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Estudos em Avaliação Educacional

Print version ISSN 0103-6831On-line version ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.31 no.76 São Paulo Jan./Apr 2020  Epub Aug 26, 2020

https://doi.org/10.18222/eae.v0ix.6547 

ARTIGOS

INFRAESTRUTURA ESCOLAR E EDUCAÇÃO FÍSICA: TENSÕES E CONFLITOS

INFRAESTRUCTURA ESCOLAR Y EDUCACIÓN FÍSICA: TENSIONES Y CONFLICTOS

SCHOOL INFRASTRUCTURE AND PHYSICAL EDUCATION: TENSIONS AND CONFLICTS

RUBEM BARBOZA FERREIRA NETOI 
http://orcid.org/0000-0001-7095-0325

IUniversidade de Santiago de Compostela (USC), Santiago de Compostela, Galiza, Espanha; Escola Superior de Educação (ESE) do Instituto Politécnico do Porto (IPP), Porto, Portugal; rubem.barboza@rai.usc.es


RESUMO

Pretende-se, neste artigo, estudar a influência das infraestruturas escolares desportivas no cumprimento do currículo de Educação Física, na qualidade do processo de ensino e nas aprendizagens realizadas pelos alunos. Trata-se de um estudo de metodologia investigativa qualitativa que utilizou a entrevista semiestruturada como instrumento de coleta e produção de dados. A pesquisa empírica contemplou entrevistas com os cinco diretores das escolas públicas municipais dos anos finais do ensino fundamental da cidade de Armação dos Búzios-RJ. Os dados obtidos pela análise de conteúdo foram organizados em três categorias, sendo a categoria “Descaso Público” elucidativa e didática. Infere-se que o ambiente de aprendizagem existente (as quadras polidesportivas em praças públicas) e a infraestrutura escolar disponibilizada para as aulas de Educação Física inviabilizam o cumprimento do currículo em sua integralidade, afetam os conteúdos de ensino e, por conseguinte, os objetivos educacionais não são atingidos.

PALAVRAS-CHAVE: INFRAESTRUTURA ESCOLAR; EDUCAÇÃO FÍSICA; ENSINO FUNDAMENTAL; POLÍTICAS PÚBLICAS

RESUMEN

Se preconiza, en este artículo, estudiar la influencia que tienen las infraestructuras deportivas de las escuelas en el cumplimiento de la asignatura de Educación Física, en la calidad del proceso de enseñanza y en el aprendizaje realizado por los estudiantes. Este es un estudio de metodología de investigación cualitativa que utilizó, como instrumento de recolección y producción de datos, la entrevista semiestructurada. La investigación empírica incluyó entrevistas con los cinco directores de las escuelas públicas municipales de los últimos años de la enseñanza primaria en la ciudad de Armação dos Búzios-RJ. El análisis de contenidos nos hizo llegar a tres categorías, siendo la categoría “Desconsideración Pública” esclarecedora y didáctica. Se infiere que el ambiente de aprendizaje (las instalaciones polideportivas en plazas públicas) existente y la infraestructura escolar disponible para las clases de Educación Física, hacen que sea imposible cumplir el plan de actividades en su totalidad, afectan a los contenidos de enseñanza y, por consiguiente, no se logran los objetivos educacionales.

PALABRAS CLAVE: ESCUELA INFRAESTRUCTURA; EDUCACIÓN FÍSICA; ESCUELA PRIMARIA; POLÍTICAS PÚBLICAS

ABSTRACT

It is recommended, in this article, to study the influence that sports school infrastructures have on the fulfillment of the Physical Education curriculum, on the quality of the teaching process and on the learning carried out by the students. This is a qualitative research methodology that used as a data collection and production tool, the semi-structured interview. The empirical research included interviews with the five directors of municipal public schools in the final years of elementary education in the city of Armação dos Búzios-RJ. The content analysis brought us to three categories, being the category “Public Neglect”, elucidative and didactic. It is inferred that the existing learning environment (the multi-sports courts in public squares) and the school infrastructure made available to the Physical Education classes make it impossible to comply with the curriculum in its entirety, affects the contents of teaching and, therefore, the objectives are not reached.

KEYWORDS: SCHOOL INFRASTRUCTURE; PHYSICAL EDUCATION; ELEMENTARY SCHOOL; PUBLIC POLICY

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo analisar as políticas educativas no âmbito das estruturas escolares dos anos finais do ensino fundamental (6° ao 9° ano) de escolas públicas municipais de Armação dos Búzios-RJ. Nessa perspectiva, a investigação empírica realizada insere-se no ramo das Ciências Sociais, pois busca especificamente empreender a avaliação do fenômeno de distintos casos de estruturas escolares inerentes à prática pedagógica do componente curricular Educação Física. Como bem menciona Yin (2001, p. 32): “Um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos”. Soares Neto et al. (2013) exemplificam a relação da influência das estruturas escolares na dialética com o ensino e aprendizagem. Mota (2018) sinaliza o conjunto de itens constitutivos das estruturas escolares que podem acarretar incertezas quanto aos resultados da implementação de políticas educacionais. Ademais, Silva e Silveira (2018) salientam que, quando o fenômeno de estruturas escolares é agravado por questões de ausência e precariedade, tais questões tendem a obstaculizar as práticas pedagógicas dos trabalhadores docentes nas aulas de Educação Física e a impossibilitar uma avaliação emancipatória.

A problemática desta pesquisa se encontra no fato de que o Poder Público, representado pela Secretaria Municipal de Educação (Semed), não se faz presente e atuante no campo da gestão, especificamente da gestão funcional e dos espaços para as aulas de Educação Física nos anos finais do ensino fundamental em escolas públicas. O cerne deste estudo reside na ineficiência do sistema público no que tange ao campo educacional municipal acerca das infraestruturas escolares (espaço físico, materiais didático-pedagógicos, instalações e equipamentos).

De acordo com a Fundação Lemann e Meritt (2019), as cinco escolas analisadas nesta pesquisa não possuem espaços físicos escolares (quadras polidesportivas) para a realização das aulas de Educação Física, o que possivelmente pode afetar os procedimentos didático-metodológicos (ensino e aprendizagem), deixando os professores e alunos suscetíveis a intempéries climáticas e constrangimentos sociais, fisiológicos e pedagógicos. Assim sendo, a justificativa deste trabalho deriva da percepção de que o recorte epistemológico investigado é fruto de interesses, além das constatações de vivências obtidas pela análise bibliográfica.

Ressalta-se que escolas sem ambientes de aprendizagem como quadras de esportes, bibliotecas, laboratórios de Informática e de Ciências, sem contar a ausência de vestiários e banheiros em condições dignas para que os alunos possam se preparar para as aulas de Educação Física, reforçam o cenário desolador aos docentes e alunos, e tendem a atribuir a algumas escolas brasileiras a chancela dos níveis mais baixos de infraestrutura escolar, que seriam o elementar e o básico, de acordo com a escala para medir a infraestrutura escolar, desenvolvida por Soares Neto et al. (2013). Do mesmo modo, Alves e Xavier (2018, p. 731) sinalizam “que a infraestrutura é um fator que compõe a oferta educativa (insumo) e, ao mesmo tempo, um fator mediador para o ensino e aprendizagem (processo), sendo um atributo para a garantia do direito à educação”.

