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Estudos em Avaliação Educacional

versión impresa ISSN 0103-6831versión On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.31 no.76 São Paulo ene./abr 2020  Epub 26-Ago-2020

https://doi.org/10.18222/eae.v31i76.7010 

ARTIGOS

AUTOAVALIAÇÃO: OBSERVANDO E ANALISANDO A PRÁTICA DOCENTE

MARCELO ALMEIDA DE CAMARGO PEREIRAI 
http://orcid.org/0000-0001-5731-341X

DÂNIA BARROII 
http://orcid.org/0000-0002-1146-9555

CLÓVIS TREZZIIII 
http://orcid.org/0000-0002-5682-6579

MARIA LUISA SPICER-ESCALANTEIV 
http://orcid.org/0000-0003-3128-757X

VERA LUCIA FELICETTIV 
http://orcid.org/0000-0001-6156-7121

IUniversidade LaSalle; Bolsista Capes/Prosuc (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições Comunitárias de Ensino Superior); Canoas-RS, Brasil; marceloacpereira@gmail.com

IIFaculdade IDEAU, Getúlio Vargas-RS, Brasil; daniaisa09@gmail.com

IIIUniversidade LaSalle, Canoas-RS, Brasil; clovis.trezzi@unilasalle.edu.br

IVUtah State University, Logan, Estados Unidos da América; maria.spicer@usu.edu

VUniversidade LaSalle; Pesquisadora CNPq2 (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) Canoas-RS, Brasil; vera.felicetti@unilasalle.edu.br


RESUMO

Este estudo apresenta os resultados da reflexão conduzida em duas aulas, por meio da ferramenta SATS (Self-assessment of Teaching Statement). A análise qualitativa da utilização da ferramenta foi realizada com base na gravação dessas aulas em duas IES (Instituições de Ensino Superior) distintas, originando metatextos. A partir dos quais descreve-se o “Aquecimento”, período inicial da aula em que se situa o estudante em relação à aprendizagem daquele dia; e o “Desenvolvimento da Aula”, com olhar atento às características: interação professor-aluno, uso de estratégias didáticas, tempo, e contextos reais utilizados. Os resultados apontam para as possibilidades de reflexão em e na ação pedagógica proporcionada pela ferramenta.

PALAVRAS-CHAVE: PROCESSOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM; PRÁTICA DOCENTE; AUTOAVALIAÇÃO; EDUCAÇÃO SUPERIOR

ABSTRACT

Teachers’ activities involve, among others, analyzing, assessing, reflecting on and improving their own classroom practice. Self-assessment may contribute to teaching and learning processes, as well as to personal development. This study presents the results of reflection about two classes where the SATS (Self-Assessment of Teaching Statement) model was applied. The use of the SATS tool was qualitatively analyzed based on the recording of two different classes at two distinct Higher Education Institutions, thus giving rise to metatexts. Based on these, the study describes the “Warm-Up”, i.e., the class’ introductory stage in which students are prepared for the day’s learning; and the “Classroom Development” itself, with particular attention to the following characteristics: teacher-student interaction, didactic strategies, timing, and the real contexts used. The results indicate the possibilities of reflection enabled by the tool on and in pedagogical practice.

KEYWORDS: TEACHING AND LEARNING PROCESSES; TEACHING PRACTICE; SELF-ASSESSMENT; HIGHER EDUCATION

RESUMEN

Este estudio presenta los resultados de la reflexión realizada en dos clases, a través de la herramienta SATS (Self-assessment of Teaching Statement). El análisis cualitativo del uso de la herramienta se realizó a partir del registro de estas clases en dos Instituciones de Educación Superior diferentes, originando metatextos , a partir de los cuales se describe la “Preparación”, periodo inicial de la clase en la que se sitúa al estudiante en relación con el aprendizaje de ese día y el “Desarrollo de la clase”, con una mirada cuidadosa a las características: interacción profesor-alumno, empleo de estrategias didácticas, tiempo y contextos reales utilizados. Los resultados señalan las posibilidades de reflexión en la acción pedagógica proporcionada por la herramienta.

PALABRA CLAVE: PROCESOS DE ENSEÑANZA-APRENDIZAJE; PRÁCTICA DOCENTE; AUTOEVALUACIÓN; EDUCACIÓN SUPERIOR

INTRODUÇÃO

Embora a prática de avaliar o desempenho docente com base na autoavaliação por pares tenha sido outrora considerada de pouco valor e vista como geradora de mais problemas do que soluções para profissionais reflexivos, pesquisas conduzidas na última década mostram diferença favorável e uma perspectiva promissora para sua utilização (SPICER-ESCALANTE; DEJONGE-KANNAN, 2016).

Quando a autoavaliação é amplamente e regularmente usada, pode se tornar uma ferramenta poderosa para contribuir com a qualidade do ensino. Essa possibilidade, entretanto, deve estar associada a uma mudança de atitude, com base em uma filosofia aberta em relação ao ensino, voltada para resultados e realizada em colaboração com avaliações de pares responsáveis e sensíveis às questões que permeiam a prática docente.

Dessa forma, percebe-se o modelo SATS (Self-Assessment of Teaching Statement) (Declaração de Autoavaliação Docente, em tradução livre) não como um conceito único, mas como uma abordagem completa, complexa e abrangente. O modelo envolve vários elementos concebidos para, de forma proveitosa, responsável e eficaz, avaliar o próprio desempenho docente para fins de autoaperfeiçoamento em uma área específica de ensino, os quais serão apresentados no referencial teórico deste trabalho (BARBER, 1990; ROBERTS, 1998; SPICER-ESCALANTE; DEJONGE- -KANNAN, 2016; ZEICHNER; LISTON, 2014).

