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vol.32A PANDEMIA E AS DESIGUALDADES DE OPORTUNIDADES DE APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTILÉTICA NA AVALIAÇÃO DE LÍNGUAS ADICIONAIS: DA POSTURA DOCENTE AO INSTRUMENTO AVALIATIVO índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
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Estudos em Avaliação Educacional

versão impressa ISSN 0103-6831versão On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.32  São Paulo  2021  Epub 25-Fev-2022

https://doi.org/10.18222/eae.v32.8212 

Seção Temática: Educação em Tempos de Pandemia

O DIREITO À EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: DESAFIOS DA AVALIAÇÃO EMANCIPATÓRIA1

EL DERECHO A LA EDUCACIÓN EN TIEMPOS DE PANDEMIA: DESAFÍOS EN LA EVALUACIÓN PARA LA EMANCIPACIÓN

THE RIGHT TO EDUCATION IN TIMES OF PANDEMICS: CHALLENGES OF THE EMANCIPATORY EVALUATION

ANA MARIA EYNGI 
http://orcid.org/0000-0003-0224-5880

JÉSSICA ADRIANE PIANEZZOLA DA SILVAII 
http://orcid.org/0000-0001-9521-6725

TALITA QUINSLER VELOSOIII 
http://orcid.org/0000-0001-7397-1383

ANA CAROLINA RAMOS PASSOSIV 
http://orcid.org/0000-0003-3834-1989

IPontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba-PR, Brasil; eyng.anamaria@gmail.com

IIPrefeitura Municipal de São José dos Pinhais (PMSJP), São José dos Pinhais-PR, Brasil; jessica.adriane.ps@gmail.com

IIIUniversidade Positivo (UP), Curitiba-PR, Brasil; talitaqveloso@gmail.com

IVPrefeitura Municipal de São José dos Pinhais (PMSJP), São José dos Pinhais-PR, Brasil; anacarolramospassos@gmail.com


RESUMO

No texto, objetivamos discutir o direito à educação em diálogo com percepções sobre procedimentos de ensino e avaliação no contexto da pandemia. O trabalho, com abor- dagem qualitativa, dialoga com argumentos bibliográficos, documentais e empíricos. Os dados procedem de cinco países da América Latina, com a participação de 512 estudantes e 157 educadores da educação básica. Os resultados demonstram a fragilidade da garantia do direito à educação, que se evidencia nas concepções conservadoras, com ênfase em estratégias regulatórias, em detrimento das possibilidades de emancipação. A emancipação se desenvolve como resultante de processos participativos, ainda praticamente ausentes quando o assunto é a avaliação na educação básica.

PALAVRAS-CHAVE: EDUCAÇÃO BÁSICA; DIREITO À EDUCAÇÃO; AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM; COVID-19

RESUMEN

En el texto, pretendemos discutir el derecho a la educación en diálogo con las percepciones sobre los procedimientos de enseñanza y evaluación en el contexto de la pandemia. El trabajo, con un enfoque cualitativo, dialoga con argumentos bibliográficos, documentales y empíricos. Los datos reúnen a participantes de cinco países de América Latina, con 512 estudiantes y 157 educadores de la educación básica. Los resultados muestran la fragilidad de la garantía del derecho a la educación que se destaca en las concepciones conservadoras, con énfasis en las estrategias regulatorias, en lugar de las posibilidades emancipadoras. La emancipación se desarrolla como resultado de procesos participativos, que aún están prácticamente ausentes en lo que respecta a la evaluación en la educación básica.

PALABRAS-CLAVE: EDUCACIÓN BÁSICA; DERECHO A LA EDUCACIÓN; EVALUACIÓN DEL APRENDIZAJE; COVID-19

ABSTRACT

In the text, we aim to discuss the right to education in dialogue with perceptions about teaching and evaluation procedures in the context of the pandemic. The work, with a qualitative approach, dialogues with bibliographical, documentary and empirical arguments. The data come from five countries in Latin America, with 512 students and 157 educators in basic education. The results demonstrate the fragility of the guarantee of the right to education, which is highlighted in the conservative conceptions, with an emphasis on regulatory strategies, instead of emancipation possibilities. Emancipation is developed as a result of participatory processes, which are still practically absent when it comes to evaluation in basic education.

KEYWORDS: BASIC EDUCATION; RIGHT TO EDUCATION; LEARNING EVALUATION; COVID-19

INTRODUÇÃO

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) (2020; BAUER, 2021), a Organização das Nações Unidas (ONU) (2020a, 2020b) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) (2021) têm produzido diversos informes com alertas sobre a necessidade de garantia dos direitos da infância que deixam de ser atendidos ou passam a estar sob maior ameaça com a suspensão das atividades escolares presenciais, com destaque à ameaça ao próprio direito à educação que, como consequência da pandemia da covid-19, pode se converter numa crise internacional dos direitos da infância.

No contexto da pandemia, desigualdades entre os estudantes são ampliadas e aprofundadas, e novas exclusões são geradas, as quais são normalmente atenuadas nas atividades escolares presenciais. “En emergencias, los derechos no desaparecen, ni se apartan, ni se posponen, al contrario: es necesario hacer un esfuerzo adicional por garantizarlos” (UNICEF, 2020, p. 4). Esse pressuposto se aplica à problemática do direito à educação. Assim, trazemos o enfoque nos direitos da infância para a discussão do direito à educação em diálogo com percepções sobre procedimentos de ensino e avaliação no contexto da pandemia.

A emergência da pandemia obrigou a suspensão das aulas presenciais, sendo adotadas atividades mediadas por tecnologias, conforme as possibilidades e disponibilidades dos sistemas, instituições, educadores, educandos e condições familiares, incluindo desde plataformas on-line, acessadas por computadores e celulares conectados à internet, até aulas por televisão, rádios comunitárias e uso de materiais impressos.

A brusca e intensa mudança produziu grande debate na mídia, em eventos e reu- niões on-line, lives, entre outros, gerando também grande produção bibliográfica, entre as quais destacamos o número especial da Revista Internacional de Educación para La Justicia Social, com 61 artigos. Os pesquisadores, que analisam as medidas tomadas em diferentes países, reportam dificuldades quanto ao processo educativo a partir da suspensão das aulas, em especial para o contingente de estudantes dos sistemas públicos e comunitários de ensino, em contextos caracterizados pela pobreza infantil.

Nesse cenário, aspectos como defasagem, evasão e reprovação são ainda mais acentuados diante das dificuldades da inclusão digital para aqueles com menos condições de acesso às novas tecnologias. No ensino emergencial a distância, esses estudantes estão também mais propensos, segundo Cardoso, Ferreira e Barbosa (2020), a sofrer maiores prejuízos em sua saúde emocional por conta da crise financeira acentuada na pandemia; a ter menor possibilidade de usufruir de um ambiente domiciliar adequado para o processo de aprendizagem; e a não poder contar com o auxílio dos pais para a resolução das atividades, tendo em vista que muitos têm baixa escolaridade. Portanto, são inúmeros os desafios a serem superados para, de fato, garantir-se o direito à educação a “[...] mais de 1,5 bilhão de estudantes que sofreram com o fechamento das escolas em decorrência da pandemia” (UNESCO, [2021]).

Nesse contexto, inclusão e equidade deveriam ser tópicos a movimentar o debate mundial, como base das lutas pelos direitos humanos e, em especial, pelo direito à educação, considerando nesse debate que, no âmbito das atividades educativas a distância, além das condições de acesso, como infraestrutura tecnológica e disponibilidade e repertório para sua utilização, as concepções e práticas pedagógicas desenvolvidas incidem diretamente na definição das intencionalidades e nos resultados, que repercutem na permanência e no sucesso capazes de garantir o direito à educação aos estudantes.

