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Estudos em Avaliação Educacional

versão impressa ISSN 0103-6831versão On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.32  São Paulo  2021  Epub 25-Fev-2022

https://doi.org/10.18222/eae.v32.7501 

Artigos

AVALIAÇÃO DE VALORES SOCIOMORAIS EM PROFESSORES DE UMA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

EVALUACIÓN DE VALORES SOCIOMORALES EN PROFESORES DE UNA RED MUNICIPAL DE EDUCACIÓN

ADRIANO MOROI 
http://orcid.org/0000-0001-9625-3923

FLÁVIA MARIA DE CAMPOS VIVALDIII 
http://orcid.org/0000-0002-6022-4394

IFundação Carlos Chagas (FCC), São Paulo-SP, Brasil; amoro@fcc.org.br

IIGrupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral (Gepem), Campinas-SP, Brasil; flamacavi@gmail.com


RESUMO

O presente estudo objetivou identificar as perspectivas sociais de juízo moral dos docentes do ensino fundamental da rede municipal de ensino de uma cidade do interior de Minas Gerais. Utilizou-se, em plataforma digital, a escala de avaliação de adesão aos valores sociomorais de justiça, respeito, solidariedade e convivência democrática, elaborada e validada por uma instituição de pesquisas educacionais. Os resultados apontaram uma perspectiva social predominantemente normativa por parte dos docentes. Com base em tais resultados, o programa de formação oferecido à rede municipal deve contemplar estudos sobre educação em valores morais que possibilitem também aos profissionais avanços em suas perspectivas sociomorais.

PALAVRAS-CHAVE: VALORES SOCIOMORAIS; NÍVEIS DE ADESÃO AOS VALORES; TEORIA DAS RESPOSTAS AO ITEM (TRI); EDUCAÇÃO MORAL

RESUMEN

El presente estudio tiene el objetivo de identificar las perspectivas sociales de juicio moral de los docentes de educación fundamental de la red municipal de educación de una ciudad del interior de Minas Gerais. Se utilizó, en plataforma digital, la escala de evaluación de adhesión a los valores sociomorales de justicia, respeto, solidaridad y convivencia democrática, elaborada y validada por una institución de investigaciones educativas. Los resultados señalaron una perspectiva social predominantemente normativa por parte de los docentes. En base a tales resultados, el programa de formación ofrecido a la red municipal debe contemplar estudios sobre educación en valores morales que también posibiliten que los profesionales avancen en sus perspectivas sociomorales.

PALABRAS CLAVE: VALORES SOCIOMORALES; NIVELES DE ADHESIÓN A LOS VALORES; TEORÍA DE LAS RESPUESTAS AL ITEM (TRI); EDUCACIÓN MORAL

ABSTRACT

This study aimed to identify social perspectives in moral judgments by primary and lower secondary education teachers in the municipal education system of a city in the state of Minas Gerais. We used, in a digital platform, a scale for evaluating adherence to the sociomoral values of justice, respect, solidarity and democratic coexistence, which was designed and validated by an educational research institution. Results pointed to a predominantly normative social perspective on the part of teachers. Based on such results, the teacher education program that is provided to the municipal education system should include studies on education in moral values so that teachers can progress with regard to their sociomoral perspectives.

KEYWORDS: SOCIOMORAL VALUES; LEVELS OF ATTACHMENT TO VALUES; ITEM RESPONSE THEORY (IRT); MORAL EDUCATION

INTRODUÇÃO

A relevância do trabalho com os valores morais na educação e na sociedade, como um todo, tem sido tema de interesse dos que se dedicam a uma educação de qualidade. Não se trata de uma defesa do trabalho ingênuo e reducionista, presente em práticas transmissivas e doutrinadoras, mas, ao contrário, de embasar cientificamente a práxis escolar, com base em diagnóstico, análise, discussão e, sobretudo, vivência de valores nas escolas, tais como justiça, solidariedade, respeito e convivência democrática.

Com base na perspectiva psicológica de Piaget (1994 [1920]), valor é uma mediação afetiva entre os sujeitos sociais sobre propriedade de objetos, de atos, de produtos humanos. É um investimento afetivo que nos faz agir, que nos move em uma direção. Os valores morais, portanto, são motivações afetivas colocadas em regras, princípios, juízos, ações, qualificando o bem ou o mal, o certo ou o errado, nas ações humanas, num determinado grupo, cultura, etnia. Tais valores orientam as pessoas sobre como devem agir, diante de um conjunto de normas, princípios, leis, costumes, na relação com os outros, na família, na escola, na religião, na mídia.

Os valores éticos, por sua vez, podem ser concebidos como uma reflexão mais aprofundada e proposital sobre os valores morais: investigam quais os sentidos dos valores, as razões pelas quais devemos segui-los, quais os mais apropriados ou importantes. Eles nos permitem refletir sobre o porquê atuar ou viver de certa forma ou de outra, como é melhor viver. Ao tratarmos de valores sociomorais, podemos compreendê-los como aqueles que orientam como devemos ser e viver, do ponto de vista intra e interpessoal, de modo a estar de acordo com as normas e princípios estabelecidos na sociedade, na cultura, guiando-nos sobre o que é certo, bom ou justo na relação com o outro, no coletivo.

Nos dias atuais, é recorrente a queixa de que as crianças e jovens têm balizado suas vidas em valores ligados à aparência, ao reconhecimento da fama momentânea, ao sucesso e à posse. Essa queixa ressoa nas falas dos educadores, na mídia, na voz do senso comum e, sobretudo, em estudos de autores que discutem a pós-modernidade, como Lipovetsky (2010) e Bauman (1998).

Nesse contexto, assumimos que a escola é uma das principais instituições sociais a propiciar, em sua dinâmica interativa, a manutenção ou a mudança de valores na sociedade. Assim, exerce um papel tão importante quanto o da família, na construção de valores morais, uma vez que promove a convivência diária entre crianças e jovens, pressupondo nessa vida coletiva normas comuns e valores considerados importantes para a cultura em que se vive. A escola, portanto, deve ser um espaço de convivência por excelência na medida em que possibilita que tal convivência seja cada vez mais democrática, favorecendo o desenvolvimento dos valores morais.

Dessa forma, a fim de que os valores morais sejam objeto de reflexão, discussão e vivência no cotidiano de sala de aula e na escola, como um todo, faz-se necessário verificar como os professores têm aderido aos valores, diante de diferentes situações do dia a dia da escola. Noutros termos, é importante entendermos qual a perspectiva social que o professor demonstra ao aderir aos valores morais. Com base nesse entendimento, será possível planejar ações que favoreçam e potencializem o desenvolvimento de perspectivas sociais propriamente morais, valorizando essa dimensão da educação, como base para a qualidade e a formação de valores morais e éticos dos estudantes.

Escala de avaliação de valores sociomorais

A Fundação Carlos Chagas (FCC) desenvolveu, aplicou e validou, teórica e estatisticamente, uma escala de avaliação sobre a adesão aos valores morais. A escala tem por objetivo mensurar o modo de adesão a valores de justiça, respeito, solidariedade e convivência democrática em crianças do segundo ciclo do ensino fundamental, em adolescentes do ensino médio e em professores de educação básica. Em outras palavras, qual o nível de perspectiva sociomoral adotado pelos respondentes do estudo ao se depararem com problemas que envolvem tais valores. A escolha desses valores considerou o aporte teórico da psicologia do desenvolvimento moral com base nas contribuições de Piaget (1977 [1932]) e de Kohlberg (1992), bem como na legislação educacional brasileira, considerando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1998), os quais, ao pautarem a ética como um dos temas transversais na educação, apresentam os valores de respeito mútuo, justiça, solidariedade e diálogo como os mais relevantes para o desenvolvimento moral de crianças e adolescentes. Foram elaborados instrumentos de medida para, em função dos resultados, refletir e discutir com educadores, de modo a auxiliá-los no trabalho sobre tais temas com os seus alunos (TAVARES; MENIN, 2015; MARQUES; TAVARES; MENIN, 2019).

