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Estudos em Avaliação Educacional

Print version ISSN 0103-6831On-line version ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.33  São Paulo  2022  Epub Sep 22, 2022

https://doi.org/10.18222/eae.v33.9022 

Artigos

GARANTIA DE QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR: O CASO DOS ESTADOS UNIDOS

Tradução:

FERNANDO EFFORI DE MELLOII

IUniversidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador-BA, Brasil


RESUMO

Neste artigo, apresenta-se um panorama crítico sobre a garantia de qualidade do ensino superior nos Estados Unidos, analisando sua história, características, problemas e controvérsias, em um esforço para extrair lições que sejam aplicáveis a outros países, como o Brasil. Foram analisados rankings institucionais, a avaliação de aprendizagem dos alunos, o papel dos governos no processo de acreditação das universidades e o desafio de assegurar a qualidade de instituições com fins lucrativos. Embora se reconheça que não existe um modelo ideal de avaliação de instituições de ensino superior, são relacionadas recomendações extraídas da experiência norte-americana que trazem possíveis contribuições para o aprimoramento dos marcos de garantia de qualidade em outras partes do mundo.

PALAVRAS-CHAVE ENSINO SUPERIOR; GARANTIA DE QUALIDADE; ACREDITAÇÃO UNIVERSITÁRIA.

ABSTRACT

The purpose of this article is to provide an overview and critique of higher education quality assurance in the context of the United States (US), reviewing the US model in terms of its history, characteristics, problems and controversies, in an effort to extract lessons that are applicable to other countries, including Brazil. The study examines topics such as institutional rankings, student learning assessment, the role of government in the university accreditation process and the challenge of assuring the quality of for-profit institutions. The article concludes with a list of recommendations extracted from the US experience that could conceivably contribute to the improvement of quality assurance frameworks in other parts of the world.

KEYWORDS HIGHER EDUCATION; QUALITY ASSURANCE; UNIVERSITY ACCREDITATION.

RESUMEN

Este artículo presenta un panorama crítico sobre la garantía de calidad de la educación superior en Estados Unidos, analizando su historia, características, problemas y controversias, en un esfuerzo para extraer lecciones que sean aplicables a otros países, como Brasil. Se analizaron los rankings institucionales, la evaluación del aprendizaje de los estudiantes, el papel de los gobiernos en el proceso de acreditación universitaria y el desafío de asegurar la calidad de las instituciones con fines de lucro. Aunque se reconoce que no hay un modelo ideal para evaluar las instituciones de educación superior, se enumeran las recomendaciones extraídas de la experiencia norteamericana que posiblemente aporten contribuciones para mejorar los marcos de garantía de calidad en otras partes del mundo.

PALABRAS CLAVE EDUCACIÓN SUPERIOR; GARANTÍA DE CALIDAD; ACREDITACIÓN UNIVERSITARIA.

INTRODUÇÃO

No final do século XX, surge uma preocupação internacional com a qualidade do ensino superior. Na atualidade, a questão continua a ser intensamente debatida, na medida em que, em todas as regiões do mundo, os países buscam assegurar que suas instituições de ensino superior atendam aos padrões de qualidade necessários para suprir as demandas públicas e as necessidades nacionais. Há muito tempo se reconhece a importância do ensino superior na promoção do conhecimento necessário ao desenvolvimento econômico, à mobilidade social e à coesão nacional. Na condição de protagonistas das estruturas de ensino superior, as universidades da maioria dos países, até meados do século XX, eram altamente seletivas, reservadas a pessoas oriundas de segmentos privilegiados da sociedade, e visavam à preparação dos alunos para o exercício de profissões de elite, em áreas como medicina, direito e engenharia. Em alguns países, seguindo um modelo inicialmente estabelecido no século XIX na Alemanha, a universidade voltava-se também à produção de conhecimento, especialmente do conhecimento produzido por pesquisas científicas. Em razão de sua importância nacional e de sua tradicional associação com os interesses de poderosas elites, as quais exerciam forte influência sobre as políticas públicas, a grande maioria das universidades do mundo tendia a ser de natureza pública, estabelecida e mantida por governos nacionais e regionais, em nome do progresso e das oportunidades (ao menos de poucos). A autorização governamental conferia legitimidade institucional e, implicitamente, assegurava à sociedade que a educação oferecida fosse de alta qualidade. A pressuposição da qualidade era também reforçada pelo fato de que as universidades tendiam a ser semelhantes em termos de organização e estrutura, e por serem altamente exclusivas com relação ao tamanho e ao status social do corpo discente. Essa garantia, no entanto, emanada da certificação governamental e da respeitabilidade social, começou a perder força nas décadas de 1970 e 1980, resultado de diversos fatores inter-relacionados.

Um desses fatores diz respeito à relativa massificação do ensino superior, impulsionada por uma florescente demanda do mercado de trabalho e da rápida expansão da educação secundária. Entre 1980 e 2000, o número de matrículas no ensino superior quadruplicou internacionalmente, e, consequentemente, a pressuposição da qualidade, outrora derivada da exclusividade das instituições de ensino superior, foi enfraquecida. O crescimento da educação superior também provocou elevados custos educacionais, em função da maior competição por recursos escassos. Ao mesmo tempo, muitos governos buscaram reduzir suas despesas com ensino superior, concedendo às instituições de natureza pública uma maior autonomia administrativa e financeira, o que se traduziu na adoção de uma política denominada “direcionamento a distância” [“steering at a distance”] (VIDOVICH, 2002). Como resultado, os governos foram obrigados a lidar com uma maior demanda da sociedade por responsabilidade e transparência na manutenção dos estabelecimentos públicos (BRENNAN; SHAH, 2001; LIM, 2017).

