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Estudos em Avaliação Educacional

Print version ISSN 0103-6831On-line version ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.31 no.76 São Paulo Jan./Apr 2020  Epub Aug 26, 2020

https://doi.org/10.18222/eae.v0ix.6292 

ARTIGOS

FORMANDO FORMADORES: ENSINO E AVALIAÇÃO DE PRODUÇÃO TEXTUAL EM REDE MUNICIPAL

FORMANDO FORMADORES: ENSEÑANZA Y EVALUACIÓN DE LA PRODUCCIÓN TEXTUAL EN LA RED MUNICIPAL

TRAINING TRAINERS: TEXTUAL PRODUCTION TEACHING AND ASSESSMENT IN A MUNICIPAL EDUCATION SYSTEM

LÍLIAN GHIURO PASSARELLII 
http://orcid.org/0000-0003-3892-7840

IPontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Formação de Formadores e Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa, São Paulo-SP, Brasil; lghiurop@pucsp.br


RESUMO

Este estudo averigua percepções de participantes de formação em contexto sobre ensino e avaliação da produção textual, que tiveram por incumbência constituírem-se como multiplicadores dos docentes de Língua Portuguesa de rede municipal na região Sudeste. A análise dos dados aponta que as percepções dos sujeitos (i) destacam a colaboração como princípio estruturante da formação, compartilhando saberes e experiências entre formandos e formador em interatuação; (ii) espelham o papel da teoria de base sociointeracionista, sustentando a reflexão sobre a prática; (iii) elegem a transformação da prática pelo pressuposto teórico-metodológico da avaliação para a aprendizagem como processo formativo, evidenciando que a qualidade da avaliação do texto do estudante pode ser auferida pela compatibilização da abordagem criterial com as perspectivas experienciais dos sujeitos-professores.

PALAVRAS-CHAVE: AVALIAÇÃO PARA A APRENDIZAGEM; FORMAÇÃO DE FORMADORES; PRODUÇÃO TEXTUAL; AVALIAÇÃO FORMATIVA

RESUMEN

Este estudio indaga en la percepción de los participantes de formación dentro del contexto de la enseñanza y la evaluación de la producción de textos, que han tenido como objetivo constituirse en multiplicadores de los docentes de Lengua Portuguesa en la red municipal de la región Sudeste. Los análisis de los datos arrojan que en la percepción de los sujetos (i) se destaca la colaboración, como principio estructurante de la formación, compartiendo saberes y experiencia entre el formador y los que se forman; (ii) se refleja el papel de la teoría basada en la interacción social que sostiene la reflexión sobre la práctica; (iii) se elige la transformación de la práctica por el presupuesto teórico-metodológico de la evaluación para el aprendizaje como proceso formativo, evidenciando que la calidad de la evaluación del texto del estudiante, se puede obtener a través de la compatibilización del abordaje criterial con las perspectivas de las experiencias de los sujetos-profesores.

PALABRAS-CLAVE: EVALUACIÓN PARA EL APRENDIZAJE; FORMACIÓN DE FORMADORES; PRODUCCIÓN TEXTUAL; EVALUACIÓN FORMATIVA

ABSTRACT

This study examines the perceptions of training participants in a context of textual production teaching and assessment; the participants were being trained to be Portuguese teacher trainers for a municipal education system in Brazil’s Southeast region. The data analysis shows that the participants’ perceptions (i) highlight collaboration as a structuring principle of training, through the sharing of knowledge and experiences between participants and the trainer; (ii) reflect the role of social interactionist theory in supporting reflection about practice; (iii) choose the transformation of practice through the theoretical-methodological assumption of assessment for learning as a training process, thus showing that the quality of assessment of students’ texts can be reached by making the criterial approach compatible with the experiential perspectives of subject-teachers.

KEYWORDS: ASSESSMENT FOR LEARNING; TRAINING OF TRAINERS; TEXTUAL PRODUCTION; FORMATIVE ASSESSMENT

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

É consensual que merecem investimentos tanto o ensino da produção textual como a forma com que têm sido avaliados os produtos realizados pelos estudantes da escola básica. Não que se trate de objetos distintos, uma vez que ensinar implica avaliar, adotando, segundo Hadji (2001, p. 19), a função da avaliação formativa como contribuição a “uma boa regulação da atividade de ensino (ou de formação, no sentido amplo)”.

Práticas pautadas em genéricas injunções - “redija um texto sobre política”, por exemplo (texto que será corrigido e avaliado apenas com base na “higienização” e no prodígio da nota) - precisam de outro enfoque. Entendida como a “limpeza” da produção do estudante, a higienização prima por cuidar de aspectos alusivos à superfície textual, ao normativismo ditado por um ensino gramatical ortodoxo, cujo objetivo se atém à fixação de regras e de convenções. Em lugar de uma frase imprecisa e, na maioria das vezes, oralizada, sobre o que terão que escrever, os estudantes têm direito de receber por escrito a proposta de produção textual, contendo não só as orientações norteadoras sobre todos os elementos que envolvem o contexto da tarefa,1 mas também os critérios com os quais será avaliado o desempenho dos estudantes, de modo a “possibilitar que eles tenham um claro entendimento tanto dos objetivos do trabalho quanto do que significa fazê-lo com sucesso” (BLACK et al., 2018, p. 166).

É preciso substituir o burocratismo utilitarista que apenas “limpa” o texto pelo comprometimento com o projeto de dizer do estudante e “ressignificar o ensino da escrita via intervenção mediadora do professor em favor da construção de um sujeito-autor de textos” (PASSARELLI, 2012, p. 64).

A ressignificação do ensino da escrita inclui, necessariamente, a avaliação como recurso metodológico que, no processo ensino-aprendizagem,2 auxilia a (re)organizar o trabalho para que os alunos aprendam mais e melhor.

Certo é que o ensino da produção textual demanda domínio da teoria que fundamenta a escrita processual, o que requer o desapego do professor a determinadas práticas prescritivistas e/ou higienistas para assumir-se como mediador de aprendizagens e conceber que avaliar é atribuir valor ou mérito (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004).

Pela assunção do que referem Jorba e Sanmartí (2003, p. 26), esse desapego implica apropriar-se do “caráter pedagógico, de ajuste do processo de ensino-aprendizagem, de reconhecimento de mudanças que devem, progressivamente, ser ­introduzidas nesse processo para que todos os alunos aprendam de forma significativa”.

Outro essencial cuidado diz respeito à atenção demasiadamente voltada ao instrumento ou ao método de avaliação, como advertem Vargas, Peres e Dias (2019). Procedimentos metodológicos desconectados da realidade em que se inserem acarretam empecilhos que comprometem a percepção da conexão das avaliações com as práticas, pois “a centralidade do método é tamanha que se perde de vista a avaliação como processo, seu caráter de saber construído - pautado em escolhas, valores e princípios - e sua relação intrínseca e necessária com a aprendizagem” (VARGAS; PERES; DIAS, 2019, p. 143).

Diante da complexidade atinente à prática de ensinar o não menos complexo ato de escrever, tem havido esforços de secretarias municipais e estaduais de educação em promover formações para esse ensino. Considerando uma de tais formações, este estudo se propõe averiguar as percepções de participantes sobre a ­proposta desenvolvida numa formação em contexto destinada ao ensino e à avaliação da produção textual. Esses sujeitos frequentaram o curso tendo por incumbência se constituírem como multiplicadores/formadores junto aos demais docentes de Língua Portuguesa de rede municipal na região Sudeste.