Salienta-se que este artigo resulta de uma pesquisa maior (FERREIRA NETO, 2017), proveniente da dissertação de mestrado intitulada O reflexo da infraestrutura escolar nas aulas de Educação Física no ensino fundamental, concluída em julho de 2017. O estudo foi realizado no âmbito da Escola Superior de Educação (ESE) do Instituto Politécnico do Porto (IPP), em Porto, Portugal, no Programa de Mestrado em Estudos Profissionais Especializados em Educação - especialização em administração das organizações educativas. O objetivo central da pesquisa foi o de estudar a influência das infraestruturas escolares desportivas no cumprimento do currículo de Educação Física, na qualidade do processo de ensino e nas aprendizagens realizadas pelos alunos. Embora o grupo de atores sociais participantes da investigação tenha sido diversificado (alunos, professores de Educação Física, diretores escolares, coordenador de Educação Física dos anos finais do ensino fundamental e representante da Semed), o presente artigo traz à tona e discute tão somente a concepção administrativa e pedagógica dos diretores escolares das cinco escolas investigadas a respeito da relação da avaliação das estruturas escolares com o currículo, com o ensino e com a aprendizagem durante a prática pedagógica do componente curricular Educação Física.

É importante sinalizar que, majoritariamente, o referencial teórico para a consecução deste artigo provém do estado da arte utilizado no doutoramento em Educação, na Universidade de Santiago de Compostela (USC), em Santiago de Compostela, Espanha, na Escola de Doutoramento Internacional da USC (EDIUS).

Com base nas indagações que serão suscitadas a respeito da avaliação das escolas quanto à infraestrutura existente para o ensino e prática da Educação Física, sem a pretensão de tratar a temática com a profundidade que merece, o estudo direciona-se no sentido de compreender como as entrevistas aos diretores podem contribuir para identificar, conhecer e relacionar o fenômeno da infraestrutura escolar. Nesse contexto, para um maior aprofundamento do problema, o artigo apresenta a seguinte questão central de pesquisa referente às escolas públicas municipais dos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano) da cidade de Armação dos Búzios-RJ: como os diretores escolares descrevem a questão das infraestruturas escolares para o cumprimento do currículo, para o processo de ensino e para as aprendizagens dos alunos nas aulas de Educação Física?

A presente investigação caracteriza-se como descritiva, com abordagem metodológica investigativa qualitativa (GIBBS, 2009; FLICK, 2009) do tipo estudo de casos múltiplos (YIN, 2001). Foi utilizada a técnica de análise de conteúdo (BARDIN, 2011) para realizar a análise dos dados, tendo sido estruturada em três pilares: pré-análise; exploração do material; e interpretação das mensagens do conteúdo das entrevistas.

O arcabouço do artigo está estruturado em quatro seções. Na primeira seção, a discussão teórico-metodológica traz à tona o estado da arte com a literatura sobre a avaliação das estruturas escolares relacionadas ao componente curricular Educação Física. Na segunda, descreve-se a metodologia de investigação. A terceira seção apresenta a dialética de parte dos resultados da investigação com a literatura sobre as infraestruturas escolares nas aulas de Educação Física. E, por fim, a quarta seção traz as considerações finais.

DISCUSSÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

Em Educação e Sociologia, Émile Durkheim (2011) estabelece a relação entre a educação e a sociedade, contextualizando a responsabilidade e o papel do Estado ao que se refere à educação. O autor enfatiza: “Uma vez que a educação é uma função essencialmente social, o Estado não pode se desinteressar dela. Pelo contrário, tudo o que é educação deve ser, em certa medida, submetido à sua ação” (DURKHEIM, 2011, p. 63). Entende-se que, na visão de Durkheim, inegavelmente não se pode pensar em mecanismos educativos eficazes sem a participação do Estado. Não obstante, Durkheim (2011, p. 63) acrescenta: “Isto não significa, no entanto, que ele deva necessariamente monopolizar o ensino”. Nesse sentido, sendo a instituição escolar a própria representação do Estado, esta é responsável pela manutenção de um ambiente socializador, que propicie o exercício da cidadania, que congregue e estimule o debate de ideias, a diversidade, a liberdade de pensamento, a capacidade crítica e inventiva do modo de agir, de pensar, de ser e de construir a educação, em conjunto com os distintos atores sociais que vivenciam e transitam no contexto sociocultural escolar.

Bourdieu (2004, p. 160) sustenta que “O espaço social tende a funcionar como um espaço simbólico, um espaço de estilos de vida e de grupos de estatuto, caracterizados por diferentes estilos de vida”. O autor reforça essa ideia ao descrever a dialética entre o subjetivismo e o objetivismo em áreas como a antropologia, a sociologia e a história:

Os objetos de pensamento construídos pelo social scientist a fim de apreender essa realidade social devem se basear nos objetos de pensamento construídos pelo pensamento de senso comum dos homens que vivem sua vida cotidiana em seu mundo social. (BOURDIEU, 2004, p. 151)

Sátyro e Soares (2007) sinalizam a urgência de investigar temáticas e indicadores relacionados à infraestrutura escolar e, para tal, recorrer à base de dados para acessar registros administrativos, informações sobre materiais didáticos escolares e os resultados educacionais. Os achados de Sá e Werle (2017, p. 389) atribuem alto valor à temática “infraestrutura escolar e espaço físico - IE/EF”, devendo ser esta incorporada a propostas de linhas de pesquisa em programas de pós-graduação no Brasil. Da mesma forma, deve-se considerar a temática como símbolo a ser utilizado para diagnóstico de aspectos educacionais. Similarmente, algumas pesquisas têm demonstrado a relação direta da infraestrutura escolar com a aprendizagem que se almeja desenvolver com os alunos (SOARES NETO et al., 2013; SÁTYRO; SOARES, 2007; ZANDVLIET; BROEKHUIZEN, 2017).

O ambiente escolar de aprendizagem, em seu contexto ampliado, refere-se a fatores físicos e sociais, que podem ter papel preponderante nas experiências de aprendizagem. Zandvliet e Broekhuizen (2017) descreveram, refinaram e validaram um instrumento para aferição do ambiente físico escolar denominado SPACES. Para tal, consideraram que o currículo das disciplinas, as práticas de ensino e as demais variáveis ambientais podem interferir na aprendizagem a ser desenvolvida com os alunos.

Algumas investigações têm sido conduzidas a partir dos resultados de indicadores educacionais que avaliam a infraestrutura das escolas públicas e privadas do ensino fundamental brasileiras (ALVES; XAVIER, 2018; SOARES NETO et al., 2013; SÁTYRO; SOARES, 2007). O artigo de Alves e Xavier (2018) avaliou a infraestrutura escolar do ensino fundamental. Para tal, os autores utilizaram indicadores obtidos dos dados extraídos do Censo Escolar da Educação Básica e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) de 2013 e 2015. Quanto à realidade das escolas enquadradas, estas foram categorizadas em: rurais, pequenas, do Norte e Nordeste. Elas apresentaram médias baixas em todos os indicadores representativos das cinco dimensões que foram investigadas, denominadas de “condições”: do estabelecimento; do ensino e aprendizado; para a equidade; da área; de atendimento. Também se percebeu a associação entre tais indicadores de infraestrutura escolar com o nível socioeconômico e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) (ALVES; XAVIER, 2018).