Além disso, com mais alunos no ensino superior, aumentou também a diversidade discente, o que, por sua vez, levou a uma maior variedade na oferta do ensino superior. Assim, os potenciais alunos passaram a contar com um maior leque de escolhas, as quais exigiam mais informações sobre a natureza e a qualidade das opções de ensino superior. Tais opções incluíam empresas com fins lucrativos e a utilização da educação a distância, o que representava desafios adicionais à avaliação e manutenção dos padrões de qualidade do ensino superior. Ao mesmo tempo, em vista do aumento da mobilidade transnacional, surgiu uma maior preocupação com a equivalência dos diplomas entre países diferentes. Essa preocupação tornou-se especialmente prevalente dentro da recém-criada União Europeia, que reduziu as restrições de fronteira entre os países-membros. A questão recebeu atenção adicional após 1999, quando 29 países assinaram o chamado Tratado de Bolonha, com o intuito de promover uma maior compatibilidade em termos de ensino superior dentro do continente europeu (GASTON, 2010).

Como resultado de pressões pela garantia de padrões mínimos de qualidade do ensino superior, países em todas as regiões do mundo criaram agências nacionais de garantia de qualidade, no contexto do que tem sido chamado de “estado avaliador” (NEAVE, 1998). No início da década de 2000, todas as nações europeias e a maioria das nações da Ásia e da América Latina já haviam seguido esse caminho (BILLING, 2004; HARVEY; ASKLING, 2003; DIAS SOBRINHO, 2003). Embora tais agências sejam diferentes entre os países, pesquisas revelam a predominância de um modelo geral com cinco características básicas: (1) coordenação exercida por uma entidade nacional especializada e legalmente constituída; (2) ênfase na autoavaliação institucional; (3) avaliação externa por pares acadêmicos, conduzida após o processo de autoavaliação; (4) publicação dos resultados das avaliações; e (5) pouca ou nenhuma relação entre os achados das avaliações e a alocação de recursos públicos (VAN VUGHT; WESTERHEIJDEN, 1993).

Muitos estudos já compararam as aplicações de iniciativas de garantia de qualidade entre países europeus (ALZAFARI; URSIN, 2019; GVARAMADZE, 2008). Menos prevalentes, no entanto, são as análises dos marcos regulatórios adotados em outros países. A experiência dos Estados Unidos da América (EUA), país pioneiro no desenvolvimento de marcos de garantia de qualidade, é geralmente omitida de tais análises, em parte porque tal experiência não adere ao modelo geral acima descrito. Porém, apesar de sua especificidade, a abordagem norte-americana sobre garantia de qualidade é instrutiva no contexto internacional, na medida em que enfrenta problemas e desafios comuns do ponto de vista mundial. O propósito deste artigo é oferecer um panorama crítico do modelo norte-americano, sintetizando sua história, características, problemas e controvérsias, em um esforço para extrair lições que sejam aplicáveis a outros países, inclusive o Brasil (SCHWARTZMAN, 2013; VERHINE; DANTAS, 2020).

GARANTIA DE QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR NOS ESTADOS UNIDOS

Nos Estados Unidos, onde a autoridade governamental tende a ser não apenas limitada, como também descentralizada, o controle de qualidade do ensino superior ocorre em três níveis. O primeiro nível envolve os governos estaduais, responsáveis por dar às instituições a autorização legal para operar. O processo de autorização varia de um estado a outro, às vezes envolvendo visitas institucionais, às vezes baseando-se apenas na análise de documentos submetidos, e, em alguns casos, utilizando os critérios aplicados a outros tipos de negócio naquele estado.

O segundo nível lida especificamente com a acreditação e é conduzido por agências não governamentais de escopo regional ou nacional. Há uma grande variedade dessas agências, e, na maioria dos casos, elas são criadas e financiadas pelas próprias instituições, atuando como um consórcio. Em alguns estados, o primeiro estágio depende do segundo, pois é necessária a acreditação para se obter a autorização. Quase todos os estabelecimentos de ensino superior dos EUA apresentam um selo de acreditação, mas nem todos os selos de acreditação garantem a qualidade. O número total de entidades acreditadoras é grande, mas muitas não adotam padrões rigorosos de avaliação.

