das classes A e E (82,54% e 80,30% para o 5º ano, e 82,84% e 79,64% para o 9º ano).

Contudo, constatamos que, quanto mais baixo o nível socioeconômico do aluno, maior a probabilidade de que ele tenha que copiar diariamente textos e atividades do livro didático ou do quadro negro (lousa) - nesse caso, a diferença de proporção entre as classes A (que menos copia) e E (que mais copia) para o 5º ano é de 18,22%; já para o 9º ano, a classe E (53,51%) foge a essa observação, apresentando proporção de cópia diária inferior à classe D (59,79%) e próximo da classe C (53,55%).

TABELA 10 Distribuição percentual dos alunos pela frequência que o professor propõe dever de casa, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE FREQUÊNCIA QUE O PROFESSOR PROPÕE DEVER DE CASA CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Nunca 0,58 1,01 1,04 0,73 0,66 0,96
De 1 a 4 vezes por ano 0,83 1,11 1,21 1,06 0,88 1,12
Mensalmente 1,28 2,92 3,45 2,95 3,26 2,99
Semanalmente 16,59 25,34 26,30 23,65 25,67 24,86
Diariamente 80,71 69,62 68,00 71,60 69,53 70,06
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Nunca 0,48 0,90 0,82 0,84 0,76 0,82
De 1 a 4 vezes por ano 1,19 1,21 1,35 0,84 0,62 1,24
Mensalmente 0,88 2,57 3,26 2,69 3,80 2,69
Semanalmente 15,30 25,29 26,40 21,85 22,50 24,46
Diariamente 82,15 70,02 68,17 73,78 72,32 70,79
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

TABELA 11 Distribuição percentual dos alunos pela frequência que o professor corrige o dever de casa proposto, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE FREQUÊNCIA QUE O PROFESSOR CORRIGE O DEVER DE CASA PROPOSTO CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Nunca 0,59 1,01 0,96 0,63 0,54 0,92
De 1 a 4 vezes por ano 0,63 0,76 0,87 0,61 0,40 0,78
Mensalmente 1,02 2,31 2,66 2,12 2,06 2,33
Semanalmente 15,21 22,05 22,07 18,88 16,70 21,19
Diariamente 82,54 73,87 73,44 77,75 80,30 74,78
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Nunca 0,86 0,98 0,82 0,76 0,70 0,89
De 1 a 4 vezes por ano 0,70 0,83 0,99 0,60 0,16 0,86
Mensalmente 0,73 2,05 2,52 1,76 2,41 2,08
Semanalmente 14,86 21,19 21,72 17,67 17,04 20,49
Diariamente 82,84 74,94 73,95 79,21 79,69 75,68
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

TABELA 12 Distribuição percentual dos alunos pela frequência que o professor solicita que os alunos copiem textos e atividades do livro didático ou do quadro negro, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE FREQUÊNCIA DE SOLICITAÇÃO DE CÓPIA DE TEXTOS E ATIVIDADES DO LIVRO DIDÁTICO OU DO QUADRO NEGRO CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Nunca 5,05 5,08 3,85 2,81 1,75 4,39
De 1 a 4 vezes por ano 5,12 3,92 3,24 2,65 1,72 3,64
Mensalmente 7,90 7,62 6,68 5,99 5,08 7,13
Semanalmente 35,04 33,04 31,12 28,56 26,33 32,06
Diariamente 46,90 50,33 55,12 59,99 65,12 52,78
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Nunca 4,95 4,53 3,53 2,67 2,51 4,05
De 1 a 4 vezes por ano 4,54 4,11 3,36 2,68 1,40 3,75
Mensalmente 6,69 7,93 6,70 5,43 3,41 7,13
Semanalmente 36,81 35,74 32,86 29,42 39,17 34,34
Diariamente 47,01 47,69 53,55 59,79 53,51 50,73
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

Por fim, com relação à expectativa dos professores quanto à trajetória educacional futura de seus alunos, observa-se que quanto mais alto o nível socioeconômico do aluno, maior será a expectativa do docente em relação ao futuro escolar de seus estudantes. Para o 5º ano, enquanto professores de alunos da classe A acreditam que 95,54% deles terminarão o 5º ano no mesmo ano de aplicação da prova, 92,49% concluirão o ensino fundamental, 83,31% terminarão o ensino médio e 64,99% entrarão na universidade, as proporções da mesma lista de expectativas para alunos da classe E são, respectivamente, 64,8%, 55,8%, 37,76% e 8,89%. Para o 9º ano, o cenário é semelhante: professores com alunos da classe A acreditam que 95,48% dos seus discentes concluam o ensino fundamental no mesmo ano de aplicação da prova, 89,72% concluam o ensino médio e 77,26% entrem na universidade; já as proporções dessas expectativas caem para as classes sociais mais baixas - para alunos da classe E, estes números são, respectivamente, 53,20%, 38,96% e 9,64%.

