SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.33ADAPTAÇÃO BRASILEIRA DA HOPE: ESCALA DE RASTREIO DE SUPERDOTAÇÃOPOLÍTICAS DE COTAS NA UEPG: ANÁLISE DO ABANDONO E DO RENDIMENTO ACADÊMICO índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Compartilhar


Estudos em Avaliação Educacional

versão impressa ISSN 0103-6831versão On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.33  São Paulo  2022  Epub 28-Mar-2022

https://doi.org/10.18222/eae.v33.8171 

Artigos

CONNECTED TO NATURE: UMA PROPOSTA DE ATIVIDADE AVALIATIVA GAMIFICADA

CONNECTED TO NATURE: UNA PROPUESTA DE ACTIVIDAD EVALUATIVA GAMIFICADA

CONNECTED TO NATURE: A PROPOSAL FOR A GAMIFIED ASSESSMENT ACTIVITY

LEILA MIYUKI SAITOI 
http://orcid.org/0000-0003-0594-6906

ESTOGILDO GLEDSON BATISTAII 
http://orcid.org/0000-0002-0470-2590

IUniversidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina-PR, Brasil;

IIUniversidade Estadual de Londrina (UEL), Maringá-PR, Brasil;


RESUMO

Para acompanhar a revolução gerada pelas novas tecnologias, a aprendizagem-avaliação- -ensino precisa se adaptar aos usos e às necessidades emergentes. Esse contexto, aliado ao cenário pandêmico e à adoção do ensino remoto, permitiu-nos entrever diálogos entre conceitos da gamificação e da avaliação orientada para a aprendizagem de línguas. Este artigo objetiva identificar intersecções entre as teorias e ilustrá-las por meio de um projeto desenvolvido por alunos (adultos de nível pré-intermediário) de um instituto de idiomas, no segundo semestre de 2020. Como resultados, foram observados a motivação dos alunos e o desenvolvimento de competências linguísticas e socioemocionais e do letramento digital. A expectativa é chamar atenção para o uso combinado das teorias em questão na área de Educação.

PALAVRAS-CHAVE GAMIFICAÇÃO; AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM; ENSINO DE LÍNGUAS

RESUMEN

Para acompañar la revolución generada por las nuevas tecnologías, el aprendizaje- -evaluación-enseñanza se tiene que adaptar a los usos y necesidades emergentes. Este contexto, aliado al escenario pandémico y a la adopción de la educación remota, nos ha permitido entrever diálogos entre conceptos de la gamificación y de la evaluación orientada al aprendizaje de idiomas. Este artículo tiene como objetivo identificar intersecciones entre las teorías e ilustrarlas por medio de un proyecto desarrollado por los estudiantes (adultos de nivel pre intermedio) de un instituto de idiomas, en el segundo semestre de 2020. Como resultados, se observó la motivación de los alumnos y el desarrollo de competencias lingüísticas y socioemocionales y del letramento digital. La expectativa es llamar la atención al uso combinado de dichas teorías en el área de la Educación.

PALABRAS CLAVE: GAMIFICACIÓN; EVALUACIÓN DEL APRENDIZAJE; ENSEÑANZA DE LENGUAS

ABSTRACT

To keep up with the revolution generated by new technologies, learning-assessment- -teaching need to adapt to emerging uses and needs. This context, associated with the pandemic scenario and the adoption of remote instruction, has allowed us to discern dialogues between gamification concepts and assessment oriented toward the learning of languages. This paper aims to identify intersections among the theories, and to demonstrate them through a project developed by students (pre-intermediate level adult learners) of a language institute, in the second semester of 2020. The results demonstrate the students’ motivation and the development of linguistic and socioemotional competences, and of digital literacy. The expectation is to draw attention to the combined use of the theories in question in the field of education.

KEYWORDS: GAMIFICATION; LEARNING ASSESSMENT; LANGUAGE TEACHING

INTRODUÇÃO

A todo instante, os avanços tecnológicos fazem mudar a realidade que nos cerca e nossas formas de estar e de agir no mundo. Do mesmo modo, as abordagens ao processo de aprendizagem-avaliação-ensino1 precisam evoluir e acompanhar as novas tendências, do contrário, tornam-se obsoletas e desinteressantes aos olhos curiosos de alunos que interagem com celulares desde a primeira infância.

Sob essa perspectiva, está lançado um grande desafio, principalmente para nós, professores da geração que aprendeu a fazer pesquisas na biblioteca da escola, copiando textos (à mão!) de enciclopédias e livros impressos. Não temos intenção de desmerecer o trabalho de nossos mestres (a eles, toda gratidão), mas não podemos continuar trabalhando da mesma forma com a qual fomos ensinados.

O convívio com crianças e adolescentes dentro e fora da sala de aula evidencia o fascínio que as telas exercem sobre eles. Desde a mais tenra idade, os dedinhos já se mostram ágeis no manuseio de smartphones, tablets e afins. Os jogos, os vídeos, os sons e as imagens prendem a atenção, como se o usuário entrasse em um estado quase hipnótico.

Como professores, devemos admitir que se trata de batalha árdua ter de disputar a atenção dos alunos com esses aparelhos que, de alguma forma, tornam-se uma extensão de seus corpos. O advento da internet revolucionou a maneira como a informação é disseminada e acessada, e não podemos nos contentar em simplesmente reproduzi-la durante as aulas, pois

Conectados à rede mundial de computadores, os nativos digitais podem se autoletrar, e, por isso, requerem uma forma dinâmica, participativa, descentralizada, independente e autônoma de aprender, o que coloca em xeque as formas tradicionais de ensino/aprendizagem. Esses indivíduos ensinam e aprendem simultaneamente em um processo de compartilhamento no qual são tanto consumidores como produtores de informação. (MURTA; VALADARES, 2013, p. 42).

A tendência é que a escola, aos poucos, absorva as tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs). Pode parecer simples e até natural, mas se trata de tarefa complexa, cujo êxito dependerá de diversas variáveis, entre as quais estão a estrutura oferecida pela escola e o preparo de professores e alunos para o uso pedagógico dessas ferramentas.

A esse cenário sobrepõe-se, a partir de março de 2020, a adoção do ensino remoto emergencial como alternativa para dar continuidade às aulas durante o período de suspensão da modalidade presencial, decorrente da pandemia do coronavírus SARS-CoV-2 (covid-19). Da noite para o dia, a comunidade escolar teve de se adaptar a um contexto em que a aula transcende o tempo e o espaço usuais, e o processo de apropriação das TDICs foi substancialmente acelerado, corroborando o pensamento de Oliveira e Souza (2020, p. 22), quando afirmam que “[...] a necessidade de se reinventar é premente em tempos de crise”.