Como resultado, há um terceiro nível, implementado na década de 1960, no qual o Departamento de Educação dos Estados Unidos [United States Department of Education] (USDE) determina a legitimidade das agências acreditadoras, com base no rigor de seus processos avaliativos. É importante notar que os EUA não possuem um ministério da educação ou outra autoridade centralizada que exerça controle sobre a qualidade da educação pós-secundária. A principal tarefa do USDE envolve a distribuição de recursos públicos, especialmente sob a forma de auxílios estudantis a alunos matriculados no ensino superior. Apenas instituições acreditadas por agências formalmente “reconhecidas” pelo USDE estão aptas a receber esses recursos. Em 2020, havia um total de 17 organizações aprovadas pelo USDE atuando na acreditação de universidades e faculdades. Seis delas eram agências regionais, e onze eram organizações nacionais, sendo que estas últimas se dividiam em dois grupos, relativos a empresas de base profissional [career-based], principalmente com fins lucrativos, e estabelecimentos de base religiosa [faith-based], respectivamente (UNITED STATES DEPARTMENT OF EDUCATION - USDE, s.d.).

Acreditação institucional

O segundo nível, aquele da acreditação institucional, é o mais intimamente relacionado com a garantia de qualidade do ensino superior, sendo, portanto, o foco deste estudo.1 Acredita-se que os EUA tenham sido o primeiro país a lidar de forma sistemática com a garantia de qualidade do ensino superior, pois as primeiras agências não governamentais de acreditação foram criadas em fins do século XIX. Diferentemente da maioria dos outros países, o ensino superior nos EUA não é diretamente controlado pelo governo federal, e, desde o início, o setor privado tem sido importante. Inicialmente, a grande maioria das instituições de ensino superior foi criada e mantida por grupos religiosos, para promover seus ensinamentos e preparar os poucos selecionados para a ocupação de papéis de liderança, tanto dentro da igreja quanto na comunidade mais ampla. Em fins do século XIX, a rápida expansão industrial criou uma demanda por profissionais formados em ciên- cia e pelo uso do conhecimento aplicado, o que levou alguns empresários ricos, como John Rockefeller, Leland Stanford e Johns Hopkins, a criar instituições não denominacionais, com o intuito de fomentar o aprendizado relevante ao desenvolvimento capitalista. Ao mesmo tempo, os estados, com apoio do governo federal, começaram a estabelecer suas próprias universidades, geralmente com o propósito de promover conhecimentos especializados nas áreas de educação, mecânica e agricultura. Essa miríade de diferentes instituições, sem uma autoridade abrangente, criou demandas não apenas por uma maior padronização, mas também por um mínimo de garantia de qualidade. Temendo ou desconfiando da intrusão governamental, as universidades se uniram em grupos de caráter regional, começando com a criação, em 1885, da Associação da Nova Inglaterra. Em 1895, quatro das seis acreditações atualmente em funcionamento já haviam sido criadas, e a maioria dos procedimentos então implementados continua em vigor até hoje. A abordagem regional foi apoiada pela existência, nos EUA, de “culturas regionais”, e também pelo fato de que, à época, a proximidade interinstitucional era necessária, devido às dificuldades de viagem. Em 1952, a intrusão governamental, outrora rejeitada, foi introduzida, na medida em que o governo federal determinou que seus recursos, oferecidos pela primeira vez na sequência da Segunda Guerra Mundial, para apoiar os estudos dos veteranos que retornavam, somente poderiam ser concedidos a instituições formalmente acreditadas.

Atualmente, a maior parte das chamadas universidades e faculdades “tradicionais”, com oferta de cursos de graduação de quatro anos, é acreditada por uma agência regional. Em sua maioria, as instituições acreditadas pagam taxas anuais à sua organização acreditadora. Aquelas que solicitam acreditação inicial geralmente pagam uma taxa de inscrição. Na maior parte dos casos, as visitas de avaliação são custeadas pela solicitante.

As seis acreditadoras regionais baseiam-se em protocolos similares entre elas, os quais são comumente encontrados em todo o mundo. Uma instituição que busque acreditação recebe, primeiramente, a confirmação de que sua solicitação é adequada. O processo leva, então, a um relatório de autoanálise produzido pela instituição, o qual, juntamente com outros documentos, é revisado por pares avaliadores designados para trabalhar dentro da instituição ou fora dela, ou ambos. As recomendações apresentadas pelo comitê revisor são examinadas por uma diretoria, que então decide se a acreditação deve ou não ser concedida. Uma vez acreditada, a instituição continua sujeita a supervisão e a mais revisões, em um ciclo regular. Embora as organizações acreditadoras promulguem padrões para assegurar e promover a qualidade educacional, elas não têm controle legal sobre as instituições avaliadas.

As visitas in loco por pares, tal como em muitos outros países, geralmente incluem quatro elementos. Primeiramente, antes da visita, a equipe revisora avalia os achados da autoavaliação, bem como informações complementares, à luz dos padrões de qualidade estabelecidos pela organização acreditadora, considerando também a missão e os objetivos da instituição em questão. A equipe frequentemente discute esses materiais em teleconferências, entre si e com representantes da administração da solicitante. Em segundo lugar, uma vez no local da revisão, os membros da equipe executam tarefas específicas, conduzem entrevistas com os atores relevantes e planejam discussões periódicas. As visitas in loco geralmente duram de dois a quatro dias. Em terceiro lugar, a equipe se reúne para comparar os achados, chegar a consensos e delinear um esboço do relatório que será submetido à agência acreditadora. Finalmente, a equipe ou parte dela se reúne com representantes institucionais para uma breve apresentação de seus achados e recomendações. Já foi estimado que, em nível nacional, aproximadamente 55 mil gestores universitários e membros de corpos docentes se voluntariam todos os anos para participar de processos de visita in loco (COUNCIL FOR HIGHER EDUCATION ACCREDITATION - CHEA, s.d.).