TABELA 13 Distribuição percentual dos alunos quanto às expectativas do professor a respeito da trajetória educacional futura dos alunos, segundo o ano escolar e a classificação socioeconômica 

SÉRIE EXPECTATIVA QUE OS ALUNOS CONCLUAM O 5º ANO NAQUELE ANO CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Poucos alunos 0,45 0,79 1,21 2,19 4,03 1,06
Um pouco menos da metade dos alunos 1,57 1,75 2,43 3,91 9,77 2,24
Um pouco mais da metade dos alunos 2,45 6,19 11,66 18,37 21,40 9,08
Quase todos os alunos 95,54 91,27 84,69 75,54 64,80 87,63
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
               
SÉRIE EXPECTATIVA QUE OS ALUNOS CONCLUAM O ENSINO FUNDAMENTAL CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Poucos alunos 0,24 0,59 1,23 2,81 9,19 1,05
Um pouco menos da metade dos alunos 1,04 2,48 4,12 6,31 7,23 3,33
Um pouco mais da metade dos alunos 6,24 15,86 23,91 27,41 27,78 19,17
Quase todos os alunos 92,49 81,07 70,74 63,47 55,80 76,45
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Poucos alunos 0,12 0,65 1,07 1,45 1,43 0,82
Um pouco menos da metade dos alunos 0,75 2,50 4,32 6,41 9,22 3,33
Um pouco mais da metade dos alunos 3,65 13,16 22,66 26,99 36,15 16,93
Quase todos os alunos 95,48 83,68 71,95 65,15 53,20 78,93
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
               
SÉRIE EXPECTATIVA QUE OS ALUNOS CONCLUAM O ENSINO MÉDIO CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Poucos alunos 0,72 1,98 3,28 5,05 11,63 2,70
Um pouco menos da metade dos alunos 2,89 7,37 11,40 13,33 15,67 9,09
Um pouco mais da metade dos alunos 13,08 29,15 37,64 39,01 34,94 31,91
Quase todos os alunos 83,31 61,51 47,67 42,61 37,76 56,29
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Poucos alunos 0,35 2,08 3,15 3,96 5,74 2,47
Um pouco menos da metade dos alunos 1,64 6,38 11,18 13,09 11,18 8,23
Um pouco mais da metade dos alunos 8,30 25,47 36,92 37,52 44,12 29,07
Quase todos os alunos 89,72 66,06 48,76 45,43 38,96 60,24
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
               
SÉRIE EXPECTATIVA QUE OS ALUNOS ENTREM NA UNIVERSIDADE CLASSE TOTAL
A B C D E
5º ano Poucos alunos 6,88 17,87 25,91 29,14 31,42 21,07
Um pouco menos da metade dos alunos 8,19 20,30 26,08 28,21 34,95 22,27
Um pouco mais da metade dos alunos 19,94 33,24 33,63 30,91 24,74 32,00
Quase todos os alunos 64,99 28,58 14,38 11,74 8,89 24,66
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
9º ano Poucos alunos 4,23 15,99 25,51 29,44 27,52 19,45
Um pouco menos da metade dos alunos 5,21 18,15 25,62 26,14 30,98 20,34
Um pouco mais da metade dos alunos 13,30 31,28 33,28 32,39 31,85 30,30
Quase todos os alunos 77,26 34,58 15,59 12,03 9,64 29,91
Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Fonte: Dados do Saeb 2013 (elaborada pelos autores).

ANÁLISE DOS RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Realizada a análise descritiva das variáveis selecionadas para o estudo, passamos agora para o detalhamento de alguns resultados e para conclusões possíveis de serem obtidas após a verificação empírica dos dados. Neste trabalho partimos da ideia debatida pela literatura de que o nível socioeconômico do aluno é importante no que diz respeito ao seu acesso às oportunidades educacionais, mas que, controlados os efeitos do NSE, a escola e os professores também fazem a diferença nesse processo. Dessa forma, relacionamos o nível socioeconômico do aluno a variáveis que se referem à escola e aos docentes, para compreender de que forma os alunos do ensino fundamental no Brasil têm acesso a professores mais qualificados e escolas com melhores condições de recursos físicos, humanos e pedagógicos.