O presente artigo apresenta os resultados da reflexão realizada em duas aulas ministradas em 2017: uma disciplina intitulada Pesquisa e Ação Docente, do curso superior de Pedagogia, e outra aula na disciplina de Anatomia, do curso superior de Fisioterapia. A referida reflexão foi conduzida por meio do formulário do modelo SATS, o qual vem sendo desenvolvido por Spicer-Escalante e deJonge-Kannan (2016). O modelo se baseia na evolução e na concepção de passos e estratégias, apoiados pela literatura em várias áreas da educação.

Este trabalho está organizado da seguinte forma: introdução, onde o modelo SATS é descrito, assim como a estruturação desta pesquisa; a Autoavaliação, que apresenta o referencial teórico utilizado e a evolução da avaliação entre pares na prática docente; a metodologia, a qual mostra como os dados foram produzidos e analisados; a discussão dos dados, que discute as categorias emergentes de análise (aquecimento, desenvolvimento da aula, interação professor-aluno, uso de estratégias didáticas, tempo entre conteúdo e prática); as considerações finais, que apresenta as potencialidades e limitações do estudo; e as referências utilizadas.

A AUTOAVALIAÇÃO

Muitos aspectos motivam docentes a buscarem alternativas para tornar suas práticas de ensino mais efetivas, adotando possíveis “modelos” ou exemplos para o exercício da docência. Com o decorrer da nossa experiência como formadores de professores, notamos três desafios recorrentes da profissão:

  1. O baixo impacto das observações e recomendações. Como supervisores de ensino, ao observar os professores iniciantes na carreira docente, identificamos aspectos a serem melhorados e são feitas algumas sugestões acerca de sua prática que, na maioria das vezes, são bem acolhidas. No entanto, se a atividade docente não for observada novamente depois de as sugestões serem fornecidas, é provável que os professores observados não sejam capazes de colocá-las em prática ou, se o fizerem, será depois de muito tempo das observações realizadas. Notamos que os professores se encontram, muitas vezes, presos em formas tradicionais de ensino que lhes são familiares. Portanto fazem na sala de aula o que sabem e vivenciaram na escolaridade pregressa e, por essa razão, acabam ensinando exatamente da maneira como foram ensinados. Eles reproduzem a mesma dinâmica de classe a que foram expostos quando estudantes (FARREL, 2008; SHRUM; GLISAN, 2016; VANPATTEN, 2017).

  2. A falta de modelos ou diretrizes disponíveis para o feedback do professor, que forneça aos docentes observados uma abordagem mais construtiva, pessoal e sensível às suas habilidades de ensino, impede uma melhoria potencial associada ao próprio contexto das disciplinas. Nessa direção, surge a necessidade de diretrizes capazes de oferecer aos observados a possibilidade de refletirem sobre suas práticas de ensino, além da oportunidade de responderem às modificações ou medidas específicas tomadas durante o ato de ensinar, com base no contexto e de acordo com as necessidades de ensino. Como Zeichner e Liston (2014, p. 6) afirmam:

Um modelo em que os professores internalizam a disposição e as habilidades para estudar a forma como ensinam e se tornam melhores para ensinar ao longo do tempo, um compromisso de assumir responsabilidade por seu próprio desenvolvimento profissional.

Em outras palavras, um modelo em que os professores observadores têm a oportunidade de informar, responder e ajudar seus observados de modo a melhorar as práticas de ensino por eles desenvolvidas.

  • 3. Os relatórios de análise (cartas de avaliação), escritos por superiores ou pares quando observam a prática docente, apresentam análises fracas e vagas. Na maioria das vezes, essas cartas carecem de sugestões específicas sobre como melhorar o ensino. Além disso, verifica-se que os observadores não compreenderam a complexidade das disciplinas ministradas, tampouco as razões pedagógicas as quais motivaram atividades específicas, ou modificações para o período de aula observado. Como o documento é escrito, não há um protocolo que permita que o professor observado responda a alguns dos comentários ou às críticas contidas nas cartas, o que as torna documentos unidirecionais, sem um possível diálogo entre os participantes.

Diante desses desafios, Spicer-Escalante e deJonge-Kannan (2016) desenvolveram o modelo SATS, o qual implica primeiramente um diálogo entre o professor observado e o observador, no qual ambos têm o comprometimento de desempenhar a sua parte de maneira consciente e responsável. O modelo SATS não ignora avaliações por pares, mas requer observações sensíveis e responsáveis que são fundidas posteriormente com a autorreflexão escrita pelo observado. Ou seja, no modelo SATS, conforme será apresentado na Figura 1, há um movimento dialético, no qual os observadores fazem comentários sobre os aspectos de ensino, que se relacionam com a reflexão do professor e feedbacks, que se retroalimentam e formam um diálogo em torno das melhorias na ação docente.

Fonte: Spicer-Escalante e deJonge-Kannan (2016, p. 639).

FIGURA 1 Os quatro componentes da relação dialética (The four components of the dialectical relationship

No modelo SATS, tanto os observadores quanto os observados compartilham responsabilidades iguais e espera-se que estabeleçam um diálogo do começo ao fim. Os observadores não podem mais apenas escrever comentários pertinentes, vagos ou fracos. Pelo contrário, há um espaço para inclusão de conselhos e recomendações de melhorias. Da mesma forma, o observado é responsável por fornecer, com antecedência, um plano de aula detalhado com objetivos claros para facilitar o feedback dos observadores. O protocolo SATS, desenvolvido por Spicer-Escalante e deJonge Kannan (2016), pode ser resumido da seguinte forma:

  1. O professor observado envia, com antecedência, um plano de aula detalhado para os observadores, juntamente com o plano de estudos do curso e o formulário de observação, o qual tem três componentes não negociáveis: coisas que eu gosto, três coisas que eu teria feito de forma diferente se eu fosse o professor e comentários gerais/recomendações.