Para que uma agência acreditadora seja reconhecida pelo USDE, o processo é semelhante ao descrito acima, envolvendo uma solicitação formal, um relatório de autoanálise e uma visita in loco. O reconhecimento é geralmente válido por um período de cinco anos. Para ser inicialmente reconhecida, a organização deve funcionar por pelo menos dois anos, acreditar instituições que busquem participar de programas governamentais, e comprovar que obteve ampla aceitação entre líderes educacionais com relação a seus padrões, métodos de avaliação e decisões de acreditação. A organização acreditadora deve ser desvinculada e independente, ou seja, (1) os membros de seu órgão decisor não podem ser selecionados por uma instituição afiliada; (2) no mínimo um sétimo do órgão decisor deve ser composto por representantes do público em geral; (3) a agência deve ter estabelecido diretrizes para evitar conflitos de interesse entre seus tomadores de decisão; e (4) a agência determina seu próprio orçamento. Além disso, a agência deve possuir padrões de qualidade que tratem de dimensões como sucesso dos alunos, currículo, instalações físicas, capacidade fiscal e administrativa, serviços de apoio ao aluno e padrões de recrutamento e admissão, bem como apresentar evidências de haver cumprido os requisitos de empréstimo do USDE relacionados, por exemplo, à taxa de inadimplência em empréstimos estudantis e aos níveis de inserção satisfatória dos alunos no mercado de trabalho depois de formados (UNITED STATES DEPARTMENT OF EDUCATION - USDE, s.d.).

A Divisão de Faculdades e Universidades (WSCUC)

Para uma melhor compreensão da garantia de qualidade do ensino superior nos EUA, é útil examinar mais cuidadosamente uma das seis agências regionais, neste caso, a Divisão de Faculdades e Universidades [Senior College and University Division] (WSCUC) da Associação de Escolas e Faculdades do Oeste [Western Association of Schools and Colleges] (WASC). A WSCUC foi criada em 1962 com a finalidade de acreditar faculdades e universidades na Califórnia, no Havaí e em cinco territórios insulares do Pacífico controlados pelos EUA. A missão oficial da WSCUC consiste em garantir ao público que as instituições ajam com integridade, ofereçam resultados educacionais de alta qualidade e estejam comprometidas com um aprimoramento contínuo. Entre os documentos disponíveis no site da WSCUC, encontra-se um detalhado Manual de Acreditação [Handbook of Accreditation] (WESTERN ASSOCIATION OF SCHOOLS AND COLLEGES - WASC, 2013), elaborado com o intuito de apresentar os compromissos e padrões essenciais da organização, orientar as instituições no processo de revisão e auxiliar as equipes de avaliação em cada etapa da revisão. O conteúdo desse manual de 54 páginas oferece um código de boas práticas e conduta ética, além de trazer informações sobre o significado da acreditação, os valores subjacentes ao processo de acreditação e os padrões utilizados para avaliar a qualidade institucional. O manual traz ainda um panorama detalhado do processo de revisão, abordando o relatório de autoanálise, a revisão a distância e a visita in loco. Em seguida, discute as possíveis decisões que a agência pode tomar com base nas evidências acumuladas. O conteúdo é concluído com um detalhado glossário de termos relacionados ao processo de acreditação.

Os Padrões de Acreditação da WSCUC são compostos por quatro enunciados gerais e holísticos que refletem as boas práticas amplamente aceitas no ensino superior, respeitando, porém, a diversidade e autonomia institucionais. Os quatro padrões envolvem a definição dos propósitos e objetivos institucionais, o atingimento dos objetivos educacionais por meio de funções essenciais, o desenvolvimento e a aplicação de recursos para garantir a qualidade e a sustentabilidade, e a criação de uma organização comprometida com a garantia de qualidade, com o aprendizado institucional e com o aprimoramento contínuo. Há 39 Critérios de Revisão distribuídos entre os quatro padrões, e eles se destinam a ser utilizados pelas instituições em seus relatórios institucionais, por pares revisores na avaliação da instituição, e pelo corpo decisório da WSCUC na determinação final. Cada padrão é definido, e uma orientação é estabelecida, de modo a possibilitar que a instituição e os revisores avaliem se os padrões foram atendidos.

O processo de avaliação envolve os seguintes passos: a submissão de um relatório institucional de 12.000 a 20.000 palavras dez semanas antes da revisão a distância; uma revisão a distância, incluindo uma videoconferência com os representantes institucionais (um dia); um relatório preliminar da equipe; uma visita institucional, realizada seis meses após a revisão a distância (três dias); o relatório final; e uma recomendação confidencial transmitida pela equipe ao conselho diretor da WSCUC. A WSCUC oferece informações e orientações destinadas a preparar a instituição para o processo revisório, incluindo conferências, consultas e instrumentos de autoestudo, tais como uma planilha informacional e um inventário de indicadores de efetividade. O relatório de autoestudo deve abordar, entre outros componentes, o contexto institucional, o aprendizado dos alunos, a sustentabilidade financeira e as políticas internas de garantia de qualidade e aprimoramento. Para cada componente, o manual da WASC/WSCUC traz uma indicação em forma de pergunta, de modo a promover o pensamento reflexivo em nível institucional.