Nesse sentido, passados mais de dez meses desde o início das aulas remotas, vislumbramos a necessidade do que Ayrosa (2020) chama de transição para o ensino remoto intencional, em que existe planejamento sistemático, busca por formação continuada e perspectiva de médio-longo prazo.

Diante desse cenário, consideramos que as atividades (além das) remotas devam ser pensadas de modo que: 1) priorizem aspectos como interação, motivação, relevância, trabalho colaborativo e estímulo ao desenvolvimento da autonomia do aluno; e 2) conectem-se com formas de avaliar que estejam a serviço da aprendizagem do aluno.

Um conceito que vem ganhando espaço no contexto educacional é o da gamificação, que consiste em utilizar, em situações de não jogo, elementos relacionados a design de jogos (DETERDING et al., 2011), como desafios e recompensas, como estratégia para resolver problemas, aumentar a motivação e engajar o público, buscando despertar emoções positivas, explorar aptidões e alinhar, de forma lúdica, os interesses e desejos de desenvolvedores e jogadores (BUSARELLO, 2016).

Implementar aspectos da gamificação na sala de aula pode ser, portanto, um caminho para a convergência de interesses de professores e seus alunos (sejam eles crianças, jovens ou adultos), agindo sobre ponto crucial para o sucesso das aulas: a motivação dos alunos.

Além disso, o contexto de ensino remoto emergencial, intencional, híbrido, entre outros, que a pandemia nos vem apresentando também colocou em xeque as ações que tomamos para poder avaliar a aprendizagem dos alunos. Afinal, como coletar evidências de que o aluno, do outro lado da tela, está de fato aprendendo? Fica cada vez mais evidente que instrumentos avaliativos historicamente privilegiados, como as provas, são, muitas vezes, incongruentes e desalinhados com as características e necessidades desse novo cenário. Assim, repensar o processo avaliativo e desenvolver tarefas que reflitam tais exigências é vital nesse momento.

Partindo dessas premissas, propomos, com este artigo, o estabelecimento de uma relação dialógica entre a gamificação e a teoria da avaliação orientada para a aprendizagem de línguas (Avoal), em que identificamos pontos de intersecção e descrevemos como estes puderam ser materializados por meio do que chamamos de tarefa avaliativa gamificada (TAG) para aulas de língua inglesa.

A TAG foi proposta no formato de projeto2 dividido em fases que trazem componentes como avatares, narrativa, objetivos, regras, desafio e missão, combinados ao uso de TDICs. A avaliação se fez presente em todas as fases, desde a concepção da ideia, passando pelo desenvolvimento das instruções e envolvimento dos alunos em todo o processo, até a avaliação do produto final.

O tema escolhido para nortear a organização das atividades constitui uma tentativa de aproximação dos indivíduos com a natureza. A escolha se justifica pela intenção de alertar os alunos para consequências de ordem física, psicológica e social que se encontram latentes no excesso de urbanização e no uso indiscriminado de tecnologias (computadores, tablets, smartphones, etc.), em detrimento a atividades ao ar livre e em ambientes naturais. Não se podem negligenciar os estudos que apontam os efeitos negativos (em especial entre crianças e adolescentes) e o fato de que a instituição escolar pode assumir papel importante no (re)estabelecimento da conexão dos alunos com a natureza.

Estruturamos o artigo da seguinte maneira: o referencial teórico e os diálogos estabelecidos entre gamificação e Avoal estão apresentados na próxima seção. Nas seções metodológicas, descrevemos o projeto, analisamos e discutimos os resultados e, então, tecemos as considerações finais.

RELAÇÕES ENTRE CONCEITOS DA GAMIFICAÇÃO E AVOAL

Gamificação é definida por Deterding e colaboradores (2011, p. 1, tradução nossa) como “[...] o uso de elementos de design de games em contextos de não jogo”.3 O termo foi concebido em 2002 por Nick Pelling, programador de computadores e pesquisador britânico, mas começou a ser mais frequentemente utilizado a partir da segunda metade de 2010 (VIANNA et al., 2013).

Apesar de suas origens, não se deve, contudo, restringir o uso da terminologia gamificação associando-o somente a TDICs. Segundo Schlemmer (2016), a gamificação analisa a forma de pensar, os estilos, as estratégias e os elementos de design dos games e os adapta para situações de não jogo “[...] criando, desse modo, uma camada de game em uma situação, processo ou produto” (SCHLEMMER, 2016, p. 2), de modo que se encorajem mudanças de comportamento, familiarização com novas tecnologias, aceleração da aprendizagem e a facilitação de tarefas tediosas e repetitivas (VIANNA et al., 2013).

Busarello (2016) afirma que a gamificação constitui meio para desenvolvimento de habilidades cognitivas, emocionais e sociais, estimulando a atenção e a memória e combinando elementos divertidos com design instrucional. O autor elucida os quatro princípios da gamificação:

  1. criar ambiente que promova o envolvimento dos participantes em “[...] desafios abstratos, definidos por regras, que tenham interatividade e feedbacks que resultem em respostas quantificáveis, culminando as reações emocionais” (BUSARELLO, 2016, p. 26);

  2. ter sistema de blocos de regras;

  3. prezar pela estética visual e sensorial, que corresponde à forma como a experiência será percebida pelo indivíduo;

  4. converter a tarefa monótona em atividade motivadora, fazendo uso de competição, exploração, cooperação e narrativa.

Somados a esses princípios, são componentes dos artefatos gamificados: metas (auxiliam na compreensão do propósito, do foco e dos resultados mensuráveis), regras (estimulam a criatividade e o pensamento estratégico), feedback (sustenta o desempenho e a motivação dos participantes), e participação voluntária (promove real interação entre participantes e atividade). O autor cita, ainda, outros elementos que podem estar presentes, complementarmente: narrativa, visualização de personagens, recompensas, ambiente virtual, níveis, competitividade, competição, interatividade, atribuições de papéis, múltiplos caminhos para resolução de problemas, desafios e riscos, fantasia e mistério, coleta (ato de juntar elementos possivelmente úteis no futuro). Botha, Herselman e Ford (2014) complementam a lista com o princípio da liberdade para falhar, e o relacionam com a avaliação formativa, em que há múltiplas alternativas para se atingir um nível de competência que corresponda com o(s) objetivo(s) proposto(s).