Tanto os educadores como os estudantes e suas famílias precisaram realizar profundas adaptações pessoais, sociais e emocionais para o manejo das atividades acadêmicas de ensino e aprendizagem. Nesse aspecto, consideramos que as atividades de avaliação na educação não presencial agregam novos desafios aos já existentes, que vão desde a dispersão de sentidos até as contradições nas concepções acerca da avaliação que circulam nas políticas e nas práticas educativas, as quais repercutem pressupostos de diferentes teorias da educação (tradicionais, renovadas, tecnicistas, críticas e pós-críticas).

Assim, as concepções de avaliação foram sofrendo ajustes e incorporando novas demandas, nas quais se assinalam desafios e possibilidades de mudança, ao mesmo tempo em que persistem visões e práticas conservadoras. Encontramos na história a preponderância de quatro etapas geracionais (FERREIRA; MARCONDES; NOVAES, 2017) que têm como foco as concepções de avaliação orientada à mensuração, aos objetivos, ao juízo de valor e à tomada de decisão (SILVA; GOMES, 2018). Tais concepções avaliativas repercutem na definição das políticas educacionais nas quais se encontram pressupostos do paradigma gerencialista e do paradigma democrático (SILVA; GOMES, 2018) em disputa.

Uma perspectiva de avaliação contemporânea necessita ressignificar e contextualizar tais pressupostos, pois a medida é parte da avaliação; do mesmo modo, a clareza da intencionalidade educativa, seus objetivos, são essenciais no planejamento e desenvolvimento da avaliação, na definição de critérios e indicadores na elaboração de juízos de valor. E, ainda, as medidas, juízos e resultados da avaliação são cruciais na tomada de decisão, considerando os ajustes e diagnóstico de novos rumos para o aperfeiçoamento do processo educativo.

Entretanto, a ressignificação implica reforçar o entendimento da importância da avaliação se tornar estratégia autorreguladora da aprendizagem, ou seja, constituir-se em possibilidade de emancipação gradativa. Nessa direção estão a tendência híbrida da avaliação (SILVA; GOMES, 2018) e a busca do entendimento da avaliação na perspectiva psicossocial (FERREIRA; MARCONDES; NOVAES, 2017).

Em outros termos, uma avaliação que se pretende psicossocial é caracterizada por um ethos que reconhece em todos os envolvidos a potencialidade de construção de um saber e do exercício consciente de ações no contexto avaliado. (FERREIRA; MARCONDES; NOVAES, 2017, p. 885).

A partir dessas constatações, neste texto, no diálogo com as percepções de estudantes e educadores, problematizamos a garantia do direito à educação em contexto de pandemia. Assim, objetivamos analisar as relações entre ensino, avaliação e direito à educação na educação básica. Entendemos que o direito à educação se refere diretamente ao direito à aprendizagem, mas não se trata de simples aquisição de conteúdo, e sim de uma aprendizagem relevante na perspectiva dos direitos humanos.

Nessa direção, passamos à apresentação dos pressupostos teórico-metodológicos que referendam a discussão sobre a avaliação como subsídio na garantia do direito à educação, considerando que as percepções sobre condução das atividades de ensino e avaliação da aprendizagem evidenciam intencionalidades, procedimentos e resultados valorizados que configuram uma concepção educativa.

O texto tem como objetivo geral discutir o direito à educação em diálogo com percepções sobre procedimentos de ensino e avaliação no contexto da pandemia, sendo objetivos específicos: situar o direito à educação, em conformidade com as políticas educacionais, demandas sociais e educativas; refletir sobre a avaliação emancipatória como pressuposto da garantia do direito à educação por meio de aspectos teóricos e evidências empíricas; relacionar a garantia do direito à educação no contexto da pandemia da covid-19 com as percepções de profissionais da educação e estudantes a respeito de práticas metodológicas e procedimentos avaliativos no ensino remoto.

O DIREITO À EDUCAÇÃO

O direito à educação integra o conjunto dos direitos humanos oriundos de construções políticas, conceituais e jurídicas formuladas ao longo da história, ampliadas por esforços internacionais no período pós-Segunda Guerra Mundial (ONU, 1948). Configuram-se como “[...] direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas” (BOBBIO, 2004, p. 5).

Trata-se, portanto, de conquistas gradativas, marcadas por lutas, debates e controvérsias constantes em prol de uma justiça distributiva (WALZER, 2003) que inclua a conquista de reconhecimento, redistribuição e representação (FRASER, 2007, 2009), e, assim, fortaleça a garantia dos direitos humanos, compostos por um

[...] conjunto de direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, sejam eles individuais, coletivos, transindividuais ou difusos, referem-se à necessidade de igualdade e de defesa da dignidade humana. (BRASIL, 2012, art. 2º).

Entretanto, além do princípio da igualdade ressaltado no documento, enfatiza- mos o princípio da diferença entre os sujeitos, para que todos e todas sejam respeitados como cidadãos de direitos, com sua dignidade humana garantida, independentemente de cultura, classe social, gênero, etnia, religião, entre outros traços.

No âmbito internacional, os direitos da infância (de 0 a 18 anos) são definidos na Convenção dos Direitos da Criança (CDC) (ONU, 1989), que se tornou um documento amplamente aceito, uma vez que cerca de 200 países o assinaram e ratificaram. O conjunto de previsto na CDC abrange 17 direitos, aqui apresentados em ordem alfabética: adoção (ter uma família); convivência com os pais ou responsáveis legais; cultura; educação; esporte e lazer; informação; identidade; liberdade de associação e crença; liberdade de opinião e expressão; nacionalidade; orientação em e para os direitos humanos; profissionalização; proteção contra todas as formas de violência; proteção contra trabalho ilegal e exploração econômica; reintegração social; saúde; e vida (ONU, 1989).

Esse conjunto de direitos pode ser agrupado conforme suas finalidades, para assegurar a provisão, a proteção e a participação da infância, reconhecendo as especificidades e peculiaridades das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, em desenvolvimento. No que se refere ao direito à educação, integrando os direitos sociais, também definidos como de segunda geração (BOBBIO, 2004), esse se constitui em um dos direitos fundamentais para a sociedade.

No contexto brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 2017) incorpora tanto os princípios da CDC (ONU, 1989) quanto os da Constituição Federal (BRASIL, 1988) na definição do direito à educação, tendo como finalidade o pleno desenvolvimento individual, a preparação para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho, e que processos educativos sejam viabilizados mediante: o acesso à escola pública e gratuita; a igualdade de condições para acesso e permanência na escola; o direito de ser respeitado por seus educadores; o direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; o direito de organização e participação em entidades estudantis (BRASIL, 2017). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reafirma os princípios constitucionais, evidenciando a liberdade de aprender e ensinar os princípios de solidariedade que devem permear os currículos e as práticas pedagógicas, visando a uma educação baseada em valores democráticos, em defesa da cidadania (BRASIL, 1996).

Tais princípios, referendados e ampliados na Resolução n. 4/2010, reafirmam: “[...] a Educação como um direito social prestado na forma de serviço público pelo Estado”, o qual deve garantir condições de acesso, permanência e sucesso escolar para o educando, se caracterizando uma educação, então adjetivada como “educação de qualidade social” (BRASIL, 2010).