O órgão decisório da WSCUC decide sobre a acreditação com base no relatório da equipe e em documentos complementares. Ele pode reafirmar a acreditação por seis, oito ou dez anos, sendo a acreditação inicial concedida, geralmente, por seis anos, enquanto a renovação da acreditação é concedida, tipicamente, por dez anos. A comissão também pode negar ou retirar a acreditação, adiar medidas, emitir uma notificação formal de preocupação, ou estabelecer uma sanção sob a forma de advertência, um período de condicional (geralmente por dois anos) ou ainda uma solicitação para que a instituição “demonstre causa”, isto é, motivos pelos quais a acreditação não deveria ser encerrada. Todas as decisões, incluindo as sanções, são publicadas no site da WASC.

O desafio colocado pelo setor com fins lucrativos

Um grande desafio nos EUA diz respeito à garantia de qualidade dentro do setor privado com fins lucrativos do ensino superior. Os estabelecimentos com fins lucrativos representam um problema especial, pois há evidências substanciais de que a busca do lucro e a qualidade educacional não caminham de mãos dadas. Enquanto alguns argumentam que as forças do mercado geram competições saudáveis, as quais incentivam os estabelecimentos educacionais a atrair estudantes por meio da oferta de um produto atraente, outros sustentam que a maximização do lucro leva a cortes excessivos de custos, proporções aluno-professor muito altas e práticas comerciais inescrupulosas. Muitos países, especialmente na Europa, não permitem o ensino superior com fins lucrativos. Tais instituições são comuns em muitos países asiáticos, como a China, a Malásia e as Filipinas (KINSER; LEVY, 2007), mas são raras na América do Sul, sendo permitidas legalmente apenas no Peru e, desde 1997, no Brasil (KNOBEL; VERHINE, 2017).

Nos EUA, por outro lado, as empresas de ensino superior com fins lucrativos, frequentemente denominadas de instituições de carreira ou proprietárias [career/proprietary institutions], existem desde o século XIX, quando surgiram para responder a demandas por um ensino superior de caráter mais prático e direcionado ao emprego, demandas estas que não eram supridas pelos estabelecimentos mais tradicionais, onde se enfatizava uma educação clássica de caráter mais abstrato. O setor cresceu rapidamente após a Segunda Guerra Mundial, e, no início da década de 1970, a legislação nacional possibilitava que alunos de estabelecimentos com fins lucrativos recebessem financiamento estudantil custeado por recursos federais. Nos anos 1990, o setor passou por um processo de financeirização, com aportes de capital provenientes, cada vez mais, de fundos de investimento privado e participações no mercado acionário (ANGULO, 2016). Entre 2000 e 2010, o número de matrículas em cursos de graduação do setor com fins lucrativos dos EUA aumentou 329%, chegando a quase 2 milhões de alunos, o que representa aproximadamente 10% de todos os alunos do ensino superior no país (HENTSCHKE; LECHUGA; TIERNEY, 2010). Esse rápido crescimento foi alimentado pela demanda de alunos tipicamente excluídos das instituições tradicionais, tais como aqueles que já estavam empregados, que pertenciam a minorias e/ou que haviam retornado recentemente do serviço militar. Foi também impulsionado pela utilização massiva da educação a distância, a qual, segundo o Departamento de Educação dos EUA, atualmente constitui cerca de 60% de toda a oferta de ensino superior com fins lucrativos do país (UNITED STATES DEPARTMENT OF EDUCATION - USDE, s.d.).

Entretanto, desde a sua origem em 1800, os estabelecimentos com fins lucrativos têm sido amplamente criticados por fraudes e outras formas de comportamento comercial antiético. Nos últimos anos, ações judiciais movidas por alunos descontentes, além de medidas disciplinares por parte dos estados e do governo federal contra componentes da indústria com fins lucrativos, têm se tornado comuns. O problema ético é especialmente evidente com relação aos processos de recrutamento, nos quais se utilizam táticas de alta pressão para atrair novos alunos, inclusive com promessas exageradas sobre o nível da qualidade educacional e sobre a probabilidade de se conseguir um bom emprego. No entanto, estudos revelam que um grande número de alunos não consegue concluir seus estudos, não obtém o emprego que espera e sofre com o peso de dívidas enormes. Assim, de acordo com um recente livro de A. J. Angulo (2016), as instituições com fins lucrativos dos EUA tapearam os alunos, os contribuintes e o sonho americano. Um segundo livro, este de autoria de David Halperin (2014), faz uma acusação similar, argumentando que essas instituições defraudam os contribuintes e arruínam as vidas dos alunos. Uma prestigiosa comissão do senado norte-americano chegou a uma conclusão semelhante, sustentando que as instituições com fins lucrativos falham em garantir o sucesso discente e não salvaguardam os investimentos do governo federal em empréstimos (UNITED STATES SENATE, 2012). É principalmente devido a publicações como essas que o total de matrículas no segmento com fins lucrativos dos EUA diminuiu mais de 50% entre 2010 e 2017, e atualmente responde por apenas 5% de todos os alunos do ensino superior do país (NATIONAL CENTER FOR EDUCATION STATISTICS - NCES, 2018).