Com Matos e Jardilino (2016, p. 27), acata-se percepção como “‘organização e interpretação de sensações/dados sensoriais’ que resultam em uma ‘consciência de si e do meio ambiente’, como uma ‘representação dos objetos externos/exteriores’”. Nessa concepção, os autores destacam a interpretação, uma vez que “não percebemos o mundo diretamente porque a nossa percepção é sempre uma interpretação desse mundo” (MATOS; JARDILINO, 2016, p. 27).

Daí por que a opção pelos pressupostos da pesquisa qualitativa que, como afirmam Bogdan e Biklen (2013), analisa dados de forma indutiva, isto é, ainda que a experiência sirva de base e integre o olhar da investigação, o objetivo não é confirmar hipóteses anteriormente construídas, pois os dados se prestam mais à elucidação de perspectivas que merecem de fato atenção. No caso em análise, o desenho da formação em contexto, alinhado à reorientação das práticas de avaliação da produção textual, como “elemento promotor da qualidade das aprendizagens e, simultaneamente, como dispositivo transformador” (ROLDÃO; FERRO, 2015, p. 580) das práticas referentes ao ensino da escrita, foi posto sob escrutínio mediante identificação das percepções avaliativas sobre o curso, obtidas a partir de dados que, posteriormente tratados, foram coletados por meio de instrumento avaliativo no qual os participantes procederam à avaliação do curso e à sua autoavaliação.

Assim, neste trabalho, em relação à produção textual, o aporte teórico-metodológico da avaliação subsidia seu ensino como recurso pedagógico e formativo para promover melhoria na qualidade do processo de ensino-aprendizagem da escrita processual. Já no que se refere à metodologia deste estudo, a avaliação, como produção de julgamentos do valor do que está sendo avaliado (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004), recorre às abordagens empregadas que partem da descrição do que foi desenvolvido no curso e que seguem, com base em Jorba e Sanmartí (2003, p. 25), as três etapas do processo avaliativo, as quais servem para (i) recolher informação, por meio do instrumento aplicado aos participantes ao final da formação em contexto; (ii) analisar a informação coletada, mediante categorias sistematizadoras que também foram contempladas no curso, com fechamento sobre o resultado da análise; e (iii) tomar decisões norteadas por esse fechamento, sinalizando o que precisa ser mudado/melhorado/substituído em outras formações em contexto.

Para alicerçar seus propósitos, além dessas considerações iniciais e das considerações finais, seguidas das referências bibliográficas, este texto organiza-se em partes, a saber: avaliação para a aprendizagem no ensino da produção textual; ensino da produção textual na visão sociointeracionista; produção textual como processo de construção; tábuas de correção para avaliar o texto-produto; e contextualização da coleta de dados e análise das percepções dos sujeitos.

AVALIAÇÃO PARA A APRENDIZAGEM NO ENSINO DA PRODUÇÃO TEXTUAL

Inicialmente, é preciso discernir três conceitos que, embora fortemente relacionados, requerem iluminação: aprendizagem, ensino e avaliação.

Aprendizagem enreda transformação em processo. Aprender é “construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito”, nas palavras de Freire (1997, p. 61). Longe da trivial transmissão em que o professor “passa” conteúdos, “os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador igualmente sujeito do processo” (FREIRE, 1997, p. 26). Ser sujeito, pois, é arrogar a construção da própria aprendizagem.

O ensino engloba o movimento dinâmico e dialético entre o fazer e o pensar sobre o fazer, pela reflexão crítica sobre a prática, recobrando mais uma vez o pensamento de Freire (1997, p. 43-44). Abarca diversificada gama de práticas como a troca de ideias e sugestões de atividades entre colegas (até mesmo de modo informal, nos corredores da escola); a produção de relatos reflexivos sobre o que se realiza em sala de aula; e a tematização da prática. Pressupõe ser construído a partir da competência do professor que planeja, pesquisa e sempre se revê por meio da autoavaliação. Reside aqui a ideia de professor como pesquisador que, “aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições”, constitui-se como um ser crítico e inquiridor, consciente de que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 1997, p. 47). Para além de ensinar um dado conteúdo, ensinar é desafiar o aluno a se perceber - na e pela própria prática - como sujeito que é capaz de saber. Ao tratar da temática referente ao conteúdo da disciplina, que é tanto o objeto de ensino do professor como da aprendizagem dos alunos, o papel do professor é ajudá-los a se reconhecer “como arquiteto[s] de sua própria prática cognoscitiva”, ainda nas palavras de Freire (1997, p. 121, grifo do autor). Num esforço de consciência reflexiva, o ensinante se revê para interpretar sua ação e a realidade vivida e passa a pensar a avaliação do rendimento escolar não só direcionada aos aprendentes, mas também a si próprio.

Avaliação demanda acompanhamento do processo de construção do saber que o sujeito-aprendente desenvolve pela mediação do sujeito-ensinante. Aqui, acompanhar tem relação com o processo que - continuada e interventivamente - acontece, de modo a identificar o que o estudante sabe, o que ainda não sabe e o que precisa ser feito para ele enfrentar e superar o que está dificultando a construção de saberes.

O que perpassa os três conceitos - aprendizagem, ensino e avaliação - é que todos constituem-se como processos, dos quais faz parte a experiência numa perspectiva crítico-reflexiva que, mediada pelo professor, uma vez que, comprometida com a construção do sujeito-aprendente, tem aclaramento na citação:

Ensinar e aprender têm que ver com o esforço metodicamente crítico do professor de desvelar a compreensão de algo e com o empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando como sujeito em aprendizagem, no processo de desvelamento que o professor ou professora deve deflagrar. Isso não tem nada que ver com a transferência de conteúdo e fala da dificuldade mas, ao mesmo tempo, da boniteza da docência e da discência. (FREIRE, 1997, p. 116).

Esse desvelamento aquilata que a essência de qualquer processo avaliativo pondera a qualidade do que se pretende avaliar, o que implica identificar evidências que revelem tal qualidade. Como orienta Fernandes (2013), é imprescindível caracterizar e discutir as abordagens utilizadas para delinear a qualidade de um objeto que, no caso deste estudo, diz respeito ao curso desenvolvido junto aos multiplicadores da secretaria de educação municipal (conforme consta na parte deste artigo que contextualiza a coleta de dados).

Consentindo com Fernandes (2013, p. 30) que a avaliação propicia o discernimento da qualidade, que é viável a partir do uso “complementar de avaliações baseadas em critérios e de avaliações baseadas na experiência e nas práticas das pessoas”, articular essa complementaridade enseja a obtenção de “melhores avaliações e melhores juízos acerca do mérito e do valor” de qualquer que seja o objeto da avaliação (FERNANDES, 2013, p. 27). Essa articulação da avaliação de natureza criterial, cuja característica é a busca pela objetividade, com abordagens escoradas nas experiências, portanto mais subjetivas, podem conferir mais credibilidade à interpretação dos fenômenos educativos.

Na abordagem criterial, “a qualidade é determinada através da comparação entre as evidências obtidas no processo de avaliação e os critérios definidos de acordo com uma variedade de processos” (FERNANDES, 2013, p. 19), o que conduz à posse da qualidade considerada como real, mais objetiva e não atrelada a quem avalia. A abordagem da qualidade embasada na experiência e nas práticas dos envolvidos assenta-se “essencialmente na descrição, análise e discussão das percepções que os intervenientes no processo têm dessa mesma qualidade” (FERNANDES, 2013, p. 19) que, construída socialmente, baseia-se também “na proximidade do avaliador com o objeto de avaliação no seu contexto” (FERNANDES, 2013, p. 21) em busca da apreensão dos significados que os sujeitos atribuem aos fenômenos que vivenciam.