Contudo, o processo de gamificação não se resume à utilização de pontuação, rankings (placar) e troféus ou badges (distintivos, marcadores de progresso). Além da possibilidade de se estimular a competição exacerbada, Schlemmer (2016) afirma que mecânicas como essa constituem visão reducionista e superficial da gamificação e não tornam algo trivial em desafiador, pois atuam somente na esfera da motivação extrínseca e falham em conseguir o engajamento dos participantes, uma vez que o objetivo é a recompensa, e o sujeito não está envolvido com a atividade em si.

Alternativamente, a presença de componentes como trilhas, desafios, enigmas, mis- sões e organização em clãs que agrupam indivíduos com habilidades diversas pode levar o grupo à construção colaborativa e cooperativa, suscitando motivação intrínseca.

Busarello (2016) observa que a gamificação pode ser adaptada e utilizada nos mais variados contextos, com efeitos positivos no que tange à motivação intrínseca e extrínseca. A primeira, porque a atividade se apresenta como novidade, entretenimento e oportunidade de satisfazer a curiosidade ou de adquirir novas habilidades ou domínio sobre algo. E a segunda, graças a fatores como competição, aprendi- zado, fuga da realidade e interação social, que atuam sobre o desejo de se obter recompensa externa, seja ela algo material ou não, como o reconhecimento pelo sucesso alcançado.

Além da motivação, a gamificação também promove o engajamento dos sujeitos, a satisfação pessoal, a interação dinâmica e o desenvolvimento de habilidades cognitivas, aumentando a eficácia da mediação e da construção do conhecimento. São trabalhadas, também, capacidades como autonomia, controle, senso de competência, memorização e concentração. Tais benefícios vêm ao encontro do que se almeja para a área educacional, na tentativa de se colocar em compasso harmônico o trabalho dos professores e as necessidades cognitivas e sociais dos alunos.

A gamificação constitui importante estratégia para aprendizagem (BUSARELLO, 2016; DETERDING et al., 2011; GARCIA, 2015). Murta e Valadares (2013, p. 46) afirmam que a participação do sujeito passa de periférica a atuante, “[...] o que torna possível uma compreensão situada, uma efetiva participação social, mostrando identidades, valores e modos de pensar importantes para a comunidade”. A prática situada, em definição de Liberali e colaboradores (2015, p. 6), “[...] pressupõe que os aprendizes vivenciem uma imersão em práticas significativas e relevantes em suas comunidades, brincando com uma multiplicidade de papéis conforme seus backgrounds e experiências”.

Complementarmente, Carless (2007) assevera a importância de a tarefa ser o mais real possível, o que constitui princípio-chave da Avoal, o qual Batista e Moraes (2020) abordam como potencial de autenticidade. Por se tratar de uma tarefa realizada em sala de aula, haverá, inevitavelmente, um caráter artificial. Mas quanto mais a tarefa se aproximar da realidade do aluno, maior a probabilidade de aprendizagem eficaz.

A título de ilustração, ressaltamos o potencial de autenticidade da TAG que propomos, pois os alunos criaram e publicaram um website com depoimentos, pôsteres e fotos para encorajar pessoas a terem mais contato com a natureza. Na vida fora de sala de aula, esse é um tipo de produção que pode ser esperado deles.

Cabe ao professor articular sentidos, colocando os alunos na posição de produtores de significados, promovendo a colaboração e a agência por meio de práticas situadas, problematizadoras da realidade local e global. Essas práticas salientam a importância de envolver o aluno em todo o processo (CARLESS, 2007), inclusive no tocante à avaliação. Assim, a TAG proposta engloba a autoavaliação e a avaliação pelos pares, defendidas por Batista e Moraes (2020).

Ao gamificar uma atividade, é importante que o professor a ajuste ao nível de habilidade dos participantes. Para isso, ele pode dividir tarefas complexas em outras mais simples e curtas, com níveis de dificuldade crescente, oportunizando variedade de caminhos para completá-las (BUSARELLO, 2016; DODERO et al., 2014). Hamp-Lyons (2017) chama o desenvolvimento gradual da tarefa de scaffolding - princípio da Avoal que promove nos alunos o senso de progressão, de modo que se sintam cada vez mais competentes.

No processo de gamificação, é preciso que se definam: “[...] o objetivo, um estado inicial e estados finais, estados intermediários com desafios a serem vencidos, e um conjunto de ações para que os jogadores se desloquem entre os estados, de acordo com as regras do jogo”4 (DODERO et al., 2014, p. 78, tradução nossa). Mais especificamente, Huang e Soman (2013) simplificam em cinco passos o processo de gamificação aplicado ao contexto educacional:

  1. Compreender o público-alvo e o contexto: na elaboração da atividade, a análise de fatores como faixa etária, nível de habilidades, dificuldades, conhecimento prévio, ambiente, tempo disponível para trabalhar a atividade e quantidade de alunos auxiliará na identificação de quais elementos de gamificação serão mais adequados. Além disso, ter clareza do público-alvo e do contexto ajudam a determinar possíveis pontos críticos na execução da tarefa e como tentar contorná-los.

  2. Definir objetivos de aprendizagem: estes podem englobar objetivos instrucionais gerais (completar uma tarefa ou quiz, por exemplo), objetivos de aprendizagem específicos (entender um conceito e aplicá-lo a uma tarefa), ou até mesmo objetivos comportamentais (completar as tarefas mais rapidamente ou reduzir distrações em sala de aula, etc.).

  3. Estruturar a experiência: dividir a tarefa em estágios ou fases auxilia o professor a sequenciar o conteúdo, começando pelas tarefas mais fáceis, e a quantificar o que os alunos precisam alcançar a cada estágio. É benéfico aos alunos também, pois faz com que o objetivo final pareça mais alcançável e mensurável, além de proporcionar senso de conquista com maior frequência.

  4. Identificar recursos necessários ao processo de gamificação: com os estágios definidos, o professor terá mais clareza sobre quais deles podem ser gamificados e como isso será feito.

  5. Aplicar elementos de gamificação: eles influenciarão diretamente as reações dos alunos, e a escolha de quais deles utilizar deve ser feita levando-se em conta a compreensão global dos quatro passos anteriores.