Com base na definição conceitual de valor e seus descritores, foram elaboradas questões na forma de histórias situacionais encenadas em diferentes espaços - família, escola, internet - ou ambientes sociais diversos, que trazem em seu conteúdo elementos de valores morais. As histórias contêm sempre cinco alternativas de respostas, elaboradas de modo a identificar a adesão, ou não, ao valor investigado, sendo distribuídas em três alternativas pró-valor, e duas, contravalor. Por exemplo: ao respeito, podem se opor o desrespeito e o descaso. À justiça, podem se opor a arbitrariedade e o favoritismo. À solidariedade, podem se opor a indiferença e o egoísmo. À convivência democrática, podem se opor o autoritarismo e o individualismo.

Além das posições pró e contra os valores, de acordo com a teoria de Kohlberg (1981, 1992), as alternativas apresentavam níveis de perspectivas sociais1 que evidenciam modos diferentes de as pessoas aderirem aos valores. Conforme as etapas de desenvolvimento social e moral, os indivíduos podem partir de uma posição social muito autocentrada, ao aderir a um valor, usando-o apenas em função das próprias necessidades e pontos de vista (perspectiva social egocêntrica). Posteriormente, passam por um período no qual estendem suas considerações aos outros mais próximos, como as pessoas afetivamente importantes (pais, família, grupo de amigos) e às autoridades, regras e convenções sociais (autoridades institucionalizadas, lei escrita e convencional - perspectiva social sociocêntrica). Por fim, as pessoas podem passar a aderir aos valores, reconhecendo que eles podem ser necessários, bons ou justos, para qualquer pessoa, em função de um princípio maior referente à dignidade do ser humano, como meio e fim de qualquer princípio moral (perspectiva para além das convenções sociais ou propriamente moral).

Apresentamos a seguir um item avaliativo, referente ao valor de justiça, de modo a exemplificar a estrutura das questões que integram os instrumentos de medida que compõem a escala de valores sociomorais.

Durante o intervalo, na fila da cantina, Manoel esbarra sem querer em um colega de classe e derruba seu lanche. O colega começa a xingá-lo, dizendo que ele é “um nerd desastrado, desengonçado e só atrapalha”. Sua professora viu o que ocorreu. O que ela deveria fazer?

  • C1 - Repreender o que derrubou o lanche e dar uma advertência ao que xingou.

  • C2 - Mandar um bilhete aos pais para mostrar o problema e pedir que tomem providências sobre seus filhos.

  • P1 - Conversar com os dois alunos e pedir que resolvam entre eles, afinal não são mais crianças.

  • P2 - Conversar com os dois alunos, dizendo que não devem brigar, e deixar claro que não é essa a atitude esperada dos alunos da escola.

  • P3 - Conversar com os dois, ajudando-os a encontrar uma solução para o conflito.

A escala de justiça apresenta quatro níveis, que vão de uma atitude contrária ao valor até sua adoção numa perspectiva social propriamente moral. Cabe aqui destacar que há três aspectos da justiça: a justiça retributiva, que se refere à atribuição de consequências aos atos considerados infrações (penalidades); a justiça distributiva, que trata da distribuição de bens, deveres, direitos entre os sujeitos com base na igualdade e na equidade; e a justiça processual, que revela o modo de julgamento estabelecido entre as pessoas. O item apresentado, o caso de Manoel, diz respeito a um item de justiça retributiva.

Os itens elaborados foram submetidos a especialistas em psicometria e em desenvolvimento moral que avaliaram o conteúdo e a pertinência à matriz de referência e seus descritores, efetivando assim uma validação de conteúdo. Após toda a revisão semântica dos itens com base na devolutiva dos especialistas, os itens compuseram questionários que foram aplicados, em versão impressa, para alunos do ensino fundamental do 5o ao 9o ano (4.503), adolescentes do ensino médio (4.193) e professores da educação básica (1.315) em 75 escolas públicas e privadas. Os cadernos para as crianças continham 16 questões envolvendo dois valores em cada caderno; para os adolescentes, 20 questões, também com dois valores em cada caderno, e para os professores, 25 questões e focavam três valores por vez.

Os dados coletados foram processados e analisados com a metodologia da Teoria da Resposta ao Item (TRI), mais especificamente o Modelo de Resposta Gradual de Samejima (ARAÚJO; ANDRADE; BORTOLOTTI, 2009). E a Escala de Avaliação de Valores Sociomorais da FCC foi efetivamente validada teórica e estatisticamente, o que permite analisar quais os níveis de adesão aos valores morais investigados. Conforme o exemplo citado, de um item referente ao valor de justiça, exemplificamos no Quadro 1 a descrição e as alternativas de resposta por nível de adesão.

QUADRO 1 Exemplo da descrição dos níveis de adesão ao valor de justiça e suas alternativas de resposta 

DESCRIÇÃO DOS NÍVEIS DE JUSTIÇA RETRIBUTIVA
NÍVEIS DESCRIÇÃO ALTERNATIVA DE RESPOSTA
NÍVEL 1 Em situações de conflito, a pessoa opta pela sanção expiatória, apelando à autoridade familiar. Pode ainda sobressair contravalores à justiça, tais como desigualdade, discriminação, individualismo, autoritarismo. C1 - Repreender o que derrubou o lanche e dar uma advertência ao que xingou. C2 - Mandar um bilhete aos pais para mostrar o problema e pedir que tomem providências sobre seus filhos.
NÍVEL 2 Em situações de conflito, a pessoa opta pela imposição, pela autoridade, de uma reparação proporcional à infração cometida, ou, ainda, pela afirmação de comportamento desejável pela autoridade por meio de conversas (manutenção de convenções sociais). P1 - Conversar com os dois alunos e pedir que resolvam entre eles, afinal não são mais crianças.
NÍVEL 3 Nos casos escolares de quebra de regras ou de conflito com autoridade, uma pessoa nesse nível pode optar pela conversa e não mais pela atribuição de sanção expiatória, embora possa fazê-lo para evitar conflitos por conveniência pessoal. P2 - Conversar com os dois alunos, dizendo que não devem brigar, e deixar claro que não é essa a atitude esperada dos alunos da escola.
NÍVEL 4 No campo da justiça retributiva, a pessoa busca o diálogo, procurando soluções com todos os envolvidos, em vez do uso de sanções. Neste nível, a pessoa opta pelo diálogo entre iguais, considerando que todos têm as mesmas condições, direitos e capacidade de resolução de conflitos por meio do diálogo. P3 - Conversar com os dois, ajudando-os a encontrar uma solução para o conflito.

Fonte: Dados da pesquisa.

Podemos observar no Quadro 1 que, além de haver as posições contra e pró valor (C1, C2, e P1, P2, P3), as alternativas dos itens são representadas em níveis, que evidenciam o modo de adesão ao valor, entendido, nesta pesquisa, como a perspectiva social na qual o valor é usado. Ou seja, duas afirmam um contravalor, no nível egocêntrico (C1) e/ou sociocêntrico (C2) - Nível 1. Outras três afirmavam o valor focado na história em perspectivas sociomorais de níveis crescentes de descentração (P1 egocêntrica, P2 sociocêntrica e P3 moral), respectivamente, Níveis 2, 3 e 4.

Diante das possibilidades de investigação oferecidas pela escala de avaliação da FCC e considerando a relevância e a complexidade da temática sobre a mensuração de valores na educação, realizamos um diagnóstico com os professores da rede municipal de educação de uma cidade do interior de Minas Gerais, para verificar como eles aderem aos valores sociomorais e, nesse sentido, auxiliá-los na fundamentação da elaboração de programas e projetos nas escolas, visando ao trabalho intencional sobre a educação em valores, com base em evidências trazidas por um diagnóstico da própria instituição.

O contexto da pesquisa

A gestão da educação municipal, desde o início do mandato 2016/2020, vinha ressaltando a importância do trabalho com valores na escola. Assim sendo, a primeira ação da Secretaria Municipal de Educação (SME) foi avaliar o clima escolar de todas as unidades, também por meio de aplicação de instrumento científico.2 Obtido o diagnóstico de cada escola, a equipe da SME desenvolveu um programa de formação voltado para aspectos reconhecidos como os mais frágeis da rede, no que se refere à convivência, bem como um trabalho com a construção do conhecimento.

A meta da SME, de implantar o Plano de Convivência como política pública municipal de educação, demandava o compromisso de conferir rigor à prática do diagnóstico. Logo, a parceria com instituições de fomento à pesquisa e a utilização de instrumentos científicos auxiliariam a escola em um trabalho intencional e devidamente planejado para uma convivência ética.

Alguns aspectos dos resultados da avaliação do clima denunciavam relações centralizadoras e coercitivas entre os diferentes segmentos das escolas (professores, alunos, equipe gestora). Ainda que os resultados variassem entre as unidades escolares, já havia evidências de que a tendência moral heterônoma não só prevalecia, como, em certos casos, era fortalecida por meio de relações nas quais ameaças, por exemplo, estavam constantemente presentes nas mais diversas interações. Portanto, para melhor orientar e pautar o programa de formação continuada oferecido pela SME aos profissionais da rede municipal, conhecer a perspectiva social de adesão aos valores morais de justiça, respeito, solidariedade e convivência democrática de professores e alunos trouxe ainda mais segurança para o planejamento do trabalho. O objetivo de oferecer aos estudantes uma formação para a autonomia moral e intelectual pressupõe, por parte dos profissionais, sobretudo dos professores, posturas que reflitam e favoreçam tais características. Ou seja, o professor heterônomo não consegue favorecer a formação de aluno autônomo. Suas práticas e posturas impedem ou dificultam o exercício do respeito recíproco nas relações, essencial para o desenvolvimento da autonomia.

Nessa direção, a SME, ao receber o convite da FCC para aplicação dos instrumentos de avaliação aos estudantes das escolas da rede municipal, aceita e amplia a proposta, de sorte que, antes dos alunos, fossem aplicados os instrumentos aos professores da rede.

O objetivo da SME foi conhecer, antes, a perspectiva social de adesão aos valores morais dos professores, buscando analisar os resultados em diálogo com a realidade encontrada quanto à qualidade das relações humanas nas diferentes escolas; em seguida, passaria para a aplicação aos alunos e a análise dos resultados de ambos os segmentos, favorecendo, assim, o planejamento intencional, por parte da equipe da SME, de ações formativas convergentes com a necessidade e expectativa das escolas.

Houve a celebração de um termo de colaboração científica entre a instituição de pesquisa responsável pela avaliação em valores e a Prefeitura Municipal/SME com vistas à aplicação dos instrumentos, ao longo do terceiro bimestre de 2018.

METODOLOGIA

Com base na estrutura da escala de avaliação de adesão aos valores sociomorais da FCC, organizamos um questionário para os professores da rede municipal. Planejado para ser aplicado no formato digital, em plataforma on-line (Survey Monkey), tem duas partes. A primeira contém 40 itens: 10 referentes ao valor de justiça; 10 ao valor de respeito; 10 ao de solidariedade; 10 ao de convivência democrática, além de 2 questões abertas (uma relacionada ao valor de convivência democrática e outra referente ao valor do respeito). A segunda parte do questionário é composta de questões que procuraram caracterizar o perfil dos professores respondentes (sexo, idade, nível socioeconômico, formação profissional, tempo que exerce a profissão, funções assumidas durante o exercício da profissão) e o contexto em que atuam (questões sobre relações sociais na escola e na família).

Participaram como respondentes da pesquisa 873 professores do 5º ao 9º ano do ensino fundamental de 33 unidades da rede municipal - 25 escolas e 8 unidades do Programa Municipal da Juventude.

Nesse contexto, a pergunta que se estabelece é: qual o nível de adesão aos valores de justiça, respeito, solidariedade e convivência democrática que os professores participantes desta pesquisa apresentam?

Como hipótese, é possível pensar que o nível de adesão aos valores revela algumas características do corpo docente em relação ao trabalho a ser desenvolvido na educação básica, sobretudo no ensino fundamental, com relação aos valores morais, bem como as perspectivas mais marcantes nos diferentes valores avaliados.

Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi verificar a presença e o modo de adesão aos valores sociomorais de justiça, respeito, solidariedade e convivência democrática em professores da rede municipal de educação de um município do interior de Minas Gerais, com base no julgamento que esses fazem de situações-problema presentes no questionário.

Processamentos estatísticos

Os procedimentos de análise dos dados coletados foram distintos para cada conjunto das respostas dos professores. Quanto aos dados sobre os questionários de adesão aos valores sociomorais e suas alternativas de respostas, adotamos a mesma metodologia utilizada para a validação da escala: a TRI (ARAÚJO; ANDRADE; BORTOLOTTI, 2009).

A TRI permite o estudo de variáveis latentes, ou seja, que não podem ser diretamente observadas ou medidas, como por exemplo, certas formas de conhecimento ou características de personalidade. Compreendemos que a adesão a valores também pode ser mensurada indiretamente, como um traço latente. Assim, para a medida desse traço, analisamos a escolha dos participantes entre as alternativas de respostas para cada item situacional sobre valores, as quais perguntavam o que o protagonista da história deveria fazer. Para tanto, adotou-se um dos modelos de análise da TRI: o Modelo de Resposta Gradual de Samejima, apropriado para analisar respostas politômicas, ou seja, todas as possibilidades de respostas são viáveis, não há certo ou errado. Os itens para a avaliação dos valores aqui tratados seguiam essa lógica, continham cinco possibilidades de respostas (as alternativas contravalores: C1 e C2) e (alternativas pró-valores: P1, P2, P3) e não apenas uma resposta correta e outra errada (ARAÚJO; ANDRADE; BORTOLOTTI, 2009).

Com base nessa metodologia de análise, foi possível identificar os níveis de adesão em cada valor, considerando ser pró ou contra o valor investigado, além das três perspectivas sociais consideradas modos de adesão (perspectivas egocêntrica, sociocêntrica ou moral). O Nível 1 corresponde ao contravalor, o Nível 2 ao pró-valor, na perspectiva egocêntrica, o Nível 3 ao pró-valor, na perspectiva sociocêntrica, e o Nível 4, ao pró-valor, na perspectiva moral.

Com relação aos itens abertos, sobre convivência democrática e respeito, a análise de conteúdo das respostas às duas questões foi realizada em dois momentos; no primeiro, o processamento foi feito pelo software Alceste (Analyse Lexical par Contexte d’un Ensemble de Segments de Texte) - programa de análise de dados textuais que visa a identificar a informação essencial contida em um texto. No segundo, a fim de confirmar os resultados obtidos pelo Alceste, procedeu-se à leitura das questões, com o objetivo de identificar categorias nas quais as respostas pudessem ser classificadas. Por fim, confrontaram-se tais categorias com os dados obtidos pelo programa Alceste e se constataram resultados compatíveis.

RESULTADOS

O Gráfico 1 apresenta a distribuição dos professores pelos níveis das escalas dos quatro valores estudados (solidariedade, justiça, respeito e convivência democrática), estimados com base nos níveis de corte estabelecidos, com o processamento da escala pela TRI.

Fonte: Dados da pesquisa.

GRÁFICO 1 Distribuição dos professores pelos níveis de adesão aos valores investigados 

Podemos observar, no Gráfico 1, que o valor de solidariedade alcançou o nível mais alto da escala (Nível 4 - perspectiva moral para 73% dos professores). Nesse nível, as pessoas optam, mais fortemente, pela solidariedade, para atender ao outro, ou ao coletivo, por buscar a igualdade ou o bem comum, por sensibilizar-se pela necessidade do outro ou, ainda, por compartilhar sentimentos e perspectivas. Portanto, a adesão ao valor se dá por uma motivação interna e que se sobrepõe às normas sociais.

Outros 27% dos professores aderem ao valor de solidariedade no Nível 3 da escala, uma perspectiva sociocêntrica, ou seja, centrada nas relações grupais e em normas sociais mais convencionais. Nesse sentido, os dados da pesquisa apresentam respostas que vão ao encontro do valor avaliado, entretanto, tendem a optar por encaminhar a resolução dos problemas para as autoridades, ou a agir de modo a atender exclusivamente às normas estabelecidas por convenções sociais. Quanto ao valor de convivência democrática, 100% dos professores aderiram ao valor no Nível 3, o que significa que, na busca de soluções para problemas que envolvam conflitos coletivos, os professores, frequentemente, optam por procurar soluções fazendo uso de regras, de regimentos, ou mesmo recorrendo à intervenção de autoridades competentes, ainda que tivessem colocado, em algum momento, a possibilidade de considerar a participação de todos. Nesses casos, os professores buscam uma aprovação social, relacionada ao estar de acordo com as convenções sociais.

No valor de respeito, 100% dos professores aderem a esse valor no Nível 3. Assim, procuram agir em conformidade, ou até obediência, a determinadas leis, regras ou autoridades. Nesse sentido, trata-se de uma forma de ter certeza de que sua ação está de acordo com as convenções sociais, não implicando consequências que possam ser desagradáveis para si ou para seu grupo.

A prevalência de respostas de Nível 3, tanto no valor convivência democrática quanto no de respeito, aponta, fortemente, para uma tendência moral heterônoma, segundo Piaget (1977 [1932]), assim como, para o nível convencional de raciocínio moral, de Kohlberg (1992), em que a presença de reguladores externos ao sujeito, tais como as normas, a pressão da hierarquia provinda da relação com autoridades, norteiam as ações dos sujeitos.

Por fim, em relação à justiça, os professores apresentam adesão nos níveis inferiores (1 e 2) da escala, porém em baixa proporção. Apenas 1% assumiu posições de contravalor, ou seja, ao se defrontar com um conflito entre os alunos, a tendência é agir optando pela sanção expiatória, lançando mão do autoritarismo. E nesse sentido, não raro, a exclusão da aula, a falta de escuta, o envolvimento imediato da família, o rebaixamento de notas dos estudantes sem a tentativa de compreensão sobre o fato são exemplos de ações que refletem por parte do docente a não adesão ao valor de justiça. No Nível 2 da escala, estão presentes 5% dos professores, o que significa que, diante de uma situação injusta, esses docentes buscam soluções que levem a um tratamento de igualdade, para evitar conflitos, por conveniência pessoal, institucional, ou fazendo uso da autoridade, impondo solução proporcional à infração cometida. Aderem ao valor de justiça no Nível 3, 94% dos professores, refletindo, mais uma vez, uma perspectiva sociocêntrica, orientada muito mais para a igualdade do que para a equidade nas relações.

Com base nos dados, há evidências de que fica reduzida a probabilidade de os docentes oferecerem um ambiente sociomoral favorável ao desenvolvimento da autonomia moral, uma vez que a perspectiva social mais apontada entre os respondentes, a sociocêntrica, é aquela que se pauta em reguladores externos como elementos de coação para comportamentos convencionais desejáveis. Sendo assim, é inexistente ou pouco frequente o exercício constante de reflexão e validação de princípios, necessário ao processo de autorregulação, característico e imprescindível ao desenvolvimento da autonomia. Há fortes indícios de que, diante de situações em que estão em jogo os valores de justiça, respeito e convivência democrática, o tipo de intervenção mais adotado pelos docentes reflita um paradigma convencional quanto ao trabalho com os valores, em que há crença na eficácia discursiva, normativa e punitiva.

Cabe destacar que os dados aqui apresentados, referentes à presença e ao modo de adesão aos valores por parte dos professores da rede municipal de Minas Gerais que participaram da pesquisa, revelam uma tendência muito próxima aos dados encontrados nos estudos atinentes à construção e validação da escala de valores sociomorais da FCC. Ou seja, verificamos, em Tavares et al. (2016), uma progressão diferente para cada valor mensurado nos 1.315 professores participantes, sendo o valor de solidariedade aquele em que os professores se concentraram no Nível 4. Os valores de respeito e convivência democrática revelaram 100% das respostas no Nível 3 (perspectiva sociocêntrica) e, por fim, o valor que mostrou o mais baixo nível de adesão, considerando as perspectivas sociais, foi o de justiça, com predomínio de respostas no Nível 3 e presença de 6% dos professores no Nível 2, adesão em perspectiva egocêntrica.

Os resultados apresentados neste estudo demonstram que as respostas dos professores de Minas Gerais apresentam a mesma tendência e vão ao encontro daqueles encontrados nos estudos da FCC. No que se refere ao valor de justiça, que observou professores nos dois primeiros níveis da escala, os autores pontuam que:

Essa dificuldade nos itens sobre justiça pode estar relacionada com as histórias localizadas na escola, cujos conteúdos versavam sobre a aplicação de penalidades e sobre o uso de regras escolares para alunos. Nessas situações, raramente as escolhas foram por alternativas que indicavam soluções pautadas nos valores de igualdade e equidade, ou mesmo o emprego de sanções por reciprocidade. (TAVARES et al., 2016, p. 205)

Diante de tais resultados, o trabalho da SME na devolutiva dos resultados da pesquisa para as escolas foi o de ilustrar, por meio de exemplos coletados na realidade das unidades, como as perspectivas sociais mais presentes nos resultados se traduzem em situações cotidianas, vividas em sala de aula. Provocar reflexão, com base em dados reais, referentes a cada unidade educacional, amplia a possibilidade de tomada de consciência por parte dos profissionais que, em geral, reconhecem quando há contradição entre o que discursivamente defendem e como agem. A análise dos resultados das escolas fortalece a ideia de uma formação centrada na realidade da instituição e gera um efeito de intervenção imediata, no que concerne à reflexão acerca da própria prática.

Quanto às questões abertas, a primeira delas apresenta um problema institucional, o qual deve ser discutido por todos os envolvidos, a fim de que, juntos, possam chegar a uma solução, caracterizando-se em um caso de convivência democrática. Concebemos que a convivência democrática ocorre em situações de conflito, discórdia ou de tomadas coletivas de decisão em que há diversas posições. As soluções ou posições assumidas pelo grupo devem ser baseadas no diálogo, na participação cooperativa e democrática, repudiando soluções tomadas de forma autoritária ou submissa. Assim, entendemos que a convivência democrática inclui a participação ativa das pessoas, por meio da troca dialógica, em escolhas e decisões que têm implicações na sua vida social e coletiva, bem como na discussão e elaboração de regras, normas e leis que as regulam. Logo, em função da questão exposta a seguir, investigamos o referido valor:

Em um hospital, existem muitos especialistas, mas, nos últimos meses, críticas foram feitas, porque os especialistas não detectam problemas de saúde básicos nos pacientes. Para resolver a situação, o corpo clínico sugeriu reuniões periódicas, contudo, devido aos muitos compromissos dos profissionais, em função da alta demanda do hospital, a equipe não está conseguindo negociar seus encontros. O que você sugeriria, para que tais reuniões fossem efetivadas?