A atenção e o cuidado requeridos para trabalhar com o ensino da produção textual sinalizam que os pressupostos da avaliação formativa (BLACK; WILLIAM, 1998; HADJI, 2001) são os que mais se coadunam a orientar o aprendiz quanto ao trabalho escolar e subsidiar o professor a conhecer mais sobre o processo de aprendizagem dos estudantes, bem como sobre suas estruturas de pensamento, a ponto de entender por que eles estão (ou não) aprendendo. Ao possibilitar a detecção de dificuldades, do tipo de erro que o aluno comete e do raciocínio empregado para resolver o que lhe é proposto, não focalizando apenas o resultado, o professor pode ajudá-lo a descobrir os processos que permitirão seu progresso na apreensão dos conhecimentos, desenvolvimento e aprimoramento de competências.

Esse ponto de vista epistemológico, com base na vertente processual da avaliação em seu viés formativo, adota como princípio estruturante a avaliação para a aprendizagem, com base em Black et al. (2018, p. 156), que a concebem como qualquer processo avaliativo que prioriza promover as aprendizagens dos estudantes.

Nesse sentido, ela [a avaliação para a aprendizagem] difere de avaliações cujo foco primário é servir aos propósitos de responsabilização, ranqueamento ou para certificar competências. Uma atividade avaliativa pode ajudar os estudantes se ela prover informações que os próprios estudantes e os professores possam utilizar enquanto devolutivas para avaliarem a si próprios e uns aos outros, e que aja na modificação das atividades de ensino e de aprendizagem nas quais ambos estão engajados. Ela se torna uma “avaliação formativa” quando as evidências coletadas são efetivamente utilizadas para adaptar o trabalho do professor de modo a atender às necessidades dos estudantes. (BLACK et al., 2018, p. 156)

Como o ensino da produção textual, mais especialmente na educação básica, tem primado por atividades que nem sempre prezam a mediação do professor em favor do aprimoramento da escrita, essa concepção de avaliação acolhe que o ato de avaliar é praticado a serviço do conhecimento, em associação imediata com a ação ética da avaliação que, regida por valores e princípios para sustentar a ação, garante que a função formativa se efetive. Daí Santos Guerra (2007, p. 17) assumir a avaliação como um fenômeno moral por repercutir significativamente nas pessoas, nas instituições e, evidentemente, na sociedade. “Na avaliação há poder (que deve se colocar a serviço das pessoas) e deve haver ética”.

Ao conhecer mais sobre o que seus estudantes estão (ou não) realizando, com a detecção de dificuldades e do tipo de erro, o professor busca o que fazer com o que precisa de investimento. Por isso, o erro é encarado como inerente à aprendizagem, e o professor o tem como “um estado de representações, olhando-o sem se escandalizar”, já que é de uma dada fase de construção da aprendizagem “em que os alunos não se situam no mesmo ponto” (AZEVEDO, 2000, p. 66). Ou seja: deve-se julgar o erro como normal e característico de um determinado nível de desenvolvimento na aprendizagem, como “um instrumento de construção do saber”, de acordo com Serpa (2010, p. 63), bem como “fonte de reorientação”.

ENSINO DA PRODUÇÃO TEXTUAL NA VISÃO SOCIOINTERACIONISTA

As ações formativas voltadas ao professor de Língua Portuguesa em serviço são organizadas em torno de atividades linguísticas - epilinguísticas e metalinguísticas -, priorizando exercícios de prática da língua e não de mera análise. As epilinguísticas implicam trabalho de reflexão voltado para o uso no próprio interior da atividade linguística em que se realiza, com a reflexão sobre a língua em situações de produção e interpretação. As atividades metalinguísticas estão relacionadas a um tipo de análise voltada para a descrição, por meio da categorização e sistematização dos elementos linguísticos, com a classificação ou o levantamento de regularidades sobre essas questões (GERALDI, 1995).

Os postulados da construção textual sob o enfoque sociointeracionista se ancoram na dimensão social que tem a língua escrita como um objeto cultural com funções sociais diversas materializadas em textos, visto que a prática da língua se dá por textos e não por frases estanquemente agrupadas.

Considerar as funções sociais da escrita vincula o ensino à vida para além da escola e contribui para lidar com a relutância de alguns estudantes em relação à tarefa de escrever. Tanto as funções sociais como os propósitos comunicativos dizem respeito aos objetivos que orientam o sujeito a produzir seu texto. Daí a existência, de acordo com o que se quer veicular, de diferentes suportes que variam e extrapolam os materiais tradicionais de impressão para acompanhar as necessidades que emergem de nosso contexto culturalmente pluridiverso e toda a plurifacetária materialização dos textos em gêneros “com os quais os sujeitos interatuam com suas variadas linguagens na vida cotidiana destes tempos” (PASSARELLI, 2019, p. 80).

Esclarecer o propósito comunicativo - o motivo por que escrevemos para atender às prerrogativas atuais de nossa sociedade - em diferentes situações do contexto multimidiático, quer da vida cotidiana, quer da escolar, pode ser um exercício de reflexão também para o desbloqueio frente ao papel em branco.

Como as relações humanas são permeadas e estabelecidas pela linguagem, a escola, por ser instância pública de uso da linguagem, precisa propiciar situações favoráveis para o sujeito construir-se como cidadão participativo. Essa linha de ação ampara-se na concepção de linguagem como processo interacional “entre sujeitos que usam a língua em suas variedades” (PASSARELLI, 2012, p. 120) não só para se comunicar, como também para exteriorizar pensamentos e informações e, especialmente, para praticar ações com o outro, exercer ações sobre o outro. “A linguagem é atividade constitutiva histórica e social” (PASSARELLI, 2012, p. 120), produzida por sujeitos, que interagem, na maioria das vezes, por textos, seguindo padrões dos lugares sociais estipulados pela sociedade da qual fazem parte. Nessa interatuação, como cada sujeito se constitui diferente do outro, a liberdade de cada um é preservada.

No trabalho com a linguagem em uso na perspectiva textual, é preciso atentar para que as ideias estejam interligadas de maneira lógica, com organização coerente, tendo como ponto de partida o contexto de uso e não a regra gramatical. O trabalho com os aspectos gramaticais é relevante para a produção e a recepção, na medida em que recorrer a tais aspectos auxilia na construção dos sentidos. Não se trata da gramática como fim, mas como meio para alimentar tal construção.

Como objeto cultural, a língua escrita, materializada em textos construídos de modo a atender necessidades sociais, precisa ser contemplada em funcionamento. Por essa razão o pleno conhecimento das peculiaridades estruturais, linguísticas e discursivas dos gêneros e tipos textuais regularmente produzidos na escola é condição sine qua non para que o professor possa aplicar e corrigir propostas de produções textuais.

PRODUÇÃO TEXTUAL COMO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO3

Ensinar a escrita como processo envolve a mediação do professor que investe ativamente em todas as etapas do processo: planejamento, tradução de ideias em palavras, revisão e editoração. Como mediador que incentiva e participa da construção do texto de seus alunos, essa produtiva parceria merece destaque nas etapas de revisão e consequente reescrita. O professor não mais se manifesta como um simples higienista do texto do aluno, mas como um coparceiro que explora o “para que” dizer, a quem dizer, por que dizer. Para além de apenas “passar a limpo” o texto, de acordo com Fabre-Cols e Cappeau (1996, p. 54) a reescrita é formada por episódios práticos de modificação, por intermédio dos quais vários estados do texto em processo constituem as sequências retomadas, que resultam no texto-produto.

Como há procedimentos específicos que exigem muita dedicação, a explicitação do que cada uma dessas quatro etapas constitutivas do processo de escrever demanda é de vital atenção, como está posto a seguir, ainda que muito sucintamente.