Existe respaldo na literatura sobre o uso compartilhado de instalações escolares com a comunidade em horários de períodos não letivos ou em atividades extracurriculares. Tal premissa é defendida sob o ponto de vista econômico de custo-benefício, mas também sob a argumentação biológica visto que isso tende a promover uma melhora no aumento dos níveis de prática de atividade física pela consequente adesão a um estilo de vida ativo e saudável (KANTERS et al., 2014; FERNÁNDEZ, 2011).

Fernández (2011), ao estudar as instalações desportivas em horários não letivos utilizadas por 41 colégios de educação primária, na província de Málaga, na Espanha, buscou compreender os fatores que poderiam influenciar de forma direta a utilização das instalações desportivas escolares: as condições de acesso para a participação em atividades físicas no horário não letivo. O autor justifica o compartilhamento das infraestruturas escolares desportivas com a população do bairro em período não letivo. Também justifica apresentando o teor da “Carta Europea del Deporte de 1992”, que prevê o uso compartilhado das instalações desportivas escolares com a comunidade do entorno à escola (FERNÁNDEZ, 2011, p. 83). No entanto, ressalta-se que o uso compartilhado das instalações desportivas escolares de forma polivalente entre escola e bairro não deve interferir no desenvolvimento das atividades acadêmicas (FERNÁNDEZ, 2011).

Brittin et al. (2015), com um grupo transdisciplinar (arquitetos, designers, planejadores escolares, educadores e profissionais de saúde), utilizaram uma ferramenta prática, denominada Diretrizes de Desenho de Atividade Física para Arquitetura Escolar, como estratégia para pensar ambientes escolares que sejam conducentes à prática da atividade física saudável e para ampliar o conhecimento do impacto no ambiente escolar com diversas perspectivas. Os autores destacam que as avaliações de programas de atividade física tendem a não considerar as variáveis do ambiente escolar. Também identificam a necessidade de investimentos em instalações adequadas para a Educação Física curricular, bem como para as atividades extracurriculares que decorrem após o horário letivo.

Uma pesquisa realizada por Rezende et al. (2015), baseada em dados oriundos da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar de 2012 (do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE), avaliou a associação entre a participação de 109.104 adolescentes pertencentes a 2.842 escolas brasileiras e a presença de instalações destinadas à prática de atividades físicas e esportivas extracurriculares em escolas. Além da oferta de atividades esportivas extracurriculares, foram consideradas as seguintes instalações escolares: quadras esportivas, pistas de atletismo, pátio com a supervisão de profissionais conduzindo atividades físicas, piscinas e vestiários. Essa pesquisa conclui que, de modo geral, a atividade física total dos alunos foi atrelada à prática esportiva em instalações escolares com a adequada estrutura, com quadras de esportes, pátios, piscinas e aulas conduzidas por professores de Educação Física. Os autores concluem que as características do nível escolar tendem a ser uma importante ferramenta para aumentar o engajamento em atividades físicas de jovens dentro e fora da escola, podendo também servir de fomento a tais práticas (REZENDE et al., 2015).

A profunda compreensão do sistema educacional brasileiro obviamente requer a capacidade de tomar consciência da estrutura social a que pertencemos e a realidade sociocultural na qual estamos inseridos. Dessa maneira, é possível alterar o quadro de consciência estranhada e alienada do que acontece ao redor para um quadro de consciência crítica. Isso condiz com os ensinamentos de Freire (1981) quando menciona que, para ocorrer uma mudança do sistema de educação bancária para um processo de educação libertadora, antes de mais nada, é preciso modificar o quadro das estruturas sociopolíticas, em especial aquelas de maior impacto social e as de ordem política e econômica. O que está posto, na visão de Freire (1981), é que, sendo o sistema educacional pertencente à superestrutura, não poderá haver mudanças significativas e relevantes nesta se não forem feitas mudanças na base da pirâmide da estrutura educacional, isto é, na infraestrutura, da qual a superestrutura é apenas um produto.

Nesse aspecto, a comunidade escolar, que sofre e vivencia o caos da educação pública com escolas mal-equipadas e sucateadas, deve fazer um esforço para exigir direitos e garantias que estão assegurados por lei (BRASIL, 1996; BRASIL, 2018), bem como lutar por melhores condições profissionais do magistério, que se encontra deficitário. Constata-se que em muitas regiões brasileiras existem escolas carentes de investimentos e recursos públicos, e que, com precária infraestrutura, não conseguem cumprir com o básico aos alunos: a dignidade na oferta e entrega da educação de qualidade (SOARES NETO et al., 2013). Como desafio principal a ser alcançado, Libâneo, Oliveira e Toschi (2012, p. 131) salientam: “No âmbito da educação escolar, o ensino público de qualidade para todos é necessidade e desafio fundamental”. Tais apontamentos podem ser elucidados à luz das reflexões de Kunz (2012, p. 191): “A educação, no entanto, não pode ‘cruzar os braços’ e esperar que estas mudanças no plano político, econômico e social, por intermédio de outras instâncias, aconteçam”.

Hoje, atuar em escolas públicas, especialmente naquelas situadas em áreas periféricas e rurais, normalmente significa estar diante de dificuldades e problemas relacionados a questões de ordem das infraestruturas escolares e desvalorização profissional (baixos salários, políticas educativas ineficazes e ausência de ­planos de carreira). Tais questões operam como fatores condicionantes ao exercício da prática profissional, pois desestimulam o professor a buscar aperfeiçoamento e atualização profissional. Nos casos em que há obrigatoriedade dessa atualização, estas não apresentam sintonia com a realidade sociocultural das escolas onde os docentes atuam, consistindo tão somente em um mero cumprimento da exigência de carga horária semanal (FIRESTONE; PENNELL, 1993; HARGREAVES, 2000; PORATH et al., 2011). Segundo Tardif (2013), desde a década de 1980, observa-se em muitos países um quadro de declínio da profissionalização docente frente ao aumento de fatores condicionantes que se perpetuam: o agravamento da questão salarial e das condições de trabalho dos professores.

Não obstante as adversidades vivenciadas no sistema educacional brasileiro, torna imperiosa a atenção quanto ao quadro político, econômico e social. A análise de tais parâmetros desenvolve a “transitividade crítica [...] a que chegaríamos com uma educação dialogal e ativa, voltada para a responsabilidade social e política”, caracterizada pela “profundidade na interpretação dos problemas” (FREIRE, 1967, p. 60).

Evidências das dificuldades da educação pública brasileira, constatadas por Freire (1981) na segunda metade do século XX, guardam estreita relação com a mudança do estágio de educação bancária para o estágio de educação libertadora alicerçada na teoria de Marx.1 Althusser (1980) explica que, pelo mecanismo de estruturas sociais antagônicas, a infraestrutura e a superestrutura são colocadas lado a lado:

Dissemos (e esta tese apenas retomava as proposições célebres do materialismo histórico) que Marx concebe a estrutura de qualquer sociedade como constituída pelos «níveis» ou «instâncias», articulados por uma determinação específica: a infraestrutura ou base económica («unidade» das forças produtivas e das relações de produção), e a superestrutura, que comporta em si mesma dois «níveis» ou «instâncias»: o jurídico-político (o direito e o Estado) e a ideologia (as diferentes ideologias, religiosas, moral, jurídica, política, etc.). (ALTHUSSER, 1980, p. 25)

Tardif (2013, p. 567) salienta que o esvaziamento da profissão docente se deve ao abismo da realidade social na qual a educação pública está inserida.