  2. O professor observado grava a aula e o observador faz anotações no formulário de observação, enquanto assiste à gravação. O observador não compartilha suas notas com o observado até que ele envie uma autorreflexão inicial acerca da aula dada e por ele também assistida na gravação.

  3. O observado assiste a si mesmo em vídeo e escreve uma autorreflexão, destacando aspectos específicos que ocorreram e incorporando aspectos para melhoria.

  4. O observado envia essa autorreflexão ao observador, que encaminha as anotações feitas no formulário de observação.

  5. Uma vez revisados os comentários e sugestões do observador, o observado mescla sua própria reflexão com as percepções e sugestões do observador e escreve a Declaração de Autoavaliação do Ensino, que é enviada ao observador para aprovação.

A partir dos passos apresentados, o modelo SATS requer a combinação de auto-observações e observações por pares. No tangente à dos pares, o professor observado torna-se responsável pelo processo, em vez do observador. Isso se dá devido ao fato de que o professor observado é aquele que escreve o autorrelato, levando em consideração o feedback e os insights oferecidos pelos pares, estabelecendo um diálogo com os observadores, como demonstrou a Figura 1.

O modelo SATS enfatiza a qualidade do feedback que os professores observados recebem de seus colegas. Sob esse modelo, os observadores estão empenhados em fornecer os feedbacks a fim de modificar e enriquecer as práticas de ensino na disciplina específica do professor que está sendo observado (DINKELMAN, 2003; DOCHY; SEGERS; SLUIJSMANS, 1999; HILL; CHARALAMBOUS; KRAFT, 2012; KEARNEY, 2013). Em outras palavras, os avaliadores de pares não são mais apenas espectadores, mas participantes ativos e valorizados no desenvolvimento profissional. Espera-se que eles façam recomendações para melhorias e que haja um espaço específico para isso. Seus comentários e sugestões são valorizados e respeitados pelo professor observado, que os antecipa e os acolhe como um componente importante de sua autorreflexão e, em última análise, para o seu desenvolvimento docente. Como afirmam Spicer-Escalante e deJonge-Kannan (2016, p. 637, tradução nossa),1 “o docente observado, que espera essas sugestões, tem a oportunidade não apenas de refletir sobre as sugestões oferecidas, mas também de responder a elas”.

Sob esse modelo dialético, os participantes envolvidos na autoavaliação estão inter-relacionados e constantemente nutrindo e transformando-se uns aos outros. Segundo Reagan e Osborn (2002, p. 22, tradução nossa),2 “a prática reflexiva pode ser melhor compreendida como um processo cíclico, passando da reflexão-para-prática através da reflexão-na-prática e para a reflexão-em-prática, que então leva a uma nova reflexão-para-prática”. Na mesma linha, Schön (1983, 1987) descreveu a Autoavaliação baseado em uma contínua e constante reflexão na e em ação.

Diante do exposto, destaca-se que o modelo SATS não serve apenas como uma ferramenta para aprender mais sobre a forma como se ensina, mas que se trata, sobretudo, de uma oportunidade para que os observadores conheçam sobre as disciplinas ministradas e as complexidades envolvidas na formação de futuros professores. Destaca-se também que este trabalho apresenta a primeira aplicação do modelo SATS no contexto brasileiro, tendo a participação in loco de uma das autoras do modelo. No próximo item será apresentado o percurso metodológico para a condução da aplicação do SATS.

METODOLOGIA

O presente trabalho, de abordagem qualitativa (GIL, 2010), tem por finalidade analisar a utilização da ferramenta de Autoavaliação, a partir do formulário de observação proposto por Spicer-Escalante e para a deJonge-Kannan (2016) de modo a melhor compreender como ele pode contribuir para a prática docente. Com base em gravações de duas diferentes aulas ministradas em dois cursos distintos de duas Instituições de Educação Superior (IES), utilizou-se o formulário apresentado no Quadro 1, que elenca os componentes da aula, o que o observador gostou na aula gravada, o que teria feito de diferente, assim como o que aprendeu com a observação.

Fonte: Spicer-Escalante e deJonge-Kannan (2016, tradução nossa).

QUADRO 1 Formulário de Observação 

Verifica-se no Quadro 1: os dados do professor, a data da observação, o nível (que neste estudo está direcionado à educação superior), a IES onde foi ministrada a aula e três questões que auxiliaram cada observador a elencar três aspectos notados nas aulas gravadas. A cada aspecto, a forma como faria diferente e a explicação do porquê ela funcionaria melhor, apoiada em argumentação e bibliografia.

Foram assistidos dois vídeos, um referente à aula ministrada da disciplina intitulada Pesquisa e Ação Docente, do curso superior de Pedagogia, e outra aula na disciplina de Anatomia, do curso superior de Fisioterapia. Ambos os cursos são ofertados em instituições de educação superior distintas no estado do Rio Grande do Sul. As referidas aulas serão aqui denominadas respectivamente de Aula 1 e Aula 2.

A Aula 1 foi gravada por um técnico da IES em uma sala de videoconferência usada esporadicamente pelos alunos. Não houve a necessidade de assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido por parte dos alunos, uma vez que eles não aparecem nas filmagens. A câmera foi direcionada somente ao professor.

Na aula da disciplina Pesquisa e Ação Docente, o professor discorre sobre a ética na pesquisa. Para tanto, ele apresenta conceitos de ética, com foco na pesquisa científica. O professor faz uso de situações reais e próximas dos alunos, como o plágio acadêmico e o autoplágio. O tempo de duração da gravação foi de 1 hora, 14 minutos e 40 segundos. O professor observado assinou termo de autorização de uso de imagem e sua identidade será preservada.