Entretanto, ainda há um grande caminho a ser percorrido para garantia do direito à educação, tanto no Brasil como nos demais países investigados que se situam ao sul do poder econômico, pobres ou periféricos, como denominados.

As carências quanto ao direito à educação se ampliam e trazem novas implicações em decorrência da pandemia que, conforme resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), já sinalizavam suas dificuldades e deficiências. Em 2018, houve 79 países participantes - 37 membros da OCDE e 42 parceiros, sendo Chile, Colômbia e México membros da OCDE e Brasil e Argen- tina parceiros (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIO- NAIS ANÍSIO TEIXEIRA - INEP, 2019; ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - OCDE, 2019). As avaliações internacionais, com intuito de aferir a aprendizagem por meio das competências de leitura, matemática e ciências, são realizadas desde o ano 2000 de forma trianual, com participantes na faixa etária de “[...] 15 anos e 3 meses a 16 anos e 2 meses [...] e que completaram pelo menos 6 anos de escolaridade formal” (INEP, 2019, p. 16). No último ano de realização houve cerca de 600 mil alunos envolvidos, aproximadamente 150 escolas e 6.300 alunos por país.

Entre os cinco países da nossa pesquisa referente à proficiência em leitura, temos: Chile - ranking 42-44 e média 452; México - ranking 49-57 e média 420; Brasil - ranking 55-59 e média 413; Colômbia - ranking 54-51 e média 412; Argentina - ranking 60-66 e média 402. Quanto à proficiência em matemática, temos: Chile - ranking 55-60 e média 417; México - ranking 60-63 e média 409; Colômbia - ranking 66-70 e média 400; Brasil - ranking 69-72 e média 384; Argentina - ranking 70-73 e média 379. E quanto à proficiência em ciências, temos: Chile - ranking 44-47 e média 444; México - ranking 55-62 e média 419; Colômbia - ranking 58-64 e média 413; Argentina - ranking 63-68 e média 404; Brasil - ranking 64-67 e média 404.

Esses resultados revelam que, nos países em tela nesta pesquisa, há dificuldades acerca das competências apresentadas, o que evidencia a necessidade de melhoria no contexto educacional. Para fins comparativos, as médias dos países que aparecem nas primeiras posições em relação aos outros foram: média 520 em leitura (Canadá), média 526 em matemática (Coreia) e média 522 em ciências (Finlândia) (INEP, 2019; OCDE, 2019).

Na última versão da avaliação do Pisa, foi considerada a influência das tecnologias digitais, especificamente na proficiência em leitura, com identificação de aumento de acesso à internet em relação a 2015. O relatório apresenta também uma preocupação, pois, apesar de existir a busca pela informação, não há um aprofundamento que atinja um grau de complexidade acerca dos assuntos, o que faz com que as pesquisas permaneçam na superficialidade. A principal crítica do relatório reside no fato de que os participantes, em sua maioria, não sabiam distinguir entre fato e opinião. Diante disso, o Pisa 2018 concluiu que a educação não está conseguindo acompanhar as demandas inovadoras da era digital (OCDE, 2019).

Tais resultados indicam a existência de déficit significativo para suprir as demandas surgidas pela suspensão das aulas presenciais em 2020, quando a garantia do direito à educação tornou-se majoritariamente refém dos recursos digitais. Aos resultados, soma-se a falta de repertório dos estudantes e, acrescentamos, também dos educadores, que não estavam - e possivelmente ainda não estão - suficientemente preparados, além de não disporem de recursos tecnológicos em qualidade e número suficientes para a garantia de direitos nas aulas não presenciais.

AVALIAÇÃO COMO SUBSÍDIO AO DIREITO À EDUCAÇÃO

A garantia do direito à educação, assegurada nos documentos internacionais e nas políticas públicas nacionais dos diferentes países investigados, requer uma conquista gradual de cada sujeito. Nesse sentido, há que se acompanhar por um rigoroso e atento olhar avaliativo que integre diversos momentos e procedimentos (diagnóstico, formativo e somativo) e por diferentes sujeitos (estudantes, professores, especialistas) e instâncias (interna e externa), de modo que regulação e emancipação se equilibrem.

Nas concepções políticas e práticas da educação e, por consequência, da avaliação, advindas dos pressupostos da modernidade, podem ser identificados “[...] dois pilares em tensão dialética - o pilar da regulação social e o pilar da emancipação social” (SANTOS, 2010, p. 31). Entendemos a coexistência da regulação e da emancipação nos processos avaliativos, entretanto, há que se reequilibrar os valores e intencionalidades que orientam a educação, ora excessivamente centrados no pilar da regulação.

Apesar de estas duas formas de conhecimento estarem igualmente inscritas no paradigma da modernidade a verdade é que no último século o conhecimento-regulação ganhou total primazia sobre o conhecimento emancipação. (SANTOS, 2010, p. 85).

Na regulação prepondera o princípio da igualdade e tem-se como finalidade ou indicador a normatização, adequação a um padrão.

A utilização do princípio da igualdade, sobretudo se lhe dermos uma interpretação formal, oferece maior margem de ação do poder público que a afirmação de um direito à educação, portador de obrigações mais exigente. (LEGRAND, 2011, p. 235).

No pilar da emancipação prevalece o princípio do diálogo com a diferença, da diversidade. Assim, uma avaliação que promova a emancipação, considerada no âmbito dos direitos sociais, compõe o direito à educação “[...] enquanto ação pedagógica estruturada na base de relações de reciprocidade, e intersubjetividade validada” (AFONSO, 2009, p. 125), reforça o pilar da emancipação desde que a escola supere a “[...] mera igualdade formal de oportunidades que esconde as estratégias de classe [...]”, atuando “[...] sem enviesamento classista ou de qualquer outra natureza (de raça, etnia, gênero, religião, nacionalidade...)” (AFONSO, 2017, p. 255).

O efetivo processo emancipatório no direito à educação realiza-se gradativamente, via acesso, permanência e sucesso (BRASIL, 1996, 2010, 2017). Inicia-se pelo direito à vaga, passa pelos recursos de acesso em tempos de educação remota, e inclui o discente ativamente nos processos de aprendizagem e avaliação. Portanto, a participação

[...] do educando na avaliação é, ao mesmo tempo, um meio de dinamização das situações de formação e uma finalidade educativa: trata-se de ajudar o educando a desenvolver uma competência de autoavaliação que deve ser exercitada ao longo de toda a sua vida. (ALLAL, 2011, p. 73).

Nessa trajetória, as estratégias de participação, essenciais na perspectiva emancipatória, desenvolvem-se gradativamente, “[...] pela utilização de instrumentos de autoavaliação, por intercâmbios entre iguais em situações de avaliação mútua, por confrontações de coavaliação entre docente e aluno” (ALLAL, 2011, p. 73). Tais vivências terão o intuito de “[...] desenvolver no educando uma capacidade de autorregulação, mais consciente e controlada de seus processos de aprendizagem” (ALLAL, 2011, p. 73).

Nesse sentido, garantir o direito do estudante à participação implica garantir uma educação que efetive “[...] um direito mais preocupado em centrar-se no aluno e no seu interesse crescente por questões ligadas à diversidade do local e à especificidade do indivíduo” (LEGRAND, 2011, p. 235). Essa perspectiva se sustenta nos direitos dos estudantes, conforme regulamenta um “[...] conjunto de disposições jurídicas [que] reconheceu um direito de expressão individual, um direito de expressão coletiva, um direito de participação” (MERLE, 2011, p. 237). A CDC estabelece, no artigo 12, que se garanta “[...] à criança que é capaz de discernimento, o direito de exprimir livremente sua opinião em toda questão que lhe interesse” (ONU, 1989).