Outro ponto que o professor é convidado a mudar ao adotar a gamificação como estratégia de ensino é o modo como são tratadas as notas. Oxarart e colabora- dores (2014) consideram desmotivador o sistema de avaliação baseado em notas, em que o aluno perde pontos todas as vezes em que tem desempenho baixo em atividades ou exames. Na atividade gamificada, por outro lado, o aluno ganha pontos por meio das várias experiências de aprendizagem propostas pelo professor e, além disso, há a possibilidade de novas tentativas diante de falhas. Ou seja, ao contrário do sistema vigente, somam-se pontos ao invés de subtraí-los, o que implica ideia de crescimento rumo ao objetivo final, tornando o processo mais motivador.

Justificamos, mais uma vez, a avaliação focada na aprendizagem do aluno, ou seja, no que ele aprendeu, no que ainda não aprendeu e no que pode ser feito para atingir seu potencial máximo. O feedback (retorno que o aluno terá sobre seu desempenho, seja do professor ou de colegas de sala) tem caráter mais descritivo que classificatório, descrevendo os pontos fortes da produção do aluno e também aqueles que podem ser reorientados, e como o aluno pode melhorá-los. Dessa forma, o feedback torna-se feedforward (CARLESS, 2007; BATISTA; MORAES, 2020), uma vez que esse retorno ajudará o aluno não somente a melhorar aquela produção em específico, mas também todas as produções similares que ele possa vir a desenvolver no futuro.

A partir do exposto, sintetizamos os diálogos entre os preceitos da gamificação e da Avoal no Quadro 1.

QUADRO 1 Correspondências entre conceitos da gamificação e da Avoal 

GAMIFICAÇÃO AVOAL
Prática situada (LIBERALI et al., 2015) Tarefas com potencial de autenticidade (BATISTA; MORAES, 2020)
Divisão da tarefa complexa em outras menores, com nível de dificuldade progressivo (DODERO et al., 2014; BUSARELLO, 2016) Scaffolding (HAMP-LYONS, 2017)
Liberdade para falhar (BOTHA; HERSELMAN; FORD, 2014; OXARART et al., 2014) Feedforward (CARLESS, 2007; BATISTA; MORAES, 2020)

Fonte: Elaboração dos autores.

Na seção seguinte, descrevemos nossa sugestão de TAG para aulas de língua inglesa, desde sua elaboração até a análise de sua aplicação e seus resultados, com ênfase no diálogo estabelecido entre gamificação e Avoal.

DA CONCEPÇÃO AOS RESULTADOS DA TAREFA AVALIATIVA GAMIFICADA

Na seção anterior, foram apresentados princípios e elementos de game design que, transpostos para atividades didáticas, podem trazer benefícios tanto para professores como para alunos. Alguns deles foram selecionados para compor a proposta apresentada neste trabalho, como os quatro princípios que regem o processo de gamificação elencados por Busarello (2016), os cinco passos propostos por Huang e Soman (2013) e os princípios-chave da Avoal discutidos por Carless (2007), Hamp-Lyons (2017) e Batista e Moraes (2020).

Com relação ao público-alvo e ao contexto, elaboramos o projeto para ser aplicado por um dos autores deste texto, em duas de suas turmas de um instituto de idiomas localizado na cidade de Maringá (PR). As turmas eram compostas por um total de 11 alunos, adultos, de nível linguístico pré-intermediário (A2 de acordo com o Quadro Comum Europeu de Referência de Línguas - QCERL), na faixa etária entre 18 e 57 anos, e que estavam tendo aulas remotamente.

Sobre objetivos de aprendizagem, elencamos múltiplas competências e habili- dades (autonomia, criatividade, interação, cooperação, construção e articulação de diferentes conhecimentos); familiarizar os alunos com o uso de TDICs para fins pedagógicos; trabalhar conteúdos linguísticos (em nossa prática foram trabalhadas formas de se apresentar, os modos de expressar instruções e sugestões, e itens lexicais); e promover conscientização e/ou mudança de hábitos.

A escolha do tema para dar unidade à TAG recai sobre preocupação crescente da sociedade moderna: o transtorno de déficit de natureza (TDN). Mesmo não sendo um diagnóstico médico, o criador do termo, Richard Louv, o descreve com sintomas de ordem física (como aumento das taxas de miopia, obesidade, pressão alta, diabetes, deficiência de vitamina D, menor uso dos sentidos) e mental (dificuldades para manter a atenção, depressão, hiperatividade, ansiedade, entre outras). Louv (2016) advoga que a necessidade de conexão com ambientes naturais e com outras espécies de seres vivos é inerente à condição humana e essencial ao bem-estar físico e mental, e que quanto mais tecnológica fica nossa vida, maior a necessidade de natureza - o desafio é manter o equilíbrio entre o mundo digital e o físico.

Nossa proposta foi aplicada entre os meses de outubro e novembro de 2020, período em que buscar esse equilíbrio parecia ainda mais difícil devido ao distanciamento social tomado como principal medida preventiva contra o contágio pelo coronavírus. Estudar e/ou trabalhar remotamente havia imposto um novo ritmo à vida e restringido espaços de circulação e socialização, limitando-os, em muitos casos, às telas dos computadores e smartphones.

Justifica-se que o projeto foi elaborado no intuito de chamar os alunos (de volta) à natureza, e conscientizá-los sobre os perigos do uso abusivo das telas, de modo que se estabeleça, dentro do possível para o momento, o equilíbrio entre o tempo que passam conectados e o tempo off-line, e que isso seja revertido em benefícios à saúde e à aprendizagem.

Nossa proposta foi planejada para ser desenvolvida ao longo de quatro semanas, entre momentos síncronos e atividades feitas em momentos assíncronos. A experiência foi estruturada em cinco fases, das quais fazem parte uma missão e um desafio.

Levando em consideração o observado por Oxarart e colaboradores (2014), optamos por substituir o conceito de nota por uma dinâmica em que o cumprimento das tarefas com base no trabalho colaborativo, no respeito às regras e no feedback obtido por meio da avaliação formativa dava aos grupos a “chave” para passar ao nível seguinte.

Para dar forma à narrativa, cada grupo de alunos criou um personagem (avatar) com sintomas característicos de TDN. A missão do grupo era construir um website a fim de conscientizar as pessoas sobre o TDN e apresentar formas para superá-lo. A cada fase do projeto, conforme o site foi sendo construído, os grupos performaram tarefas que levaram o avatar à mudança de hábitos e à involução dos sintomas, refletindo em personagens que saíram de um estado inicial ansioso, depressivo, triste, etc., para se tornarem mais felizes, ativos, saudáveis e sociáveis.