Devido ao fato de a Aula 1 ter ocorrido em outro ambiente que não a sala de aula, a disposição do seu espaço dificultou a interação entre professor e alunos. Esta também foi dificultada pela posição da filmadora, que era fixa em um canto do ambiente áulico. Já a Aula 2 transcorreu no ambiente normal da sala de aula, o que favoreceu a dinâmica da professora e a própria observação, contando ainda com auxílio de um técnico de filmagem da própria IES. Os alunos assinaram um termo de autorização de imagem, apesar de não ser possível identificá-los nas gravações. Nessa aula, a professora apresenta uma revisão sobre a musculatura da região torácica utilizando-se de imagens e exemplos práticos. O tempo da gravação da aula é de 58 minutos e 53 segundos. Os nomes das IES, dos professores e dos alunos serão mantidos sob sigilo.

Os dois vídeos foram assistidos na íntegra por seis observadores, além dos dois observados. Esses fizeram uso do formulário apresentado no Quadro 1 para as anotações. Concluído o preenchimento do formulário, os observadores se reuniram para a discussão dos resultados apresentados. A partir dessa discussão, os formulários foram transformados em textos para formar documentos de análise, ou seja, o corpus a ser analisado na pesquisa. Esse conjunto, sob a forma textual, representa as interpretações dos observadores a partir de seus conhecimentos e teorias, assim como dos discursos nos quais estão inseridos. A partir do corpus de pesquisa, foi possível fazer o estabelecimento de novas relações, sob a forma de novas categorias emergentes (MORAES; GALIAZZI, 2007), denominadas Aquecimento e Desenvolvimento, as quais serão apresentadas no próximo tópico.

Essas categorias permitirão enfatizar a interpretação e os processos de subjetividade e intersubjetividade dentro dos contextos históricos da constituição dos significados. Ainda que se pretenda obter análises mais objetivas e dedutivas, é na subjetividade e indutividade que se atingem os resultados mais criativos e originais, segundo Moraes e Galiazzi (2007).

Dessa forma, os dados obtidos no corpus e categorizados serão estudados via análise textual discursiva, que tem por objetivo a produção de metatextos, nos quais, a partir de um processo de categorizações e significações, assume-se a autoria com base nos discursos analisados, o que possibilita a emersão de novos sentidos e significados, correspondentes aos objetivos da análise, de forma criativa e original (MORAES; GALIAZZI, 2007).

Salienta-se que as observações apresentadas se baseiam exclusivamente em uma única aula pré-gravada de cada disciplina, o que não é indicativo de que as práticas aqui descritas são utilizadas em todas as aulas ou disciplinas desses professores.

No próximo item serão apresentadas as categorias emergentes da análise do corpus: O Aquecimento e Desenvolvimento de Aula.

O AQUECIMENTO

Inicia-se a primeira categoria com a voz dos principais atores desta pesquisa, os professores das aulas 1 e 2, os quais relatam a sensação de terem suas aulas gravadas:

Foi muito interessante fazer essa aula sabendo que a mesma estava sendo gravada e seria assistida por outras pessoas e depois analisada. Acredito que se não existisse essa consciência, a aula fluiria diferentemente. Apesar disso, o fato de ter a aula filmada fez com que eu, como professor, prestasse atenção em uma série de coisas nas quais eu não presto habitualmente, como as palavras empregadas, o gestual, a movimentação pela sala... sinto que, nesse dia, a aula foi artificial, não fluiu, foi uma aula fria e focada apenas nos detalhes técnicos. Reconheço que a experiência não foi fácil. O fato de a aula ter sido em outro ambiente, também, contribuiu para que a dinâmica fosse outra e a própria aula fosse mais fria, já que era uma sala de videoconferência e não uma sala de aula. Contudo, isso aconteceu por ser um elemento novo na aula. Acredito que se houvesse o hábito de sempre filmar a aula ou de fazer a observação sistemática, tudo passaria a ser natural. (Docente da Aula 1)

A experiência de ter uma aula filmada foi um tanto difícil. A sensação de haver alguém observando apenas por observar (no caso o senhor que estava filmando), associada ao saber que essa aula seria “avaliada” por colegas, me deixou um pouco constrangida. Meus alunos também estavam apreensivos com a novidade, apesar de havermos conversado a respeito previamente. Posterior à filmagem, eles me relataram que estavam preocupados em não “incomodar” e prejudicar minha avaliação (recebi isso como um cuidado comigo, o que é bem gostoso de sentir). Porém foi uma boa experiência, aprendi muito observando a minha própria aula e com certeza mudarei algumas posturas. (Docente da Aula 2)

Verifica-se nas falas dos docentes que eles tiveram a preocupação com a gravação e a dificuldade de manter a naturalidade das aulas. Isso é justificável, uma vez que ambos os docentes estavam experienciando a gravação de suas aulas pela primeira vez. Para os alunos também foi algo novo, o que os deixou um tanto tímidos. As análises realizadas identificam tanto os aspectos comuns na prática dos docentes como os não comuns. Segundo os observadores, ambos os professores iniciaram as suas atividades retomando o que havia sido trabalhado nas aulas anteriores para, em seguida, apresentar o conteúdo previsto para aquela aula em particular e as suas etapas, convidando o aluno para a participação. Nesse aspecto, pode-se buscar em Lemov (2011, 2018) um embasamento para a pertinência do convite à participação do estudante. Para ele, “os professores que conseguem envolver os alunos para que eles se sintam parte da aula, terão mais alunos concentrados no seu trabalho acadêmico” (LEMOV, 2011, p. 129); ressaltamos, no entanto, que esse convite e a possível participação do estudante somente serão possíveis se houver planejamento por parte do professor e a abertura da aula, com retrospectiva e prospectiva que demonstrem onde o professor quer chegar.