Portanto, a participação dos estudantes, considerando o direito à educação, refere-se a questões “[...] relativas à pedagogia, às sanções, à organização das provas e às práticas de avaliação, pertencem totalmente ao domínio do direito de expressão dos alunos” (MERLE, 2011, p. 237). Entretanto, ainda é grande o número de professores que ignoram os direitos dos estudantes: “[...] 56% dos professores consideram que não se deve levar em conta a opinião dos alunos quando se trata de organização das provas. Esta proporção é de 95% quando se trata da avaliação” (MERLE, 2011, p. 237) e seus resultados.

Infelizmente, temos de concordar com a constatação sobre a falta de efetivação dos direitos de expressão individual ou coletiva e de participação dos estudantes nos contextos escolares. Assim, mantém-se “[...] um abismo entre os direitos dos alunos, tais como são definidos pela regulamentação, e os direitos de que eles dispõem realmente no dia a dia de seu estabelecimento” (MERLE, 2011, p. 238).

A METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

O projeto de investigação a partir do qual realizamos a coleta de dados foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob parecer consubstanciado n. 4.034.222. O trabalho, circunscrito à abordagem qualitativa de pesquisa (BOGDAN; BIKLEN, 1994) no desenvolvimento de estudo de caso ampliado (VAN VELSEN, 1987), discute argumentos conceituais e políticos em diálogo com as percepções de estudantes e professores da educação básica. O estudo de caso ampliado abrange 8 contextos de instituições educacionais, sendo 7 comunitárias e uma pública, situadas em 5 diferentes países das Américas - 4 no Brasil (estados de Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Sul) e um em cada um dos seguintes países: Argentina, Chile, Colômbia e México.

A análise das percepções dos sujeitos (512 estudantes e 157 educadores) se referenda na análise de conteúdo (BARDIN, 2016), cujas técnicas foram pesquisadas, aplicadas e aperfeiçoadas pela autora a partir da década de 1970. No prefácio da publicação da obra pela Edições 70, em 2016, a autora situa o que é a análise de conteúdo atualmente: “Um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a ‘discursos’ (conteúdos e continentes) extremamente diversificados” (BARDIN, 2016, p. 11).

Do conjunto de técnicas da análise de conteúdo, aplicamos a análise temática, na qual as tendências das respostas são organizadas conforme categorias a priori, nas questões fechadas, e categorias a posteriori, nas questões abertas.

A produção dos dados que integram a pesquisa foi realizada mediante abordagem on-line de estudantes (de 12 a 18 anos) e profissionais da educação (professores e gestores) e permitiu reunir as percepções individuais e coletivas no contexto da pandemia da covid-19, considerando estratégias que garantissem o respeito às orientações sanitárias. Desse modo, foram desenvolvidos roteiros de pesquisa na plataforma Google Forms, os quais foram encaminhados aos participantes por meio de links, nos quais os primeiros passos se destinaram a apresentar os termos de consentimento livre e esclarecido. Os roteiros respondidos pelos estudantes foram compostos por 60 questões (42 fechadas e 18 abertas) e os respondidos pelos profissionais da educação, compostos por 62 questões (44 fechadas e 18 abertas).

Para o presente estudo, selecionamos uma amostra de questões que se referem aos dados de identificação dos participantes (idade, sexo, ano escolar, reprovações, acesso a computador e/ou celular com acesso à internet). Em seguida, discutimos as perguntas que compuseram o bloco sobre direito à educação, que incluíram questões sobre: forma de continuidade dos estudos durante a pandemia; quantidade de horas de estudo; tipos de procedimentos de ensino e aprendizagem utilizados; procedimentos e processos de avaliação aplicados; mudanças percebidas em termos de novas dificuldades; e novas aprendizagens no contexto de aulas remotas.

Os dados foram sistematizados buscando extrair as similaridades e contradições entre as percepções dos participantes e, assim, desenhar a perspectiva coletiva da intersubjetividade. As respostas dos participantes nos permitem compreender como as relações entre a garantia de direitos e os processos de ensino e avaliação são tecidas no contexto escolar e comunitário.

As percepções sobre os fenômenos, as pessoas e o mundo, expressas nas vivências cotidianas, estão imersas em conteúdos subjetivos. Nesse sentido, a subjetividade é plural na medida em que se constrói na relação com o coletivo - com o outro -, e ao mesmo tempo individual, decorrente da trajetória de vida de cada um, sendo, até mesmo, o que dá ao sujeito sua singularidade, o modo peculiar que o diferencia dos demais.

A expressão das subjetividades exerce influência de forma ímpar em toda a coletividade, tendo em vista que a sociedade é constituída por uma constelação de subjetividades inevitavelmente interligadas, produzindo e retroalimentando os fenômenos sociais. Sob essa ótica, os processos individuais e coletivos estão integrados, e não separados; nada é só uma coisa ou outra.

Nessa constelação de subjetividades em comunicação está a intersubjetividade, construindo-se a partir da relação entre subjetividades e, ao mesmo tempo, reconstruindo as subjetividades por meio disso. É um processo dinâmico e, simultaneamente, intra e intersubjetivo.

A construção da subjetividade se alimenta da comunicação intersubjetiva e é afetada por todas as questões sociais, históricas e culturais e, consequentemente, também age sobre todos esses pontos. Assim, à medida que temos o sujeito mais individuado, temos também uma sociedade mais ligada a um propósito mais coletivo e menos egocêntrico, além de mais autônoma. Para isso, é necessário que a educação vá além das convenções, pois elas são em si mesmas “[...] mecanismos sem alma, que nada podem mais abranger do que a rotina da vida. A vida criadora fica sempre acima da convenção” (JUNG, 2008, p. 184).

Nessa direção, entendemos que o direito à educação implica constituição identitária, individuação, capacidade de autopercepção e de autorregulação, desde que subsidiado por processos pedagógicos e avaliativos que equilibrem a regulação das convenções e a emancipação da vida criadora.

CONTEXTOS E PERCEPÇÕES SOBRE DIREITO À EDUCAÇÃO

O cenário analisado na obra A cruel pedagogia do vírus (SANTOS, 2020) revela uma crise dentro da permanente crise financeira produzida pelo modelo neoliberal, repercutindo profundas desigualdades e exclusões advindas do “[...] modo de vida imposto pelo hipercapitalismo em que vivemos” (SANTOS, 2020, p. 6), que depauperaram os serviços públicos de saúde e educação. “Este modelo põe de lado qualquer lógica de serviço público, e com isso ignora os princípios de cidadania e os direitos humanos” (SANTOS, 2020, p. 24).

Desse modo, as quarentenas da exclusão social foram ampliadas na quarentena da pandemia, abrangendo diversos coletivos sociais vulneráveis (mulheres, trabalhadores informais, trabalhadores de rua, sem teto/população de rua, moradores das periferias pobres, imigrantes sem documentação, refugiados confinados em campos de “internamento”, deficientes, idosos) (SANTOS, 2020). “Qualquer quarentena é sempre discriminatória, mais difícil para uns grupos sociais do que para outros e impossível para um vasto grupo de cuidadores, cuja missão é tornar possível a quarentena ao conjunto da população” (SANTOS, 2020, p. 15).

A vulnerabilidade aos quais esses coletivos sociais estão expostos intensifica os riscos e atinge, sobretudo, as crianças já afetadas pela pobreza infantil, para as quais a situação humanitária se agrava (EYNG; CARDOSO, 2020) pela suspensão das aulas presenciais. O acolhimento no espaço escolar garante a grande parcela das crianças o acesso à alimentação, entre outros direitos básicos de provisão, além de direitos de proteção e participação.