Em vários países, uma parte desses profissionais trabalha, portanto, em condições extremamente difíceis, pois enfrenta a ­pobreza, a violência diária em torno das escolas, o fracasso endêmico das crianças e a falta de envolvimento das famílias. Em um contexto social como esse, não é nada surpreendente, portanto, observar em vários países um desgaste moral dos professores que trabalham em escolas localizadas em áreas pobres, um sentimento de impotência ou de fracasso, acompanhado de uma falta de reconhecimento ou até mesmo de uma desvalorização profissional que conduz a um desânimo face a sua tarefa e uma impressão de inutilidade social.

Caso não ocorram mudanças, continuaremos a vivenciar experiências desastrosas com os nossos alunos, em escolas sucateadas que não conseguem estabelecer uma relação dialógica que promova reais práticas educativas, práticas que sejam críticas, éticas e conscientes, que sejam prazerosas e despertem o interesse dos alunos pela busca incessante do conhecimento e da cultura.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente investigação se caracteriza como descritiva, do tipo estudo de casos múltiplos (YIN, 2001), e abordagem metodológica investigativa qualitativa (GIBBS, 2009; FLICK, 2009). A análise dos dados recorreu ao procedimento da análise de conteúdo (BARDIN, 2011), tendo sido estruturada em três fases: a pré-análise, que especificamente contemplou uma leitura superficial e profícua do conteúdo do material das cinco entrevistas realizadas com os diretores escolares; a exploração do material, através da análise de conteúdo, que objetivou o aprofundamento das entrevistas na tentativa de identificar nas respostas dos entrevistados os temas de maior recorrência percebidos nas falas (BARDIN, 2011); e, por fim, a interpretação, que buscou decifrar o que de fato existe por trás do conteúdo das mensagens, ou seja, a verdadeira mensagem e essência que podem ser extraídas e sintetizadas pela fala dos diretores escolares quanto ao valor e a influência das infraestruturas escolares associadas à Educação Física em relação ao currículo, ensino e aprendizagem.

O recorte e a parte empírica a que se propôs a presente investigação se restringem a tão somente analisar os dados das entrevistas semiestruturadas, realizadas entre os dias 29 e 30 de novembro de 2016, com os diretores de cinco escolas públicas municipais dos anos finais do ensino fundamental da cidade de Armação dos Búzios-RJ. É válido ressaltar que a entrada do pesquisador no campo de pesquisa foi expressamente autorizada pela Semed, por meio do parecer emitido no dia 16 de novembro de 2016. De posse do parecer favorável à realização da pesquisa nas escolas, foram feitas visitas às unidades escolares para a apresentação e agendamento das entrevistas que viriam a ser realizadas. Os cinco diretores assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que apresentava a identificação do pesquisador e do seu vínculo institucional acadêmico, além de esclarecer os objetivos da pesquisa, a necessidade da gravação das entrevistas para posterior análise dos dados, a manutenção da confidencialidade e sigilo quanto ao compartilhamento das informações prestadas pelos indivíduos entrevistados, a preservação da privacidade de suas respectivas identidades, a confirmação de que os dados seriam eliminados logo que fossem tratados e a livre iniciativa para desistência da participação no estudo sem que houvesse nenhum prejuízo. Os diretores emitiram uma autorização para a realização da pesquisa de mestrado nas respectivas escolas.

Esta pesquisa cumpriu todas as exigências quanto aos requisitos éticos de pesquisas envolvendo seres humanos, sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/UFRJ-Macaé), CAAE: 69004317.6.0000.5699, por meio de número de parecer: 2.121.823. O somatório das entrevistas realizadas com os cinco diretores escolares veio a contabilizar o tempo total de 3 horas e 1 minuto de gravação. Alinhado aos princípios éticos de pesquisa que têm como objetivo manter o anonimato e a privacidade dos participantes e das escolas investigadas, estes serão caracterizados por códigos de referência com números e letras. Os códigos de referência dos diretores escolares - DG (Diretores-Gerais) e DA (Diretor-Adjunto) - serão agregados a uma das escolas (E1, E2, E3, E4 e E5) onde o diretor desempenhe as suas funções diretivas. É importante salientar que, dos cinco diretores escolares participantes da pesquisa, quatro possuíam à época o vínculo institucional de Diretor-Geral (DG), e apenas um ocupava o cargo de Diretor-Adjunto (DA). Tal situação deveu-se ao fato de a Diretora-Geral (DG) de uma das escolas participantes estar indisponível por questões de saúde.

O critério de inclusão dos diretores escolares na participação desta pesquisa se dá pelo fato de eles ocuparem posição central dentro das unidades escolares e vivenciarem a dinâmica e o contexto escolar em sua plenitude. Também se dá pelo contributo empírico dos diretores escolares no campo administrativo-educacional e político-pedagógico no que se refere à condução das propostas educacionais das escolas, tendo uma concepção ampla das infraestruturas escolares e dos recursos públicos disponíveis que porventura possam ser geridos de forma autônoma, conjuntamente com a comunidade escolar, frente aos desafios que são impostos cotidianamente pela sociedade.

O procedimento de recolha dos dados se deu através da realização de entrevistas semiestruturadas contendo dez perguntas sobre a relação da infraestrutura escolar das aulas de Educação Física e o processo dialético com o currículo, o ensino e a aprendizagem. O registro das observações ocorreu por meio da gravação das entrevistas utilizando um smartphone e um notebook de forma concomitante. Todas as entrevistas foram previamente agendadas com os diretores e transcorreram nas unidades escolares em ambientes silenciosos e tranquilos (bibliotecas e sala da direção), sem que houvesse interferências. Como recomenda Bardin (2011), a análise dos dados das entrevistas foi realizada pela análise de conteúdo. Adotou-se o critério de categorização semântica (categorias temáticas), em que se busca agrupar possíveis temas que pertençam a um mesmo grupo de ideias essenciais.

O primeiro passo após a realização das entrevistas foi o de executar a transcrição destas. Enquanto eram transcritas, o pesquisador as disponibilizava aos entrevistados para que pudessem analisá-las, apontando possíveis discordâncias ou até mesmo podendo fazer alterações. Todo esse procedimento objetivava a validação das entrevistas.

O processo de construção das categorias de conteúdo começa com a leitura da entrevista já transcrita para identificar possíveis recortes de conteúdo ou relatos que se destaquem e que possam ser decompostos e agrupados em categorias que façam mais sentido ao conteúdo. Após o recorte de conteúdo, foi possível constituir as ideias centrais, as denominadas unidades de análise ou de registro. De fato, as unidades de análise são os trechos, fragmentos e palavras que puderam ser extraídos do conteúdo do discurso das entrevistas.

Por fim, a definição das categorias de conteúdo foi alcançada após as diversas leituras das entrevistas e dos procedimentos técnicos, o que conduziu à saturação dos elementos das categorias observando a precisão, a pertinência e a exclusividade (SILVA; GOBBI; SIMÃO, 2005). Em consonância com o que foi exposto pelo conteúdo das mensagens das entrevistas semiestruturadas, pelos documentos consultados e pelo objetivo central traçado, recorreu-se à categorização de conteúdo, sendo este classificado em três categorias indicadas no Quadro 1, que demonstram fragmentos diretamente relacionados à temática da influência da infraestrutura escolar nas aulas de Educação Física.