São muito poucas as instituições com fins lucrativos acreditadas por uma das seis agências acreditadoras regionais. A maioria é acreditada por entidades nacionais, muitas das quais criadas pelas próprias instituições para lhes conferir um selo que denote um nível mínimo de qualidade institucional. Apenas um pequeno número dessas agências é oficialmente reconhecido pelo USDE, e as duas organizações mais importantes do tipo são o Conselho Acreditador para Faculdades e Escolas Independentes [Accrediting Council for Independent Colleges and Schools] (ACICS) e a Comissão Acreditadora de Escolas e Faculdades de Carreira [Accrediting Commission of Career Schools and Colleges] (ACCSC) (CHEA, s.d.). Embora essas agências adotem procedimentos semelhantes aos anteriormente descritos com relação às acreditadoras regionais, elas são amplamente criticadas por utilizar padrões complacentes e fazer vistas grossas à persistência de fraudes no setor. O USDE cancelou a aprovação da ACCSC em 2016, mas ela foi reintegrada no ano seguinte (SHIREMAN, 2019).

Além de aprovar (ou reprovar) as acreditadoras de instituições de ensino com fins lucrativos, o USDE instituiu, entre 1992 e 2016, uma série de regras específicas que tais instituições devem cumprir para que possam receber recursos federais. Incluem-se aí as seguintes normas:

  1. Os recrutadores não podem ser remunerados de acordo com o número de alunos recrutados.

  2. Ao menos 10% das receitas da instituição devem vir de outras fontes que não o governo federal.

  3. As instituições devem divulgar os índices de conclusão de curso e inserção profissional, bem como disponibilizar informações sobre os níveis de custos e dívidas.

  4. O índice de inadimplência de empréstimos federais entre os alunos de uma instituição não deve exceder 40% em um mesmo ano ou uma média de 30% para três anos consecutivos.

  5. Os alunos formados por uma instituição devem estar satisfatoriamente empregados, de modo a permitir que seu nível de endividamento não exceda 30% de sua renda discricionária ou 12% de sua renda total, por um período de quatro anos.

Tanto Halperin (2014) quanto Shireman (2019) argumentam que essas regras não são suficientes para reduzir os abusos da indústria do ensino superior com fins lucrativos. Nesse sentido, a significativa redução de tamanho do setor a partir de 2010 pode ser vista como uma tendência positiva.

UMA AVALIAÇÃO DA ABORDAGEM NORTE-AMERICANA SOBRE A GARANTIA DE QUALIDADE

O modelo norte-americano de garantia de qualidade do ensino superior tem sido visto tanto de forma positiva quanto de forma negativa por especialistas em avaliação institucional. Ele é muito similar aos marcos de garantia de qualidade adotados em outros lugares, na medida em que valoriza a autoavaliação institucional e as visitas in loco realizadas por comissões compostas por pares acadêmicos, e resulta em uma decisão binária (sim/não) com relação à acreditação, confirmando o cumprimento de padrões mínimos preestabelecidos. Entretanto, a abordagem diverge do modelo geral analisado em detalhes por Van Vught e Westerheijden (1993).

Conforme se observou, nos EUA, a acreditação não determina o direito legal da instituição de existir, e ela é conduzida por uma miríade de organizações não governamentais que operam nacionalmente ou regionalmente. A qualidade da agência acreditadora é avaliada pelo USDE, com o intuito de decidir quais organizações fazem jus ao recebimento de recursos públicos. Em contraste, na maioria dos outros países, inclusive no Brasil, a avaliação da qualidade de grande parte das instituições de ensino superior é conduzida pelo governo nacional por meio de uma agência central que coordena e assume a responsabilidade pela tarefa. As instituições avaliadas somente podem funcionar de forma legal se sua avaliação confirmar que os padrões mínimos de qualidade foram atendidos.

A abordagem descentralizada e não oficial adotada pelos EUA tem sido amplamente criticada.2 Segundo seus detratores, o modelo é excessivamente complexo e fragmentado, e não se pauta por padrões uniformes em escala nacional. A decisão binária não incentiva o aprimoramento institucional e não permite comparações interinstitucionais. Embora as instituições não precisem ser acreditadas para operar, a acreditação tem implicações econômicas, na medida em que deve ser conferida por uma organização reconhecida pelo USDE para que as instituições possam receber dinheiro público. A ligação entre a acreditação e o custeio por parte do governo federal tem levado a uma maior padronização dos requisitos em nível nacional, o que responde a um conjunto de críticas, mas acaba gerando outro, pois alguns críticos argumentam que a uniformidade enfraquece o reconhecimento da diversidade regional e a autonomia institucional.

Outras críticas amplamente documentadas em relação à acreditação educacional praticada nos EUA enfatizam a necessidade de maior transparência (as decisões avaliativas são relatadas, mas os relatórios de avaliação raramente são disponibilizados de forma pública), de melhoria na relação custo-benefício, e de maior presença de representantes do público (ou seja, externos ao meio acadêmico) nos conselhos e equipes de avaliação. Muitos detratores asseveram a necessidade de maior ênfase nos resultados gerados em relação aos recursos investidos, bem como de uma diferenciação mais clara entre instituições fortes e fracas (mas sem a utilização de rankings). Outros argumentam que a ausência de um sistema de ranking institucional implica fracos incentivos à melhoria, tornando impossíveis as comparações institucionais, geralmente cruciais para as decisões dos alunos.