O abismo da desigualdade e da exclusão se amplia para um enorme contingente de estudantes, “[...] que têm em comum padecerem de uma especial vulnerabilidade que precede a quarentena e se agrava com ela” (SANTOS, 2020, p. 15). Como afirmam Gomes et al., “Na interseção das fendas sociais, o confinamento é solução essencial, mas como fazê-lo quando os grupos familiares são numerosos e vivem aglomerados em sub-habitações?” (2020, p. 5).

Os estudantes que vivenciam cotidianos marcados pela pobreza multidimensional - pela qual são privados de um conjunto de direitos de provisão, proteção e participação -, cujas carências abrangem aspectos econômicos, sociais, políticos e culturais, pertencem aos coletivos que compõem o que Boaventura de Sousa Santos (2020, p. 15) chama de “Sul”.

Na minha concepção, o Sul não designa um espaço geográfico. Designa um espaço-tempo político, social e cultural. É a metáfora do sofrimento humano injusto causado pela exploração capitalista, pela discriminação racial e pela discriminação sexual.

O contexto geográfico abrangido por nossa pesquisa é composto por países situados neste Sul. A “América Latina es la región más desigual del planeta [...], situación que se manifiesta en todas las facetas de la vida cotidiana” (ÁLVAREZ et al., 2020, p. 26). Nela, “[...] cerca de 50% dos trabalhadores empregam-se no setor informal” (SANTOS, 2020, p. 16).

A desigualdade se manifesta nas condições precárias das comunidades, escolas e famílias que necessitaram se ajustar ao modelo de ensino remoto, o que afetou milhões de estudantes. Por exemplo, no México, as medidas de afastamento social, com suspensão das aulas presenciais, atingiram a vida de 25 milhões de estudantes da educação básica, sendo que “[...] conviene considerar que, a nivel nacional, el 66% de las escuelas tiene suficiente luz, el 27,8% tiene insuficiente y el 6,0% no tiene [...]” (HOLGUÍN; SANDOVAL, 2020, p. 15).

Entretanto, a precariedade e/ou inexistência de condições básicas também se encontra nos demais países pesquisados, marcados pela desigualdade, sendo que a constatação feita por Álvarez et al. (2020, p. 35) sobre o sistema educativo da Argentina se aplica ao Brasil, México, Chile e Colômbia, os quais se caracterizam “[...] por su diversidad tanto en tamaño de las instituciones, en su localización, de los recursos que disponen, como por las características socio económicas de la población que atiende”.

Esse cenário caracteriza brevemente os múltiplos desafios do contexto do qual trazemos dados da pesquisa de campo realizada, com percepções de estudantes e educadores de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México, contemplando as respostas de 669 participantes. Tais percepções perfazem 512 estudantes, sendo 363 brasileiros (196 de Pernambuco, 129 do Paraná e 38 do Rio Grande do Sul) e 149 estrangeiros (62 argentinos, 39 chilenos, 35 mexicanos e 13 colombianos). Quanto aos 157 educadores, foram ouvidos 85 brasileiros (42 de Pernambuco, 27 do Paraná e 16 do Rio Grande do Sul) e 72 estrangeiros (29 argentinos, 21 mexicanos, 13 colombianos e 9 chilenos). Entre os estudantes, foram ouvidos 231 do sexo masculino e 281 do sexo feminino. Participaram 44 educadores do sexo masculino e 113 do sexo feminino.

Ao questionarmos sobre sua idade, identificamos que, no Brasil, os estudantes participantes da pesquisa têm, predominantemente, 13 (27,3%) e 14 anos (28,9%). Na Argentina, os estudantes concentram-se em 14 (24,2%) e 18 anos (21%). Quanto ao Chile, os estudantes têm 16 (28,2%), 17 (43,6%) e 18 anos (28,2%). Já na Colômbia, os estudantes, majoritariamente, têm 12 (23,1%), 13 (30,8%) e 14 anos (30,8%). Com relação aos estudantes mexicanos, 37,1% têm 12, 31,4% têm 13 e 28,6% têm 14 anos. Entre os educadores, observou-se que as idades dos profissionais, nos cinco países, concentram-se nos seguinte intervalos: até 25 anos, 1,3%; entre 26 e 32 anos, 28,2%; entre 33 e 39 anos, 32,7%; entre 40 e 47 anos, 19,9%; entre 48 e 55 anos, 12,1%; e acima de 55 anos, 5,8%.

Com relação aos anos escolares, as denominações são diferentes em cada país, sendo que os participantes se encontram cursando os anos escolares que correspondem à faixa do 5º ao 9º ano do ensino fundamental e do 1º ao 3º ano do ensino médio, conforme a nomenclatura no Brasil.

No bloco de direito à educação, buscamos identificar aspectos relacionados ao perfil escolar, como acesso, permanência e sucesso, considerando a realidade da pandemia. Uma das perguntas realizadas para os estudantes foi: “Você já reprovou? Se sim, digite na opção ‘Outros’ qual(is) ano(s) escolar(es)”. No Brasil, 25,3% dos participantes já haviam sido reprovados e cerca de 10% repetiram mais de um ano. No exterior, os reprovados abrangem 5,7% no México, 15,4% na Colômbia, 15,4% no Chile e 32,3% na Argentina, sendo que, entre esses, 1% foi reprovado mais de uma vez.

Em contextos tão marcados pelas desigualdades, fazemos coro à pergunta de Gomes et al. (2020, p. 5), que provoca a pensar: “[...] como prover educação a distância se aos domicílios faltam condições para estudo e/ou equipamentos eletrônicos?”. Os dados advindos da pesquisa evidenciam as necessidades dos estudantes a respeito do acesso à tecnologia digital.

Os estudantes foram questionados se possuem computador com acesso à internet. Na Argentina, 35,5% indicaram que possuem e 61,3% não possuem. No Brasil, nos três estados, 58,7% indicaram que sim e 40,2% indicaram que não. Entre os estudantes chilenos, 84,6% possuem e 15,4% não. Na Colômbia, 84,6% sim e 15,4% não. Já entre os mexicanos, 57,1% possuem e 42,9% não. No que se refere ao acesso via celular, os dados mostram que 74,2% dos estudantes brasileiros e estrangeiros possuem seu próprio celular e 20,3% recorrem ao celular de algum familiar quando necessário. Por sua vez, 5,5% dos estudantes nesses países indicaram não ter celular ou tê-lo sem acesso à internet.

Tais resultados apontam desafios vivenciados pelos estudantes durante o ensino remoto. Embora algumas escolas já participassem de um movimento de adesão às tecnologias tanto nos processos de ensino e aprendizagem quanto nos assuntos relativos à gestão e comunicação, essas práticas nem sempre são usuais nos cotidianos educativos (ÁLVAREZ et al., 2020), ou, ainda, estão limitadas a equipamentos insuficientes, como à carência na formação profissional e à prática a respeito de seu uso, o que reflete nos improvisos (GOMES et al., 2020).

A responsabilidade de dispor de aparelhagem e conectividade para garantir o prosseguimento das atividades escolares disponibilizadas recaiu em boa parte sobre as famílias. Nesse caso, o uso do computador com acesso à internet não se mostrou uma opção viável para todos os estudantes participantes desta pesquisa, evidenciando a falta do computador em si, como também confirmando outro problema ainda mais alarmante, sinalizado por Sáez-Delgado et al. (2020, p. 283), que abrange a América Latina: “[...] la conectividad en el nivel educativo primario y secundario es precaria y desigual desde antes de la pandemia”.