Na primeira etapa, a do planejamento, dá-se uma série de operações, como seleção de informações relevantes e organização de ideias, sempre reputando o perfil do futuro leitor. Não importa por qual procedimento se inicie - planejamento escrito ou mental, planejamento formal, busca de fontes, tentativas de expressão -, esse é o estágio do processo de composição em que, hesitantemente, o produtor começa a encontrar o circuito de seu tema. Para muitos, planejar lhes parece pura perda de tempo e equivale a adiar o momento de escrever. Todavia planejar é justamente o contrário, pois tudo que é bem pensado previamente propicia economia de tempo por estimar, dentro do tempo de que se dispõe, como contemplar todas as peculiaridades do contexto da tarefa que devem constar da proposta de produção textual: o gênero/tipo textual; o propósito comunicativo; a natureza da informação ou conteúdo (assunto); o contexto de circulação e seu(s) leitor(es); o registro linguístico em uso na situação interlocutiva; a extensão do texto; e a fundamental forma com que o texto será corrigido e avaliado.

A segunda etapa - a da tradução de ideias em palavras - cuida da primeira versão do texto. É quando as ideias levantadas passam para o papel, num trabalho que pressupõe organizar o texto em unidades de base - os parágrafos - de modo que a sua interligação não configure o texto como uma colcha de retalhos mal alinhavados. Essa conversão em língua escrita das ideias articuladas, segundo o que foi aventado no planejamento, configura-se no texto provisório produzido até então e, como tal, a ser revisto.

A terceira etapa diz respeito à revisão e, consequentemente, à reescrita. Além do próprio produtor, pode ser realizada também pelos colegas e/ou pelo professor. A função da revisão é proceder à leitura do material textual produzido, a fim de ajustar aspectos voltados à adequação da língua escrita de acordo com o contexto de produção. De escritor, o sujeito passa a ser leitor de si mesmo, voltando a ser escritor novamente: altera partes de seu texto, inclui uma frase ou outra, descarta um parágrafo, insere frases de transição entre parágrafos, examina detalhadamente sua produção de acordo com aquilo que a língua escrita convenciona, verifica a exatidão quanto ao significado e analisa a acessibilidade e aceitabilidade por parte do leitor. O professor pode monitorar a reescrita já nessa fase, ainda que seja comum indicar ao aluno somente após a editoração a necessidade de reescrita do texto. O indispensável é que existam orientações para além daquelas imprecisas “dicas”: “falta coesão”, “rever pontuação”, “a gramática precisa ser revista”, etc. Os alunos também podem trocar seus textos provisórios, comentar e sugerir ajustes uns aos outros, o que costuma conduzir o próprio autor a perceber lacunas, inadequações e outros problemas localizados em relação aos procedimentos coesivos, por exemplo. Há também aqui a necessidade do exercício do desapego, da exclusão de redundâncias, o que para o escritor iniciante é uma verdadeira proeza. É difícil tomar a decisão de descartar excessos que deram tanto trabalho para existir. Outra estratégia que contribui para uma revisão mais eficaz é deixar “o texto dormir”. Quanto mais distantes ficam a revisão e a consequente reescrita da primeira versão, mais condições o produtor do texto tem de ser de fato leitor dele mesmo.

Quanto à intervenção do professor, que orienta a reescrita durante a revisão e/ou depois da editoração, sempre a serviço do projeto de dizer do produtor do texto, vale o conhecimento prático da gramática para que o efeito de sentido pretendido seja alcançado com adequação do ato verbal à situação de interação.

O imprescindível é que o professor realmente faça a devolutiva da produção do estudante, pois um dos desgastes do ensino da produção está na ausência de feedback. Com base na avaliação formativa, a devolutiva ao estudante requer dar retorno ao aprendiz sobre o que ele sabe e o que precisa saber para aprimorar seus textos. Aprender a partir do próprio texto tem sido, sem dúvida, um esclarecimento de que o ensino da produção textual não pode prescindir. Black e Wiliam (1998) defendem que, na avaliação formativa, o feedback é o ponto nevrálgico para incitar as próximas fases a serem percorridas pelos estudantes.

A quarta etapa - editoração - pressupõe cuidados pelo caráter público, mesmo que relativo, que o texto pode assumir, como advertem Hayes e Flower (1980), em função da preocupação constante dos escritores em adequar o texto ao público-leitor. Como o processo da escrita envolve recursividade, não é raro que o sujeito mais consciente das demandas de cada etapa da escrita revise novamente o texto ao editorá-lo. Por isso, uma estratégia que costuma funcionar é conceder um intervalo maior de tempo também entre a revisão e a editoração (“deixar o texto dormir”), a fim de que o produtor, ao reler o texto para dar forma final ao que já escreveu, possa ser mais crítico. No contexto escolar, a editoração não deveria restringir-se meramente a “passar a limpo” o texto que, em geral, é lido somente pelo professor que corrige e atribui uma nota. Ao criar situações em que os alunos socializam suas produções, é importante que esteja claro na proposta de produção o que se pretende fazer com o produto final. Nas situações em que o texto não sai da classe, a leitura dos colegas pode propiciar um empenho mais significativo por parte dos produtores.

Há também um componente atuante em todas as etapas da escrita, monitorado pelo produtor do texto - nomeado “guardião do texto” -, cuja função é orientar o produtor-escritor para a manutenção de metas daquilo que ele se propôs escrever. A partir de uma espécie de noção intuitiva que perpassa todo o processo de escritura, há um elemento de “vigilância” que se mantém ativo e intervém para produzir ajustes, servindo de controle para verificar todos os aspectos e ângulos do que está sendo produzido. Ou seja, se as condições da produção estão sendo satisfatórias, tendo em vista a coerência textual. Tal elemento de vigilância considera aspectos da experiência de vida do escritor: o bom senso do sujeito (pautado na realidade concreta), sua intuição (mundo das possibilidades), seus sentimentos (valores pessoais), enfim, sua experiência de vida. A ativação desse componente é intermitente, e as interferências que dele decorrem acontecem durante todo o processamento do texto, de forma não linear e bastante pessoal, pois cada um tem o seu modo de organizar as ideias. Assim o ponto de vista e o objetivo a ser alcançado podem ser alterados durante a escritura, porque existem alguns intercâmbios ao longo do processo de construção do texto que contribuem para efetuar alterações em todos os seus momentos.

TÁBUAS DE CORREÇÃO4 PARA AVALIAR O TEXTO-PRODUTO

Longe da pretensão de se constituírem como fonte para escorar com total objetividade a correção das produções textuais, as tábuas de correção, segundo Black et al. (2018), têm a função de sistematizar os critérios de avaliação do desempenho dos estudantes a fim de propiciar, tanto para eles como para o professor, o entendimento dos objetivos do trabalho escrito e o que sinaliza escrever com êxito.

O acesso dos estudantes aos critérios de avaliação canaliza suas energias para a produção textual mais assertivamente, por criar um clima favorável de trabalho, mais compatível com a natureza complexa da tarefa de escrever. Nada mais justo do que esclarecer ao próprio produtor como seu produto final será avaliado. Serpa (2010, p. 109) reitera essa perspectiva ao ponderar que “a avaliação necessita partir de referentes partilháveis e de acatar o acordado entre avaliadores e avaliados”.

As tábuas foram organizadas em quatro eixos cognitivos,5 cada um deles subdividido em categorias avaliativas segundo os conceitos ótimo, bom, regular e insuficiente. O primeiro eixo reporta à organização/estruturação do texto. O segundo, a aspectos composicionais e constitutivos do tipo/gênero. O terceiro, aos expedientes da coesão textual, por meio dos quais são articuladas as partes do texto, com recursos coesivos referenciais e sequenciais para garantir unidade e progressão textual e construir com adequação a situação de interlocução. O quarto eixo é o da modalidade formal da língua portuguesa, a norma culta, que está propositalmente em último lugar para que não “roube a cena” da avaliação do texto.