QUADRO 1 CATEGORIAS E SUBCATEGORIAS DAS EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS 

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS - DESCRIÇÃO
PRÁTICA PEDAGÓGICA Expressões relacionadas à prática pedagógica (ensino) com a presença de espaços de aprendizagem, equipamentos e instalações nas aulas de Educação Física.
CURRÍCULO E APRENDIZAGEM Expressões relacionadas ao impacto que a infraestrutura escolar tem sobre o currículo, a aprendizagem, o conteúdo de ensino e os objetivos educacionais.
DESCASO PÚBLICO Apontamentos relacionados às justificativas para a ausência de investimentos; a desvalorização da disciplina; a pouca parceria da Semed; as reiteradas alegações da Semed de ausência de recursos econômicos e a proximidade com praças públicas.

Fonte: Elaborado por Ferreira Neto (2017) por meio das evidências empíricas extraídas da análise de conteúdo das entrevistas semiestruturadas realizadas com os diretores.

A hermenêutica dos resultados na dialética com a literatura

As três categorias construídas têm como referência um conceito que atualmente está em voga nas disciplinas de Ciências da Educação, a infraestrutura escolar.Alves e Xavier (2018, p. 711) definem:

O conceito de infraestrutura em educação é polissêmico. O termo compreende a concepção arquitetônica das escolas, seus ambientes educativos e administrativos, os equipamentos e recursos educacionais, mas também as práticas, o currículo, os processos de ensino e aprendizagem e a capacitação dos professores para utilizar os recursos disponíveis.

Observa-se, pela representatividade de alguns estudos nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, um pequeno recorte geográfico da relação de distintas realidades de escolas brasileiras com o componente curricular Educação Física à luz da infraestrutura escolar. Na região Sul, Araújo (2012), em Guarani das Missões-RS, Magalhães e Martineli (2011), em Maringá-PR, e Marques (2012), em Pelotas-RS; na região Sudeste, Damazio e Silva (2008), em Teresópolis-RJ, Bento e Ribeiro (2008), em Indianápolis-MG, e Souza (2009), em São Paulo-SP; na região Nordeste, De Paula et al. (2012), em Sobral-CE, e Sampaio, Silva e Bahia (2012), em Salvador-BA.

A influência da infraestrutura escolar na prática pedagógica

Quanto à categoria “Prática Pedagógica” (ensino), os diretores escolares foram inquiridos a respeito de que forma os equipamentos e as instalações da infraestrutura escolar podem contribuir nas aulas de Educação Física. As principais constatações se referem à ausência de vestiários, chuveiros, quadras esportivas internas e adequadas, além da necessidade de estímulo de professores e alunos para garantir melhor aproveitamento das aulas. Tais apontamentos foram manifestados nas seguintes frases:

[…] até mesmo o aluno, depois da prática de Educação Física, ele vai entrar todo suado na sala de aula? Falta essa parte de estrutura, falta de um vestiário para os alunos e o chuveiro. (Diretor-Adjunto-E3. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Como são atividades que cansa, que desgastam os alunos, expõem os alunos a variação climática, você acaba deixando o aluno sem estímulo. O aluno sai da aula e não tem um vestiário para tomar banho para voltar para a sala. [...] Isso gera uma frequente reclamação de saúde dos alunos em decorrência da exposição ao sol, calor excessivo, enfim, tudo conspira contra essas aulas de Educação Física. (Diretor-Geral-E2. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Eles precisam sim ter vestiário, precisa ter quadras adequadas dentro da escola também, acho que tem que ser dentro da escola, [...]. Então acho assim que essa infraestrutura para o professor de Educação Física hoje quase nada é oferecido a ele. (Diretor-Geral-E5. Anotações de campo. Entrevista, 30/11/2016)

[…] eles voltam suados, sujos, não tem estrutura, não tem chuveiro, não tem essa questão de trocar uniforme, entendeu? E isso é desconfortável pro aluno, pro professor que vai pegar depois e também tira a importância da aula da Educação Física. Porque o aluno quando se prepara para aquilo, ele vai para o vestiário, ele troca o uniforme, ele vai para a aula, tem todo um procedimento que valoriza a importância do que ele vai fazer ali, se ele pode ir de calça comprida, de chinelo, de sapatilha, entendeu? [...] De que prática esportiva ele está desenvolvendo? Então, assim, tudo influencia, da questão do uniforme, a questão do local apropriado de se fazer a prática esportiva. (Diretor-Geral-E4. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Eu acredito que existem dois fatores que acabam sendo importantes. O primeiro é a questão do estímulo, o aluno quando percebe que ele tem um equipamento apropriado, que ele tem possibilidade de desenvolver aquele esporte, ele vai estar muito mais, é, estimulado a estar participando da aula, esse é o primeiro ponto, na minha opinião. O segundo ponto é que esse bom equipamento estimula não só o aluno, mas também o trabalho do professor. (Diretor-Geral-E1. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Sobre a prática pedagógica docente no sentido profissional, Tardif (2010) enfatiza que os saberes docentes costumam ter relação direta com as reais condições de trabalho que os professores cotidianamente vivenciam nas escolas.

Corroborando esse estudo, Marques (2012) e Araújo (2012) descrevem a escassez e precariedade da infraestrutura escolar quanto a espaços físicos, instalações e materiais para as aulas de Educação Física. Destaca-se que a região Sul apresenta baixas temperaturas e ainda assim 75% dos espaços escolares desportivos estão em desacordo, visto que não possuem cobertura nem materiais em número suficiente e em boa qualidade (MARQUES, 2012). Magalhães e Martineli (2011) empreenderam, em Maringá-PR, uma análise crítica sobre a realidade da infraestrutura escolar quanto a espaços, recursos materiais, equipamentos e instalações escolares e, mais especificamente, aqueles que afetam a disciplina de Educação Física. Nesse trabalho foram apuradas queixas de professores sobre a temática infraestrutura escolar. Quando pensadas exclusivamente como elemento de superação da ausência de recursos materiais, essas queixas identificam um pensamento ingênuo e descontextualizado. As condições de trabalho dos professores de Educação Física têm relação com o plano das políticas de investimento. Logo, o pensamento e as ações políticas não podem ser utilitaristas, o que caracterizaria “um pensamento alienado/estranhado desta realidade” (MAGALHÃES; MARTINELI, 2011, p. 228).

Na região Nordeste, De Paula et al. (2012) e Sampaio, Silva e Bahia (2012) descreveram as condições da infraestrutura escolar quanto ao quesito espaço físico, materiais didáticos e equipamentos esportivos destinados à disciplina de Educação Física, em escolas públicas de Sobral-CE e escolas estaduais da Bahia. No estado baiano, verificou-se um desinvestimento, pois, das 1.456 escolas estaduais, 46 (3,15%) possuem quadras cobertas, 795 (54,6%) possuem quadras sem cobertura e 615 (42,2%) não possuem quadras (SAMPAIO; SILVA; BAHIA, 2012).