Entretanto, muitos analistas elogiam o modelo norte-americano. Por ser relativamente independente em relação a intrusões governamentais, ele protege a autonomia institucional e minimiza as chances de interferências políticas inapropriadas. Além disso, o fato de as instituições não serem classificadas em termos de qualidade é geralmente visto como algo positivo, pois uma única escala de graduação não leva adequadamente em conta a diversidade institucional e negligencia muitas variáveis importantes e de difícil mensuração. Ademais, o uso de rankings tende a enfraquecer a perspectiva holística almejada pela combinação de avaliações internas e externas.

Outro aspecto importante da acreditação praticada nos EUA é a preocupação com o aprendizado dos alunos. Embora a abordagem norte-americana tenha recebido críticas por se concentrar mais nos investimentos do que nos resultados, a questão do aprendizado é priorizada nos documentos que as seis agências regionais produzem sobre seus procedimentos de avaliação, sendo especialmente enfatizada dentro do componente de autoavaliação institucional. O manual da WASC/WSCUC, por exemplo, indica que os relatórios dos estudos de autoavaliação devem dedicar dois capítulos ao aprendizado dos alunos, um deles tratando das competências e desempenho essenciais alcançados quando da conclusão do curso, e o outro estabelecendo medidas de sucesso discente (WESTERN ASSOCIATION OF SCHOOLS AND COLLEGES - WASC, 2013). Para atender às exigências de acreditação, as instituições tipicamente avaliam o aprendizado indiretamente, utilizando indicadores como os seguintes: o índice de aprovação, reprovação e conclusão dos alunos; a satisfação dos alunos, ex-alunos e empregadores; e o sucesso dos formados, após a graduação, no mercado de trabalho (SHAVELSON, 2009). Algumas adotam indicadores mais diretos de aprendizado, analisando, inclusive, observações de classe, a produção textual e trabalhos de conclusão de curso, a produção resultante de grupos de trabalho focados em tarefas específicas, e registros em vídeo da argumentação dos alunos (ROKSA; ARUM; COOK, 2016). Quase todas enfatizam avaliações dos professores pelos alunos, por meio de questionários, entrevistas e grupos focais. De fato, na maioria das instituições dos EUA, a avaliação que o professor recebe dos alunos é crucial para a manutenção de seu emprego e para o progresso na carreira.

Alguns estudiosos do país também têm proposto uma prova nacional para medir o aprendizado no ensino superior (GILLEN; BENNETT; VEDDER, 2010). Mas a posição predominante por parte dos envolvidos na acreditação do ensino superior é fortemente contrária ao uso de tal medida. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recentemente abandonou um esforço internacional massivo de criação de um exame semelhante ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes [Programme for International Student Assessment] (Pisa) para alunos do ensino superior, em parte devido às dificuldades técnicas relacionadas com a comparação entre países, e em parte devido a discordâncias políticas entres as nações participantes (ALTBACH, 2015). Nos EUA, existem atualmente vários exames de ensino superior disponíveis no mercado, mas seu uso pelas instituições ou cursos é voluntário, e eles tendem a se concentrar no pensamento crítico, no raciocínio analítico e na capacidade de resolução de problemas, e não em conteúdos de conhecimento (SUSKIE, 2018).

Um panorama da abordagem norte-americana sobre a avaliação do ensino superior sugere que ela tende a ser mais flexível e interativa do que a sistemática altamente estruturada encontrada em outros países. Nos EUA, os instrumentos são geralmente de respostas abertas, com foco na informação a ser qualitativamente avaliada. Além disso, os membros das comissões são selecionados de acordo com as necessidades e características específicas da instituição, e geralmente incluem profissionais sugeridos pelas próprias instituições. A interação entre os avaliadores e a instituição que os recebe em geral se estende por vários meses e inclui uma quantidade de tempo considerável antes e depois da visita in loco para a coleta de dados e transmissão de orientações. No caso da WSCUC, por exemplo, há um pe- ríodo de dez semanas separando as fases de avaliação a distância e in loco, e, durante esse intervalo, a equipe revisora geralmente mantém contato com a instituição, solicitando esclarecimentos e justificativas, com base nas informações coletadas. No entanto, a tendência personalística adotada nos EUA tem sido criticada na literatura relevante por criar um sistema cartelizado de reciprocidade entre pares que mantém padrões baixos, desincentiva a inovação e sobrepõe os interesses das instituições de ensino superior aos do público em geral (GILLEN; BENNETT; VEDDER, 2010). Esse último ponto de vista é altamente controverso dentro da comunidade de acreditação dos EUA, mas, tal como outras questões intensamente debatidas, gera reflexões sobre quais seriam as melhores formas de se criarem modelos de acreditação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Claramente, não existe um único melhor modelo de acreditação de instituições de ensino superior. Os relativos pontos fortes e fracos das diferentes abordagens nacionais devem ser julgados à luz das realidades sócio-históricas que alicerçam cada país. A experiência construída ao longo do tempo nos EUA proporciona referências úteis para se analisarem, a partir de uma perspectiva comparativa, os marcos adotados em outros lugares, com o intuito de garantir a qualidade do ensino superior em escala global.