Como previsto, de acordo com a revisão da literatura nacional e internacional aqui apresentada, o nível socioeconômico do aluno aparece como uma variável que atua ainda de forma relevante sobre a distribuição das oportunidades educacionais no Brasil. A classe social do estudante, segundo os resultados obtidos, influencia em maior ou menor grau a probabilidade de o aluno: (1) estudar em escola pública ou privada; (2) estudar em instituições que apresentem ou não problemas como insuficiência de recursos financeiros, carência de pessoal administrativo (mais para o 5º do que para o 9º ano), carência de pessoal de apoio pedagógico ou falta de recursos pedagógicos; (3) ter ou não ter professores com formação acadêmica adequada; (4) ter como docente um profissional mais experiente; (5) ter que copiar em maior ou menor medida textos e atividades do livro didático ou do quadro negro (lousa); e, por fim, (6) ter expectativa maior ou menor dos professores em relação ao seu futuro escolar.

A importância do nível socioeconômico na explicação de fatores associados à distribuição das oportunidades educacionais para o caso brasileiro já foi constatada por autores como Albernaz, Ferreira e Franco (2002), Soares (2007), Louzano (2007), Carnoy (2009) e Simielli (2015), conforme exposto na parte de revisão da literatura. Simielli (2015 p. 76), por exemplo, menciona entre as principais conclusões de seu trabalho que “o nível socioeconômico mostrou-se mais relevante na determinação das oportunidades educacionais em comparação à cor/raça ou gênero dos alunos”.

Segundo algumas das constatações apresentadas neste trabalho, as escolas que concentram estudantes de classes mais baixas possuem maiores chances de enfrentarem problemas como insuficiência de recursos financeiros, carência de pessoal administrativo e carência de pessoal de apoio pedagógico. De forma análoga, Albernaz, Ferreira e Franco (2002) constataram em sua análise empírica a “insuficiência de recursos financeiros” e a “insuficiência de professores” como problemas da escola relacionados ao nível socioeconômico dos alunos e que os impedem de obter um desempenho escolar superior.

A análise aqui apresentada também demonstrou que, quanto mais baixo o nível socioeconômico do aluno, maior a probabilidade de que ele tenha um professor que tenha formação que não supere o nível médio. Segundo o Ministério da Educação, no âmbito da formação docente, os profissionais habilitados para lecionar nos anos iniciais do ensino fundamental são aqueles formados em licenciaturas, Pedagogia ou curso Normal Superior. O Magistério, por ser um curso de nível médio, apenas “habilita o professor para lecionar na Educação Infantil” (BRASIL, 2015). Contudo, mesmo que parte considerável dos professores das classes C, D e E já possuam a formação indicada pelo MEC, a incidência de professores com formação de nível médio (seja magistério ou apenas ensino médio) ainda é maior para as classes mais baixas. O mesmo resultado foi constatado por Carnoy (2009, p. 129): “os professores com formação em escola normal ou magistério também apresentam maior probabilidade de ensinar em regiões e escolas de renda mais baixa”.

Quanto à incidência de professores com formação em Pedagogia no 9º ano (mais de 50%), este foi um achado interessante, dado que, segundo o MEC, esse curso habilita o professor a lecionar apenas no ensino infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; a formação recomendada para os anos finais são as Licenciaturas. Um estudo mais detalhado sobre esse ponto, portanto, precisaria ser efetuado para compreender o porquê dessa ocorrência.

Carnoy (2009) também nos auxilia a compreender os fenômenos relacionados às práticas pedagógicas dos professores. Como constatado a partir da análise dos dados do Saeb 2013, quanto mais baixo o nível socioeconômico, maior a probabilidade de que o aluno tenha que copiar diariamente textos e atividades do livro didático ou do quadro negro (lousa). De modo semelhante, ao comparar Brasil, Chile e Cuba, o pesquisador estadunidense verificou que “os estudantes brasileiros despendem muito mais tempo copiando instruções. [...] O fato de ter de copiar problemas de matemática da lousa antes de começar a solucioná-los afeta, sem dúvida, o uso do tempo da aula” 12 (2009, p. 171).