O impacto da infraestrutura escolar no currículo de Educação Física e nas aprendizagens dos alunos

A respeito da categoria “Currículo e Aprendizagem”, especificamente quanto ao cumprimento do currículo, as queixas mais frequentes estão relacionadas ao conteúdo de ensino, aos objetivos educacionais e ao próprio currículo. Estas são negativas sob o ponto de vista do prejuízo ao seu desenvolvimento, ou totalmente neutras quanto à questão da infraestrutura escolar. Tais constatações são elucidadas nas frases de dois diretores, o DG-E5 e o DG-E2, que são taxativos ao afirmar que não é possível cumprir o currículo de Educação Física com as condições que estão postas à disciplina:

Eu acho que a gente tem como adaptar no currículo, claro que a gente não vai seguir como deve, [...]. Mas cumprir o currículo que tá lá escrito que deve ser cumprido pela Educação Física, pelo que nós temos, a gente não consegue cumprir. (Diretor- -Geral-E5. Anotações de campo. Entrevista, 30/11/2016)

Quanto à execução do currículo, não tem como, os professores se desdobram. Os nossos professores ainda levam os alunos para fazerem trilhas aqui em localidades do município de Búzios, como a Serra das Emerências, eles vão aqui próximo à Manguinhos, para fazerem atividades [...]. Dessa forma, a gente acaba não conseguindo trabalhar o currículo como deveria. (Diretor-Geral-E2. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Apesar do DG-E1 e do DG-E4 mencionarem que o currículo e os objetivos educacionais são cumpridos parcialmente, o DA-E3 argumentou que é possível o cumprimento do currículo, demonstrando uma argumentação teórica ambígua:

Em parte, porque o currículo de Educação Física conta com 1 hora e 40 de aula para desenvolver aquele conteúdo e a gente não tem 1 hora e 40 de aula, na medida que o aluno precisa se locomover duas vezes, ida e volta, ele já perde ali um tempo precioso de aula. (Diretor-Geral-E1. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

[...] eu já falei da quadra aqui ao lado, que se a gente der sorte de chegar lá e ter um espaço para você trabalhar, obviamente nenhum objetivo, se atingido, é muito em parte, vira mais uma aula de recreação de Educação Física mesmo para ensino de segundo segmento, não acredito que professores, por mais empenhados que sejam, consigam atingir os objetivos diante dessa realidade da infraestrutura. (Diretor-Geral-E4. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

É, como eu já falei, nós temos a quadra. Mas só a quadra não é importante, tem que ter uma quadra coberta [...]. Externa, próximo da escola. Localizado a 10 metros da escola. Não é uma quadra da escola, é uma quadra da comunidade, é a quadra dos moradores. [...]. Tinha um embate entre a escola com a população. Assim, aqui eu consigo. Aqui a gente tem essa possibilidade, mas infelizmente muitas escolas ainda não conseguem isso. (Diretor-Adjunto-E3. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Hargreaves (2000) apresenta como alternativa para enfrentar as condições relatadas pelos diretores, decorrentes dessa redução do tempo de aula pelo deslocamento até as praças públicas, o fortalecimento da categoria profissional por meio de ações coletivas docentes. Essa teoria da ação coletiva é reforçada por Firestone e Pennell (1993), quando destacam que lutar por melhores condições de trabalho não deve ser uma ação solitária. As ações isoladas e individualizadas tendem a não ter força para alterar, em muitas situações, quadros políticos e econômicos que se têm perpetuado historicamente, degradando a formação humana docente com políticas educacionais falhas, que se refletem em ações ineficazes quanto à implementação de uma educação pública de qualidade.

Por sua vez, em relação à categoria “Currículo e Aprendizagem” (competências pessoais e sociais), as queixas mais recorrentes são aquelas relacionadas à exposição aos fatores climáticos, à percepção de distintos interesses dos alunos nas aulas, à desmotivação, às vulnerabilidades sociais, à necessidade de maior atenção e estímulo e à qualidade de vida dos alunos. Os diretores das escolas pelejam pelo cumprimento do currículo de Educação Física, considerando as competências pessoais e sociais dos alunos. Eles mencionam que, quando a estrutura é considerada um item indispensável, os alunos participam da aula. Mas, quando percebem a ausência de um espaço, desmotivam-se e tendem a optar por não fazê-la. Além de queixas em relação ao consumo de tempo nos deslocamentos, o diretor DG-E4 também se referiu ao fato de os professores terem de transportar o material pedagógico e de, muitas vezes, necessitarem dividir a quadra com outra escola ou mesmo com pessoas da comunidade.

Aí fica um grupo de alunos jogando, o outro [grupo] fica ali observando ou fica fazendo outra coisa qualquer, ou se distrai, ou vai interagir com os meninos da praça. [...] Das crianças retornarem para escola e os garotos da comunidade pular o muro da escola e dar um soco no garoto aqui por causa de uma discussão que aconteceu lá, de a gente muitas vezes ter que ir lá na quadra interferir, conversar com o pessoal da comunidade, de professor assistir determinadas coisas, de professor deixar de ir pra quadra por questão da droga, do tráfico aqui, então assim, guardar, eles guardam na árvore a droga, a arma , tudo na árvore, então é assim, é um desgaste muito grande, eles nem fazem questão de ir para lá, os professores, desestimulam os alunos, entendeu? (Diretor-Geral-E4. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Hoje eu tenho muitos alunos, que infelizmente, eles ficam desmotivados para fazer Educação Física, por falta da estrutura, porque o aluno não tem uma quadra coberta, com um sol desse, com um tempo desse, fica até inviável, até para o próprio professor que fica procurando aonde tem um galhinho para ficar na sombra. (Diretor-Adjunto-E3. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Se você tem uma estrutura, como uma quadra coberta, se você tem um material, como uma barra, enfim, todos aqueles materiais de Educação Física, obviamente, você irá despertar uma atenção maior no seu aluno [...]. Hoje não existe isso, não há nem mesmo um uniforme específico para a prática das atividades físicas, o aluno do jeito que vem, faz as atividades, então, assim, banalizou-se as aulas de Educação Física, o que deveria ser um diferencial. O aluno deveria perceber nela que com essas atividades ele teria uma qualidade de vida melhor, enfim, conhecemos toda essa estrutura, e acaba desestimulando a aula e o aluno acaba ficando sem vontade de praticar. (Diretor-Geral-E2. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Assim, a quadra é uma quadra comunitária, a escola tem prioridade na utilização, no entanto, tiramos nossos alunos de dentro da escola para levá-los para lá, e aí tem o contato com a comunidade, nessa comunidade acabamos tendo contato com pessoas que fazem tráfico de drogas e a gente acaba expondo nossos alunos e o nosso professor. Então, além do problema da falta de cobertura e da falta de proteção física para os nossos alunos, nós acabamos expondo nossos alunos para a comunidade, quero dizer, ao mundo aí fora. Não há maneira de protegê-los quanto a isso. Às vezes há conflitos com o pessoal da comunidade porque as pessoas da comunidade estão utilizando o espaço que, naquele momento, deveria ser utilizado pela escola, pelos professores, enfim, temos inúmeros problemas em decorrência dessa quadra não ser exclusiva dentro da nossa área física da escola. (Diretor-Geral-E2. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Da mesma maneira que o DG-E2 e o DG-E4 relataram casos de vulnerabilidade social envolvendo tráfico de drogas nas praças públicas próximas às escolas onde decorrem as aulas de Educação Física, o estudo de Souza (2009), conduzido na região Sudeste do Brasil, também constatou consumo de drogas próximo aos locais das aulas de Educação Física. Outros problemas, como a evasão escolar nas aulas, foram percebidos no estudo de Bento e Ribeiro (2008), em Indianópolis-MG. Ainda que envolva um número reduzido de alunos que não participem da aula, os autores justificam que a evasão é decorrente de problemas com a infraestrutura escolar precária e da falta de recursos materiais. De acordo com o estudo, os alunos de escolas públicas sinalizaram problemas relacionados às dificuldades para desenvolver as aulas de Educação Física no país, ocasionando evasão escolar da prática pedagógica por conta da sua oferta inadequada. O maior índice de evasão de alunos observado foi de 25% e se concentra em turmas de 9º ano, antiga 8ª série (BENTO; RIBEIRO, 2008).