A análise aqui apresentada oferece várias recomendações que podem ser sintetizadas conforme segue:

  1. A acreditação deve se concentrar nos resultados, mais do que nos investimentos, enfatizando o que o aluno aprende com sua experiência no ensino superior.

  2. A acreditação deve operar de forma eficiente e econômica, simplificando os relatórios institucionais e reduzindo o tempo entre as etapas iniciais do processo e a decisão conclusiva.

  3. A acreditação deve respeitar a diversidade e a autonomia institucionais, realizando todos os julgamentos à luz da missão declarada do estabelecimento.

  4. A acreditação deve incentivar a inovação, especialmente com relação à descoberta de novas formas de promover aprendizados discentes propícios à cidadania, ao empreendedorismo, à empregabilidade e ao comportamento ético.

  5. A acreditação deve ser mais transparente, disponibilizando os relatórios avaliativos ao público e incentivando fortemente as instituições a fornecer informações sobre os achados das autoavaliações e sobre os indicadores referentes ao sucesso discente.

  6. A acreditação deve aumentar o número de membros não acadêmicos, tanto do setor público quanto do privado, que integram os processos revisores e decisórios, aumentando, assim, a probabilidade de que tais processos sirvam ao público em geral.

  7. A acreditação deve priorizar a autoavaliação institucional, de modo a fortalecer uma cultura interna participativa que promova a inovação, melhore o desempenho acadêmico e proporcione uma maior prestação de contas à comunidade atendida pela instituição.

  8. A acreditação deve buscar constantemente elevar e expandir seus padrões de avaliação, de modo a incluir, por exemplo, resultados de inserção profissional dos alunos, internacionalização do currículo, níveis de financiamento de pesquisa, e parcerias com a indústria, assegurando, assim, que as instituições respondam adequadamente às constantes mudanças em seu ambiente geral.

  9. A acreditação deve reconhecer e utilizar como base padrões que sejam de escopo internacional, possibilitando comparações a partir de uma perspectiva global (e não apenas nacional).

Para implementar eficazmente as recomendações acima, devem-se realizar esforços no sentido de unificar, em escala nacional, os sistemas de avaliação e regulação do ensino superior. A criação de padrões consistentes e nacionais de qualidade do ensino superior tem sido prejudicada nos EUA, bem como em muitos países, pela existência de múltiplos marcos de avaliação que funcionam paralelamente uns aos outros. De uma perspectiva comparativa, a rede de avaliação/acreditação dos EUA é excepcionalmente heterogênea, composta por uma miríade de agências regionais e nacionais separadas por tipo de instituição e área de ensino, e divididas ainda mais com relação a serem ou não reconhecidas pelos governos federal e/ou estaduais. Essa fragmentação dos procedimentos de avaliação e regulação tem sido historicamente favorecida por um forte e constitucionalmente determinado federalismo governamental, e reforçada por um ethos histórico que valoriza a descentralização social e política (ANTONIO; CARNOY; NELSON, 2018). Embora tenha havido esforços nos EUA para se criar uma maior unidade avaliativa, o sucesso de tais iniciativas tem sido dificultado por barreiras sociais, culturais e políticas arraigadas. Assim, o atingimento de uma maior unidade na avaliação do ensino superior exige um forte compromisso por parte do governo federal, agindo principalmente por meio de seu Departamento de Educação, com o emprego de incentivos (financiamento, entre outros), a criação de comissões nacionais apropriadas e a utilização de sua “tribuna” para conscientizar as partes interessadas no ensino superior sobre as vantagens de uma rede nacional de avaliação/regulação. Outros países, especialmente aqueles baseados no federalismo, devem considerar ações semelhantes (CARNOY et al., 2018).

Finalmente, é importante reconhecer que, embora a garantia de qualidade do ensino superior tenha sido um tema importante por mais de 30 anos, melhorias são claramente necessárias, e comparações internacionais, como a apresentada neste estudo, podem sugerir lições valiosas e promover reflexões coletivas úteis.

REFERÊNCIAS

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1 Salvo quando diversamente especificado, a descrição da acreditação do ensino superior nos EUA apresentada neste trabalho baseia-se em Eaton (2012) e Gaston (2014), complementados por informações provenientes do USDE, de sites de acreditadoras regionais, e de entrevistas com profissionais de acreditação conduzidas pelo autor em 2016.

2 As críticas acima aparecem em numerosos trabalhos e também surgem da experiência de Verhine como pesquisador da Universidade de Stanford em 2016. Publicações relevantes incluem a do American Council on Education - ACE (2012), a do American Council of Trustees and Alumni - ACTA (2007), a de Dickeson (2006), bem como a de Gillen, Bennett e Vedder (2010).

AGRADECIMENTOS

O autor agradece ao Lemann Center, Stanford University, pelo financiamento do estudo, e à Lys Vinhaes Dantas, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, por suas valiosas contribuições.

Recebido: 24 de Setembro de 2021; Aceito: 20 de Junho de 2022

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Tradutor freelancer, São Paulo-SP, Brasil

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