Embora boa porcentagem dos estudantes tenha um aparelho celular próprio, tal equipamento pode apresentar diferentes limitadores quanto ao acesso às atividades on-line, como incompatibilidade de softwares, limite de memória, banda larga insuficiente, tamanho reduzido da tela para assistir aulas e, ocasionalmente, problemas de saúde decorrentes do uso inadequado do aparelho.

Nesse momento, a conectividade teria potencial para oferecer melhores possibilidades para avaliação da aprendizagem, na medida em que professores e estudantes estabelecem contato um pouco mais direto diante do distanciamento social. Entretanto, a disponibilidade de acesso à internet não se dá de forma igualitária, como exemplificam Gomes et al. (2020, p. 7), ao indicarem que “[...] no México o acesso à internet atingia 94% das/os alunas/os nas escolas privilegiadas e 29% nas menos privilegiadas”. Os contextos das escolas que investigamos se caracterizam como menos privilegiados, assim, possivelmente em torno de 70% dos estudantes não têm acesso à internet. Esse foi um limitador para a participação de inúmeros estudantes nas aulas remotas, como também na nossa pesquisa, para a qual foi necessário o acesso ao formulário on-line. Desse modo, “[...] el supuesto de la tecnología como superador de las dificultades, puede ser considerado para ciertos sectores y con determinadas condiciones” (ÁLVAREZ et al., 2020, p. 40).

Essas limitações, a partir da suspensão das aulas presenciais, podem influenciar o tempo que os estudantes destinam aos estudos. Há nitidamente uma diminuição da dedicação, conforme exemplificam as respostas da questão “Quantas horas por dia você se dedicou aos estudos no período em casa?”, nas quais estudantes no Brasil indicaram a maior média de horas de estudos no período em casa, de 1 hora por dia (23,7%), seguida de 2 horas por dia (23,4%), 3 horas por dia (18,2%), 4 horas por dia (14%), 5 horas por dia (12,2%) e mais de 5 horas por dia (8,5%). Múltiplos são os fatores que incidem sobre esse dado, desde o aumento de demandas do lar, trabalho próprio ou em negócios familiares (HOLGUÍN; SANDOVAL, 2020), assim como a falta de acompanhamento de um adulto para esclarecimento das dúvidas e orientações nas atividades escolares mais específicas.

Na caracterização do contexto se identifica a pobreza infantil, em suas múltiplas facetas de desigualdade e limitações de bem-estar, gerando a fragilização dos processos educacionais que torna ainda mais profundos os abismos sociais. Na sequência, passamos a considerar como estudantes e educadores percebem os procedimentos de ensino e avaliação aplicados nas aulas remotas.

PERCEPÇÕES SOBRE PROCEDIMENTOS DE ENSINO E AVALIAÇÃO NAS AULAS REMOTAS

A urgência do desenvolvimento de estratégias que possibilitassem a continuidade das atividades pedagógicas nas instituições de ensino trouxe à tona a contínua problemática dos paradigmas de ensino e aprendizagem presentes na educação. “A súbita mudança choca-se com o caráter transmissor da educação” (GOMES et al., 2020, p. 6) e aponta para o também necessário movimento de ressignificação das clássicas práticas de ensino, das tecnologias educacionais, do currículo como um todo.

Para adentrar as percepções sobre as abordagens educativas, perguntamos sobre as permanências e mudança nos procedimentos de ensino e avaliação (das aulas presenciais para as aulas remotas). Na questão sobre o que abrangem “As atividades de ensino (ex.: tarefas, estilos das aulas) utilizadas pelos professores no período das aulas remotas”, os participantes deveriam optar entre três alternativas em relação às atividades: a) foram as mesmas utilizadas nas aulas presenciais; b) foram, em parte, as mesmas utilizadas nas aulas presenciais; c) foram totalmente diferentes das utilizadas nas aulas presenciais. As respostas sobre as atividades de ensino foram: a) 21,7% dos estudantes; 1,3% dos educadores; b) 53,4% dos estudantes; 70,1% dos educadores; c) 24,5% dos estudantes; 28,6% dos educadores (0,4 não respostas dos estudantes). E, quanto às atividades de avaliação, foram: a) 20,6% dos estudantes; 2,5% dos educadores; b) 49,4% dos estudantes; 52,6% dos educadores; c) 28,7% dos estudantes; 44,9% dos educadores (1,3 não respostas dos estudantes)

Indagamos aos estudantes e educadores “Quanto aos resultados de aprendizagem (notas ou conceitos), percebeu que...”, obtendo como menções: foram os mesmos que se obtinham antes (25,3% dos estudantes; 26,8% dos educadores); foram piores (29,1% dos estudantes; 38,9% dos educadores); foram melhores (11,1% dos estudantes; 12,1% dos educadores); não sabe dizer (34,5% dos estudantes; 22,3% dos educadores).

Para conhecer quais procedimentos foram utilizados durante o período de ensino remoto emergencial nas instituições pesquisadas, realizamos a pergunta fechada aos estudantes “Cite os principais tipos de atividades de ensino utilizadas por seus professores no período das aulas remotas” - permitindo respostas múltiplas, o que gerou maior número de respostas do que o número de participantes - e a pergunta aberta aos educadores “Quais os principais tipos de atividades de ensino utilizadas no período de aulas remotas”, cujas respostas estão sistematizadas na Tabela 1.

TABELA 1 Distribuição das respostas de estudantes e educadores referentes aos principais tipos de atividades de ensino utilizadas no período de aulas remotas 

TIPO DE ATIVIDADE BRASIL EXTERIOR GERAL
ESTUDANTE EDUCADOR ESTUDANTE EDUCADOR ESTUDANTE EDUCADOR
n % n % n % n % n % n %
Tarefas de perguntas e respostas 298 22,7 12 9,2 129 24,0 2 2,3 427 23,1 14 6,4
Atividades do livro didático 249 19,0 9 6,9 73 13,6 3 3,4 322 17,4 12 5,5
Pesquisas e trabalhos individuais 178 13,6 10 7,6 100 18,6 4 4,5 278 15,0 14 6,4
Explicações orais do professor 234 17,8 30 22,9 90 16,7 24 27,3 324 17,5 54 24,7
Lista de questões 115 8,8 19 14,5 61 11,3 10 11,4 176 9,5 29 13,2
Jogos on-line 123 9,4 6 4,6 52 9,7 5 5,7 175 9,5 11 5,0
Debates entre estudantes e professores 115 8,8 2 1,5 33 6,1 0 0,0 148 8,0 2 0,9
Outros 0 0,0 36 27,5 0 0,0 33 37,5 0 0,0 69 31,5
Não houve resposta 0 0,0 2 1,5 0 0,0 0 0,0 0 0,0 2 0,9
Não especificou 0 0,0 5 3,8 0 0,0 7 8,0 0 0,0 12 5,5
Total 1.312 100 131 100 538 100 88 100 1.850 100 219 100

Fonte: Elaboração das autoras.

Os estudantes foram questionados: “Durante a suspensão das aulas presenciais em função das medidas de proteção contra a covid-19, continuou tendo aulas?”. Entre os educandos, 34 brasileiros e 8 estrangeiros disseram que não houve continuidade nos estudos; assim, 42 estudantes não responderam o bloco de perguntas específicas sobre as aulas remotas. Portanto, as respostas sobre os procedimentos de ensino e de avaliação são de 329 estudantes brasileiros e 141 estudantes estrangeiros.