Ainda no campo das práticas pedagógicas, a análise descritiva revelou que o nível socioeconômico explica pouco o fato de o professor propor e corrigir os deveres de casa. Entretanto, além de propor e corrigir, torna-se necessário saber qual é o modo como essa correção ocorre, dado que estudantes que não tenham feito o dever ou que apresentem maiores dificuldades para solucionar os exercícios propostos podem ficar excluídos desse processo, como aponta Carnoy (2009, p. 176-177):

Em muitas das salas de aula da escola pública brasileira e chilena, há provavelmente um bom motivo pelo qual os professores não se esforçam para corrigir o trabalho de cada um de seus alunos: eles já sabem o que vão encontrar. No processo de filmagem, observamos muita desigualdade nessas salas de aula. Em certos casos, no final da aula, alguns estudantes ainda não tinham acabado de copiar as instruções da lousa, enquanto outros já tinham concluído os exercícios há muito tempo. Ao não corrigir a lição de cada um, esses professores podem estar simplesmente evitando envergonhar publicamente seus alunos menos preparados. Em vez disso, ao corrigir o trabalho de alguns alunos, eles podem se concentrar mais no estudante médio e passar para outra tarefa. Infelizmente essa é a realidade da vida nessas salas de aula de renda mais baixa.

Com relação à experiência docente, a comparação com o nível socioeconômico do aluno revelou que estudantes da classe A possuem maior probabilidade de ter aulas com professores com mais de 20 anos de experiência. Também é importante notar que estudantes com nível socioeconômico mais baixo, mesmo que em pequena proporção (cerca de 6% do total de observações), tendem a ter mais professores inexperientes (de 0 a 2 anos). Sobre a relação entre experiência e produtividade docente, a literatura considera esse um fenômeno complexo e que pode depender de fatores distintos. Para Rice (2010, p. 1, tradução nossa), “experiência importa, mas mais nem sempre é melhor [...]. Os professores mostram os maiores ganhos de produtividade nos primeiros anos de trabalho, após os quais o desempenho tende a se estabilizar”13. Ainda, de acordo com esse estudo, “anos de experiência são mais eficazes do que professores sem experiência, mas não são muito mais eficazes do que aqueles com 5 anos de experiência”14 (RICE, 2010, p. 2, tradução nossa). Desse modo, mesmo que um estudante da classe A tenha acesso mais fácil a um professor com mais de 20 anos de experiência, isso não significa que esse professor seja mais bem qualificado que um docente que possua menos anos de trabalho na profissão. Isso indica, portanto, que alunos de outras classes sociais não necessariamente possuem professores piores.

Uma das alarmantes constatações da análise empírica diz respeito à expectativa dos professores em relação à capacidade de os seus alunos se formarem no 5º ano, no ensino fundamental, no ensino médio e entrarem na faculdade. Como apresentado, quanto mais alto for o nível socioeconômico do aluno, maior será a expectativa do docente sobre o futuro escolar de seus estudantes. Essa constatação, na literatura, é relacionada ao efeito Pigmaleão (também chamado de efeito Rosenthal), fenômeno que associa as expectativas que se têm em relação a uma pessoa com o desempenho que ela irá obter (BOSER; WILHELM; HANNA, 2014; DUQUESNE UNIVERSITY, [s.d.]). Nesse sentido, diversos estudos internacionais sobre a psicologia da educação têm demonstrado que as expectativas tendenciosas dos docentes podem afetar a realidade dos estudantes e criar profecias autorrealizáveis.

Nos Estados Unidos, as primeiras investigações sobre esse fenômeno foram desenvolvidas por Rosenthal e Jacobsen (1968), que avaliaram empiricamente o papel motivador que os docentes podem exercer sobre o desempenho escolar dos alunos e concluíram que professores com expectativas mais altas tendem a estimular o lado bom dos seus alunos, e estes devem obter resultados melhores; inversamente, professores com expectativas menores sobre o futuro dos seus estudantes devem influenciar negativamente o futuro escolar do seu alunado. No Brasil, a pesquisa de Patto (1991) contribui na compreensão desse efeito, ao considerar que o fracasso escolar não ocorre apenas devido às características associadas ao aluno (como o fator socioeconômico), mas também à percepção e atitude do próprio corpo docente sobre seus educandos. Desse modo, a expectativa importa, mesmo que mudá-la seja algo complexo, pois, segundo a autora, é preciso que os professores atuem como motivadores e reconheçam a realidade individual do aluno, ainda que em inúmeros casos a realidade desses grupos sejam culturalmente e socialmente diferentes.