Em suma: como a avaliação, por sua natureza, imbui-se de subjetividade, a função das tábuas é municiar a correção de modo que ela não penda para um dos eixos em detrimento de outro(s) e, com isso, minimize a subjetividade com que se costuma corrigir. A ação mediadora que favorece a construção do projeto de dizer dos alunos, assegurando que as ações interventivas desencadeadas pelo processo avaliativo se prestem para a tomada de decisões sobre tais ações, sustenta-se na abordagem criterial utilizada nas tábuas de correção e na abordagem baseada nas práticas e experiências dos sujeitos com os objetos de avaliação.

Tendo por base essas perspectivas, o ensino da produção textual pode obter resultados mais satisfatórios. Por fim deve-se acrescentar: o professor não precisa ser um exímio escritor, mas deve dominar e praticar o que o ensino implica, tanto em relação à perspectiva processual da escrita, como à prática avaliativa de caráter formativo, para que seus estudantes aprendam de forma significativa.

CONTEXTUALIZAÇÃO DA COLETA DE DADOS E ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS SUJEITOS

As abordagens empregadas para averiguar as percepções dos multiplicadores de Língua Portuguesa da rede de ensino municipal da região Sudeste sobre a qualidade da proposta de ensino e de avaliação da produção textual, desenvolvida na formação em contexto, consideram que “o propósito da avaliação é sempre o mesmo - determinar o valor ou mérito”, como ponderam Worthen, Sanders e Fitzpatrick (2004, p. 272).

A formulação de juízos de valor e mérito funciona para subsidiar formações em serviço, percorrendo as três etapas do processo avaliativo (JORBA; SANMARTÍ, 2003), segundo as quais aconteceram (i) a aplicação de instrumento aos sujeitos-participantes ao final da formação para recolha de dados; (ii) a análise de tais dados por meio de categorias que, também trabalhadas durante o curso, sistematizam os resultados; e (iii) a tomada de decisões decorrente de tais resultados, sinalizando o que precisa ser mudado/melhorado/substituído em futuras formações em contexto.

Ainda que em linhas bem gerais, registra-se que a inicial demanda da secretaria de ensino era implementar critérios de correção para os textos produzidos pelos alunos do ensino fundamental. Isso suscita recuperar a crítica de Vargas, Peres e Dias (2019) sobre a prevalência do modo de avaliar em detrimento da finalidade da avaliação e das concepções teóricas atinentes ao ensino e à avaliação da produção textual. Na formação oferecida, essa demanda foi negociada tendo por escopo o ensino e a avaliação da produção textual.

A formação para trinta professores multiplicadores aconteceu no segundo semestre de 2017 no próprio município, em quatro encontros semanais de oito horas cada um, dinamizados por uma mesma mediadora. Para cada um desses encontros formativos foi produzido, também pela mediadora, material pedagógico específico com propostas conectadas às atividades diárias dos professores e, sobretudo, à reflexão sobre a própria prática. As propostas tiveram apoio na base teórico-prática delineada, ainda que não exaustivamente, nas partes precedentes deste estudo. Ao final dos quatro encontros formativos foi realizado, a pedido dos próprios participantes, mais um encontro de quatro horas a fim de reforçar reflexivamente o que seria desenvolvido pelos professores na oficina de oito horas a ser conduzida por eles, dirigida à multiplicação de perspectivas teórico-metodológicas e de práticas da ação formativa sobre ensino e avaliação da produção textual. Nesse último encontro, estiveram presentes 24 participantes aos quais foi aplicado o instrumento para coleta das informações que compõem a análise aqui proposta.

Inicialmente, para lidar com a ressignificação do ensino da escrita que pressupõe, inquestionavelmente, a avaliação das produções textuais, foi abordado o saber pedagógico e as três dimensões da prática: Saberes, os acervos teóricos para construção contínua de conhecimentos teóricos e profissionais; Saber-fazer, a aplicabilidade dos saberes tanto em relação à vida profissional como à social; e Saber-ser, o papel social do sujeito e sua disposição de rever-se.

Os alicerces dessa abordagem decorrem especialmente de Tardif (2011) e Therrien (1998). O saber docente, como o concebe Tardif (2011, p. 54), é “essencialmente heterogêneo”, por ser “um saber plural, formado de diversos saberes provenientes das instituições de formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana”. Com Therrien (1998), sustenta-se a assunção de que os formadores produzem saberes específicos ao longo de sua práxis educativa por não serem meros repassadores dos saberes produzidos por outros. Além disso, tratar das dimensões da prática pedagógica implica pensar a própria natureza do fazer pedagógico e da historicidade da práxis: uma reflexão crítica permanente sobre a dicotomia teoria e prática, no sentido de minimizar o hiato entre o plano teórico e o prático. Práxis, aqui, como o elo entre o que se faz e o que se pensa sobre o que se faz, como atividade humana integral, transformadora e emancipatória, segundo pressupostos freireanos, recuperando, em particular, Freire (1987) e Schön (2000). Para enfrentar problemas e dificuldades inerentes ao fazer pedagógico, Hargreaves (1998, p. 277), em anuência a tais reflexões, propõe: “O princípio da colaboração surgiu repetidamente como resposta produtiva a um mundo no qual os problemas são imprevisíveis, as soluções são pouco claras e as exigências e expectativas se intensificam”. Acrescenta o autor que, ao aprenderem uns com os outros, os professores não só compartilham, mas também aprimoram suas competências.

Por isso, Passos e André (2016, p. 12) reiteram que a formação precisa ser centrada “nos contextos de trabalho, nas situações específicas da prática docente, nos saberes que vão sendo construídos com base na reflexão crítica sobre as experiências vividas e na análise dos embates profissionais que ocorrem no local de trabalho”. As autoras advertem, no entanto, que colaboração é um termo que não deve ser empregado ingênua e/ou indiscriminadamente, nem de modo a estimular a ideia de que toda a problemática que envolve a escola possa ser resolvida caso as relações entre os sujeitos dela aconteçam mais colaborativamente.

Sem descurar dessa advertência, foi ressaltado na parceria instaurada entre participantes e mediadora que o investimento na proposta do processo de ensino da escrita implica a “avaliação como um caminho que diagnostica - dá a conhecer e entender o que acontece e por que acontece - revê a rota, ajusta o foco, decide o que mudar/o que manter” para promover a aprendizagem (PASSARELLI, 2018, p. 247) em pleno acordo com a concepção de avaliação formativa.

A propósito, Barbier (2013, p. 33) esclarece que parceria não é a mera promoção de um modelo de colaboração entre participantes, mas “um início de análise para identificar os respectivos lugares dos atores no que diz respeito ao seu compromisso com as atividades”. Inclui-se nessa definição de parceria a explicitação de Nóvoa (1992, p. 26): “a troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando”.

A explanação das dimensões da prática docente para a proposta formativa desenvolvida nos encontros, além das noções teórico-práticas constantes neste artigo sobre o ensino e a avaliação da produção textual, contemplou também as especificidades estruturais, linguísticas, composicionais e constitutivas de textos narrativos, argumentativos e de correspondência.