Pelas respostas sistematizadas na Tabela 1, observa-se a manutenção de certas práticas e concepções de ensino alinhadas às abordagens conservadoras transferidas para a modalidade de ensino remoto emergencial, procedimentos que confirmam percepções ultrapassadas de que o aluno aprende ao ouvir e fixar por meio de exercícios.

Os procedimentos com maior potencialidade para aprendizagens mais significativas, reflexivas e contextualizadas foram pouco ou não mencionados pelos estudantes; entre esses, estão Debates entre estudantes e professores (8% dos estudantes e 0,9% dos educadores). Mas os demais procedimentos, agrupados na categoria “Outros”, foram mencionados apenas pelos educadores: situações-problema e modalidades de atividades práticas [13 (9,9%) no Brasil e 8 (9,1%) no exterior, com total de 21 (9,6%) educadores]; leituras, interpretação e produção textual [18 (13,7%) no Brasil e 16 (18,2%) no exterior, com total de 34 (15,5%) educadores]; oficinas e seminários [4 (3,1%) no Brasil e 3 (3,4%) no exterior, com total de 7 (3,2%) educadores]; e projetos e trabalhos interdisciplinares [1 (0,8%) no Brasil e 6 (6,8%) no exterior, com total de 7 (3,2%) educadores].

No conjunto, surpreende que os procedimentos mais apropriados para a construção do conhecimento - como oportunizar a reflexão, o trabalho em grupos e a investigação contextualizada e interdisciplinar - são mencionados por poucos educadores e aparentemente não são percebidos ou lembrados pelos estudantes. O desenvolvimento de tais procedimentos de aprendizagem é desafio para a docência mesmo nas aulas presenciais. É, portanto, fundamental reforçar a visão contextualizada e interdisciplinar sobre a relação entre os diferentes saberes, considerando a importância de compreender o conhecimento a partir de múltiplos olhares, linguagens e contextos.

A aprendizagem dos estudantes se torna significativa quando promove a possibilidade de estabelecer relações e partilhar diferentes saberes. Desse modo, atividades que preconizam o protagonismo dos estudantes são fundamentais para sua aprendizagem e, sobretudo, para a garantia de seus direitos.

Os jogos on-line, apesar de aparecerem em 9,5% das respostas dos estudantes e 5% dos educadores, ganharam mais visibilidade nas aulas remotas. Ainda que caiba a análise das modalidades e das finalidades dos jogos realizados, aprender por meio do jogo, em tempos de pandemia, foi um espaço de recreação para os estudantes. O jogo possibilita interagir com o outro no trabalho coletivo, testar hipóteses e narrar percursos de aquisição de conhecimento e prazer durante o processo de aprendizagem. A ludicidade presente nos jogos permite a aprendizagem por meio da experiência, não necessariamente de conteúdos expositivos, visto que as crianças aprendem muito mais com fatos do que com palavras (JUNG, 2008).

As respostas dos participantes sobre os procedimentos de ensino concentrados na perspectiva conteudista e conservadora evidenciam processos de avaliação, também com ênfase classificatória, da medida e verificação de objetivos. A preponderância da visão regulatória de avaliação manifesta-se nas respostas sobre os procedimentos de avaliação. Os participantes foram questionados sobre as formas de avaliação mais utilizadas por seus professores no período das aulas remotas. Suas respostas foram sistematizadas na Tabela 2.

TABELA 2 Distribuição das respostas de estudantes e educadores referentes a formas de avaliação mais utilizadas no período de aulas remotas 

FORMAS DE AVALIAÇÃO BRASIL EXTERIOR GERAL
ESTUDANTE EDUCADOR ESTUDANTE EDUCADOR ESTUDANTE EDUCADOR
n % n % n % n % n % n %
Provas objetivas 237 27,6 10 11,0 54 13,0 4 5,5 291 22,9 14 8,5
Participação na aula e entrega das atividades 194 22,6 26 28,6 63 15,2 20 27,4 257 20,2 46 28,0
Trabalhos individuais 155 18,1 16 17,6 91 21,9 9 12,3 246 19,3 25 15,2
Trabalhos em grupo 41 4,8 2 2,2 99 23,9 4 5,5 140 11,0 6 3,7
Lista de exercícios com consulta 99 11,5 11 12,1 35 8,4 3 4,1 134 10,5 14 8,5
Provas dissertativas 97 11,3 8 8,8 24 5,8 3 4,1 121 9,5 11 6,7
Simulados/testes 27 3,1 1 1,1 15 3,6 3 4,1 42 3,3 4 2,4
Não resposta 8 0,9 2 2,2 34 8,2 1 1,4 42 3,3 3 1,8
Outros 0 0,0 11 12,1 0 0,0 24 32,9 0 0,0 35 21,3
Não realizaram avaliações 0 0,0 4 4,4 0 0,0 2 2,7 0 0,0 6 3,7
Total 858 100 91 100 415 100 73 100 1.273 100 164 100

Fonte: Elaboração das autoras.

De modo geral, as atividades avaliativas mencionadas expressam abordagem pedagógica ainda bastante conservadora, e não há evidência de procedimentos reflexivos, participativos e de autorregulação da aprendizagem dos estudantes na avaliação.

Há sinais de fragilidade nas concepções e precariedade das atividades, que podem sugerir desde despreparo até insegurança dos educadores no planejamento e desenvolvimento da proposta avaliativa nas aulas não presenciais. Chama a atenção que os maiores índices de resposta estejam concentrados na indicação de que o procedimento de avaliação é “participação nas aulas e entrega de atividades”, mencionado na maior proporção de respostas de educadores (28%) e estudantes (20,2%). Gera dúvida sobre quais seriam os critérios e indicadores aplicados, incluindo o questionamento sobre se e como essas atividades são corrigidas e apreciadas.

Também preocupam as percepções reunidas na categoria “Outros”, agrupando 21,3% das respostas dos educadores, as quais indicam dispersões ou distorções nas concepções. Nessas respostas, em vez de serem indicadas atividades de avaliação, houve menção de 16 educadores (9,8%) à “modalidade de avaliação (somativa, processual, diagnóstica)”; 13 educadores (7,9%) a “critérios avaliativos”; 3 educadores (1,8%) à realização pela via on-line e “fotografias” das produções dos estudantes; e 3 educadores (1,8%) a checklist e “correção de testes”.

Há, ainda, a indicação de 6 educadores que não realizaram avaliações durante o ano letivo, causando estranhamento e questionamento sobre as razões para essa ausência. Em complemento à resposta, houve educadores que justificaram que as redes de ensino orientaram para a não realização de atividades nas quais houvesse atribuição de notas. Aqui, cabe problematizar as concepções e práticas de avaliação que se perpetuam nos contextos educacionais.

Os procedimentos utilizados em maior concentração inviabilizam a plena garantia do direito à educação, que vai além do acesso e reprodução da informação. Tais procedimentos de reprodução das “informações apreendidas”, como avaliações objetivas e tarefas de perguntas e respostas, demonstram a fragilidade das teorizações que embasam as avaliações das aprendizagens nos contextos educativos.

O contexto da pandemia provocou a necessidade de novas articulações, produzindo uma mudança de paradigma que “[...] pressupõe uma viragem epistemológica, cultural e [...] ideológica que sustente as soluções políticas, econômicas e sociais que garantam a continuidade da vida humana digna no planeta” (SANTOS, 2020, p. 31-32). Assim, buscamos conhecer, também, as percepções sobre as consequências das mudanças em relação a novas dificuldades e novas aprendizagens, com as seguintes questões: “A mudança para as aulas remotas proporcionou novas aprendizagens?” e “A mudança para as aulas remotas criou novas dificuldades, na relação dos alunos com seus professores? Se sim, indique que tipo de dificuldade”.