Por fim, as diferenças entre 5º ano e 9º ano não se mostraram muito expressivas, dado que o comportamento das variáveis escolhidas para a análise não se modificou muito entre os anos iniciais e finais do ensino fundamental. Como apontado na seção anterior, em que mais se identificou alguma distinção (mesmo que não muito elevada, quando observamos as proporções) foi nas questões sobre insuficiência de professores, carência de pessoal administrativo, carência de pessoal de apoio pedagógico, falta de recursos pedagógicos (esses problemas aparecem de forma mais recorrente no 9º ano) e na experiência docente.

Em suma, com os resultados apresentados neste artigo, buscamos contribuir de alguma forma para o debate sobre eficácia escolar e desigualdade, examinando em que medida o nível socioeconômico é relevante para pensarmos o ensino fundamental. A análise da distribuição das oportunidades educacionais no Brasil, certamente, exigiria um recorte temporal mais longínquo e contínuo, bem como a inclusão de um maior número de variáveis, a ponto de se averiguar com maior exatidão o quadro da educação no país. Entretanto, com a análise dos dados aqui efetuada tivemos alguns indícios de que possivelmente o nível socioeconômico dos alunos ainda é determinante no que diz respeito ao seu acesso às oportunidades educacionais.

REFERÊNCIAS

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1Como exemplo, podemos mencionar o trabalho de S. Webb Raudenbush e J. Douglas Willms, no texto The Estimation of school effects. Segundo esses autores, o nível de desempenho de uma escola depende de fatores como políticas e práticas da escola, background e capacidade intelectual dos alunos e fatores econômicos e sociais.

2SENNETT, R.; COBB, J. The hidden injuries of class. New York: Vintage Books, 1973. WILLIS, P. Learning to labor. New York: Columbia University Press, 1981.

3Do original: “the federal government tried to increase educational quality by passing new educational legislation (MEC, 1996) that provided autonomy to municipalities and states to organize their systems in cycles rather than grades and, if they preferred, to adopt social promotion as a means of avoiding repetition, stop-outs, and dropouts. The new legislation also established a national core curriculum, to be supplemented by state and municipal systems accordingly, as well as a national evaluation system to monitor the quality of the country’s education”.

4De acordo com dados consultados no Portal do Inep: http://ideb.inep.gov.br/resultado/home.seam?cid=683884. Acesso em: 24 jun. 2018.

5Fonte dos dados: Inep (http://inep.gov.br/web/guest/microdados). Acesso em 24 jun. 2018.

6Do original: “any policy to improve the quality of basic education in a highly unequal country like Brazil must consider the role of schools in decreasing the importance of the relationship between student outcomes [...] and students’ social and demographic backgrounds”.

7Questões 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 17, 19 e 23 do Questionário do Aluno, disponível no Portal do Inep: http://portal.inep.gov.br/microdados.

8A metodologia empregada pelo Critério Brasil pode ser consultada em: http://www.abep.org/criterio-brasil.

9Questões 4, 13, 93, 94, 95, 96, 107, 108 e 111 do Questionário do Professor, e questões 67, 68, 69, 70 e 71 do Questionário do Diretor, disponíveis no Portal do Inep: http://portal.inep.gov.br/microdados.

10De acordo com o Censo Escolar de 2013, o número de matrículas, para os anos iniciais e para os anos finais, foi, respectivamente, a soma de todas as séries de cada ciclo, de 15.764.926 e 13.304.255. Não foram localizadas justificativas, portanto, que expliquem uma maior participação do 9º ano em relação ao 5º no teste. Fonte dos dados: Inep (http://inep.gov.br/web/guest/microdados). Acesso em: 24 jun. 2018.

11Como no Saeb a população de alunos do ensino público é censitária, e a população de alunos do ensino privado é amostral, utilizamos o “Peso do Aluno em Língua Portuguesa” ou o “Peso do Aluno em Matemática” (variáveis criadas pelo próprio Inep e que, estatisticamente, possuem o mesmo comportamento) para que a quantidade de alunos do ensino público não fosse sobrerrepresentada na análise dos dados.

12A amostra utilizada por Carnoy para chegar a essa conclusão incluía apenas escolas públicas de diferentes estados brasileiros. Para maiores detalhes consultar Carnoy (2009, p. 163).

13Do original: “experience matters, but more is not always better [...]. Teachers show the greatest productivity gains during their first few years on the job, after which their performance tends to level off”.

14Do original: “teachers with more than 20 years of experience are more effective than teachers with no experience, but are not much more effective than those with 5 years of experience”.

Recebido: 05 de Fevereiro de 2019; Aceito: 08 de Outubro de 2019

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