Bento e Ribeiro (2008) e Damazio e Silva (2008) constataram gravidades relacionadas ao espaço físico da infraestrutura escolar e aos equipamentos e recursos materiais das escolas. A evasão escolar cresce entre os alunos do 6º ao 9° ano (antigas 5ª à 8ª série), em Indianópolis-MG, na presença de carências estruturais (BENTO; RIBEIRO, 2008). Em Teresópolis-RJ, foram relatadas limitações na infraestrutura escolar (materiais e instalações) que têm comprometido o processo de ensino-aprendizagem (DAMAZIO; SILVA, 2008). Por fim, Souza (2009) identificou em duas escolas estaduais inseridas no bairro Jardim Santo André, um bairro historicamente violento de São Paulo-SP, que a precariedade da infraestrutura escolar é agravada pelo quadro de vulnerabilidade social. De acordo com seis professores de Educação Física participantes do estudo, próximo aos locais de aulas existe consumo de drogas e acesso livre às instalações escolares desportivas, o que gera insegurança e medo durante as aulas de Educação Física (SOUZA, 2009). Nesse sentido, a

[...] ausência e a pouca qualidade de espaço físico e de instalações para o ensino da Educação Física podem ser compreendidas sob dois aspectos: a não valorização social desta disciplina e o descaso das autoridades para com a educação destinada às camadas populares. (DAMAZIO; SILVA, 2008, p. 193)

Os relatos dos diretores condizem com os fatos que Porath et al. (2011) identificaram em seu trabalho e que têm contribuído para o desinteresse profissional. Os autores denominam de “desinvestimento amargo” o descontentamento com o descaso e com o abandono de governos com a Educação como um todo, e não somente em relação à Educação Física. Ainda segundo os autores, a construção dessa fase de desinvestimento profissional pode ser representada por quatro aspectos: planos de cargo, políticas educativas, baixos salários e modificações na legislação referente à aposentadoria docente.

O escárnio com a educação pública nas aulas de Educação Física

A categoria “Descaso Público” talvez seja a com maior crítica, visto que traz denúncias daquilo que pode ser considerado um dos maiores motivos pela atual conjuntura de precariedades das escolas: a ausência de investimentos de recursos econômicos. Observaram-se entre os diretores frases com adjetivações que mostram relação direta entre a infraestrutura escolar e os investimentos públicos financeiros, tais como a ausência de investimentos, a desvalorização da disciplina de Educação Física (DG-E1), a pouca parceria da Semed com as escolas (DG-E2), as reiteradas alegações da Semed de ausência de recursos econômicos (DG-E4) e também a hipótese de não existirem investimentos pelo simples fato da proximidade de escolas com praças públicas que possuem instalações esportivas (DA-E3; DG-E5).

A quadra fica aqui, pelo menos a gente usa mais que a própria comunidade. A comunidade daqui ficou distante. [...] quando eu cheguei, a quadra já estava aqui há muitos anos. Porque espaço a escola tem. A escola, como você já viu, tem espaço para colocar um campo de futebol society. Agora eu não sei por que desde a emancipação até antes da cidade, a cidade tenha essa, como eu posso te falar? Essa norma de não construir uma quadra dentro da própria escola. (Diretor-Geral-E3. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Não sei responder esta pergunta porque a meu ver não tem cabimento o não investimento, entendeu? Qual é a motivação? Por que não se investe? (Diretor-Geral-E4. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016)

Eu creio que nesses últimos tempos a disciplina acaba sendo um pouco subestimada, na minha opinião, não só é em nível municipal, mas acredito que até em nível federal, [...], então acredito que isso faz com que poucos sejam os investimentos em cima da disciplina, uma vez que a tentativa do governo federal é retirá-la do ensino médio, por exemplo, então acredito que isso é o que mais impacta, de não se valorizar a disciplina como ela deveria ser valorizada. (Diretor-Geral-E1. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016).

[...] esses recursos, mal ou bem, a gente tem próximos, não sendo nosso, mas a gente pode desfrutar em tempo integral se a gente quiser aqui na praça. (Diretor-Geral-E5. Anotações de campo. Entrevista, 30/11/2016).

[...] eu acredito que se houvesse uma parceria mais efetiva da Secretaria de Educação, dotando as escolas, verificando as necessidades e contemplando com equipamentos, com essa preocupação a exposição dos alunos, acredito, não tenho dúvida de que nós teríamos uma qualidade de aulas muito melhor, não só os alunos, mas nossos professores estariam muito bem contemplados com essa estrutura para fazer uma aula, e os alunos para receberem essa aula qualitativa que a gente tanto espera. (Diretor-Geral-E2. Anotações de campo. Entrevista, 29/11/2016).

Assim como descrito por Sátyro e Soares (2007), os resultados dos achados empíricos desta pesquisa sinalizam que os diretores avaliam como precária a infraestrutura escolar dos anos finais do ensino fundamental para as aulas de Educação Física. Também indicam prejuízos relacionados ao ensino, aprendizagem e currículo. As frases analisadas também evidenciam que as características de maior recorrência, dentre as categorias mencionadas, guardam maior relação com a "Prática Pedagógica" e com o "Currículo e Aprendizagem". No entanto, é na categoria “Descaso Público” que está o cerne da questão sobre a precariedade das infraestruturas escolares. As questões postas pelos diretores estão envoltas em um emaranhado de aspectos, que vão desde o estrutural ao social, perpassando ainda pela segurança, aprendizagem e saúde, e desabrochando no pedagógico e no econômico.

A gestão municipal do esporte e das instalações esportivas existentes em escolas públicas municipais do ensino básico demonstra os seguintes dados sobre a infraestrutura escolar (IBGE, 2006, p. 55):

As escolas públicas municipais do País que possuíam instalações esportivas correspondiam a 12,0% de seu total, situação que apresentava uma melhora nas Regiões Sul (27,9%), Sudeste (26,5%) e Centro-Oeste (21,3%), e que se agravava nas Regiões Norte (4,7%) e Nordeste (4,4%).

A realidade atual das condições das escolas públicas em nosso país precisa ser melhorada, pois estas servem de indicativos para a qualidade educacional. Vale enfatizar que as escolas públicas são responsáveis por 90% das matrículas no ensino fundamental, portanto necessitam estar equipadas com uma infraestrutura escolar que proporcione um ensino de qualidade e estabeleça uma relação dialética e estimulante para os estudantes (SÁTYRO; SOARES, 2007, p. 7):

A infra-estrutura escolar pode exercer influência significativa sobre a qualidade da educação. Prédios e instalações adequadas, existência de biblioteca escolar, espaços esportivos e laboratórios, acesso a livros didáticos, materiais de leitura e pedagógicos, relação adequada entre o número de alunos e o professor na sala de aula e maior tempo efetivo de aula, por exemplo, possivelmente melhorem o desempenho dos alunos.

É importante frisar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 preconiza em seu Art. 6º que a educação é um direito social, e o Art. 206º estipula que o ensino será oferecido tendo como referência princípios, sendo o princípio “VII - garantia de padrão de qualidade” (BRASIL, 2018, p. 160). Esse princípio estabelece relação com a temática da presente investigação. Nesse quesito, a legislação não tem sido cumprida, visto que as escolas públicas dos anos finais do ensino fundamental em Armação dos Búzios-RJ apresentam condições adversas às aulas de Educação Física.

Com base nas observações de campo das escolas públicas dos anos finais do ensino fundamental de Armação dos Búzios-RJ, é patente o prejuízo ao Art. 2º da Lei n. 9394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O Art. 2º diz que a educação é dever da família e do Estado (BRASIL, 1996), e o Estado, como guardião, deveria zelar pela qualidade das estruturas das escolas investigadas. Verifica-se a reprodução de um modelo educacional que perpetua as desigualdades e os desequilíbrios sociais em nosso país, com escolas mal-equipadas, contendo instalações defasadas, e que não têm estabelecido uma relação dialógica com os estudantes do século XXI. Como afirma o DG-E2, durante a entrevista:

Acredito que é inadmissível que no século XXI, em uma escola localizada em um município como Búzios, por exemplo, que é um município arrecadador, isto é, está entre os cinco municípios mais visitados no país, não possuirmos uma estrutura como essa.

Embora o Poder Público se faça representar pelos poderes instituídos, o Legis­la­ti­vo, o Executivo e o Judiciário, é importante salientar que estes emanam do poder do povo, da massa produtiva advinda da força dos trabalhadores. Nesse sentido, Macedo e Goellner (2012, p. 73), em entrevista a Celi Nelza Zulke Taffarel, destacam que para a reversão do quadro caótico das infraestruturas escolares referentes às aulas de Educação Física é premente haver investimentos financeiros na máquina pública: “Investimento público, financiamento, orçamento, aplicação de recursos que advém do trabalho dos trabalhadores no país porque a única coisa que gera valor é o trabalho humano, o trabalho dos trabalhadores”.

Apesar de as pesquisas apresentadas abordarem a questão da infraestrutura escolar vivenciada em aulas de Educação Física, vale ressaltar que elas não esgotam o assunto, tampouco se aproximam de um aprofundamento epistemológico quanto ao campo das políticas públicas, como de fato esse tema deve ser tratado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente investigação possibilitou compreender o contexto vivenciado no âmbito do componente curricular Educação Física em escolas públicas municipais dos anos finais do ensino fundamental da cidade de Armação dos Búzios-RJ.

Constatou-se que a falta de infraestrutura escolar obriga os alunos a serem retirados do prédio escolar para a concretização do ato pedagógico em quadras de praças públicas. Ao final da aula, professores e alunos tentam, de forma ordenada, regressar à escola caminhando pelas ruas. Esse retrato descrito é verídico e corrobora as evidências empíricas apresentadas e os resultados descritos previamente na literatura. Conforme dados do Censo Escolar de 2017 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - Inep/Ministério da Educação - MEC), as cinco escolas públicas municipais dos anos finais do ensino fundamental de Armação dos Búzios-RJ não possuem espaços físicos, como quadras polidesportivas, para a realização das aulas de Educação Física (FUNDAÇÃO LEMANN; MERITT, 2019). A ausência de infraestruturas escolares em espaços de aprendizagem para as aulas de Educação Física faz com que os docentes recorram a medidas extremas para terem condições apropriadas de atender às especificidades da disciplina.

As principais inferências que este artigo faz emanam do objetivo geral e da tríade - ensino, aprendizagem e currículo - que se sustenta por meio da infraestrutura escolar relacionada à Educação Física. Dessa relação, surgem as três categorias de conteúdo: “Prática Pedagógica”, “Currículo e Aprendizagem” e “Descaso Público”.

Depreende-se dos resultados empíricos aqui encontrados que a academia precisa discutir mais assuntos referentes a Infraestrutura Escolar (IE) e Espaço Físico (EF), em conformidade com as conclusões de Sá e Werle (2017). As três categorias de conteúdo apresentaram subcategorias de grande relevância: a necessidade de vestiários, a falta de infraestrutura escolar adequada e o desperdício de tempo com deslocamento de materiais. A redução do tempo de aula em função do deslocamento de professores e alunos configura a banalização da disciplina. As aulas externas, realizadas em quadras comunitárias de praças, promovem insegurança, vulnerabilidade e o desestímulo dos alunos diante da violência local e o tráfico de drogas.

O conteúdo de maior relevância analisado foi o da categoria “Descaso Público”. Este sugestiona que esses problemas são decorrentes de um processo de desvalorização da disciplina no cenário nacional (DG-E1; DA-E3). Também se demonstrou a ausência de parceria da Semed com as escolas pela não provisão de equipamentos (DG-E2). Esse quadro é percebido pela reiterada alegação da Semed de insuficiência de recursos econômicos (DG-E4); pela prática recorrente dos governantes de perpetuar um sistema histórico de construir praças públicas com quadras de esportes ao lado de escolas públicas (DG-E5) para satisfazer dupla função, a educação escolar e o lazer da população; e pela lógica capitalista de exploração do capital humano (professores e alunos) somada à logica do capital econômico. Essas combinações contribuem para o desenvolvimento de comodidades e alienação, como afirma Freire (1981).

Em algumas escolas investigadas, como a E3, são adotadas medidas pedagógicas pela disciplina de Educação Física, como a tematização de aulas externas em ambientes naturais. Segundo o autor desta pesquisa, enquanto não forem adotadas medidas para reversão do descaso em relação às infraestruturas escolares, tais ações não contribuem para a resolução dos problemas decorrentes da precarização da educação pública. Pelo contrário, só agravam a situação, pois camuflam o problema e jogam uma verdadeira cortina de fumaça que mantém o sistema de alienação e acriticidade dos atores sociais e reproduzem a denominada educação bancária domesticadora. Considera-se, ainda, que aulas esporádicas em praias vendem uma falsa ilusão, com prazeres efêmeros vivenciados em ambientes naturais, mas desconexos da realidade socioacadêmica, que padece sem as devidas instalações.

Os diretores constataram a interferência direta da infraestrutura escolar na prática pedagógica, na aprendizagem e no currículo de Educação Física. Para os entrevistados, os espaços físicos existentes nas escolas são reduzidos e inadequados para a prática pedagógica dessa disciplina. Assim como Souza (2009) identificou pontos vulneráveis, a exemplo do consumo de drogas e do acesso de terceiros próximo aos locais de aula, o presente estudo também constatou algumas dificuldades, a saber, as intempéries climáticas, as potenciais situações de conflito com a comunidade do bairro, a vulnerabilidade social e a existência de tráfico de drogas.

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Recebido: 15 de Maio de 2019; Aceito: 11 de Fevereiro de 2020

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