É possível observar que há um problema sobre o qual os especialistas necessitam primeiro tomar consciência, para chegarem juntos à proposta de uma solução. Essa questão foi respondida por 862 professores (unidade de contexto). O Alceste organizou o texto em 905 unidades (fragmentos de texto), para o processamento do conjunto das respostas. Dessas, foram selecionadas para análise 854 unidades, o que corresponde a 91% do aproveitamento, significando que a fala dos professores é homogênea e pode ser classificada, segundo o conteúdo das respostas, em cinco classes distintas, conforme se verifica no Quadro 2.

QUADRO 2 Classes de categorias e seus conteúdos para a questão 41 

CLASSE 3: 31%
Enfatiza-se a busca de uma solução em que todos pudessem comparecer e, para isso, deveriam usar a estratégia do diálogo, da negociação e da flexibilização de horários. “[...] negociar um horário para que todos pudessem participar.” “[...] apresentar alternativas de horário em que todos pudessem participar.” “Marcaria os encontros em horários alternativos para que todos pudessem participar.”
“Fixar horários em três turnos dos quais, assim, todos iriam participar.”
Nessa categoria, os professores visavam a estabelecer um horário ou horários alternativos, a fim de que todos pudessem comparecer, pela negociação e diálogo.
Essa posição se aproxima mais do conceito de convivência democrática.
CLASSE 1: 24%
Almeja uma solução mais operacionalizada, isto é, os professores estão propondo formas de fazer as reuniões, de modo que todos possam estar informados do que está ocorrendo. “[...] combinar reuniões com grupos pequenos em horários diferentes, tendo cada grupo um representante responsável pela divulgação das opiniões de seu grupo.”
“[...] conversar novamente e propor reuniões em pequenos grupos com representantes, para levar o que foi discutido.”
“[...] que se reorganizassem, talvez em grupos menores, e assim elegessem representantes, para repassar o que foi discutido para os outros grupos.”
Nesta classe, a preocupação é que todos sejam informados, já que nem todos podem comparecer; logo, surge a imagem do representante do grupo. Seguindo essa ordem de pensamento, aventa-se, nesta classe, a possibilidade do uso da tecnologia para realizar as reuniões.
CLASSE 2: 15%
Apresenta uma solução um pouco menos democrática, pois envolve a votação, ou seja, “a opinião da maioria prevalece”. “Faria uma enquete para avaliar o melhor dia e horário em que a maioria das pessoas do grupo pudesse estar presente.”
“Fazer uma pesquisa para saber qual é o melhor dia para a maioria dos especialistas, depois da pesquisa, faria uma convocação.”
“[...] escolher, por meio de eleição, o melhor dia para a maioria dos profissionais e realizá-la. Determinar uma melhor maneira de repassar para os profissionais faltosos o que foi resolvido na reunião. Depois, estipular o número de dias que se pode faltar nessas reuniões.”
As falas dos professores indicam certo grau de autoritarismo, como pode ser observado nas expressões “convocação”, “número de dias que podem faltar” e a necessidade de as pessoas se prepararem para participar o mais rápido possível, desvelando uma posição mais sociocêntrica.
CLASSE 5: 10%
Verifica-se um discurso autoritário, que coloca nas mãos da autoridade a determinação do que deve ser feito, decidindo quando e como.
“O corpo clínico deveria marcar a reunião, pois, se for esperar que todos tenham tempo, jamais haverá reunião.”
“O hospital deve arrumar um horário adequado que melhor atenda às necessidades do hospital, assim, resolve a situação.”
“A diretoria do hospital deveria marcar reuniões extraordinárias, para resolver o problema.”
Essas respostas se distanciam do conceito de convivência democrática, assumindo uma posição egocêntrica, segundo a qual os respondentes se eximem da responsabilidade de decidir qual a melhor forma para organizar as reuniões.
CLASSE 4: 20%
Assume-se aqui uma posição de contravalor, ao esperar que a direção hospitalar tome providências administrativas para melhorar as condições de trabalho. “Reorganizar os turnos dos que trabalham no hospital.”
“Reorganizar os outros compromissos dos especialistas, afinal de contas, essas reuniões também são importantes para a evolução dos procedimentos médicos.”
“[...] que estas reuniões fossem inseridas na agenda do hospital como obrigatórias.”
Verifica-se uma posição autoritária, com consequências punitivas.

Fonte: Dados da pesquisa.

Com base na análise das classes mencionadas, pode-se notar que a maioria dos professores assume uma posição de convivência democrática, pela tentativa de incluir todos (Classe 3) ou por propor alternativas que busquem incluir a maioria e fazer com que os que não puderam comparecer possam tomar conhecimento do que foi decidido e, depois, opinar (Classe 1), correspondendo a 55% das unidades de texto analisadas.

Entretanto, 30% das respostas revelam posições egocêntricas ou de contravalor, eximindo-se da responsabilidade e colocando-a nas mãos dos dirigentes do hospital, marcando as reuniões com base em suas necessidades, premiando a participação nas reuniões ou contratando novos especialistas e demitindo outros. Resultado que potencializa a necessidade de um trabalho formativo da SME, visto que denota, mais uma vez, a tendência heterônoma daqueles que devem favorecer o desenvolvimento da autonomia de crianças e adolescentes, que são os professores. A segunda questão aberta refere-se à história de um rapaz que se assume como homossexual e pertence a uma família extremamente tradicional, conservadora, cujo patriarca não aceita nenhuma posição contrária aos seus costumes. Portanto, caracteriza um valor de respeito, pressupondo que a família deva assumir uma posição de acolhimento e de tolerância à diversidade, principalmente de seus membros.

Para esta pesquisa, respeito foi definido como a valorização de toda e qualquer pessoa, considerada em sua singularidade. Destacamos a forma de respeito mútuo, a qual se define pela reciprocidade das relações: ao dever de respeitar o outro, articula-se o direito e a exigência de ser respeitado (BRASIL, 1998, p. 86). Toda e qualquer ação que fira a dignidade de uma pessoa, como a violência, a humilhação, a exploração, a rejeição, a manipulação e várias formas de discriminação, deve ser repudiada.

Pedro é o neto mais novo de uma família tradicional patriarcal, na qual semanalmente o avô reúne a todos, para que sejam mantidos os valores tradicionais e culturais. Pedro, em uma conversa com seu pai, revela sua orientação sexual. O pai de Pedro, depois dessa informação, quer evitar ao máximo os encontros em família, justamente por não saber o que fazer com essa revelação. Na sua opinião, como o pai de Pedro deveria agir?

A questão foi respondida por 854 professores, compondo o texto a ser analisado. O Alceste subdividiu o conjunto de respostas em 884 fragmentos do texto a serem analisados. Do conjunto desses fragmentos, o programa considerou, para a análise, 780 frases formadas pelo vocabulário que mais se destaca no texto. Essas frases correspondem a 89% do aproveitamento do conjunto de respostas, revelando que a fala dos professores é homogênea e pode ser classificada, segundo seu conteúdo, em quatro classes distintas, organizadas no Quadro 3.

QUADRO 3 Classes de categorias e seus conteúdos para a questão 42  

CLASSE 3: 27%
Nesta classe, as respostas enfatizam o apoio total ao filho, respeitando a sua opinião e a busca da compreensão e do respeito da família em relação a seu filho. “Deveria apoiar o filho e tentar abrir o diálogo na família, para que o filho seja compreendido e acolhido.”
“Deveria respeitar a opção sexual de seu filho e conversar com toda a família, para que façam o mesmo.”
“Ouvir o filho, dar apoio e expor o caso à família. Pedir compreensão e proporcionar um ambiente em família para recebê-lo.”
As Classes 3 e 4 evidenciam respostas semelhantes; em ambas, os professores são a favor do apoio ao filho e da revelação para a família, com base no diálogo.
A Classe 3, com 27%, e a 4, com 17% das frases, correspondem à maioria das respostas dos professores - 44%.
Essas duas classes, juntas, indicam uma posição moral do pai em relação ao valor respeito, uma vez que, diante da situação, apresenta apoio incondicional ao filho e não se esquiva em relação à família, tentando, pelo diálogo, a sua compreensão e respeito.
CLASSE 4: 17%
As respostas realçam principalmente o diálogo com a família, a fim de que compreendam e aceitem seu filho. “Procurar ajuda com os demais membros da família, para que definam a melhor maneira de conversar com o avô sobre o assunto, garantindo a união familiar, a verdade e o respeito à orientação do neto.”
“Oportunizar uma conversa, em uma das reuniões familiares, sobre a importância da tolerância, do respeito, sobre os novos conceitos familiares, a mudança positiva da sociedade e, no momento adequado, revelar a opção sexual do filho.”
“Esconder o fato não mudará as coisas, tentaria o diálogo com os familiares.”
“O pai deveria revelar ao avô a opção sexual de seu filho e, juntos com o Pedro, decidirem a melhor maneira de relatar ao restante da família, sem preconceitos e exclusões.”
CLASSE 2: 38%
A fala desses professores recomenda que o pai deve continuar frequentando as reuniões junto com o filho, sem tomar nenhuma atitude; todavia, a justificativa para essa opção divide-se em duas posições distintas: a primeira enfatiza a necessidade de respeitar o filho e só assumir alguma atitude quando ele afirmar que está pronto para essa revelação e a segunda corresponde a agir naturalmente, deixar que a família vá percebendo, aos poucos, e somente depois deve tomar uma atitude. a) Respeitar o filho e só se manifestar quando este estiver se sentindo pronto para se colocar diante da família:
“Manter as reuniões com a família e respeitar a opção do filho, deixando para ele o melhor momento para a revelação.”
“Pai e filho devem conversar e avaliar se devem ou não falar, pois Pedro deve se sentir à vontade para isso, mas não devem parar de frequentar os encontros de família, porque isso é um assunto que não precisa ser exposto e nem justificado.”
“Os encontros devem ser mantidos e Pedro é que deve revelar, se quiser, à família, no momento oportuno. Ir aos encontros, não fazer nada, não expor o filho e respeitar a vontade de Pedro quanto à hora de se expor.”
b) Não fazer nada e deixar que tudo ocorra naturalmente:
“Manter os encontros familiares e assim todos vão percebendo a opção sexual de Pedro e não terá que revelar.”
“Agir naturalmente, deixar que a família perceba sozinha.”
“Não precisa evitar os encontros com a família, e nem dizer nada, a não ser que seja indagado, dizer a verdade”.
“Agir de maneira natural, não falar nada, pois isso está cada vez mais comum.”
Na Classe 2, percebe-se que as frases indicam duas posições diferentes em relação à adesão ao valor respeito: a primeira representa uma posição moral, pois, embora tenha sido informado pelo filho, ele deve respeitá-lo e só se manifestar quando seu filho estiver forte e seguro de que quer se manifestar para a família. A segunda revela uma posição de conforto pessoal (egocêntrica), pois é melhor para ele não fazer nada, evitando problemas desnecessários no momento.
CLASSE 1: 18%
Corresponde à procura de ajuda de profissionais. Como ocorre com a Classe 2, observamos duas posições distintas, uma mais positiva e outra demonstrando a dificuldade em lidar com esse tema. a) Busca de ajuda para apoiá-lo na melhor forma de agir:
“Buscar ajuda e orientação até profissional para encontrar a melhor maneira de, junto com seu filho, resolverem a situação.”
“Deveria procurar uma ajuda profissional de um psicólogo, para buscar orientações sobre como lidar com essa situação, de forma a harmonizar a relação entre os seus familiares.”
“[...] ele deveria enfrentar a situação e se posicionar como pai, buscando ajuda psicológica para achar um meio de passar essa informação às outras pessoas da família, sem maiores danos possíveis.”
b) Busca de ajuda para poder compreender seu filho e se posicionar perante a família:
“Procurar um grupo de apoio para conversar e começar a interiorizar esse fato, para aceitar gradativamente, pois, para ele, é novo e ele precisa também de tempo.”
“Deveria procurar um psicólogo que o ajudasse a aceitar essa situação.”
“É muito difícil essa situação, deveria apoiar-se na igreja e pedir muito a Deus para fazer o melhor.”
Esta classe revela, por parte dos professores, certa dificuldade de tratar esse tema, porque, aceitando a posição do filho, o pai necessita de uma ajuda externa, apoiando-se em uma autoridade (egocêntrica). Porém, também evidencia a dificuldade de aceitar a revelação do filho, indicando uma posição semelhante à de sua família (contravalor).

Fonte: Dados da pesquisa.

As respostas abertas mostram que a maioria dos professores assume posições no Nível 4. Contudo, verificamos igualmente uma porcentagem importante dos professores que têm posições no Nível 3 (sociocêntrica), 2 (egocêntrica) e 1 (de contravalor). Nesse sentido, achamos importante o desenvolvimento de trabalhos coletivos, os quais possam contribuir para a troca de informações, permitindo, por meio do debate, que esses professores possam rever sua maneira de pensar e agir.

Estudo das relações entre a adesão aos valores sociomorais e características de perfil e de contexto dos professores

Esta etapa do estudo objetivou verificar as relações que se estabelecem entre características de perfil e de contexto dos professores participantes da pesquisa e os modos de adesão aos valores aqui examinados. As variáveis de perfil e de contexto foram levantadas com base em perguntas sobre os temas apresentados a seguir.

QUADRO 4 Variáveis de perfil e de contexto incluídas nos questionários do professor 

VARIÁVEIS INDICADORES
Características pessoais Sexo; idade; religião; condição de trabalho
Relação familiar Composição familiar; família completa (pai, mãe, irmãos); família incompleta (pai ou mãe e irmão); não mora com a família
Regras de convivência na família Punição; autoridade; contrato; apoio
Nível socioeconômico Escolaridade do responsávels pelo sustento da família; bens de consumo
Relação com a escola Se repetiu de ano; se gosta da escola; se gosta de frequentar as aulas; como é tratado pelo professor
Autoestima Como acha que as pessoas o veem: na escola, na família e entre amigos
Situações de convivência na escola Observação de maus-tratos por parte de colegas e professores
Uso da internet Fazer pesquisas; ler notícias; participar de comunidades

Fonte: Dados da pesquisa.

Para investigar as relações entre variáveis de perfil e de contexto e os modos de adesão aos valores, foi utilizado o método Automatic Iteration Detector (AID). Esse método produz árvores de classificação, com base em testes de associação entre as variáveis, e divide o conjunto de dados em subconjuntos mutuamente exclusivos. Ou seja, com base na pontuação obtida para a adesão ao valor investigado (variável dependente), segundo as variáveis preditivas (de perfil ou de contexto), o grupo investigado é dividido em dois ou mais grupos estatisticamente distintos. Na sequência, tais grupos são divididos em subgrupos menores, sucessivamente. A divisão dos grupos cessa, quando não se encontram mais variáveis preditivas para produzir segmentos significativos.

No presente estudo, para cada valor investigado, foi processada uma árvore de classificação. Importante salientar que este é um estudo exploratório, cujos resultados são estimativas que indicam uma tendência de maior ou menor adesão aos valores e não se caracterizam como relações causais. O estudo chama a atenção para pontos que devem ser observados no cotidiano das escolas.

As figuras a seguir apresentam as árvores de classificação para os valores de solidariedade, convivência democrática, respeito e justiça.

Fonte: Dados da pesquisa.

FIGURA 1 Árvore de classificação dos professores quanto à adesão ao valor de solidariedade, segundo variáveis de caracterização de perfil e de contexto 

Tal como observamos em todas as árvores de classificação aqui estudadas, a variável predominante em termos da relação com a adesão ao valor de solidariedade entre os professores se refere à atitude que eles tomam quando ocorrem conflitos em sala de aula. Assim, quando o professor soluciona o conflito em classe, a adesão ao valor de solidariedade tende a ser maior (grupo 1: média 167,1; 92,5% dos professores) que quando esse toma uma atitude mais punitiva, encaminhando para a direção ou coordenação (grupo 2: média 160,9; 7,5% dos professores). Essa atitude punitiva aponta a menor pontuação em relação à adesão ao valor de solidariedade; devemos ressaltar que esse é o menor grupo, com apenas 7,5% dos professores.

A maior pontuação de adesão ao valor de solidariedade concerne aos professores que, além de resolverem os casos em sala (grupo 1: média 167,1; 92,5% dos professores), pertencem ao nível econômico A e B (grupo 4: média 167,4; 87,1% dos professores), têm nível de pós-graduação equivalente à especialização, mestrado ou doutorado (grupo 6: média 168; 58,8% dos professores), são do sexo feminino (grupo 7: média 168,2; 52,6% dos professores) e se sentem realizados, valorizados, alegres ou com medo (grupo 9: média 168,7; 45,9% dos professores). Sentir medo pode revelar uma posição de cautela quanto ao seu trabalho, de cuidado com as consequências de suas ações.

Fonte: Dados da pesquisa.

FIGURA 2 Árvore de classificação dos professores quanto à adesão ao valor de convivência democrática, segundo variáveis de caracterização de perfil e de contexto 

Como já percebemos, na árvore de adesão ao valor de solidariedade, a variável que divide o grupo concerne a como os professores agem quando ocorrem situações de conflito em sala de aula. Logo, quando o professor soluciona o conflito em classe, a adesão ao valor de convivência democrática tende a ser maior (grupo 1: média 197,6; 86,8% dos professores) que quando esse toma uma atitude mais punitiva, encaminhando para a direção ou coordenação ou supervisão (grupo 2: média 194,2; 13,2% dos professores). Essa atitude punitiva revela tendência de menor pontuação de adesão ao valor de convivência democrática; devemos frisar que esse é o menor grupo, com apenas 13,2% dos professores.

O grupo de professores com a maior adesão ao valor de convivência democrática tem as seguintes características: diante de conflitos em sala de aula, tentam solucionar o conflito em classe com os alunos (grupo 1: média 197,6; 86,8% dos professores); correspondem aos que, em sua formação continuada, frequentaram cursos de atualização referentes à disciplina que lecionam e/ou fizeram cursos ligados ao tema de mediação no ambiente escolar ou valores sociomorais (grupo 4: média 197,9; 76,1% dos professores) e que nunca ou somente algumas vezes já notaram outros alunos gritando ou ameaçando colegas (grupo 5: média 198,2; 65,8% dos professores).

Fonte: Dados da pesquisa.

FIGURA 3 Árvore de classificação dos professores quanto à adesão ao valor de respeito, segundo variáveis de caracterização de perfil e de contexto  

A variável predominante dentre as que caracterizam o perfil e o contexto dos professores na relação com a adesão ao valor de respeito refere-se à atitude que os professores tomam quando ocorrem conflitos em sala de aula. Dessa forma, observamos que, quando o professor soluciona o conflito em classe, a adesão ao valor de respeito tende a ser maior (grupo 2: média 169; 85,9% dos professores) que quando esse toma uma atitude mais punitiva, encaminhando para a direção ou coordenação ou supervisão (grupo 1: média 167,8; 14,1% dos professores).

As características dos professores que apresentam a menor adesão ao valor de respeito significam que, em situações de conflito, o professor tende a encaminhar os alunos à direção (grupo 1: média 167,8; 14,1% dos professores) e que têm nível socioeconômico C e D (grupo 3: média 164,6; 3,2% dos professores). Contudo, verificamos que esse é um grupo muito pequeno e pouco representativo dos professores do município.

Do mesmo modo, o grupo que demonstra maior adesão ao valor de respeito corresponde aos professores que buscam solucionar o conflito em classe (grupo 2: média 169; 85,9% dos professores). Desse grupo, destacamos dois perfis de maior adesão. O primeiro perfil concerne aos professores que, em sua formação continuada, participaram de curso de atualização referente à disciplina que lecionam e, também, fizeram cursos atinentes a temas ligados à mediação no ambiente escolar ou valores sociomorais (grupo 5: média 169,5; 15,9% dos professores) e que, no exercício de sua profissão, atuaram como professor tutor e/ou mediador de conflitos (grupo 9: média 170,1; 7,1% dos professores). O outro perfil corresponde aos professores que, em sua formação continuada, participaram de cursos de atualização referentes à disciplina que lecionam ou fizeram cursos relativos a temas ligados à mediação no ambiente escolar ou valores sociomorais (grupo 7: média 169; 59,3% dos professores) e atuam como docentes de 11 a 15 anos (grupo 11: média 170; 6,4% dos professores).

Outro grupo que se destaca na adesão ao valor de respeito é o dos professores que atuam há bastante tempo na carreira (grupo 12: acima de 15 anos), os quais usam a internet para jogos (grupo 16: média 168,6; 10,9% dos professores) e já atuaram como diretores ou coordenadores/supervisores ou como professores tutores/mediadores (grupo 17: média 169,4; 5,6% dos professores).

Fonte: Dados da pesquisa.

FIGURA 4 Árvore de classificação dos professores quanto à adesão ao valor de justiça, segundo variáveis de caracterização de perfil e de contexto  

Como já vimos anteriormente, a variável de perfil dos professores, sobre como administram os conflitos que surgem em sala, divide o grupo entre os professores que resolvem os casos de conflitos com os alunos em sala de aula, apontando maior média de adesão ao valor de justiça (grupo 2: média 159,3; 85,9% dos professores), em relação ao outro grupo, o qual encaminha os casos de conflitos à direção ou coordenação (grupo 1: média 148,9; 14,1% dos professores).

As características dos professores com menor adesão ao valor de justiça correspondem às variáveis pelas quais, em situações de conflito, o professor tende a encaminhar os alunos à direção (grupo 1: média 148,9; 14,1% dos professores) e que nunca ou raramente participam de comunidades como Facebook, Instagram, etc. (grupo 3: média 141,1; 5% dos professores). Com efeito, observamos que esse é um grupo muito pequeno e pouco representativo dos professores do município.

Já com respeito às variáveis que caracterizam os grupos que mais aderem ao valor de justiça, destacamos: os professores que resolvem os conflitos de sala de aula com os alunos (grupo 2: média 159,3; 85,9% dos professores) pertencem ao sexo feminino (grupo 6: média 159,9; 76,3% dos professores); em sua formação continuada, fizeram cursos referentes ao conteúdo da matéria que lecionam e, também, frequentaram cursos atinentes a temas ligados à mediação no ambiente escolar e valores (grupo 7: média 160,6; 66,7% dos professores) e, por fim, ao dar aulas, sentem-se alegres, valorizados, realizados e com medo (grupo 10: média 161,1; 57,6% dos professores). Sentir medo, na verdade, pode revelar uma posição de cautela em relação ao seu trabalho, de cuidado com as consequências de suas ações.