Ressalta-se que as atividades aqui ilustradas têm caráter sugestivo e podem (e devem) ser adaptadas observando-se as peculiaridades das turmas, sendo possível ajustá-las, inclusive, para outras faixas etárias e contextos de ensino (escolas regulares, públicas ou privadas, por exemplo).

Dada a diversidade de procedimentos típica do fazer pedagógico e por estarmos cientes de que adaptações se farão necessárias para futuras aplicações, limitamo-nos a sintetizar as fases do projeto no Quadro 2, em que as atividades trazem sugestões, cujos detalhamentos (conteúdos linguísticos específicos, metodologias, etc.) ficam a critério do professor, de acordo com suas necessidades.

QUADRO 2 Descrição do projeto Connected to Nature 

PROJETO CONNECTED TO NATURE
Contexto: instituto de idiomas Público-alvo: adultos, de nível linguístico pré-intermediário (A2 QCERL) Tema: transtorno de déficit de natureza (TDN) Metodologia: ensino remoto Ferramentas/recursos: Computadores ou smartphones com acesso à internet; câmera digital; aplicativos do Google (MeetI; SitesII; Apresentações) e outros (Voki; Padlet) Tempo estimado: quatro semanas, entre momentos síncronos e atividades feitas em momentos assíncronos
FASE 1
Atividade - Apresentar o tema, o projeto e suas fases; - Explicar a missão do projeto.
Objetivos - Despertar motivação para a participação; - Detectar conhecimentos prévios; - Ampliar conhecimentos sobre o tema.
Preparação do professor - Selecionar vídeo e/ou textoIII para apresentar o tema; - Produzir slides para apresentar tema e projeto; - Formular questões para discutir o tema; - Elaborar o “esqueleto” do site (sugerimos a ferramenta Google Site), com informações sobre TDN, objetivo do site e exemplos para as atividades.
PROJETO CONNECTED TO NATURE
FASE 1
Procedimentos - Em aula síncrona via Google Meet, apresentar vídeo e/ou texto e promover discussão sobre o tema, com base nas questões formuladas pelo professor; - Explicar a missão do projeto: “Em seu curso de inglês, você e sua turma assistiram a um vídeo/ leram um texto sobre TDN. Vocês decidiram fazer algo para conscientizar as pessoas sobre esse tema e a importância de estarem conectados à natureza. Para isso, vocês criarão um website para compartilhar ideias e sugestões para ajudar pessoas com TDN. Vocês vão trabalhar em pequenos grupos, que passarão por diferentes fases, com tarefas específicas a serem cumpridas, a fim de construir o site. Quem decide se você completou as missões de cada fase com sucesso? Os outros grupos!”; - Orientar os alunos a formarem grupos; - Apresentar o site, falar sobre o projeto e as tarefas a serem desenvolvidas em cada fase.
Avaliação Cada grupo avalia se os outros participaram das discussões sobre o tema. Se sim, eles “ganham a chave” que abre a Fase 2.
FASE 2
Atividades - Criar avatares e seus perfis, representando uma pessoa com sintomas de TDN; - Elaborar um painel com sugestões para incentivar as pessoas a fazerem mais atividades ao ar livre e terem mais contato com a natureza; - Apresentar o desafio Start the Change.
Objetivos - Suscitar reflexão sobre hábitos e promover mudanças; - Desenvolver cooperação, criatividade, senso de equipe e de identidade; - Familiarizar alunos com ferramentas digitais.
Preparação do professor - Elaborar slides desta fase e exemplos para avatar e painel (fazer upload no site); - Disponibilizar, se necessário, tutorial sobre como usar as ferramentas tecnológicas selecionadas para a execução do projeto.
Procedimentos - Em momento síncrono, explicar que o site terá personagens: cada grupo criará um avatar, que representará pessoas com TDN. A cada atividade/desafio concluído, o grupo estará ajudando seu avatar a mudar seus hábitos e superar o TDN; - Fazer brainstorm para criação dos avatares; - Tarefa assíncrona: cada grupo criará seu avatar (sugestão: VokiIV) e se autoavaliará, por meio de lista de verificação; - Tarefa assíncrona: cada grupo criará um painel (sugestão: PadletV), em que serão listadas sugestões de atividades ao ar livre e formas de se conectar com a natureza. Cada grupo deve postar (ou enviar para o professor postar) o link de seu painel junto ao perfil do avatar, para que os outros grupos o avaliem; - Desafio Start the Change: com base nas sugestões dos painéis, o professor lança o desafio: os membros de cada grupo deverão escolher, dentre as sugestões do painel, alguma(s) para colocar em prática no decorrer das semanas em que o projeto estiver sendo executado.
Avaliação - Os avatares devem ser ricos em detalhes, apresentando sintomas típicos de TDN; - O painel deve ser editado em inglês e deve trazer, no mínimo, dez sugestões de atividades ao ar livre; - Autoavaliação e avaliação pelos pares: utilizando uma lista de verificação, os alunos terão a chance de melhorar seu avatar e painel com base em sua própria avaliação e no feedback dos colegas.
FASE 3
Atividade - Jogo de adivinhação Photographs: Nature Close-up.
Objetivos - Desenvolver habilidade de observação; - Promover competição saudável.
Preparação do professor - Elaborar slides desta fase e exemplos de fotos (fazer upload no site).
Procedimentos - Tarefa assíncrona: o avatar de cada grupo decidiu passar um tempo em contato com a natureza e registrar esses momentos. Assim, cada grupo registrará elementos da natureza, por meio de duas fotos: uma bem de perto, de modo que seja difícil saber parte do que se trata, e outra que retrate o “objeto” todo. Apenas as fotos tiradas de perto deverão ser postadas no site, pois formarão um jogo de adivinhação para a próxima aula. O professor estabelece quantas fotos devem ser tiradas; - Em aula síncrona, cada grupo apresenta suas fotos (tiradas de perto), para que os outros grupos adivinhem do que se trata.
PROJETO CONNECTED TO NATURE
FASE 3
Avaliação - As fotos devem ser nítidas; - Cada grupo precisa tirar a quantidade de fotos estabelecida.
FASE 4
Atividades - Concluir o desafio Start the Change (Fase 2); - Gravar depoimentos dos avatares.
Objetivos - Discutir atividades executadas durante o desafio; - Demonstrar estado inicial e final do avatar, enfatizando seu desenvolvimento e melhora no quadro de TDN; - Desenvolver cooperação, senso de progresso e de conquista.
Preparação do professor - Elaborar slides desta fase, se necessário.
Procedimentos - Verificar quais atividades do painel foram desenvolvidas durante as semanas em que o projeto foi executado; - Solicitar que, com base nessas atividades desenvolvidas, cada grupo grave um depoimento que retrate a mudança de seu avatar e o que ele ainda pretende fazer para continuar em maior contato com a natureza.
Avaliação Os depoimentos precisam conter as sugestões de atividades ao ar livre que, efetivamente, foram desenvolvidas pelos membros dos grupos.
FASE 5
Atividade - Conclusão e avaliação do projeto.
Objetivos - Promover reflexão sobre mudança de hábitos; - Discutir e obter feedback dos alunos sobre o projeto.
Preparação do professor - Elaborar questionário de autoavaliação e feedback dos alunos quanto ao projeto.
Procedimentos - Após assistir aos depoimentos dos avatares, discutir questões como mudanças de hábitos, relevância do tema, etc.; - Solicitar que os alunos avaliem o projeto como um todo e sua participação nele.
Avaliação Solicitar aos alunos que respondam ao questionário de avaliação do projeto.