A introdução da aula é importante para a aprendizagem do estudante, uma vez que por meio dela se organiza a estrutura de funcionamento daquele momento de aprendizagem. Trata-se de uma atividade eficiente para começar a aula com uma curta revisão dos conhecimentos anteriores necessários ao aprendizado novo e, em seguida, explicar uma a uma as etapas a serem desenvolvidas de forma clara e detalhada (ROSENSHINE; STEVENS, 1986).

Gauthier et al. (2013) apresentam fatores que contribuem para a introdução de uma aula, chamada por eles de “abertura da aula”, visto que consideram uma etapa importante porque, ao mesmo tempo em que se apresenta a atividade, também se oferece caminhos e se motiva os alunos a chegarem ao resultado proposto por determinada atividade. Dentre esses fatores, considera-se: planejar formas de chamar a atenção dos alunos; planejar a explicação do objetivo da aula e certificar-se de que os alunos o compreenderam; planejar uma justificativa para a aula que mostre a relevância do que irão aprender, bem como a relação com outros conteúdos; planejar como ativar conhecimentos anteriores, visto que há uma sequência de conhecimentos e uma interdependência entre eles; planejar como apresentar o caminho que será seguido durante a aula, para que eles possam se preparar para o que vem a seguir; planejar uma simulação relativa ao conteúdo do objetivo de aprendizado, como estratégia de aguçar a curiosidade dos alunos, para só então discutir sobre ele.

A revisão de conteúdos no início da aula também é defendida por Hollingsworth e Ybarra (2009), os quais alertam que nem sempre é preciso fazer revisão diretamente, uma vez que a estratégia depende do objetivo da nova aula. Eles afirmam que é possível usar uma experiência pessoal ou a ativação de uma habilidade específica que exija sutilmente a memória do que já foi aprendido. Nesse tipo de estratégia, um cuidado importante a ser tomado é o de não incluir novos conceitos durante a simulação, ou a ativação da habilidade, pois a intenção não é confundir ou dificultar a revisão.

Nesse caminho, Butler (1987), Griswold et al. (1985), Rosenshine e Stevens (1986) afirmam que a revisão dos conteúdos anteriores fornece a oportunidade de o professor corrigir e ensinar novamente conteúdos com os quais os alunos enfrentaram dificuldades, e assim poder seguir com a aula, seguro de que os conhecimentos e habilidades necessários para avançar foram adquiridos e poder então ajustar o ritmo do que vem a seguir.

Lemov (2011, 2018), nessa direção, descreve uma técnica que denominou “Sem Escapatória” para tais situações, isto é, no momento em que o professor faz perguntas e os alunos tentam fugir sem respondê-las, pode-se criar a oportunidade de estimulá-los a responder, mesmo que as respostas estejam erradas. Para ele, “uma sequência que começa com um aluno incapaz de responder a uma pergunta deve terminar, sempre que possível, com esse aluno respondendo à pergunta, de forma certa, mesmo que ele esteja apenas repetindo a resposta correta” (LEMOV, 2011, p. 46).

Com base nos autores apresentados anteriormente, pode-se verificar um consenso em retomar conteúdos anteriores e conhecimentos prévios, o que expressa uma estratégia adequada de ensino e aprendizagem, por permitir fazer um paralelo entre as representações que os estudantes constroem para si, assim como o processo de aquisição, partindo-se do pressuposto de que a mente do aluno não é uma caixa vazia, pois é um sujeito possuidor de ideias, conhecimentos prévios e interpretações (GAUTHIER et al., 2013; FELICETTI; GIRAFFA, 2012).

Ao considerar que a parte inicial de uma aula contempla a apresentação da sua organização, bem como a revisão dos conteúdos abordados na aula anterior, destaca-se a importância do planejamento. Para Lemov (2011), planejar a aula é fundamental para o bom desempenho do professor. Nesse aspecto, o plano de aula é uma ferramenta poderosa nas mãos dos professores, pois permite concentrar-se no que os alunos estão fazendo, ou seja, o professor que planeja as suas aulas prevê as respostas que os alunos podem dar para as suas perguntas, bem como pode propor atividades extras, caso haja necessidade.

Contudo, ao perceber a diferença entre as duas aulas observadas no que tange à questão da revisão de conteúdos, mais uma vez reporta-se a Gauthier et al. (2013, p. 231), que afirmam que “quanto mais o aluno revisar e reutilizar os conhecimentos ensinados, mais se tecerão laços entre as informações armazenadas na memória e mais sólidas estas últimas se tornarão”. Assim, além das retomadas periódicas de conteúdos, percebe-se que é fundamental dedicar um tempo suficiente a cada aula para consolidar os conteúdos estudados. Para Hollingsworth e Ybarra (2009), a verificação da compreensão é o ponto central da aula, pois caso ela não ocorra, há uma grande chance de o professor ter surpresas negativas na avaliação. Butler (1987) afirma, inclusive, que toda aula deve iniciar com uma retomada dos conteúdos anteriormente trabalhados, pois a redundância sempre é positiva no que se refere ao aproveitamento das aulas.

Com a prática do “aquecimento”, ou seja, de retomar conteúdos, os alunos se sentem motivados e convidados a participarem da aula, sendo possível então iniciar discussões e debates importantes que colaboram para um aprendizado significativo, conforme será verificado na categoria apresentada a seguir.

DESENVOLVIMENTO DA AULA

No item anterior foram apontados aspectos sobre a parte introdutória das aulas observadas, cuja dinâmica auxilia na condução da aula, assim como na retomada e fixação de conhecimentos desenvolvidos em encontros anteriores. Ruma-se então à nova categoria “Desenvolvimento da Aula”, a qual se debruça sobre aspectos instrumentais analisados nas gravações. O presente item se divide em: Observações gerais; Interação professor-aluno; Uso de estratégias didáticas; Tempo; e, por fim, Contextos reais.

Observações gerais

Em relação ao desenvolvimento das aulas, todos os observadores avaliaram que elas transcorreram sem nenhum incidente que tenha merecido atenção. Para eles, ambos os professores realizaram uma boa aula, trabalhando com segurança e confiança, demonstrando conhecimento sobre o conteúdo que estavam desenvolvendo. As aulas foram expositivo-dialogadas - onde há exposição oral dos conteúdos como pretexto para impulsionar a participação dos estudantes (HAIDT, 2000) - e nelas foram utilizados slides como material complementar, tendo os professores buscado a interação com os alunos através de perguntas, com uma oscilação dos alunos em termos de participação. De maneira geral, houve uma boa participação dos alunos, mas considera-se que uma abordagem mais direcionada dos professores poderia ter facilitado ou ampliado a participação dos estudantes, com perguntas mais diretas e interativas, por exemplo.

O trabalho com as perguntas, segundo Gauthier et al. (2013), deve ocupar entre 10 e 16% do tempo de interação de classe, o que destaca a sua importância. As perguntas, nesse aspecto, têm intuito de manter a atenção dos estudantes, sendo aconselhável que várias perguntas sejam feitas não apenas a voluntários, mas a diversos alunos da aula indicados pelo nome. Essa prática, no entanto, deve ser realizada considerando diferentes perfis socioeconômicos de turmas: estudantes de nível socioeconômico carente apresentam bons resultados com essa prática, enquanto para níveis mais elevados, o uso de perguntas direcionadas pode se mostrar contraproducente, segundo os autores supracitados. Além disso, o tempo dado à resposta pelo aluno precisa ser dado, isto é, quando o professor faz um determinado questionamento, o aluno precisa de certo tempo para pensar, processar e responder. O que, em ambas as aulas, de certo modo não ocorreu, dando os professores eles próprios as respostas na sequência dos seus questionamentos.

Outro aspecto importante no uso de perguntas é a clareza. O enunciado não pode ser vago ou ambíguo, assim como o quesito estímulo das perguntas, as quais devem integrar habilidades criativas e ideias pessoais dos estudantes (GAUTHIER et al., 2013).

Interação professor-aluno

Os observadores perceberam que houve uma certa movimentação dos professores na sala de aula. Na Aula 1, verificou-se que a movimentação do professor foi muito limitada, restringindo-se a alguns passos em frente à turma. Tal fato deveu-se, entre outros fatores, à disposição do ambiente, que não era o mesmo da sala de aula. Percebeu-se que isso dificultou a interação e deixou os alunos mais tímidos. A Aula 2, por sua vez, teve mais interação, no entanto, verificou-se que a participação dos alunos também foi modesta.

Rosenshine e Stevens (1986) corroboram a ideia sobre a movimentação do professor em sala de aula. Para esses autores, o fato de o professor circular em sala pode aumentar em 10% os resultados dos estudantes em trabalhos individuais. Haidt (2000, p. 57) destaca que a intervenção do professor em sala de aula por meio de sua interação com a classe auxilia o estudante a transformar a curiosidade em esforço cognitivo, saindo de um saber “confuso, sincrético, fragmentado, a um saber organizado e preciso”.

Ambos os professores utilizaram aulas expositivo-dialogadas, o que sugere o uso de perguntas e respostas, numa interação direta com os alunos. Na Aula 1, percebe-se que o professor teve dificuldade nessa interação, deixando pouco tempo para as respostas e não incentivando a discussão entre os alunos. Em relação à interação professor-aluno, Gauthier et al. (2013, p. 221) afirmam que a utilização de perguntas feitas pelos professores “desempenha um papel importante dentro do conceito de ensino explícito”. Algo semelhante também foi observado na Aula 2, onde nas palavras de um dos observadores o professor concedia: “pouco tempo para as respostas dos alunos às perguntas feitas”. Nesse aspecto, o autor supracitado destaca que os professores devem permitir um tempo de três a cinco segundos para reflexão dos estudantes, e recomenda-se a insistência nas perguntas em caso de não respostas, fator que gera ganhos de aprendizagem.

Gauthier et al. (2013) reconhecem que a qualidade da compreensão dos alunos está diretamente ligada à habilidade do professor para fazer perguntas e obter respostas. Afirmam que o bom êxito dessa prática está correlacionado com a designação direta de alguns alunos para darem as respostas. Para os autores, perguntas feitas genericamente não costumam ter resultados satisfatórios.

Um importante elemento destacado pelos mesmos autores em relação às perguntas é o fato de que elas necessitam ser claras, diretas, estimulantes e de acordo com o nível cognitivo dos alunos. Porém reforçam que “professores eficientes fazem pausas adequadas quando interrogam os alunos” (GAUTHIER et al., 2013, p. 227) e insistem nas perguntas, dando pistas ou mudando a formulação para que elas sejam mais bem assimiladas.