Ainda que o processo formativo tenha se guiado sob a égide do princípio da colaboração (HARGREAVES, 1998), foi na (re)construção das tábuas que tal princípio se manifestou mais efetivamente. Com o propósito de sistematizar os critérios de correção para que sirvam de parâmetro para professor e estudantes, as tábuas apresentadas como ponto de partida sofreram vários ajustes que, fomentados pelo exercício conjunto de avaliação de textos autênticos de estudantes da escola básica, foram sugeridos pelos participantes em adequação às características do próprio contexto da rede municipal, o que reforça a relevância de serem articuladas a abordagem criterial e as perspectivas experienciais dos participantes (FERNANDES, 2013).

Para identificar as percepções avaliativas sobre o curso destinado ao ensino e à avaliação da produção textual, acompanhando o desdobramento das etapas apresentadas por Jorba e Sanmartí (2003) referentes à avaliação como processo, segue o detalhamento do expediente mediante o qual foram coletadas as manifestações dos participantes. Aplicado na última formação, o instrumento dava ao participante a opção de identificar-se ou não para registrar seus dizeres a partir de duas consignas (Quadro 1).

Quadro 1 Atividade de avaliação: percepções dos professores sobre atividades dinamizadas 

(1) Teça comentários sobre o que realizamos, considerando as três dimensões da prática pedagógica:
Saberes: acervos teóricos para construção contínua de conhecimentos teóricos e profissionais;
Saber-fazer: aplicabilidade dos saberes na vida profissional e social;
Saber-ser: papel social do sujeito e sua disposição de rever-se.
Você poder mencionar em seu depoimento se nosso convívio contribuiu (ou não) para com o desenvolvimento de seu desempenho profissional, se você tem sugestões a dar, críticas a fazer sobre a metodologia, a didática, os conteúdos, o que mais gostou, o que menos gostou, enfim, tudo que você considerar pertinente para que possa haver aprimoramento.
Fique bem à vontade para elaborar o texto - pode ser discursivo ou em tópicos.
[linhas disponíveis para construção da resposta]
(2) Considerando o que assinalou, que feedback você daria a si mesma/a si mesmo?
[linhas disponíveis para construção da resposta]

Fonte: Elaboração da autora.

A nomeação autoexplicativa do instrumento “Atividade de avaliação: percepções dos professores sobre atividades dinamizadas” já oferece pistas quanto ao objetivo de os participantes tecerem comentários avaliativos sobre o curso (enunciado 1). No último enunciado (enunciado 2), o feedback se constitui em uma espécie de autoavaliação.

O critério de operacionalização da análise para averiguar as percepções dos professores foi agrupar as manifestações deles em categorias relacionadas às três dimensões da prática docente, uma vez que tais dimensões fizeram parte das atividades desenvolvidas nas propostas do curso, além de integrarem o próprio instrumento aplicado.

Portanto, eis como se configuram as categorias de análise:

  • categoria Saberes, envolvendo a perspectiva do preparo de natureza mais teórica, conceitual, os saberes relacionados com abordagens/conteúdos disciplinares;

  • categoria Saber-fazer, incluindo as alusões à aplicabilidade dos saberes e à experiência com a qual o sujeito recupera o acervo teórico e redimensiona a prática profissional, relacionando-a à vida social dos atores da escola;

  • categoria Saber-ser, englobando o princípio da colaboração, as inclinações de natureza afetiva, as impressões valorativas, a percepção de o sujeito se rever e se ver, ele próprio, como eterno aprendente e como mediador das aprendizagens.

Como o presente estudo prioriza analisar qualitativamente os dados resultantes do trabalho empírico, elegeram-se alguns exemplos representativos das manifestações, a fim de ilustrar como tais categorias funcionam para sistematizar as percepções dos sujeitos. Além disso, há casos em que algumas respostas agrupadas numa categoria apresentam aspectos relativos às outras duas categorias, o que será comentado na análise.

(1) Trechos dos comentários e feedbacks dos participantes com base nas três dimensões da prática pedagógica:6

Categoria Saberes

  • S1. Os encontros foram muito importantes e engrandecedores para minha prática profissional porque propiciaram o debate sobre tópicos e saberes (teorias e práticas) de extrema pertinência na vivência em sala de aula, com professores, colegas, tão competentes, compromissados e dispostos a se reverem.

  • S2. Partindo para a teoria, o embasamento foi bem explanado e administrado pelo grupo e com o grupo com bastante tranquilidade.

  • S3. A teoria apresentada e os novos critérios abriram novas possibilidades, facilitando a avaliação dos textos da garotada. Com certeza, usaremos todo esse conhecimento nas futuras formações de professores.

  • S4. A medida que os fundamentos teóricos foram apresentados as subjetividades que envolviam o processo da produção escolar (elaboração da proposta, tempo de produção dos alunos e correção) deram lugar a necessidade de se estabelecer parâmetros claros e honestos para os alunos e professores.

  • S5. Durante o Curso, tivemos acesso a conhecimentos teóricos e profissionais que irão interferir diretamente no trabalho com nossos alunos. Outro diferencial deste curso foi a aplicabilidade dos saberes trabalhados. Além do conhecimento teórico, tivemos a oportunidade de entender e discutir estratégias para aplicar estes saberes e de rever nossa prática e nosso papel na Educação.

  • S6. No primeiro encontro fiquei impactada com o conteúdo, mas percebi que precisava estudar e já comecei. Estou lendo mais, articulando meus saberes, prestando atenção nos conteúdos sobre a escrita. Resumindo: estou aplicada!

  • S7. Primeiramente estudar mais sobre o assunto. Vou buscar a bibliografia sugerida para acrescentar mais e mais ao meu trabalho. Segundo, considerando a minha formação e a minha prática, discutir com meu grupo de trabalho novos caminhos, [...] como trabalhar com alunos as dificuldades apresentadas, levando-os à reescrita do texto.

  • S8. Apropriação maior da teoria se faz necessária, para um embasamento coerente com a prática possa acontecer. Acho que participei produtivamente e aprendi muito com [nome da mediadora] e os colegas.

As percepções dos sujeitos na categoria Saberes, revelando aspectos relacionados à consistência teórica e conceitual, reforçam a recomendação de Zeichner (2000) sobre a necessidade de um trabalho que busque equilíbrio entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento prático, por meio da mediação de quem atua nesses dois redutos, destacando que a teoria não deve direcionar a prática, uma vez que sua função é sustentar uma reflexão sobre a prática.

Grande parte dos professores destaca a necessidade de investir mais nos próprios estudos (S6 e S7) e a relevância da teoria para subsidiar a reflexão sobre a prática (S8). Na percepção dos sujeitos participantes, investir no ensino da produção textual para melhorar o aprendizado dos estudantes pleiteia conciliar teoria e prática pela compreensão da prática e pelo fazer reflexivo (NÓVOA, 1992, 2000). Esse tipo de necessidade sinaliza a percepção dos sujeitos para o investimento em mais situações de formação continuada, ainda que por própria iniciativa.

Declarar que o aparato teórico contribui/contribuiu para a prática pedagógica também foi uma marca em todo o elenco de manifestações registradas. Mas há também casos que projetam para o futuro os usos do conhecimento teórico contemplado no curso, representados mais deliberadamente por S3 e S5.

Em relação à incumbência de trabalhar como multiplicadores, S3 representa outros dizeres. Pela presença do modalizador “com certeza”, a percepção de assertividade aufere que o conhecimento será usado “nas futuras formações de professores”.

Em S3 e S4, alusões à “avaliação dos textos da garotada” e a “parâmetros claros e honestos para os alunos e professores” remetem ao saber prático sobre avaliação e, portanto, à categoria Saber-fazer. Em S5 também transparece a associação dos saberes teóricos à aplicabilidade, uma percepção constante nas declarações dos sujeitos.