Fonte: Elaboração dos autores.

IDisponível em: https://meet.google.com/ Acesso em: 12 jan. 2021.

IIDisponível em: https://sites.google.com/ Acesso em: 12 jan. 2021.

IIISugestões: https://www.youtube.com/watch?v=UBa06WUZ7a4; https://www.asla.org/ContentDetail aspx?id=39558. Acessos em: 11 jan. 2021.

IVDisponível em: https://www.voki.com/ Acesso em: 12 jan. 2021.

VDisponível em: https://pt-br.padlet.com/ Acesso em: 12 jan. 2021.

Na sequência, analisamos a aplicação da proposta e discutimos os resultados.

ANÁLISE DA APLICAÇÃO DA TAREFA AVALIATIVA

Passamos, agora, a analisar a aplicação da TAG, tanto do ponto de vista dos pesquisadores-autores (sendo um deles o professor que aplicou o projeto), quanto da perspectiva dos alunos. Em vista da limitação quanto à extensão deste texto, não descreveremos os pormenores da aplicação prática de nossa proposta, mas buscaremos analisá-la à luz das teorias que a respaldam. Ressaltamos, ainda, que o desenvolvimento deste projeto se deu com a autorização da instituição de ensino, e que esta análise foi feita com o consentimento explícito (mediante preenchimento de termo de consentimento livre e esclarecido) dos participantes e levou em conta suas respostas ao questionário on-line aplicado na Fase 5. Ainda em relação aos procedimentos éticos, informamos que tanto o nome da instituição de ensino em que o projeto foi aplicado como a identidade dos alunos serão mantidos em sigilo e que todos os envolvidos receberam cópias deste artigo, como devolutiva à sua participação.

O potencial de autenticidade (BATISTA; MORAES, 2020) do tema e do objetivo (missão) mostrou-se eficaz para despertar o interesse e engajar os alunos. Houve problematização e identificação com o tópico, inclusive com relato de alunos que apresentavam sintomas de TDN. Podemos afirmar que a prática situada também os desafiou e os motivou para produzir e publicar o website, pois reconheceram a relevância do tema e o seu papel social no desenvolvimento do projeto. Dos dez respondentes,5 nove afirmaram que as habilidades desenvolvidas ao longo do projeto serão úteis para eles fora de sala de aula.

Achei a criação do site muito interessante. Nunca tinha feito nada do tipo e comecei a explorar o Google Sites. Gostei muito também do tema do projeto Nature Deficit Disorder, um tema que não conhecia e passei a compreender melhor. Colocamos nossas ideias lá, discutimos bastante, e por ter sido dividido em etapas ajudou muito para que aqueles que estão realizando o projeto não se percam e não passem por dor de cabeça tentando entender o que devemos ou não fazer. Espero que no futuro tenham mais projetos diferentes e divertidos como esse. (Aluno A).

Por outro lado, os alunos demonstraram receio quanto à demanda de trabalho assíncrono da Fase 2. Assim, o professor aplicou, mais uma vez, o princípio de scaffolding (HAMP-LYONS, 2017), distribuindo as tarefas ao longo das aulas e auxiliando os alunos nas discussões, o que se provou bem-sucedido. Os alunos afirmaram que dividir o projeto em tarefas menores facilitou a construção do website, e destacaram como pontos positivos a variedade de atividades e o dinamismo da proposta:

I liked that the tasks were not difficult, well divided and at the same time very dynamic. It was a really good activity. (Aluno B).

No começo achei que seria chato fazer o projeto, mas ao longo da sua construção comecei a gostar muito! (Aluno C).

Eu gostei bastante do projeto, gostei da variação de atividades. Poderia ter esse tipo de projeto mais vezes. (Aluno D).

A utilização de lista de verificação para autoavaliação e avaliação pelos pares teve êxito neste projeto, uma vez que abriu aos alunos a possibilidade de refação/adequação das produções, relacionando-se com o princípio da liberdade para falhar, apontado por Botha, Herselman e Ford (2014) e Oxarart et al. (2014). A lista, composta por critérios de avaliação negociados por professor e alunos, orientou o trabalho dos grupos de modo a cumprir, de forma objetiva, todos os requisitos das tarefas.

Nesse sentido, também contribuíram o sistema de regras de cada fase e o feedback formativo e constante. Por exemplo, ao realizar a autoavaliação durante a produção do avatar, para a pergunta “O site inclui um avatar que representa uma pessoa com sintomas de TDN?”, um grupo respondeu que seu avatar poderia ser mais pálido e harmonizar com o pôster produzido. A partir dessa constatação, o grupo promoveu as alterações no avatar, inseriu cenário chuvoso (para sugerir tristeza) e gravou a fala do avatar novamente, com tom de voz mais solene.

A título de ilustração do resultado da avaliação pelos pares, um dos grupos sugeriu que o pôster do outro desse maior ênfase à natureza.6 O feedback foi acatado e o grupo reorientou seu trabalho. Dos dez alunos que responderam o questionário de avaliação do projeto, nove afirmam que o feedback recebido por meio da autoavaliação ajudou a melhorar o desempenho de seu grupo nas tarefas, e os dez afirmam o mesmo sobre a avaliação pelos pares.