Nesse sentido, cabe a crítica feita por um dos observadores relativa à Aula 1, ao afirmar que o professor deixou pouco tempo para os alunos responderem ao que foi questionado. Percebe-se na aula que o silêncio para cada pergunta não respondida não ultrapassou dez segundos, tempo não suficiente para a elaboração das respostas, e que não houve a insistência do professor no sentido de conseguir uma resposta dos alunos. Esse fato foi percebido pelo docente da Aula 1 em sua autoavaliação, ao reconhecer o efeito que a “gravação” de uma aula pode provocar:

No meu caso, a pouca interação nessa aula específica deu-se especialmente pelo fato de a aula estar sendo gravada. Me senti mais nervoso e ansioso, e notei os alunos mais tímidos. Em parte, também, a preocupação com o tempo da aula e da gravação da mesma - queria que a aula inteira coubesse em uma gravação de uma hora - também dificultaram nesse processo, e por isso também os tempos curtos para as respostas. Contudo, ao assistir a filmagem da aula, dei-me conta de que, no processo pedagógico, de fato a minha ansiedade por ter as perguntas respondidas no menor tempo possível muitas vezes atrapalha o andamento da aula. É melhor que haja mais perguntas respondidas pelos alunos do que mais perguntas respondidas pelo professor. (Docente da Aula 1)

A mesma reflexão, quanto ao tempo para respostas, foi feita pela docente da Aula 2:

Com certeza mudaria o tempo destinado para as respostas dos alunos, ou seja, após um questionamento meu, terei mais paciência para esperá-los processar a resposta a ser dada. Percebi, ao ver o vídeo, que eles sabiam a resposta, mas eu me antecipei respondendo por eles como se não soubessem. Percebi também, que por conta da programação que eu havia feito para a aula, e a preocupação com a filmagem me fizeram acelerar o conteúdo em alguns momentos, e continuando as aulas na semana seguinte, foi justamente esse conteúdo que eu tive que repetir a pedido da turma. (Docente da Aula 2)

Verifica-se, por meio das autoavaliações dos professores que tiveram suas aulas observadas e discutidas no grupo maior, o efeito da filmagem sobre a aula, que interferiu tanto nas relações professor-aluno, como na timidez dos estudantes e na ansiedade dos docentes, assim como no planejamento da aula, que centrou-se no tempo de gravação da atividade, o que sugere maior atenção para futuras pesquisas envolvendo aulas gravadas.

Uso de estratégias didáticas

O uso de slides para apresentar conteúdos foi observado nas duas aulas analisadas. Na Aula 1 foram apresentadas ilustrações, frases e imagens que ajudaram na compreensão do texto, enquanto, na Aula 2, desenhos de músculos em detalhes foram exibidos. Há uma concordância unânime entre os observadores de que isso, associado ao fato de os slides serem bem elaborados, ajudou na compreensão dos conteúdos pelos alunos.

O uso de estratégias didáticas auxilia no incentivo à aprendizagem, segundo Haidt (2000). Essa autora apresenta alguns procedimentos que corroboram o processo:

  • Articulando-se o que está sendo ensinado, a partir do real, do vivencial do estudante, até as abstrações e teorizações;

  • Apresentando os novos conteúdos a partir de uma questão problematizadora ou situação-problema;

  • Usando procedimentos ativos de ensino e aprendizagem, pelos quais podem observar, comparar, classificar, ordenar e manipular dados concretos;

  • Incentivando o estudante a se autossuperar gradualmente;

  • Planejando as atividades do dia a dia em conjunto com a classe;

  • Esclarecendo os objetivos a serem atingidos com determinada atividade e sua relação com a sua prática diária;

  • Mantendo um clima agradável em classe, estimulando a cooperação entre os membros;

  • E, por fim, informando regularmente os alunos de seus progressos e resultados.

À luz das estratégias de Haidt (2000), verifica-se que ambos os professores aqui analisados das Aulas 1 e 2 fizeram uso desses procedimentos. O professor da Aula 1 fez uso de exemplos políticos para apresentar conceitos de ética; a professora da Aula 2, ao fazer com que os estudantes localizassem em seu corpo as partes que estavam vendo nas imagens, também usou um procedimento ativo, mantendo um clima agravável em sala de aula.

O incentivo e a interação em classe também são abordados transversalmente por Meirieu (1998). Para ele, o uso das didáticas e das interações resulta que o estudante deseje aprender. Nesse aspecto, cabe ao professor “fazer do saber um enigma” (MEIRIEU, 1998, p. 92, grifos do autor), isto é, mostrar o conteúdo e comentar sobre ele para entrever seu interesse e riqueza, e assim suscitar a vontade de desvendá-lo. Um aspecto importante trazido pelo autor é que, em aulas expositivas, o docente tende a antecipar as explicações, matando já no início a mobilização em torno da aprendizagem. Essa premissa apontada pelo autor pode ser relacionada aos tipos de aula analisados pelos professores das aulas 1 e 2, a expositiva, onde o professor era o cerne das questões e da maior parte das respostas.

Ainda referente à Aula 2, pondera-se que existem outros recursos que poderiam ter sido explorados, como imagens tridimensionais ou o uso de bonecos, o que geraria uma visualização melhor da musculatura apresentada. Um dos observadores acrescenta ainda que o corpo dos alunos foi pouco explorado. Esse poderia ter sido um recurso didático interessante para demonstrar o funcionamento dos músculos, o que ocorreu apenas uma vez durante a aula. Nesse aspecto, a docente dessa aula reconhece que

[...] poderia ter antecipado a parte mais prática da aula, pois a turma cansou bastante na primeira parte da aula, é claro que para tal depende a organização prévia de laboratório, mas não é impossível. Eu não previ que aquela quantidade grande de informações precisava de uma pausa, ou uma atividade mais dinâmica para ficar mais leve. (Docente da Aula 2)

Gauthier et al. (2014, p. 178) recordam que “além de explicações teóricas, o aluno precisa ver um fenômeno concreto correr diante de seus olhos”, o que implica na “manipulação de objetos pelos alunos”. Pela análise dos observadores, percebe-se que a manipulação que poderia ter ocorrido na Aula 2 acabou não acontecendo.