Sobre novas dificuldades, a partir das aulas remotas, 44,7% dos estudantes e 40,1% dos educadores negaram que tenham existido. Entretanto, 46,9% dos estudantes e 59,2% dos educadores afirmaram que sim. As novas dificuldades listadas pelos participantes são: comunicação (11,6% dos estudantes e 14% dos educadores); distância, vínculo e relacionamento (26,5% dos estudantes e 24,7% dos educado- res); esclarecer dúvidas, compreender e realizar atividades (38,7% dos estudantes e 14% dos educadores); saúde emocional (1,3% dos estudantes e 3,2% dos educadores); dificuldade no acesso à aula (conexão ruim, falta de equipamentos, travamento da plataforma) (7,1% dos estudantes e 15,1% dos educadores); interação dos estudantes (11% dos estudantes e 19,4% dos educadores); concentração (6,5% dos estudan- tes e 1,1% dos educadores); zoombombing (invasões de agentes estranhos nas aulas on-line) (2,2% dos educadores).

Com o vínculo sendo mediado por um aparelho, fatores socioemocionais passam a ser mais dificilmente identificados pelos educadores, portanto, questões como comunicação e vínculo tiveram expressividades nas respostas sobre novas dificuldades, seja para educadores, seja para estudantes. A dificuldade na compreensão e esclarecimento de dúvidas também foi significativa, além do vínculo e da comunicação. Outro fator a ser considerado é o aumento de estímulos provocados em um ambiente a distância, dentro de casa ou até pelo próprio âmbito digital. Isso gera disputa da atenção e, consequentemente, afeta a compreensão. O desafio nesse sentido é o da possibilidade de o educador diferenciar, com as ferramentas disponíveis, o que é de fato dificuldade de aprendizagem daquilo que é falta de motivação do aluno, pois, a priori, essas duas coisas podem aparecer misturadas (TABILE; JACOMET, 2017).

Com relação às novas aprendizagens, os estudantes mencionaram: aprender a usar uma nova tecnologia (34,1% - 182 no Brasil; 28% - 80 no exterior); aprender a organizar o tempo e a rotina (28,3% - 151 no Brasil; 28,3% - 81 no exterior); aprender a pesquisar para esclarecer dúvidas (27% - 144 no Brasil; 25,9% - 74 no exterior); e aprender a expressar ideias claramente (16,3% - 87 no Brasil; 17,8% - 51 no exterior).

Se, por um lado, identificam-se novas dificuldades na relação entre educadores e educandos diante do contexto de atividades pedagógicas não presenciais, evidenciando a contradição entre práticas de ensino e avaliação em viés conservador e, paralelamente, a necessidade de comunicação efetiva e o vínculos como pressupostos pedagógicos, por outro, os dados acerca de novas aprendizagens, destacadas pelos estudantes, sinalizam uma possibilidade emancipatória, na medida em que apontam para habilidades de pesquisa, responsabilização por sua própria aprendizagem e desenvolvimento de competências tecnológicas.

Nessa direção, tanto para o contexto presencial quanto remoto, a definição de abordagens conceituais e práticas sobre aprendizagem e avaliação, referendadas no direito à participação dos estudantes, torna-se elemento essencial para garantia do direito à educação. Na análise das relações entre as percepções sobre o direito à educação e à avaliação, identificou-se o desafio de garantir o acesso, a permanência e a qualidade dos resultados da aprendizagem no contexto da pandemia de covid-19, em cenários de profundas desigualdades sociais, econômicas e educacionais.

Os contextos desiguais acentuaram a fragilidade da democratização do conhecimento ao romper-se o vínculo físico com a escola. Alguns abismos tornaram-se ainda mais fundos, como o do acesso aos bens culturais e simbólicos, que refletiram a grande desigualdade já presente nas múltiplas realidades. Também se observam, nas percepções que compõem as subjetividades, concepções que igualmente ampliam abismos, na medida em que, por alinharem-se fortemente às vertentes da regulação, deixam de se relacionar ao fundamental aspecto da avaliação: a tomada de decisão para a emancipação gradativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reflexão instaurada - que reuniu procedimentos bibliográficos, documentais e de campo via abordagem qualitativa - permitiu compreender as relações entre a garantia do direito à educação e os processos de ensino e avaliação no contexto do ensino remoto durante o período da pandemia da covid-19. O estudo revela o espaço estratégico da escola na articulação da ação conjunta de educadores e familiares na garantia dos direitos das crianças e adolescentes. Nesse sentido, as dificuldades em relação aos estudantes, aos sistemas escolares, à gestão e aos profissionais da educação evidenciam a necessidade de fortalecimento e garantia de direitos.

As principais dificuldades em relação aos estudantes são: 1) falta da alimentação disponibilizada na escola (para muitos estudantes, a principal e, em alguns casos, a única à qual tinham acesso diário); 2) falta de recursos e equipamentos para acessar as atividades escolares remotas (incluindo inexistência de computadores, celulares, internet e mesmo energia elétrica); 3) falta de acompanhamento e suporte de familiares na realização das atividades escolares, considerando que crianças e adolescentes requerem suporte presencial; 4) falta de familiaridade e, por consequência, de habilidades para desenvolver estudos em ambientes on-line.

Com relação aos sistemas escolares, à gestão e aos profissionais da educação, são evidenciadas carências quanto: 1) à urgência das medidas que exigiram efetivação de ações em poucos dias; 2) à falta de recursos e equipamentos para ofertar as atividades on-line (desde plataformas adequadas para os sistemas e escolas como equipamentos e redes de internet adequadas nas residências dos professores); 3) à falta de capacitação, experiência e recursos profissionais dos gestores e professores para planejamento, desenvolvimento e avaliação dos processos educativos em modalidades não presenciais; 4) à falta de adequação curricular para a mudança na modalidade educativa de presencial para a remota; 5) à falta da escuta dos estudantes nas definições acerca das decisões tomadas pelos sistemas, escolas e professores.

Esse conjunto de dificuldades e carências repercutiu no direito à educação, conforme expressam os resultados da pesquisa de campo, que assinalam sua fragilidade quando há: 1) manutenção de concepções conservadoras, com procedimentos conteudistas, de reprodução de informações e de controle dos estudantes, indo até mesmo à indicação de não ter havido avaliação; 2) ênfase em estratégias regulatórias, em detrimento de possibilidades de emancipação.

A emancipação se desenvolve como resultante de processos participativos, ainda praticamente ausentes quando o assunto é a avaliação na educação básica. O diálogo entre educadores e educandos sobre as intencionalidades educativas e seus processos de avaliação nos percursos de aprendizagem ao mesmo tempo promovem e constituem o direito à educação.

REFERÊNCIAS

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1Pesquisa realizada com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) n. 9/2018 - Bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ) - e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) n. 1/2020, com recursos do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).

Recebido: 31 de Janeiro de 2021; Aceito: 29 de Novembro de 2021

NOTA:

Ana Maria Eyng foi a coordenadora e pesquisadora responsável pelo estudo realizado. Jéssica Adriane Pianezzola da Silva e Talita Quinsler Veloso participaram como pesquisadoras desde a fase de elaboração do projeto de pesquisa, contribuindo, juntamente com Ana Carolina Ramos Passos, na revisão de literatura, na tabulação e na análise de dados.

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