Tipicamente atreladas à categoria Saber-ser, S1 e S5 revelam que o processo formativo desencadeou a predisposição de os sujeitos em se reverem. S1 e S2 relacionam o aparato teórico a perspectivas concernentes à categoria Saber-ser, considerando a relevância do estar-junto colaborativamente. S2 pontua que o aparato teórico foi abordado e administrado “com o grupo e pelo grupo”, retratando o princípio da colaboração. Além de ter sido trabalhado em parceria e coautoria, afere “com bastante tranquilidade” a percepção de carga valorativa favorável. O compartilhamento de saberes, a troca de experiências e a própria aprendizagem do formador (S8) reforçam uma das orientações sinalizadas pela pesquisa destinada à formação continuada:

Analisar, experimentar, avaliar, modificar, enfim, revisar criticamente os conteúdos e os processos de ensino-aprendizagem em parceria com outrem (colegas, professores-formadores etc.), de modo a gerar um conhecimento profissional ativo e autônomo, uma vez que ensinar é aprender continuamente de forma colaborativa e participativa. (PASSARELLI, 2002, p. 205)

Categoria Saber-fazer

  • S9. A reforma que se propôs (nos critérios de correção) é um importante passo, pois pretende fazer com que os professores conduzam seus olhares para os processos de crescimento dos alunos dentro e fora dos muros da escola, não dissociando o fazer escolar dos outros afazeres que permeiam suas vidas.

  • S10. Se um dos compromissos da escola é formar cidadãos, é importantíssimo capacitar nossos alunos para reconhecer e produzir textos que atendam as demandas sociais [...] Participar do curso nos fez reconhecer que mudar é preciso.

  • S11. Os encontros contribuíram para refletirmos sobre a dificuldade do ato de escrever e de que este processo não pode ser encarado apenas como um exercício escolar, mas sim como uma prática associada à realidade de todos.

  • S12. As tábuas de correção, utilizadas como ferramentas de análise do texto, sugerem crescimento, tanto do professor que corrige, como do aluno que escreve.

  • S13. Acredito que o material utilizado para fazer as correções será importante para analisarmos as produções de uma maneira construtiva e significativa para o professor pensar ou repensar a sua prática e assim considerar o nível de desenvolvimento da produção escrita do aluno.

  • S14. As tábuas [...] me apresentam parâmetros para reflexão, permitindo um olhar mais limpo sobre a intencionalidade das produções textuais, se sobrepondo ao foco principal que era a norma escrita.

  • S15. A nova mecânica de correção foi compreendida, tendo sido o ponto alto a adequação coletiva das tábuas à realidade de nossa rede.

  • S16. Como foi importante entender que o ensino dos gêneros textuais irá ajudar seus alunos a melhorar na produção textual e que a devolutiva auxiliará a cada um melhorar e aprimorar seu texto final. Quanto aos conteúdos apreendidos, eles estarão dando um outro rumo a seu trabalho a partir de agora.

Em relação às percepções dos sujeitos na categoria Saber-fazer, quanto à aplicabilidade dos saberes e à experiência com a qual o sujeito recupera o acervo teórico e redimensiona a prática, S9, S10 e S11 vinculam-se a alusões de natureza social, uma vez que se relacionam, respectivamente, ao “crescimento dos alunos dentro e fora dos muros da escola”, à produção de “textos que atendam as demandas sociais” e ao ato de escrever “como uma prática associada à realidade de todos”.

Nesse mesmo agrupamento categórico, as percepções dos sujeitos sobre as ações formativas ponderam um viés mais reflexivo e analítico, confirmando a relevância de se pensar e fundamentar a formação “nos contextos de trabalho, nas situações específicas da prática docente, nos saberes que vão sendo construídos com base na reflexão crítica sobre as experiências vividas e na análise dos embates profissionais que ocorrem no local de trabalho” (PASSOS; ANDRÉ, 2016, p. 12), como pode ser visto nos excertos: “Os encontros contribuíram para refletirmos sobre a dificuldade do ato de escrever” (S11); “o material utilizado para fazer as correções será importante para analisarmos as produções de uma maneira construtiva e significativa para o professor pensar ou repensar a sua prática” (S12); as tábuas de correção “como ferramentas de análise do texto” (S13); as tábuas como “parâmetros para reflexão, permitindo um olhar mais limpo sobre a intencionalidade das produções textuais” (S14). Vincular o Saber-fazer à reflexão retoma Nóvoa (2000), considerando que o fazer reflexivo tem, simultaneamente, uma dimensão individual - autorreflexão - e uma dimensão coletiva - reflexão partilhada.

Ainda em relação a S12, o sujeito participante da pesquisa se apercebe das tábuas como ferramentas que servem para analisar o texto, considerando que elas “sugerem crescimento, tanto do professor que corrige, como do aluno que escreve”, intertextualizando com Serpa (2010, p. 109) quanto à necessidade de a avaliação “partir de referentes partilháveis e de acatar o acordado entre avaliadores e avaliados”.

Ao deliberarem reflexivamente sobre as tábuas de correção e sobre a devolutiva do professor ao estudante com as orientações para reescrita, as percepções dos sujeitos convergem ao modelo de formação proposto por Chantraine-Demailly (1992), por abrangerem a formação vinculada à resolução de problemas reais - como avaliar a produção textual dos estudantes minimizando a subjetividade inerente ao processo de correção -, contando com a colaboração dos pares em situação de trabalho. De acordo com S15, na categoria Saber-fazer, a “nova mecânica de correção” é enaltecida como “o ponto alto [na forma de] adequação coletiva das tábuas à realidade de nossa rede”. A presença do adjetivo “nova” para caracterizar a percepção da participante sobre a tábua é uma marca recorrente em vários outros dizeres que aferem percepções de ineditismo - “novos critérios, novas possibilidades” (S3), “novos caminhos” (S7).

A devolutiva do professor apareceu em várias manifestações, sempre relacionada ao fazer reflexivo, canalizado a cooperar para a construção do projeto de dizer consistente dos estudantes, como bem ilustra S16. Aliás, esse participante, além de também projetar para o futuro alterações à pratica pedagógica (como S3 e S5), reitera nuances da categoria Saberes e recupera o que Passarelli (2002) adverte sobre trabalhar a prática. Não se trata da simples aplicação de um conjunto de saberes. A associação entre saber e fazer - teoria e prática - é viável de ser pensada quando se propicia aos sujeitos pensar sobre sua ação, com base em como conteúdos e formas dos saberes em que se apoiam para fundamentar a ação ganham consistência e reverberam nas práticas.

De um modo geral, as percepções alocadas na categoria Saber-fazer reforçam o que Alves e Cabral (2015, p. 660) recomendam sobre os necessários “modos de trabalho mais interativos e colaborativos”, em que “seja possível conjugar a liberdade, a autonomia e a responsabilidade profissional”, assumindo “dimensões éticas e axiológicas que não podem ficar ao livre arbítrio individual”.

Categoria Saber-ser

  • S17. O curso nos permitiu repensar nossa prática pedagógica e construir em equipe propostas didáticas que tem como objetivo tornar o aluno um escritor mais habilitado, sabendo não só escrever o texto escolar sem erros ortográficos, mas também tendo consciência do que pretende dizer.

  • S18. Também proporcionou trocas pedagógicas com o grupo a fim de que pudéssemos repensar e replanejar a prática pedagógica visando sempre alcançar qualidade na aprendizagem dos alunos.

  • S19. Sinto-me feliz pelas trocas e debates intensos, me fizeram reavaliar minha prática e buscar melhorá-la. Creio que agora não sou apenas [nome do participante], mas carrego cada um comigo na caminhada de professor.