No chamado ensino explícito, o uso de estratégias didáticas é muito importante. Dentre as estratégias aparecem as diversas modalidades de trabalho em grupo (GAUTHIER et al., 2014), que, além de favorecer a interação, têm a função de facilitar o desempenho dos alunos mais fracos, porém não foi registrado esse tipo de atividade nas aulas observadas.

Tempo entre conteúdo e prática

De acordo com os observadores, na Aula 2 foram identificados três momentos: o primeiro denominado aquecimento inicial; o segundo, desenvolvimento; e o terceiro, fechamento da aula. Destaca-se o fato de que o tempo foi efetivamente bem distribuído. Merecem destaque dos observadores as atividades de revisão feitas pela professora para reforçar os conteúdos já trabalhados. Na Aula 1 o tempo não foi tão bem distribuído, embora também tenha havido uma abertura, um desenvolvimento e um fechamento, porém de forma menos sistematizada.

Gauthier et al. (2014, p. 155) apresentam como fundamental a gestão do tempo: “quanto mais os alunos estiverem ativamente envolvidos em atividades de aprendizado de nível apropriado, mais as possibilidades de eles aprenderem serão maximizadas”. Nesse sentido, discordam Archer e Hughes (2011), ao compreenderem que a relação entre tempo e aprendizagem não é uma relação necessária, para eles, existem outras variáveis envolvidas, entre elas a qualidade do material oferecido. Também afirmam que, de maneira geral, em média, 70% do tempo é utilizado nas aulas com atividades ligadas à aprendizagem dos conteúdos. Um aumento nesse tempo, associado à qualidade de sua utilização, traria melhorias na aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As duas aulas tiveram início, meio e fim, de acordo com os observadores. Isso favoreceu o desenvolvimento de cada uma delas. Referente à Aula 1, os observadores avaliaram como correta a abordagem ao se utilizarem slides com imagens, charges e exemplos do cotidiano, pois isso motiva os alunos a participarem. No entanto, verificou-se que os exemplos poderiam ter sido mais bem elaborados: aqueles relacionados à ética na política referiram-se a apenas uma posição política, manifestando uma tendência ideológica e não propiciando a pluralidade e múltiplas visões dos problemas políticos os quais exemplificava.

A prática de utilizar exemplos está ligada à ideia de uma exposição mais clara possível de conteúdos. As aulas ilustradas com exposições mais factuais, associadas à vida dos alunos, são mais exitosas. Além dos exemplos da vida cotidiana oferecidos pelo professor, a solicitação de participação aos alunos pode ser no sentido de cooperar com exemplos que ajudem a ilustrar o que estão aprendendo. Gauthier et al. (2013) afirmam que a participação dos alunos nesse sentido é parte fundamental da aprendizagem. Segundo esses autores, os professores considerados mais eficientes dedicam cerca de 50% da aula à prática de atividades. Nesse aspecto, o emprego de bons exemplos e analogias está diretamente relacionado a um nível elevado de êxito em aula.

Embora os resultados obtidos por este estudo sejam muito valiosos, evidencia-se a necessidade de serem realizadas maiores pesquisas nesse âmbito, de modo a ampliar a visão, tanto dos aspectos positivos quanto das desvantagens do modelo SATS. Estudos com a abordagem SATS não foram encontrados em nossa revisão de literatura no contexto brasileiro.

Algumas das limitações do presente estudo incluem, por exemplo, a quantidade de participantes, que reuniu dados de apenas duas aulas. Assim, para aprimorar, refinar e tornar esse modelo mais acessível para outros professores, seria necessário expandir a amostra e conduzir a mesma pesquisa em mais salas de aula, incluindo professores experientes e iniciantes. Da mesma forma, é desejável também coletar dados de práticas de ensino com o SATS em diferentes disciplinas. Pesquisas futuras devem ser focadas nesses aspectos para que, assim, se possa ter uma melhor compreensão sobre os potenciais que a abordagem SATS pode fornecer para que os professores, formadores de futuros professores, possam melhor exercer a profissão docente. A esse respeito, Spicer-Escalante e Checketts (2019) integraram aspectos da SATS e da docência compartilhada para explorar outras estratégias em sua busca da excelência no ensino.

Finalmente, os autores deste artigo concluem que esses exemplos de SATS mostram a importância de aprender a ser um professor reflexivo. Entretanto, mais importante que isso é a evidência de que a prática aqui desenvolvida, no contexto da docência enquanto professores formadores de professores, necessita ser ampliada de modo a fazer o ensino e aprendizagem mais efetivos. Isso se justifica, pois quanto mais bem desenvolvido o processo de ensino na atuação com futuros professores, eles melhor aprendem a serem professores no futuro. Nessa direção, quando se continua a observar e a refletir sobre a prática, ocorre a possibilidade de ela ser melhorada, em conjunto com o exercício docente, para que cumpra sua função: contribuir para a formação de professores, independentemente da área em que atuarão.

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1Do original: “the observed instructor, who expects these suggestions, has the opportunity not only to reflect upon the offered suggestions but he/she is also able respond to them”.

2Do original: “reflective practice can best be understood as a cyclical process, moving from reflection-for-practice through reflection-in-practice and on to reflection-on-practice, which then leads on to new reflection-for-practice”.

Recebido: 01 de Dezembro de 2019; Aceito: 21 de Fevereiro de 2020

NOTA:

Os autores deste artigo colaboraram conjuntamente com a sua construção, ou seja, sua estruturação, fundamentação teórica, análise e discussão dos dados tiveram a participação de todos os integrantes, sob a coordenação da Dra. Vera Lucia Felicetti. Todos participaram de reuniões on-line e uma presencial, que ocorreu durante a visita in loco da Dra. Spicer-Escalante na Universidade La Salle em 2019. Foi uma escrita em conjunto, não houve delimitações ou partes designadas a cada um dos autores.

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