Com relação à produção linguística, as etapas da TAG propiciaram oportuni- dades para que os alunos produzissem variadas funções comunicativas pertinentes ao nível linguístico em que se encontravam: expressar informações pessoais, descre- ver sintomas (no caso, do TDN), explicar como esses sintomas afetam a rotina, dar sugestões e dicas, refletir sobre experiências passadas e planejar ações futuras. No entanto, o nível de desafio linguístico não foi considerado suficiente por todos os alunos,

O projeto foi desafiador. Acredito que tenha desenvolvido novas habilidades e adquirido conhecimentos que poderão ser usados fora da sala de aula. Por outro lado, a pandemia pode ter atrapalhado um pouco a troca de informações e o crescimento linguístico esperado com o projeto. Ainda assim, a experiência foi plenamente satisfatória. (Aluno E).

Eu achei que foi muito legal fazer o projeto, mas não me desafiou o suficiente na questão linguística ou de habilidade. Talvez encontrar uma forma de exigir mais durante essas tarefas do projeto para então desenvolver mais habilidades linguísticas. (Aluno F).

As falas evidenciam a importância de, ao desenharmos uma TAG, pensarmos no perfil da turma e proporcionamos diferentes níveis de desafios para motivar todos os alunos, ratificando o princípio 1 elencado por Huang e Soman (2013).

Para o professor, ficou evidente que o engajamento, o senso de responsabilidade e a disciplina dos alunos também contribuíram para o sucesso do projeto. Todos os alunos se mostraram envolvidos e, conforme apontado no questionário de avaliação do projeto e também pontuado por um deles, por meio de feedback oral, o aspecto colaborativo das tarefas foi muito importante, pois possibilitou o desenvolvimento de habilidades de negociação, além de estreitar laços de amizade.

Do ponto de vista dos alunos, podemos concluir que eles receberam positivamente a proposta. Dos dez alunos que responderam o questionário, nove consideraram o projeto relevante, sentiram-se motivados a participar e manifestaram que o projeto os ajudou a desenvolver autonomia. Resgatando os objetivos de aprendizagem estabelecidos para o projeto (desenvolver autonomia, criatividade, interação, cooperação, construção e articulação de diferentes conhecimentos; familiarizar os alunos com o uso de TDICs para fins pedagógicos; trabalhar conteúdos linguísticos e promover conscientização e/ou mudança de hábitos), podemos afirmar que foram endereçados e atingidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A decisão de adotar novos métodos e estratégias de ensino gera, certamente, dificuldades de ordem material, estrutural ou técnica. De todo modo, é clara e urgente a necessidade de reflexão e adaptação a formas de trabalhar que contemplem as novas tecnologias, despertem o interesse dos alunos e se adequem a um modelo de avaliação que esteja a serviço da aprendizagem. A Avoal, trazida aqui por meio dos princípios de potencial de autenticidade, envolvimento do aluno (principalmente na negociação dos critérios, autoavaliação e avaliação pelos pares), feedback como feedforward, scaffolding e interação (entre professor, alunos e tarefa), alinha-se a tal modelo.

Como todo processo de adaptação, o trabalho de gamificar uma atividade leva tempo e dificuldades e resistências podem surgir. Partindo dessa premissa, este artigo foi produzido com a intenção de abrir espaços para experimentação, discussão de resultados e disseminação dos conceitos envolvidos, pois quanto mais oportunidades de troca de experiências e ideias forem disponibilizadas, menos árdua se torna a tarefa.

A despeito dos pontos dificultosos, como quantidade de tempo e recursos necessários para reestruturar o currículo de modo que este incorpore princípios e elementos da gamificação, a literatura especializada aponta vantagens em sua aplicação no contexto educacional. Entretanto, para que benefícios como engajamento, motivação, alavancagem da aprendizagem e desenvolvimento de competências socioemocionais sejam alcançados, o professor precisa, além do conhecimento teórico, ter clareza de seu contexto, público-alvo e objetivos a serem cumpridos.

Do exposto, é possível perceber que atividades gamificadas constituem mais que uma estratégia para motivar e engajar os alunos, pois além de trabalhar conteúdos formais, promovem o desenvolvimento de competências que dificilmente são praticadas na aula tradicional expositiva. O ambiente gamificado pode se apresentar como forte estímulo ao trabalho em equipe, à formação e estreitamento de vínculos e ao exercício da cooperação - habilidades tão desejáveis, mas tão negligenciadas por conta da imersão no mundo virtual.

Por meio da aplicação de nossa proposta, concluímos que as relações entre os princípios de gamificação e Avoal mostraram-se frutíferas na transposição para a TAG. Na percepção dos alunos participantes, foi possível desenvolver: motivação, autonomia, cooperação, letramento digital, conhecimento acerca do próprio tema e, em menor grau, habilidades linguísticas (estas talvez tenham sido prejudicadas em razão das limitações de interação impostas pelo contexto de ensino remoto). Os alunos, em sua maioria, se sentiram desafiados, engajados e não acharam o projeto difícil, por conta das divisões em fases e do constante fornecimento de instruções e feedback. Consideraram como pontos positivos a variedade de tarefas e o caráter inovador do projeto.

Sob nosso ponto de vista, o projeto proporcionou um desafio real para os alunos, com potencial de autenticidade, uma vez que os alunos podem vir a produzir um website no futuro. Os alunos também foram envolvidos em todas as etapas do processo avaliativo, como a definição dos critérios, a autoavaliação e a avaliação pelos pares.

Estamos cientes de que a aplicação de nossa proposta foi uma experiência isolada e que são necessárias mais pesquisas, propondo novas TAGs abrangendo outros contextos educacionais, a fim de consolidar as constatações acerca dos benefícios do uso combinado da gamificação e da Avoal. No entanto, esperamos que a gamificação possa, cada vez mais, ser incorporada ao processo de aprendizagem-avaliação-ensino, de modo que se aproveite seu potencial motivador e engajador no trabalho de conteúdos formais e para construção de currículo e, principalmente, para o aprimoramento de habilidades sociais, emocionais e cognitivas do aprendiz. Temos a expectativa de que propostas como esta sejam vistas como forma efetiva e eficaz de avaliar, com foco na aprendizagem e no desenvolvimento integral dos alunos.

1Com base em Batista e Moraes (2020), empregamos o termo aprendizagem-avaliação-ensino, pois entendemos que a aprendizagem é foco e componente orientador das ações pedagógicas. Além disso, consideramos a avaliação como elemento integrador entre a aprendizagem e o ensino.

2Entendemos que a TAG pode se materializar em diversos formatos, por exemplo: debates, gincanas, apresentações orais, sequências didáticas, etc.

3No original: “[…] the use of game design elements in non-game contexts”.