  • S20. Sinto-me feliz e agradecida por ter participado do curso de produção textual. Superou minhas expectativas. O professor precisa de um espaço de troca, e foi dessa forma que eu percebi os encontros.

  • S21. Considero muito adequado tudo que nos foi oferecido e a abertura que tivemos de opinar e rejeitar o que não tinha a cara da rede.

  • S22. Outro ponto importante foi poder rever as tábuas de correção dos gêneros e tipos textuais, tendo uma total abertura, liberdade e diálogo (interação) principalmente por parte da mediadora.

  • S23. Outro ponto positivo foi ela [mediadora] estar aberta a ouvir as angústias e sugestões dos professores com relação ao atual esquema da secretaria para proposta, escrita e correção (critérios) de Produção Textual.

  • S24. A proposta de avaliação como forma de aprendizagem é possível! Eu acredito neste trabalho, onde o aluno é protagonista de sua aprendizagem e o professor torna-se apenas mediador deste processo. As tábuas de correção serão facilitadoras da aprendizagem. A partir delas poderemos otimizar o trabalho e o conhecimento, proporcionando aos alunos uma aprendizagem mais efetiva e eficiente!

  • S25. Pensar a avaliação da aprendizagem sob uma perspectiva processual traz à baila saberes significativos para a construção contínua do conhecimento.

A parceria e a troca, recuperando Barbier (2013) e Nóvoa (1992), imprimem diferencial substantivo às percepções, uma vez que os sujeitos associam seu compromisso com a prática pedagógica voltada ao ensino e à avaliação da produção textual pelo compartilhamento de saberes, pela troca de experiências, como se verifica em todos os dizeres referentes à categoria Saber-ser. Manifestações alusivas à abertura com que foram aceitas as intervenções dos professores e à atuação da mediadora, como S21, S22 e S23, reiteram a proposta do modelo interativo-reflexivo de formação de professores que se processa numa relação em que formadores e formandos são colaboradores (CHANTRAINE-DEMAILLY, 1992) e acrescentam a relevância do exercício da escuta ativa nos processos formativos em serviço, até mesmo no que diz respeito às “angústias” dos participantes.

Manifestações reflexivas, reiterando a perspectiva de reflexão como uma prática que instaura a possibilidade de reconstruir posicionamentos e condutas, estão na predisposição com que os sujeitos se revelam para repensar, replanejar e reavaliar a prática pedagógica, em especial como consta em S17, S18 e S19. Reafirmando a vocação do ensino como uma prática reflexiva, tem-se, assim, o Saber-ser a serviço dos Saberes.

Representando outras ocorrências de crivo mais propriamente valorativo presentes no elenco de respostas, o emprego dos adjetivos “feliz” (S19 e S20) e “agradecida” (S20) alude ao espírito que parece ter predominado nos sujeitos participantes. Essa carga de afetividade é reforçada positivamente pelo enunciado “Superou minhas expectativas”, que demarca, também como em outras percepções, que a formação surpreendeu.

O princípio da colaboração também se manifesta em relação às tábuas de correção (S22) que, quando submetidas à apreciação dos professores, sofreram ajustes por meio de “trocas e debates intensos” (S19), em favor da construção do projeto de dizer dos alunos e da minimização da subjetividade com que se costuma corrigir, tendo por pauta alterações “com a cara da rede” (S21).

S23, S24 e S25 enfatizam a pertinência do trabalho de (re)construção conjunta das tábuas de correção, corroborando com a relevante valorização da abordagem criterial articulada à abordagem baseada nas experiências e práticas dos sujeitos (FERNANDES, 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi trabalhado na formação e considerando o objetivo do estudo de averiguar as percepções dos sujeitos participantes sobre a qualidade da proposta desenvolvida na formação em serviço destinada ao ensino e à avaliação da produção textual, a perspectiva empírica que sistematiza as percepções em categorias atinentes às três dimensões da prática pedagógica se mostra conveniente.

A análise dos dados recolhidos a partir do instrumento aplicado aos participantes ao final da formação em contexto revela que as percepções dos sujeitos, de um modo mais global, sinalizam que as ações formativas realizadas em consonância com os princípios da colaboração, sobretudo pela reflexão sobre a própria prática mediada pelo formador em escuta ativa, permitem alegar o curso como contribuição para consolidar a práxis - lugar de produção do saber para além da apropriação do plano conceitual -, reafirmando, com Day (1999, p. 102), que a mediação no processo formativo propicia aos professores “examinar as suas percepções”, “comparar as suas intenções (o que querem atingir) e as suas práticas (como se comportam)”. Ratificam também o que as experiências de Black et al. (2018, p. 175) patentearam sobre a necessidade de reavaliação do objetivo central do ensino, quanto à ampliação da aprendizagem dos alunos, por demandar “disposição para repensar o planejamento das aulas, em conjunto com uma prontidão para mudar os papéis que tanto os professores quanto os alunos desempenham no processo de aprendizagem”.

Os resultados também convergem para espelhar o papel da teoria sustentando a reflexão sobre a prática. Constituindo-se em possibilidade formativa para preparar formadores que formam professores, os ajustes realizados conjuntamente aos critérios das tábuas de correção, além de conferirem o estatuto da coautoria pela parceria, pelo compartilhamento de saberes, pela troca de experiências, destacam a relevância de efetuar devolutivas consistentes e consolidam o olhar dos multiplicadores para a vocação do ensino e da avaliação da produção textual como prática reflexiva. “Ver com outros olhos - os olhos do outro - se configura como uma fonte eficaz para acessar e burilar os saberes conceituais sobre avaliação e associá-los com a prática” (PASSARELLI, 2018, p. 260).

Por fim, as percepções de carga valorativa favorável atestam que a pedra de toque da formação se consolida na parceria e na troca, legitima o trabalho colaborativo e enseja a transformação da prática pelo pressuposto teórico-metodológico da avaliação para a aprendizagem como processo formativo, desenvolvido a partir do modelo interativo-reflexivo, evidenciando que a qualidade do objeto da avaliação - o texto do estudante - pode ser auferida pela compatibilização das abordagens criteriais e das perspectivas alicerçadas nas experiências e nos saberes práticos dos sujeitos-professores.

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1Os elementos peculiarmente presentes no contexto da tarefa estão explicitados quando da explanação acerca da primeira etapa do processo da escrita.

2Ainda que ensino e aprendizagem sejam conceitos distintos, o emprego da expressão ensino-aprendizagem, neste estudo, alude à relação pedagógica construída processualmente pela mediação docente, que demanda comprometimento com a formação do sujeito-aprendente e com a construção de saberes que, entendidos como os que estão diretamente relacionados ao objeto de ensino e os que estão ligados a como aprender, reverberam também, o mais autonomamente possível, na construção dos saberes dos próprios ensinantes de como aprender.

3Essa parte baseia-se em especial nos estudos de Passarelli (2012) sobre alguns modelos que tratam processualmente o ato de escrever.

4As tábuas de correção foram originalmente elaboradas com base na literatura e no que se tem feito em termos de avaliação em larga escala em processos de correção on-line (PASSARELLI, 2012, p. 235, 261, 271), de modo a subsidiar e assistir o professor-corretor e, como decorrência, minorar a subjetividade inerente ao processo de correção de textos.

5Um quinto eixo pode constar da tábua de correção de textos argumentativos, atinente à realização da proposta de intervenção, acompanhando as competências do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), conforme ilustrado em Passarelli (2012, p. 261).

6A reprodução da escrita dos sujeitos participantes [identificados S1, S2, etc.] foi realizada tal qual o original. Apenas foram suprimidas passagens com as quais fosse possível identificá-los.

Recebido: 02 de Janeiro de 2019; Aceito: 07 de Fevereiro de 2020

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