Resumindo, para a realidade desse grupo de professores, as variáveis que mais contribuíram para uma maior ou menor adesão aos valores estão nos Quadros 5 e 6, na sequência.

QUADRO 5 Variáveis e categorias de perfil e de contexto dos professores que contribuíram para a formação de grupos de menor adesão aos valores 

VARIÁVEL CATEGORIA SOLIDARIEDADE CONVIVÊNCIA DEMOCRÁTICA RESPEITO JUSTIÇA
Perfil Nível socioeconômico C e D X
Nunca ou raramente participam de comunidades como Facebook, Instagram, etc. X
Conduta Diante de problemas na sala de aula, resolvem-nos encaminhando os alunos para a diretoria ou supervisão X X X X

Fonte: Dados da pesquisa.

Para os professores do município, a variável que parece estar impactando negativamente a adesão aos valores sociomorais aqui estudados corresponde à conduta em sala de aula. As demais variáveis concernentes ao perfil parecem não ser tão fortes quanto essa.

QUADRO 6 Variáveis e categorias de perfil e de contexto dos professores que contribuíram para a formação de grupos de maior adesão aos valores  

VARIÁVEL CATEGORIA SOLIDARIEDADE CONVIVÊNCIA DEMOCRÁTICA RESPEITO JUSTIÇA
Perfil Sexo feminino X
Nível socioeconômico A e B X X
Conduta Diante de problemas na sala de aula, resolvem-nos em sala com os alunos X X X X
Ambiente profissional Ao lecionar, sentem-se realizados, valorizados, alegres e também com medo X X
Observam muito poucos alunos gritando e ameaçando os colegas X
Formação profissional Nível de instrução: pós-graduação (mestrado/doutorado) X
Formação continuada: referente aos conteúdos da disciplina que leciona e/ou em atuação juntos aos alunos, no que tange a atitudes e valores sociomorais X X X
Experiência profissional Professores que já assumiram a função de professor tutor e professor mediador X
Professores que lecionam de 11 a 15 anos X

Fonte: Dados da pesquisa.

Segundo o Quadro 6, podemos inferir que as variáveis que mais se destacam em relação à maior adesão aos valores são:

  • Conduta do professor: os professores que resolvem os problemas de sala de aula com seus alunos tendem a apresentar adesão aos quatro valores em níveis mais altos.

  • Formação profissional: os professores que dão continuidade aos seus estudos, fazendo cursos de pós-graduação ou de formação continuada, também tendem a apresentar, nos quatro valores, indicação de maior adesão a esses.

  • Ambiente profissional: notamos que os professores que se sentem valorizados e/ou atuam em ambientes nos quais verificam maior respeito entre alunos têm a tendência de atingir pontuações mais altas em adesão aos valores de solidariedade, convivência democrática e justiça.

De maneira geral, destacamos a variável sexo, que, em todas as pesquisas por nós realizadas, aponta que as mulheres tendem a exprimir um nível maior de adesão aos valores que os homens, talvez pela função que exercem na sociedade e pela forma como são criadas, voltadas ao cuidar de filhos, família, etc.

Quanto às variáveis de contexto e perfil dos professores que mais se destacaram com relação à tendência de melhor aderirem aos valores mencionados, pontuamos a atitude docente diante da resolução de conflitos. Ou seja, notamos que, quando o professor soluciona o conflito em classe, a adesão a todos os valores tende a ser maior do que quando esse toma uma atitude mais punitiva, encaminhando o caso para a direção ou coordenação. Verificamos também que os professores que participaram de cursos de atualização referentes à disciplina que lecionam, além de cursos de temas ligados a atitudes e valores sociomorais, no ambiente escolar, tendem a aderir mais positivamente aos valores de convivência democrática, respeito e justiça. E, por fim, os professores que se sentem realizados, valorizados e alegres com o seu trabalho tendem a apresentar melhor adesão aos valores de solidariedade e justiça.

CONCLUSÕES

Considerando esses resultados, podemos concluir que os professores tenderam à perspectiva sociocêntrica de adesão a três dos valores pesquisados. De modo geral, são resultados que apontam uma forte tendência regimental em suas respostas, presas às convenções sociais vigentes, ao politicamente correto. O que aponta para a SME, no planejamento de suas políticas educacionais, o compromisso efetivo com um desafio e uma necessidade: a sistematização de ações formativas para seus profissionais no que tange a uma educação pautada em valores que auxiliam na construção de relações humanas mais éticas. Apenas em relação ao valor de solidariedade, os professores encontram-se na perspectiva moral (73%), isto é, quando se adota um valor por uma motivação acima das normas sociais e que reside no reconhecimento da dignidade de todo e qualquer ser humano. Pode-se afirmar, nesse sentido, que o indivíduo tende à autonomia moral: assume valores que por si mesmo reconhece como bons para si e para qualquer outra pessoa.

A construção de relações mais justas e respeitosas e dos valores sociomorais nelas inseridos é, sem dúvida, uma meta importante para a educação. Se desejamos uma educação integral, a qual considere o sujeito na sua completude, o que significa ter em vista seus aspectos cognitivo, afetivo, social e moral, faz-se necessário contemplarmos a educação em valores. A escola, na dinâmica das ações pedagógicas, nas relações estabelecidas no ambiente escolar, constitui-se um local propício para que esse desenvolvimento ocorra. Os valores estão constantemente presentes nas ações que acontecem dentro da escola e, dependendo da qualidade das interações estabelecidas no ambiente, poderemos otimizar a educação em valores morais e éticos. É nesse ambiente que o sujeito irá conviver com o âmbito público (no sentido de coletivo), travar relações de igualdade e conviver com a diversidade.

Vimos, pelos resultados, que os professores têm uma prática normativa, evidenciando o quanto ainda estão presos às normas sociais, principalmente em relação aos valores de justiça, respeito e convivência democrática, sendo esses os mais difíceis de serem atingidos pelos professores, no Nível 4. Isso nos permite assegurar que há uma real necessidade de os cursos de formação salientarem esse tema, no intuito de propiciar aos profissionais de educação a reflexão sobre os próprios valores, bem como os impactos que os diferentes níveis de adesão a esses geram nas relações estabelecidas com estudantes no dia a dia da escola. A compreensão acerca desses estudos favorece o processo de transformação coletiva, auxiliando a tomada de consciência para a construção de relações mais justas e respeitosas. É, portanto, no cotidiano da vida escolar, na relação com o outro, que os professores devem desenvolver uma interação na sala de aula e no espaço escolar como um todo, de modo a promover um clima escolar positivo, ético, na convivência entre ele e seus alunos, e entre esses e seus pares; dessa maneira a escola declara e evidencia sua função social como uma instituição responsável por formar sujeitos comprometidos com a coletividade, em que equidade seja verdadeiramente uma realidade.

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1“Como as pessoas veem as outras, interpretam seus pensamentos e sentimentos e consideram o papel e o lugar que ocupam em sociedade” (KOHLBERG, 1992, p. 195).

2Disponível em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=79559&opt=1. Acesso em: 10 jan. 2020.

Recebido: 12 de Julho de 2020; Aceito: 24 de Setembro de 2021

TRANSLATED BY:

FERNANDO EFFORI DE MELLOIII

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Freelance translator, São Paulo-SP, Brazil; feffori@gmail.com

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