4No original: “[…] a goal, an initial state and terminal states, intermediate states with challenges to overcome, and a set of actions of players that allow them to move from state to state, according to the game rules”.

5Os nomes dos alunos e alunas envolvidos na pesquisa serão mantidos em sigilo. Para fins práticos, usaremos o substantivo apenas no masculino para nos referir a todos.

6A pergunta que constava na lista de verificação era: “O pôster inclui dez ideias aplicáveis para que as pessoas estejam em contato com a natureza?”. Ao que um dos grupos respondeu, sobre o trabalho de outro: “Dois tópicos podem falar mais sobre a natureza: 1) 10 a 8 horas de sono pelo menos. 2) Seja um voluntário”.

REFERÊNCIAS

AYROSA, Pedro Paulo da Silva. Ensino remoto é EAD? In: VIRTUEL, 2020, Londrina, PR. Palestra [...]. Londrina, PR, jun. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kir5-SKcGjw Acesso em: 17 jun. 2020. [ Links ]

BATISTA, Estogildo Gledson; MORAES, Isadora Teixeira. Avaliação orientada para a aprendizagem no ensino de línguas para crianças. Revelli: Revista de Educação, Linguagem e Literatura, Inhumas, GO, v. 12, p. 1-19, nov. 2020. [ Links ]

BOTHA, Adele; HERSELMAN, Marlien; FORD, Merryl. Gamification beyond badges. In: IST-AFRICA CONFERENCE, 2014, Mauritius. Proceedings [...]. Mauritius: IST-Africa, 2014. p. 1-10. Disponível em: https://ieeexplore.ieee.org/stamp/stamp.jsp?tp=&arnumber=6880651 Acesso em: 12 abr. 2019. [ Links ]

BUSARELLO, Raul Inácio. Gamification: princípios e estratégias. São Paulo: Pimenta Cultural, 2016. [ Links ]

CARLESS, David. Learning-oriented assessment: conceptual bases and practical implications. Innovations in Education and Teaching International, Hong Kong, v. 44, n. 1, p. 57-66, Feb. 2007. [ Links ]

DETERDING, Sebastian; DIXON, Dan; KHALED, Rilla; NACKE, Lennart. From game design elements to gamefulness: defining “gamification”. In: MINDTREK, 11., 2011, Tampere. Proceedings [...]. Tampere: MindTrek 11, 2011. p. 9-11. Disponível em: http://dl.acm.org/citation.cfm?id=2181040 Acesso em: 10 abr. 2019. [ Links ]

DODERO, Gabriella; GENNARI, Rosella; MELONIO, Alessandra; TORELLO, Santina. Towards tangible gamified co-design at school - two studies in primary schools. In: CHI PLAY, 2014, Toronto. Proceedings [...]. Toronto: Chi Play, 2014. p.77-86. Disponível em: https://dl.acm.org/doi/10.1145/2658537.2658688 Acesso em: mar. 2022. [ Links ]

GARCIA, Adriana. Gamificação como prática pedagógica docente no processo ensino e aprendizagem na temática da inclusão social. 2015. 89 f. Dissertação (Mestrado em Ensino, Ciências e Novas Tecnologias) - Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Londrina, 2015. Disponível em: http://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/bitstream/1/1666/1/LD_PPGEN_M_Garcia%2C%20Adriana_2015.pdf Acesso em: 2 abr. 2019. [ Links ]

HAMP-LYONS, Liz. Language assessment literacy for language learning-oriented assessment. Papers in Language Testing and Assessment, v. 6, n. 1, p. 88-111, Dec. 2017. [ Links ]

HUANG, Wendy H.; SOMAN, Dilip. A practitioner’s guide to gamification of education. Toronto: Rotman School of Management, 2013. Disponível em: https://inside.rotman.utoronto.ca/behaviouraleconomicsinaction/files/2013/09/GuideGamificationEducationDec2013.pdf Acesso em: 18 abr. 2019. [ Links ]

LIBERALI, Fernanda; MAGALHÃES, Maria Cecília C.; MEANEY, Maria Cristina; SANTIAGO, Camila; CANUTO, Maurício; SANTOS, Jessica A. A. Projeto DIGIT-M-ED Brasil: uma proposta de desencapsulação da aprendizagem escolar por meio dos multiletramentos. Revista Prolíngua, João Pessoa, v. 10, n. 3, p. 2-17, nov./dez. 2015. [ Links ]

LOUV, Richard. Estamos sofrendo o transtorno de déficit de natureza. [Entrevista concedida a Alexandre Mansur]. Época, jun. 2016. Disponível em: https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2016/06/estamos-sofrendo-o-transtorno-de-deficit-de-natureza.html Acesso em: 16 abr. 2019. [ Links ]

MURTA, Claudia R.; VALADARES, Marcus Guilherme P. F. Princípios de aprendizagem de jogos eletrônicos: gameficando a aula de línguas. Horizontes de Linguística Aplicada, Brasília, v. 12, n. 1, p. 41-61, jan./jul. 2013. [ Links ]

OLIVEIRA, Hudson V.; SOUZA, Francimeire S. Do conteúdo programático ao sistema de avaliação: reflexões educacionais em tempos de pandemia (Covid-19). Boletim de Conjuntura, Boa Vista, v. 2, n. 5, p. 15-24, 2020. Disponível em: https://revista.ufrr.br/boca/article/view/OliveiraSouza Acesso em: 22 jun. 2020. [ Links ]

OXARART, Aimee; WEAVER, Jennifer; AL-BATAINEH, Adel; AL-BATAINEH, Mohamed. Game design principles and motivation. International Journal of Arts & Sciences, Cumberland, v. 7, n. 2, p. 347-359, 2014. Disponível em: https://search.proquest.com/openview/7233cd801c830897193b9143afc211dd/1?pq-origsite=gscholar&cbl=626342 Acesso em: 21 jan. 2021. [ Links ]

SCHLEMMER, Eliane. Games e gamificação: uma alternativa aos modelos de EaD. Revista Iberoamericana de Educación a Distancia, Madrid, v. 19, n. 2, 2016. Disponível em: http://revistas.uned.es/index.php/ried/article/view/15731/0 Acesso em: 18 abr. 2019. [ Links ]

VIANNA, Ysmar; VIANNA, Maurício; MEDINA, Bruno; TANAKA, Samara. Gamification: como reinventar empresas a partir de jogos. Rio de Janeiro: MJV Press, 2013. [ Links ]

Recebido: 23 de Janeiro de 2021; Aceito: 22 de Dezembro de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons