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Estudos em Avaliação Educacional

versión impresa ISSN 0103-6831versión On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.33  São Paulo  2022  Epub 23-Nov-2022

https://doi.org/10.18222/eae.v33.8696 

Artigos

DISCURSOS SOBRE AVALIAÇÃO EDUCACIONAL NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO

DISCURSOS SOBRE EVALUACIÓN EDUCACIONAL EN LA RED MUNICIPAL DE EDUCACIÓN DE SÃO PAULO

DISCOURSES ON EDUCATIONAL EVALUATION IN THE MUNICIPAL SCHOOL NETWORK OF SÃO PAULO

MAURICIO DE SOUSAI 
http://orcid.org/0000-0002-4259-6901

MARA REGINA LEMES DE SORDIII 
http://orcid.org/0000-0003-1216-7185

IUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas-SP, Brasil

IIUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas-SP, Brasil


RESUMO

A avaliação educacional tornou-se uma das categorias centrais na elaboração das políticas educacionais. Este artigo faz uma análise dos discursos que influenciaram a trajetória da avaliação educacional da rede municipal de ensino de São Paulo, no período de 1990 a 2016. Fundamentadas nos pressupostos teórico-metodológicos desenvolvidos por Stephen Ball, são examinadas entrevistas com 12 dos principais operadores das políticas educacionais dessa rede de ensino. Conclui-se que, mesmo com resistência e negação em alguns momentos, essa rede de ensino passou a adotar um discurso de viés neoliberal, reduzindo a concepção de educação e avaliação somente à necessidade de melhoria nos resultados dos exames externos.

PALAVRAS-CHAVE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO; POLÍTICAS PÚBLICAS; GERENCIALISMO.

RESUMEN

La evaluación educacional se convirtió en una de las categorías centrales en la elaboración de las políticas educativas. El presente artículo analiza los discursos que influyeron la trayectoria de evaluación educacional de la red municipal de educación de São Paulo, en el periodo de 1990 a 2016. En base a los presuposiciones teórico-metodológicas desarrolladas por Stephen Ball, se examinan entrevistas con 12 de los principales operadores de las políticas educativas de esta red de educación. Se concluye que, a pesar de la resistencia y la negación en algunos momentos, dicha red de educación pasó a adoptar un discurso de sesgo neoliberal, reduciendo la concepción de educación y evaluación tan solo a la necesidad de mejorar los resultados de los exámenes externos.

PALABRAS CLAVE EVALUACIÓN EDUCACIONAL; POLÍTICAS PÚBLICAS; GESTIÓN.

ABSTRACT

Educational evaluation has become one of the central categories in the development of educational policies. This article analyzes the discourses that have influenced the direction of educational evaluation in the municipal school network of São Paulo, from 1990 to 2016. Based on the theoretical and methodological assumptions developed by Stephen Ball, we analyzed interviews with 12 of the main actors of educational policies of this school network. We concluded that, even with occasional resistance and denial, this school network has adopted a discourse of neoliberal bias, reducing the conception of education and evaluation only to the need for improvement in the results of external tests.

KEYWORDS EDUCATIONAL EVALUATION; PUBLIC POLICIES; MANAGERIALISM.

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a avaliação educacional tornou-se uma categoria essencial para pensar e planejar as políticas educacionais. Essa centralidade reflete muitas vezes uma política de caráter neoliberal, compreendendo a categoria avaliação educacional como instrumento de monitoramento e controle da eficácia e eficiência dos serviços públicos. Essa concepção é preconizada por duas tecnologias, como analisa Ball (2012): gerencialismo e performatividade.

Essas duas tecnologias têm adentrado as políticas educacionais brasileiras desde os anos 1990, sob a influência do Ministério da Educação e Cultura (MEC), por meio de sua política de avaliação educacional em larga escala, que, por sua vez, é influenciada por recomendações de instituições internacionais como Banco Mundial (BM) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Essas instituições têm construído um discurso homogeneizador e reducionista, em que o desempenho dos estudantes nas avaliações externas representa a qualidade da educação.

Partindo desse cenário e dos pressupostos teóricos propostos por Ball (2002, 2012), este artigo faz uma análise da trajetória da avaliação educacional da rede municipal de ensino de São Paulo (RMESP), desde antes do domínio desse discurso homogeneizador e reducionista, no início dos anos 1990, até o ano de 2016. Por meio das falas de ocupantes dos principais cargos de comando da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SMESP), verificou-se que, durante essa trajetória, surgiram algumas vozes resistentes a esse discurso de caráter neoliberal, porém as políticas educacionais dessa rede de ensino estão cada vez mais impregnadas da cultura da performatividade e do gerencialismo.

ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Para Ball (2002), as pesquisas sobre as políticas públicas devem ir além da clássica construção analítica: formulação, implementação e avaliação, bem como entender que todo esse processo de estabelecimento das políticas não se restringe ao controle do Estado. Portanto, as políticas são constituídas em um campo que envolve diferentes contextos e atores, em constantes disputas.1 Assim, Ball (2002, p. 20) considera a política como texto e discurso, sempre destacando que “[...] a política não é uma ou outra, mas ambas”.

A política como texto é materializada em documentos, legislações, atas, publicações, etc. Todavia esses textos têm uma pluralidade de leitores, o que resulta em diversos significados, isto é, há um campo de atuação de diferentes atores na política (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016). Por essa razão, não podemos dizer que todas as políticas são aplicadas da forma como foram pensadas por seus formuladores. Isso significa que os atores envolvidos nessas políticas são capazes de fazer suas interpretações e traduções (aceitando, negando ou resistindo).

Essa pluralidade de leitores e leituras, interpretações e traduções, por parte dos atores envolvidos, significa que a política se dá em um campo de disputas, e que elas caracterizam os discursos, ou seja, a política como discurso. Ball (2002, p. 26) fundamenta-se em Foucault para definir o que é discurso, caracterizado da seguin- te maneira:

Os discursos são sobre o que pode ser dito e pensado, mas também sobre quem, quando, onde e com que autoridade pode falar. Os discursos incorporam significados e usam proposições e palavras. Desta forma, certas possibilidades de pensamento são construídas. As palavras são organizadas e combinadas de uma maneira particular, removendo ou excluindo outras combinações.

Portanto, pensar a política como discurso possibilita entender que os atores constroem seus discursos e permitem também conhecer o próprio sujeito, as subjetividades, os valores. Para Ball (2015, p. 2, destaque do autor), recorrendo a Foucault, pensar a política como discurso significa pensar “[...] como os discursos são construídos e como eles mudam, mas também como eles moldam todos os dias da existência, isto é, em parte, pelo menos, como eles ‘formam os objetos de que falam’”. Logo, para o autor, as políticas estabelecidas pelo Estado são compostas de discursos (dos atores envolvidos, das instituições, organizações, etc.) e, ao mesmo tempo, podem ser reconfiguradas por novos discursos, ou interpretadas de maneiras diferentes pelos sujeitos, que não apenas são moldados pelos discursos, mas também têm seus próprios discursos, ou seja, em certa medida, “[...] não fazemos política, a política nos faz” (BALL, 2015, p. 307).

Isso significa que o estudo das políticas educacionais, nesse caso, deve atentar às seguintes questões: Quais discursos são difundidos? Por quem? Para quem? Dessarte, ao analisarmos as políticas educacionais, em especial os discursos das políticas de avaliação educacional desde os anos 1980, de acordo com Ball (2004), notamos o avanço da política neoliberal, com a difusão de discursos de caráter economista e mercadológico defendendo elementos empresariais - como eficiência, produtividade e meritocracia - para melhoria da qualidade da educação. Esse discurso influenciou diversas reformas educacionais no mundo inteiro, baseadas em duas tecnologias: o gerencialismo e a performatividade.

O gerencialismo, para Ball (2012, p. 38), é uma tecnologia política com “[...] a distribuição calculada de técnicas e artefatos para organizar forças e capacidades humanas em redes operacionais e funcionais de poder”. Assim, o gerencialismo não está restrito apenas às mudanças burocráticas ou de desregulamentação, mas também abarca o estabelecimento de novos “[...] processos de controle de re-regulação; [que] representam não propriamente o abandono por parte do Estado dos seus mecanismos de controle, mas sim o estabelecimento de uma nova forma de controle” (BALL, 2001, p. 104).

Por sua vez, a performatividade é definida por Ball (2012, p. 37, destaque do autor) a partir das ideias de Lyotard, sendo entendida como

[...] uma cultura e um modo de regulação que emprega avaliações, comparações e demonstrações como meios de controle [...]. Ela é alcançada através da construção e publicação de informações, indicadores e outros desempenhos institucionais e de materiais promocionais como mecanismos para animar, avaliar e comparar profissionais em termos de resultados, a unidade (de medida) para nomear, diferenciar e classificar - como, por exemplo, através do “padrão de excelência”.

A partir desses conceitos, analisamos a trajetória da política de avaliação educacional da RMESP no período de 1990 a 2016, considerando as construções discursivas dos principais operadores das políticas educacionais municipais de São Paulo.

Coleta de dados

Para captar os discursos presentes nas políticas de avaliação educacional da RMESP, recorreu-se à entrevista na modalidade semiestruturada (MANZINI, 2012), ouvindo2 os ocupantes dos cargos de comando, ou seja, operadores diretamente envolvidos no processo de materialização das políticas adotadas.

Conforme mostrado no Quadro 1, foram entrevistados 12 operadores das políticas, sendo 2 de cada governo no período de 1989 a 2016: 4 ex-secretários de educação e 8 ex-diretores da Diretoria de Orientações Técnica-Pedagógica (DOT-P),3 aos quais cabe o processo de operacionalização das políticas educacionais propostas pelo governo. Esses operadores são responsáveis pela materialização da política (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016), principalmente no tocante à produção de textos legais, materiais pedagógicos, orientações e formação continuada aos professores.

QUADRO 1 Número de entrevistados 

SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃO NOMEADOS DIRETORES DA DOT NOMEADOS EX-SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃO ENTREVISTADOS EX-DIRETORES DA DOT ENTREVISTADOS
Luiza Erundina - 1989 a 1992 2 1 1 1
Paulo Maluf - 1993 a 1996 1 2 0 2
Celso Pitta - 1997 a 2000 4 8 0 2
Marta Suplicy - 2001 a 2004 3 3 1 1
José Serra - 2005 a 2006 1 2 0 0
Gilberto Kassab - 2007 a 2012 1 1 1 1
Fernando Haddad - 2013 a 2016 3 4 1 1
Total 15 21 4 8

Fonte: Elaboração dos autores.

No processo de escolha dos entrevistados de cada governo, inicialmente objetivou-se entrevistar o primeiro secretário de educação e o diretor da DOT nomeados no início de cada governo, o qual, em nosso entendimento, seria o responsável pela formulação das políticas educacionais do governo em questão. Entretanto esse procedimento não se mostrou eficaz, pois os primeiros secretários dos governos Luiza Erundina, Paulo Maluf e José Serra haviam falecido. Em outra situação, não encontramos o primeiro secretário de educação nomeado no governo Celso Pitta. Por fim, o primeiro secretário de educação do governo Marta Suplicy estava trabalhando na SMESP durante o governo Fernando Haddad e preferiu conceder a entrevista sobre esse último governo de que estava participando.

Diante dessas dificuldades, resolvemos entrar em contato (por e-mail ou telefone) com todos os ex-secretários e ex-diretores de DOT e garantir a entrevista com dois membros de cada governo.

As entrevistas4 aconteceram de setembro de 2016 a fevereiro de 2018, em locais estabelecidos pelo entrevistado, com duração de 40 minutos a 1 hora; elas foram gravadas em arquivo mp4 e depois transferidas para um arquivo de computador para serem ouvidas e transcritas pelo pesquisador.

A fim de garantir o anonimato dos entrevistados, adotamos um sistema de siglas idêntico para todos eles. Assim, a sigla E significa entrevistado, e o número segue a ordem em que foram realizadas as entrevistas, ou seja, E1 corresponde ao 1º entrevistado pelo pesquisador e assim por diante. Em seguida, informam-se o dia, mês e ano em que a entrevista ocorreu. Entendemos necessário o uso da mesma sigla para os entrevistados, pois, se fosse adotada uma sigla para o secretário e outra para o diretor de DOT, a identificação seria facilitada. Esse procedimento também justifica o uso do número sequencial, uma vez que entrevistamos esses atores de acordo com a agenda disponibilizada por eles, e não na sequência dos governos.

O SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA

A trajetória política do sistema nacional de avaliação brasileiro, de acordo com vários autores (BONAMINO, 2013; FREITAS, 2007; GATTI, 2014), consolida-se a partir de 1990, com a criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), e tem como características: a centralização do governo federal nesse processo e o uso de exames em larga escala para aferir o desempenho dos estudantes.

Até consolidar o Saeb, o governo federal vinha demarcando sua posição na política de avaliação educacional havia muito tempo. Para Freitas (2007), esse processo iniciou-se na década de 1930, com a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 1937, estabelecendo a ideia do Estado de quantificar, medir a educação brasileira; “[...] para esta tarefa foi se constituindo um corpo de técnicos e de expertise, em que o uso da estatística era fundamental para o planejamento educacional” (FREITAS, 2007, p. 9).

Em consonância com essa formação técnica, no final dos anos 1970 e início da década seguinte, o cenário da educação brasileira provocou novas discussões, entre elas a questão da qualidade. Nesse período, iniciou-se o processo de democratização do acesso das camadas populares à escola pública, e, como consequência, a qualidade da educação foi posta em xeque. Um dos problemas à época era a retenção em massa dos estudantes na educação básica, que levava a questionar o quanto a avaliação contribuía para esse processo, visto que esse instrumento era muitas vezes utilizado para a classificação e a exclusão dos estudantes.

Foi nesse contexto que começaram as experiências de avaliação em larga escala, organizadas pelo MEC, para verificar o rendimento dos estudantes brasileiros. A primeira experiência foi o Projeto Edurural, que, entre 1982 e 1986, “[...] aplicou provas de português e matemática a alunos da 2ª e 4ª séries do Ensino Fundamental em 603 escolas rurais dos estados do Ceará, Piauí e Pernambuco” (BONAMINO, 2013, p. 46). O foco eram as escolas multisseriadas desses estados, coletando, além do rendimento, dados intraescolares e socioeconômicos.

Na tentativa de compreender as questões sobre evasão, retenção e rendimento escolar, em 1987 o MEC propõe nova avaliação de rendimento escolar para algumas capitais brasileiras: a Avaliação do Rendimento de Alunos de Escolas de 1º grau da Rede Pública. Essa experiência já indicava uma mudança de rumo do MEC, “[...] levando-o a ter um papel orientador e um papel avaliador como referência para políticas e avanços na área da educação básica” (GATTI, 2014, p. 17).

Nos anos 1990, o governo federal iniciou um processo de reformas, influenciadas pela globalização da economia, com o objetivo de estabelecer uma nova gestão pública, pautada pelos princípios de eficiência, eficácia e produtividade. Para que isso ocorresse, seria necessário que o Estado avaliasse e monitorasse suas políticas.

As premissas para essa nova gestão do serviço público respaldavam-se na Constituição Federal, aprovada em 1988, e apresentavam três frentes de atuação para a administração pública brasileira:

[...] a profissionalização da burocracia - particularmente com a universalização do instituto do concurso público -, definição de mecanismos de controle e publicização do Poder Público e a descentralização das políticas públicas, rompendo com a tradição centralizadora do estado brasileiro pós-Vargas. (ABRÚCIO, 2011, p. 121).

Essas reformas do Estado brasileiro, mesmo iniciadas nos governos de Fernando Collor de Melo e Itamar Franco (1990 a 1994), foram consolidadas somente durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), continuando nos governos petistas. Com essas reformas, o governo federal passou a adotar uma “agenda por resultados” caracterizada como

[...] un método concebido para lograr un estado continuo de revisión, evaluación y “mejora” en las organizaciones [...]. En la práctica, la gestión de resultados se apoya en el aumento del uso de bases de datos, en reuniones de evaluación, revisiones anuales, elaboración de informes, visitas de supervisión de la calidad. (BALL; YOUDELL, 2007, p. 44, destaque do autor).

Essas reformas são justificadas porque o serviço público é caracterizado por ser: burocrático, rígido e ineficiente; em contrapartida, no gerencialismo, há uma administração gerencial, flexível e eficiente. Desse modo, o Estado precisa reduzir sua intervenção nos assuntos da economia (Estado mínimo - princípio neoliberal) e garantir seu papel de regulador (Estado-avaliador).

Será nesse processo de implementação das concepções gerencialistas que o governo federal instaurará o novo ciclo de avaliação externa em larga escala, o Saeb, consolidado em dezembro de 1994. Para Gatti (2014, p. 19), essa nova avaliação tinha

[...] a intenção declarada era trazer a público os resultados, de um lado, para prestar contas públicas sobre os resultados educacionais, e de outro, na intenção de influir nos planejamentos e currículos, provocando a busca de formas de superação da precária situação das aprendizagens escolares.

O Saeb é um exame aplicado bienalmente, com foco no rendimento dos estudantes e sob a gerência do Inep. Entre as várias mudanças ocorridas no Saeb, em seus primeiros trinta anos, destaca-se a que aconteceu em 2005, quando esse sistema passou a ser composto de duas avaliações: Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) - avaliação amostral das redes públicas e privadas; e Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), conhecida como Prova Brasil - que avalia de forma censitária as escolas com no mínimo trinta estudantes matriculados na última etapa dos anos iniciais e/ou dos anos finais do ensino fundamental de escolas públicas.

A criação da Prova Brasil trouxe grandes impactos para o estabelecimento das políticas educacionais em todo o país. Entre eles, a publicização dos resultados do exame produziu “consequências simbólicas”: por um lado, as equipes gestoras e professores poderiam ser responsabilizados; por outro, pais e comunidade poderiam mobilizar-se para pressionar esses atores para a melhoria da qualidade da educação - entendida muitas vezes apenas como melhor resultado nos exames (BONAMINO; SOUSA, 2012). Ao mesmo tempo, a divulgação cada vez mais ampla dos resultados contribuiu para a difusão do discurso de que a performance é o objetivo da educação (BALL, 2004).

Esse processo de difusão da cultura da performatividade foi ampliado, em 2007, com a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que é composto pelo fluxo escolar (taxa de aprovação e reprovação) e pelo desempenho dos estudantes na Prova Brasil. O objetivo era o de que as escolas públicas do país atingissem a média de 6 pontos, em uma escala de 0 a 10, até o ano de 2022.

Mesmo diante de todas as críticas, o Ideb acabou tornando-se o principal indicador da educação brasileira.5 Por conseguinte, o discurso da performance foi ampliado, sobretudo pelo uso desse indicador pela mídia e por outros institutos que promovem o ranqueamento das escolas brasileiras. Esse discurso, como se verá, também se construiu por influência de instituições e organismos internacionais.

O CONTEXTO INTERNACIONAL E A AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA

A trajetória da política brasileira de avaliação em larga escala não está desvinculada da influência dos discursos das instituições internacionais a respeito das concepções sobre os conceitos de escola, avaliação educacional, formação dos professores, currículos escolares, etc. Shiroma, Campos e Garcia, em seu estudo sobre os discursos contidos nos documentos dos organismos internacionais, como BM e OCDE, apresentam argumentos para justificar as reformas educacionais nos países:

[...] os problemas educacionais vão sendo traduzidos como problemas de gestão da educação, de má administração. Somam-se à “lista das palavras mais usadas” vocábulos como monitoramento, gerenciar, avaliar, caracterizando a “linguagem da implementação” das medidas recomendadas [...] cada vez mais presentes nos documentos oficiais, evidenciam não apenas a penetração da ideologia do gerencialismo na educação, mas expressam também a conformação e produção de um novo “léxico” educacional, um híbrido de pedagógico e gerencial. (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 438, destaques das autoras).

O pano de fundo dessas recomendações e orientações é a Teoria do Capital Humano,6 que “[...] afirmava ser a educação um dos principais determinantes da competitividade entre os países” (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2011, p. 42). Dessa forma, o BM e a OCDE veem a educação como um dos caminhos para erradicar a pobreza, melhorar a competitividade e a produtividade, gerando equidade para os mais pobres e reduzindo as desigualdades sociais.

Tem-se, assim, uma relação direta entre educação, economia e desenvolvimento econômico, que será uma das premissas do BM, que considera “[...] a educação como indústria - atividade empresarial - que se expressa pelo incentivo dado aos empresários do ensino privado” (SILVA, 2000, p. 48). Para que essa concepção de educação avançasse nos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, seria necessário adotar medidas como

[...] a reforma do financiamento e da administração da educação, começando pela redefinição da função do governo e pela busca de novas fontes de recursos [...] recomenda mais atenção aos resultados, sistema de avaliação da aprendizagem, inversão em capital humano atentando para relação custo-benefício; propõe, além da descentralização da administração das políticas sociais, maior eficiência no gasto social, maior articulação com o setor privado na oferta da educação. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2011, p. 62).

Essas medidas representam o discurso do gerencialismo, ou seja, uso racional dos insumos, maior eficiência do gasto social, articulação entre o setor público e o privado e relação custo-benefício. No tocante à cultura da performatividade, há a necessidade de criar sistemas de avaliação, pois a educação deve ser vista a partir de seus resultados, e não do processo. Isso justifica a influência do BM no financiamento do Saeb em suas primeiras edições (HADDAD, 2008).

Com relação à OCDE, o primeiro ponto de influência é a participação do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa)7 desde sua primeira edição, em 2000. Segundo Pereira (2018, p. 115),

[...] a participação brasileira no programa internacional busca metodologias e parâmetros para compor os processos de avaliação nacional dos sistemas educativos. Além disso, os objetivos da participação vão ao encontro das formas de atuação da OCDE, ou seja, dialogam com a metodologia de funcionamento da Organização, sobretudo nos aspectos que envolvem a difusão de determinada visão de educação e de verificação da aprendizagem dos estudantes.

A OCDE também compartilha de uma concepção de educação ligada à lógica do capital e mercado, difundindo ideias de performatividade e gerencialismo. Como mecanismos para que essa lógica seja estabelecida, defende a reforma dos sistemas educativos, com a adoção de sistemas de monitoramento e aferição das “aprendizagens” dos estudantes. Essas aprendizagens, na perspectiva da OCDE, são traduzidas por competências e habilidades, que podem ser medidas em exames padronizados, cujo foco resume-se às seguintes áreas:

a) tecnologia (habilidade no uso de tecnologia para resolver problemas e executar tarefas difíceis); b) alfabetização (habilidade de entender e usar a informação dos textos escritos, em uma variedade de contextos, para atingir metas e continuar desenvolvendo conhecimento); c) noções de aritmética (habilidade de usar, aplicar, interpretar e comunicar informações e ideias matemáticas); d) componentes de leitura (inclui o reconhecimento das palavras, as competências para decodificar, o conhecimento do vocabulário e a fluidez). (PEREIRA, 2018, p. 113).

Pereira (2018) mostra essa relação direta entre a OCDE e o governo brasileiro nas ações do MEC, via Inep. Desde os anos 2000, um dos objetivos da participação do Brasil nesse exame é apropriar-se das tecnologias metodológicas para elaboração de testes padronizados. Como exemplo desse alinhamento, observa-se que:

a) aplicam regularmente os testes nos estudantes brasileiros; b) ocupam cargos nos órgãos e instâncias da Organização; c) dentro do Inep, criou-se uma estrutura tecnológica e operacional que alcança todo o território nacional para aplicação dos exames; e d) aprofundaram-se metodologias de verificação externa em larga escala em âmbito nacional, e os resultados têm sido utilizados, sobretudo no âmbito dos sistemas estaduais, para premiar e punir, monitorar e excluir. (PEREIRA, 2018, p. 120).

Logo, as mudanças promovidas no Saeb, em 2005, estão relacionadas diretamente ao estabelecimento de “padrões universais”. Da mesma forma, o Ideb, em 2007, preconiza a fixação das metas a serem atingidas pelas escolas públicas, as quais têm como fundamento a escala de medida do Pisa. Assim, o desempenho dos estudantes brasileiros tem como parâmetro os estudantes dos países-membros da Comuni- dade Europeia. Não se pode deixar de mencionar o Plano Nacional de Educação (2014-2024), que em sua meta número 7 está totalmente alinhado às metas determinadas pela OCDE, via desempenho dos estudantes brasileiros no Pisa.

Por meio dessas ações, esses organismos internacionais têm difundido um discurso hegemônico, em que a única alternativa para a educação pública é adotar políticas de caráter gerencialista e de performatividade para atingir a eficiência, a eficácia e a qualidade da educação.

Nesse breve histórico, observou-se que o governo federal estimulou a cultura da avaliocracia e da performatividade como sinônimo de qualidade da educação. Essa prática estendeu-se para alguns estados, já em meados dos anos de 1990, com a adoção de sistemas próprios de avaliação externa; em alguns casos, ligados a uma política de bonificação, como em São Paulo e Pernambuco (BONAMINO; SOUSA, 2012). Depois do Ideb, essa cultura proliferou-se para mais estados e municípios (BAUER et al., 2015). Esse discurso também foi se consolidando na RMESP, como analisaremos adiante.

A POLÍTICA DE AVALIAÇÃO DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO

No ano de 1992, durante o governo Luiza Erundina, ocorreu uma das principais mudanças na política de avaliação educacional da RMESP; por meio do Decreto n. 32.892, de 23 de dezembro de 1992 (SÃO PAULO, 1992), foi instituído o novo regimento para as escolas municipais. Esse regimento implantava o sistema de ciclos,8 com reprovação ao final de cada um deles, fim das notas numéricas e uso dos conceitos para estabelecer o aproveitamento dos estudantes. Na época, eram três ciclos: 1º ciclo (1ª à 3ª série); 2º ciclo (4ª à 6ª série) e 3º ciclo (7ª e 8ª séries).

Com essa mudança, a avaliação educacional teve de ser repensada em novos moldes, superando as ideias de controle e reprovação dos estudantes, e passou a ser compreendida como diagnóstico, processo, instrumento coletivo e orientação para ensino-aprendizagem. Mesmo com o sistema de ciclos presente até os dias atuais nessa rede, essas questões a respeito do papel da avaliação educacional na sala de aula ainda são debatidas.

Com o avanço das avaliações externas em larga escala promovidas pelo governo federal, foi instituído na RMESP, no ano de 2006, durante o governo José Serra, um sistema próprio de avaliação externa, por meio da Lei n. 14.063, de 14 de outubro de 2005 (SÃO PAULO, 2005). Assim, em 2007, iniciou-se a aplicação pela SMESP de sua própria avaliação externa em larga escala, denominada Prova São Paulo (PSP), que utilizava a mesma metodologia da Prova Brasil.9 A PSP avaliava todos os estudantes da rede, do 2º ao 9º ano, nos componentes de língua portuguesa e matemática (em 2011 e 2012 também avaliou o componente de ciências). Esse exame era elaborado e corrigido por empresas contratadas pela SMESP, com supervisão e orientação da DOT-P, teve seis ciclos de aplicação (2007 a 2012) e foi retomado em 2017.

Como forma de preparação para os exames externos (PSP ou Prova Brasil) no período de 2009 a 2012, a SMESP criou outro exame, a Prova da Cidade. A participação das escolas nesse exame era facultativa. A elaboração das questões ficava a cargo do Núcleo de Avaliação de DOT-P e a prova era aplicada aos estudantes do 2º ao 9º ano, sendo avaliados os componentes de língua portuguesa e matemática. As correções eram feitas nas escolas pelos professores com os gabaritos enviados pela SMESP, e sua periocidade variou de ano para ano, com uma média de duas aplicações anuais (a ideia inicial era ser bimestral).

Os dados da PSP influenciaram a política curricular, os materiais didáticos e a formação de professores e gestores. Além disso, em 2011, quase foi adotada uma política de responsabilização, com a criação do Índice da Qualidade da Educação (Indique), em que o pagamento do bônus anual dos profissionais da educação estaria vinculado ao desempenho na PSP. Para o cálculo do bônus seria utilizado o desempenho dos estudantes na PSP e o perfil socioeconômico em que a escola está inserida (obtido via questionário respondido pela família dos estudantes). O Indique não entrou em vigor devido à derrota desse governo nas eleições de 2012.10

No ano de 2013, Fernando Haddad assumiu a administração municipal e cancelou a PSP. Todavia, em 2015 e 2016, essa mesma gestão retomou a avaliação externa, com outro nome: Prova Mais Educação. Além do nome, esse exame trouxe algumas mudanças, entre elas o fato de ser realizado pela equipe da Coped (novo nome da DOT-P), por meio de seu Núcleo Técnico de Avaliação, e não por empresas contratadas, utilizando como base os itens da PSP. Os resultados dessa avaliação nunca foram entregues às escolas. Com o fim do mandato dessa gestão, a PSP foi retomada em 2017, vigorando até o momento.

OS OPERADORES DE POLÍTICAS E OS DISCURSOS SOBRE A AVALIAÇÃO EDUCACIONAL

São considerados operadores de políticas os ex-secretários de educação e os ex-diretores da DOT-P, que, com o chefe do Executivo - o prefeito -, são responsáveis pela materialização das políticas educacionais para a cidade. Assim como assumem Ball, Maguire e Braun (2016), entende-se que as políticas não são implementadas de forma top-down (de cima para baixo); existe um processo de interpretação e tradução dessas políticas. Contudo, no que se refere às políticas de avaliação externa, muitas vezes há pouca margem para interpretação ou tradução, pois os padrões ou metas são estabelecidos pelos órgãos centrais, como o MEC, ou organismos internacionais, como OCDE, com relação ao Pisa, ou seja, as avaliações externas em larga escala já vêm determinadas por instruções e normatizações: quando, para quem e como serão aplicadas, restando apenas cumprir o estabelecido.11

Ao recuperar a trajetória da política educacional na RMESP, por meio das entrevistas com um de seus principais operadores da política educacional municipal, busca-se entender como os discursos foram construídos revelando aceitação, resistência ou negação à cultura da performatividade e do gerencialismo.

A análise das entrevistas foi dividida em dois grupos: no primeiro, os operadores das políticas que construíram um discurso de contestação ou mesmo de negação da avaliação externa em larga escala, acreditando que esta pouco contribui para a formação humana dos estudantes - observa-se essa situação nos governos petistas de Luiza Erundina (1989-1992) e Marta Suplicy (2001-2004). Por seu turno, o segundo grupo apresenta aqueles que veem no gerencialismo e na cultura da performatividade elementos essenciais para a melhoria da qualidade da educação.

Durante o governo de Luiza Erundina, ocorreu a implementação do sistema de ciclos, em 1992, que implicou repensar os objetivos da avaliação educacional, que, até então, em grande parte das escolas, era utilizada pelos professores como um instrumento de controle dos estudantes (FREITAS, 2010). Socialmente, a comunidade escolar percebia as avaliações apenas como resultado (aprovação e retenção), como se observa na fala a seguir:

Ela teve impacto em relação à terminologia, especialmente junto aos pais. Se é uma coisa que eu dei entrevista em 1992. É que o pai argumentava comigo: secretário, agora eu não sei como ele tá. Agora sem nota, só com o conceito. E eu sempre respondia: e antes o senhor sabia como ele tava? Porque é mais ou menos como um termômetro. O termômetro indica se você tem febre ou não, ele não indica o que você tem. Portanto, é apenas uma questão de escala, você colocar de 0 a 10, ou colocar insuficiente ou suficiente, intermediário, se o que for é uma mera terminologia. Isso é formal, na rede houve essa oposição por parte de pais e alunos, e a discussão foi sendo feita para se entender que o mais importante era que o pai viesse à escola e ter clareza como o filho estava, e não que fosse um 5,0, com nota azul, ou um 4,5, com a caneta vermelha que indicava, isso é ilusório. (E6, entrevista realizada em 16 de novembro de 2016).

O desafio de construir um discurso da avaliação em outra lógica, que não a do controle, da classificação, da exclusão, foi, e ainda é, complexo, principalmente naquele período em que havia altos índices de retenção (RIBEIRO, 1991). Muitas vezes, professores e pais questionavam o quanto a avaliação educacional contribuía nesse processo, como descreve um formulador de política da época:

[...] esse foi um problema crítico, a avaliação sempre foi vista na literatura internacional, na literatura nacional e na prática como um instrumento de controle, de controle da disciplina, um instrumento de poder na mão do professor. Então, mexer nesse instrumento de poder causava muito medo. Bom, e agora? A gente não pode reprovar mais? Então os alunos vão fazer o que quiserem, não vão fazer lição de casa, não vão estudar [...], porque avaliação é um poder na mão do professor; é muito ameaçador para o professor tirar esse poder da nota, de reprovação. (E12, entrevista realizada em 21 de fevereiro de 2018).

O caminho encontrado para difundir a avaliação com caráter formativo e inclusivo para os professores foi via formação continuada, oferecida pelos órgãos centrais da SMESP. Todavia essas formações nem sempre ocorreram de forma tranquila, pois a cultura da avaliação no sentido de controle estava consolidada:

Então foram momentos bastante intensos, momentos críticos. Toda vez que se mexe com avaliação é um momento muito crítico, porque, por conta da história do sistema tradicional, de um sistema que é dominador, que é absolutamente hegemônico. (E12, entrevista realizada em 21 de fevereiro de 2018).

Nesse processo de disputa no campo discursivo, os operadores das políticas dessa administração passaram a difundir a lógica da qualidade social, o que provocou mudanças discursivas sobre o que avaliar:

A avaliação em si diz necessariamente sobre vários aspectos, não só sobre o que o aluno aprendeu. Mas, assim, sobre outras formas, por exemplo, se você diz assim, e a gente dizia: as escolas precisam receber bem os pais, precisa ter portas abertas, não pode barrar o pai na secretaria, não pode barrar o pai pobre, a mãe pobre [...]. Então isso é um valor, isso é um valor que gera uma prática. Isso é qualidade social, né, tá implicada na qualidade social. Então você tem que avaliar isso. Como está sendo esta prática [...] é um aspecto importante desta qualidade social. (E12, entrevista realizada em 21 de fevereiro de 2018).

O discurso da qualidade social foi o mote da reflexão a respeito da avaliação externa em larga escala, durante o governo de Marta Suplicy, diferentemente do governo de Luiza Erundina, em que se iniciou a aplicação do Saeb. No governo de Marta Suplicy, já haviam sido aplicados sete ciclos de exames do Saeb (1990, 1993, 1995, 1997, 1999, 2001, 2003). Além disso, o governo estadual de São Paulo vinha aplicando seu próprio sistema de avaliação externa, o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). Naquele momento, os resultados da avaliação externa em larga escala vinham ganhando espaço nos processos de elaboração das políticas educacionais.

Nesse contexto, os operadores das políticas do governo de Marta Suplicy expressavam-se com as seguintes falas: “[...] nosso grupo era contrário à avaliação externa” (E8, entrevista realizada em 14 de fevereiro de 2017); “[...] porque a gente era contrária à prova, eu sou até hoje” (E7, entrevista realizada em 12 de dezembro de 2016). Essa posição contrária à avaliação externa em larga escala foi assim justificada:

[...] não é apenas buscar a escolarização da criança e que ela tenha, naquela época, um bom resultado no Saeb, ou que ela passe no vestibular, mas é: como ela compreende os conteúdos curriculares? Como ela os relaciona com a sua vida cotidiana? (E7, entrevista realizada em 12 de dezembro de 2016).

Outro fator indicado para a contestação das avaliações externas relaciona-se à compreensão dos dados desses exames:

Eu não acho que o Saeb era ruim, qualquer país precisa de uma série histórica, mas, se eu não sei ler esse dado para poder melhorar o que eu estou fazendo na escola, ele é um número a mais, uma estatística. Ele tem que me dar elementos. Você conta nos dedos os professores que sabiam ler [...] quase todo mundo tinha uma consultoria para ensinar a ler, deduzir a trabalhar com aqueles dados. (E7, entrevista realizada em 12 de dezembro de 2016).

Também foram destacados fatores subjetivos, biológicos e até emocionais que poderiam prejudicar o desempenho dos estudantes: “[...] todo momento da prova tem um grau de subjetividade muito grande: você pode estar bem, pode estar mal, tá nervoso, ter dor de barriga, etc.” (E7, entrevista realizada em 12 de dezembro de 2016). Por fim, mostravam que esse tipo de exame era contrário à concepção de aprendizagem que defendiam:

[...] ter provinha, ela é contraditória, entendeu, porque, se eu falo que você tem um tempo de desenvolvimento, como eu quero medir todos ao mesmo tempo, com o mesmo conteúdo, ele pode até, posso até pensar num indicador, mas é uma coisa difícil. (E7, entrevista realizada em 12 de dezembro de 2016).

Ademais, é preciso compreender que, durante o governo de Marta Suplicy, não foi negada a importância da avaliação externa para as políticas públicas, mas entendia-se que ela deveria ser pensada por outro viés, não apenas o da performatividade. Segundo um ex-secretário desse governo, seria necessário ter a perspectiva de avaliação para além dos conteúdos, com o envolvimento de todos os que estão na escola:

[...] montar um processo de avaliação, que você é partícipe, que você não sente observado, que vai ser punido, por alguém que vem de fora. Se você é bom, se você é ruim? Como você avalia o sistema? Porque eu não posso avaliar o professor sozinho, né, eu tenho que avaliar a escola. Fora a escola, eu tenho que avaliar a Secretaria: quais são as condições que a Secretaria dá para que de fato você possa cumprir o trabalho. (E7, entrevista realizada em 12 de dezembro de 2016).

Havia a ideia de a “[...] escola avaliar o seu próprio projeto [...] era essa a intenção de trabalhar a avaliação da escola pela escola, da própria escola se avaliar [...] o nosso grupo tinha com essa visão de educação dialógica, inclusiva” (E8, entrevista realizada em 14 de fevereiro de 2017).

Na construção desse discurso sobre a avaliação educacional durante esses dois governos - Luiza Erundina e Marta Suplicy -, observa-se o olhar para dentro da escola e para seu projeto pedagógico, isto é, a avaliação com foco não apenas no desempenho dos estudantes, mas na compreensão da educação com uma perspectiva da formação humana, dialógica; como retrata outro formulador: “[...] o que se ensina hoje nas escolas? São coisas que estão distantes do mundo, do mundo, das necessidades, das necessidades do que nós pensaríamos, do que é significativo no mundo para esses jovens, para a sociedade de hoje” (E12, entrevista realizada em 21 de fevereiro de 2018).

É claro que qualquer governo, independentemente de seu viés político-ideológico, “olha para dentro da escola”. Contudo esse olhar pode ser caracterizado pelo discurso da cultura da performatividade e do gerencialismo e não se preocupar com as subjetividades dos atores, sejam eles professores, gestores ou estudantes (BALL, 2012). Pensa-se somente no resultado, no desempenho, na meta, na tabulação, etc., que podem (ou não) promover a eficiência e a eficácia da educação.

Essa lógica já estava presente em meados dos anos 1990, durante o governo de Paulo Maluf (1993-1996), quando foi adotado o modelo de Qualidade Total, que trouxe os pressupostos da lógica empresarial para dentro da escola, como descreve um de seus operadores:

Então nós não falamos em qualidade total no começo. Nós começamos a falar que a gente tinha que buscar a melhoria [...]. A gente ia fazendo um plano de qualidade, tendo metas, fazendo propostas. Tudo tinha que ter meta. Então era toda uma linguagem nova que você tinha que ensinar para todo mundo. (E1, entrevista realizada em 8 de setembro de 2016).

É importante recuperar o contexto de influência da época; o Brasil, no início dos anos 1990, atravessava a crise do modelo de produção fordista e iniciava a reestruturação produtiva brasileira, adotando um modelo de produção mais flexível nas empresas, novos sistemas de controle de qualidade, etc. (FRIGOTTO, 2001).

A qualidade da educação passou a ser associada ao contexto empresarial, à lógica do mercado (o cidadão visto como consumidor), à eficiência, como se observa na fala de um dos operadores desse governo: “[...] quando eu falo em melhoria constante, você não consegue ver que quem vai ser beneficiado é o cliente, é o social” (E1, entrevista realizada em 8 de setembro de 2016).

No campo da avaliação educacional, um dos objetivos do discurso da performatividade, no período de 1993 a 1995, era acabar com o sistema de ciclos e retornar à reprovação e aos conceitos numéricos. Antes de fazer essa mudança via decreto, houve uma consulta aos profissionais da educação da época e o resultado não foi o que se esperava:

[...] nós achamos que quando terminasse a pesquisa ia dar, assim, nota e reprovação. Só que não deu isso, entendeu? Ela deu: 50% queria a volta de nota, e 50% queria que continuasse o conceito. E nós continuamos do jeito que estava sem grandes problemas. A gente não atacou muito esse problema para não dar um levante na rede. Como nós tínhamos gente do lado da direita e gente do lado da esquerda, a concepção era a seguinte: nota à direita, conceito à esquerda. Entendeu? Tinha essa divisão na rede e até dentro da escola. (E9, entrevista realizada em 22 de fevereiro de 2017).

Mesmo com a manutenção do sistema de ciclos e dos conceitos, a política passa por um processo de interpretação e tradução nas escolas (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016). Durante o governo de Paulo Maluf, as taxas de reprovação e evasão mantiveram-se muito altas, ou seja, em diversas escolas, seus atores encontraram meios para continuar excluindo os estudantes.12

Se até o final da década de 1990 os discursos a respeito da avaliação educacional centravam-se no espaço da sala de aula e no “poder” do professor, a partir de meados dos anos 2000 a avaliação externa em larga escala passou ser o cerne das políticas educacionais nessa rede de ensino.

A partir de 2005, palavras como meta, resultado, desempenho, etc., passaram a ser usadas para estabelecer as políticas educacionais municipais e, mais do que isso, para determinar a qualidade, ou não, da educação municipal; assim, não eram diferentes dos demais entes federados. No ano de 2007, a SMESP aplicou sua primeira avaliação externa em larga escala, a PSP, que perdurou até 2012. Seus resultados passaram a influenciar diretamente muitas políticas da rede, entre elas, o currículo:

[...] a Orientação Curricular,13 ela teve essas três referências: primeiro - as maiores dificuldades das crianças, onde eles mais tinham dificuldades, não só da Prova São Paulo, porque aí, nós vimos também na Prova Brasil. O pessoal do Núcleo de Avaliação fez uma avaliação, também levantou os conteúdos, os resultados da última Prova Brasil que tinha ocorrido; segundo - essa experiência do professor, que o professor falou que conteúdos que ele ensinava no 1º, no 2º, no 1º ano do ensino de 8 anos; e, terceiro - os parâmetros curriculares. (E3, entrevista realizada em 29 de setembro de 2016).

Acerca da produção de material didático, visando ao treinamento e à preparação dos estudantes para esses exames externos, apresenta-se a seguinte fala:

Nós produzimos os Cadernos de Apoio e Aprendizagem [...]. Esses cadernos traziam os conteúdos que os alunos não iam bem na prova. A ideia era esta, conteúdo mais difícil, que a criançada não aprendeu. Esse conteúdo vai para os Cadernos de Apoio e Aprendizagem, não era todo o currículo, mas era o conteúdo de matemática, língua portuguesa e depois nós fizemos de natureza e sociedade. (E3, entrevista realizada em 29 de setembro de 2016).

A responsabilização dos profissionais da educação mediante a bonificação vinculada ao desempenho dos estudantes na PSP ocorreu por meio do Indique. Esse indicador, de acordo com um dos operadores, “[...] não era o ranqueamento, mas era uma discussão [...] em relação à responsabilização, em relação ao bônus, porque a Prefeitura tem um bônus” (E11, entrevista realizada em 8 de julho de 2017). Outro formulador concluiu:

Então, não era só o resultado. O indicador tinha que sair da escola, ele tinha que considerar onde a escola estava, o esforço da escola, o olhar para escola. Então era um indicador bonzinho, vamos dizer, ele avaliaria também o quanto a escola se empenhou para melhorar as condições de aprendizagens dos alunos. (E3, entrevista realizada em 29 de setembro de 2016).

Nesses exemplos, observa-se que, no período de 2006 a 2012, há o direcionamento de políticas visando a consolidar a concepção da qualidade da educação atrelada à melhoria no desempenho dos estudantes nos exames externos.

Essa concepção confirma-se quando perguntamos sobre a qualidade da educação, cujas respostas trazem a associação à expectativa de aprendizagem: “[...] então a gente tinha um objetivo que era, assim, a criançada tem que aprender. O que ela tem que aprender? Isso e isso. Ela precisa aprender. É uma expectativa de aprendizagem, né?” (E3, entrevista realizada em 29 de setembro de 2016).

Esse é o mesmo discurso defendido pela OCDE e pelo Inep, como apresentado anteriormente. A educação resume-se à expectativa de aprendizagem, que posteriormente será cobrada nos exames externos, em oposição a uma educação para formação humana. Esse discurso carrega

[...] a ideologia das competências e habilidades para introjetar, tanto nas elites conservadoras, empresários, governos e partidos políticos, quanto nos trabalhadores e estudantes, o sucesso das políticas de competências, no contexto dos processos de produção e reprodução social. (PEREIRA, 2018, p. 122).

Esse mesmo discurso, porém, de forma contraditória, foi mantido durante o governo de Fernando Haddad (2013-2016); assim, com relação à política de avaliação educacional, passou-se a defender a avaliação formativa nas escolas, associada aos resultados das avaliações externas:

[...] a Prova Brasil e depois a própria existência da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), quer dizer, um conjunto de informações, que poderiam ser perfeitamente, se bem trabalhadas podiam suprir necessariamente aquilo que a gente imaginava de processos de avaliação que fosse uma avaliação formativa. (E4, entrevista realizada em 17 de outubro de 2016).

Assim, pensa-se que os exames externos podem melhorar os processos de ava- liação em sala de aula e a própria qualidade da educação. Essa relação é amplamente criticada, como observa Casassus (2007, p. 74-75):

[...] é um erro conceitual dizer que este tipo de prova mede o que sabem e o que não sabem os alunos das escolas. É um erro mais grave equiparar a pontuação que se obtém, com o objetivo de se ter uma educação de qualidade. Pontuação não é qualidade. Qualidade não é ponto.

Essa contradição também ocorreu em relação ao cancelamento da PSP. Os argumentos não se referiam a uma mudança acerca da concepção da avaliação:

[...] é que a Prova São Paulo [...] todos os relatos apontavam para isso. É que ela tinha sofrido modificações tais que você não poderia, não tinha condição de acompanhar a série histórica. E, que, portanto, você ficar apenas repetindo uma prova [...] sem ter uma base de continuidade, uma base de comparação, aquilo estava servindo muito pouco aos próprios educadores. (E4, entrevista realizada em 17 de outubro de 2016).

Entretanto, outro membro desse governo apresenta uma justificativa para o cancelamento da PSP:

Política é o quê? Política é ideia [...]. Quando eu tenho uma boa ideia e consolido essa ideia, ninguém tira [...]. Qual a política de avaliação? Tem outra? [...] A ideia do inimigo é boa [...], a ideia do Fernando Henrique de avaliação nacional era uma boa ideia, de Paulo Renato, de Maria Helena, Maria Inês Fini, esse bando de gente esquisita, a firmaram. Quando o Fernando Haddad entrou, Lula entrou, com um discurso de que ia acabar umas coisas, inclusive o Enem, no entanto, de 1 milhão e 200 mil passou hoje para 8 milhões. (E2, entrevista realizada em 12 de setembro de 2016).

Portanto, cancela-se a PSP, seja por questões técnicas ou políticas, mas o discurso homogeneizador da avaliação externa tem de ser mantido, “[...] a ideia do inimigo é boa” (E2, entrevista realizada em 12 de setembro de 2016). Assim foi feito, e durante dois anos não se aplicou a PSP, passando a ideia de que a avaliação externa em larga escala não seria mais utilizada. No entanto, em 2015, houve o retorno da avaliação externa com outro nome - Prova Mais Educação:

Então não houve uma ruptura, eu não queria uma ruptura, por exemplo, com a Prova São Paulo, tanto é que continuamos, com outro nome [...] as provas anteriores eram muito bem-feitas, eram maravilhosas, eram de várias áreas, era para todas as séries. Para que acabaram com aquele negócio, entendeu? Porque acabaram com aquele negócio? [...] a Prova São Paulo tinha sido feita, era coisa muito positiva. E nós tínhamos que contar com ela. E não dizer fecha. Jogo o banco de dados fora. (E2, entrevista realizada em 12 de setembro de 2016).

Essas contradições discursivas resultam das disputas de poder. Quando analisamos os discursos, observa-se a manutenção de uma política de corte neoliberal, ou seja, não houve mudanças significativas na cultura da performatividade durante o governo petista de Fernando Haddad. O objetivo, principalmente para o ensino fundamental, continuou sendo a busca da melhoria dos resultados nos exa- mes externos:

E o que fazer em matéria de educação, aqui em São Paulo, quer dizer, é muita coisa. Já a própria administração da Secretaria já é um grande desafio. Mas como fazer avançar, e, o principal era criar condições para que avançasse a qualidade da educação no município, já que os indicadores mostravam que a cidade de São Paulo, em matéria de qualidade de educação básica medida pelo Ideb, por exemplo, estava classificada entre os últimos municípios da região metropolitana, né? Então a nossa ideia é que tomar um conjunto de providências e de projetos, desenvolver certos projetos de tal forma que, em um certo número não especificado de anos, a cidade de São Paulo, a rede de ensino, estivesse entre o pelotão da frente, né, em matéria de qualidade de educação. (E4, entrevista realizada em 17 de outubro de 2016).

Na fala anterior, verifica-se que a qualidade da educação está associada à meta do Ideb, ao discurso hegemônico neoliberal - o gerencialismo e a performativi- dade -, e, ao mesmo tempo, demonstra a incapacidade do contradiscurso com relação à política de avaliações externas em larga escala, que é de certa forma global, como nos relata um dos operadores das políticas desse governo:

Cada vez mais, nós estamos conectados com comparações internacionais e nacionais, que fazem de nossas crianças pessoas que estão além do Tremembé, entendeu? [...] Então, se a gente não tiver avaliação externa nossa, do nosso desempenho não como o determinante mais importante, mas como referência, acho que a gente não evolui. (E2, entrevista realizada em 12 de setembro de 2016).

A qualidade da educação está referenciada aos padrões e às metas nacionais e internacionais que “[...] permitem vincular e legitimar muitos discursos e muitas políticas nacionais para a educação e formação” (AFONSO, 2012, p. 475), em uma perspectiva de cunho neoliberal, como descreve Ball (2012) em seus estudos. Esses discursos estão presentes na RMESP desde o governo de Paulo Maluf (1993), consolidando-se durante os anos 2000, exceto no governo de Marta Suplicy. Assim, observa-se que nesse período a avaliação externa em larga escala tem se convertido

[...] num instrumento no qual se deposita a esperança de melhorar a educação. Parece que tanto as autoridades educativas como professores, alunos e a sociedade consideram que existe uma relação simétrica entre sistema de exames e sistema de ensino. De tal modo que a modificação de um afetasse o outro. Desta maneira se estabelece um falso princípio didático: um melhor sistema de exame, melhor sistema de ensino. Nada mais falso que esta proposição. O exame é um efeito das concepções sobre a aprendizagem, não o motor que transforma o ensino. (BARRIGA, 2001, p. 51).

A partir desta falsa premissa, “melhor avaliação, melhor ensino”, as políticas educacionais da RMESP têm impossibilitado os discursos a favor de uma educação para a humanização, para a justiça social, pois são identificados como antigos, atrasados, e não são capazes de trazer melhoria para a educação, dado que são incapazes de medir, tabular, competir (BALL, 2001).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Recuperar a trajetória da política de avaliação da RMESP, por meio das falas de seus principais operadores, possibilitou observar que nos anos 1990 havia uma reflexão da avaliação no contexto da sala, com a tentativa de propor uma avaliação formativa, democrática, participativa e/ou emancipatória, como se dizia na rede, durante a gestão de Paulo Freire como secretário de educação. Essa trajetória acabou tomando outro rumo com o decorrer dos tempos, direcionado para o discurso das políticas de avaliações voltadas para o desempenho, a performance, o resultado do Ideb ou de qualquer outro indicador externo.

A origem dessa mudança de rumo já estava lá, em 1993, no governo de Paulo Maluf. De lá para cá, houve momentos de contestação, contudo o que se vê é a consolidação do discurso do gerencialismo e da performatividade. É claro que, em alguns momentos, esse discurso é mais sutil e engenhoso, porém, pelas entrevistas, constatou-se que, com exceção dos governos de Luiza Erundina e Marta Suplicy, o foco, inclusive daqueles que tiveram pouco contato com esses exames padronizados, é que a melhoria dos indicadores nas avaliações externas é quase a chancela obrigatória para garantir a qualidade da educação paulistana.

Portanto, nessa trajetória da política de avaliação educacional da RMESP, não há uma conclusão, e, sim, um caminhar, no qual as políticas educacionais conti- nuam sendo estabelecidas por indicadores externos, alheios à escola e a seus atores. Todavia, como diz Ball (2001), ao estudar política, sabe-se que esta se dá em campos de disputas de poder, e, mesmo com a hegemonia do discurso neoliberal, nesse momento, há espaço para um contradiscurso em defesa do direito à educação numa perspectiva de formação humana (SORDI, 2012).

1 Ball e colaboradores propõem a abordagem do ciclo de políticas (policy cycle approach). Nessa abordagem teórica, existem diferentes contextos de produção que se entrecruzam na formulação de uma política (BOWE; BALL; GOLD, 1992). No contexto de influência, todos os discursos sobre uma temática são apresentados por diferentes atores, instituições, etc., e são colocados em disputa. No contexto de produção, encontra-se a materialização da política, por meio de documentos legais, de textos políticos, de comentários, etc. O contexto da prática é caracterizado pelas diferentes leituras, interpretações e tradução desses textos. Posteriormente, Ball (1997) apresenta outros dois contextos: contexto dos resultados ou efeitos e contexto de estratégia política.

2 Por meio da entrevista, podemos captar uma parte do processo, uma vez que se trata do olhar do sujeito entrevistado. Os sujeitos, muitas vezes, não se expõem por questões de ordem pessoal ou para evitar possíveis atritos, mesmo considerando a cláusula de anonimato.

3 A partir de 2016, passou a se chamar Coordenadoria Pedagógica (Coped).

4 Metodologia aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Campus Unicamp, em 15 de junho de 2016, sob Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) n. 55923516.6.0000.5404.

5 Em seu estudo, Travitzki (2020) sintetiza os principais debates sobre o Ideb.

6 A origem dessa teoria está ligada ao surgimento da disciplina de economia da educação, nos Estados Unidos, em meados dos anos 1950, por Theodore W. Schultz, professor do Departamento de Economia da Universidade de Chicago. “Aplicada ao campo educacional, a ideia de capital humano gerou toda uma concepção tecnicista sobre o ensino e sobre a organização da educação [...] passou-se a disseminar a ideia de que a educação é o pressuposto do desenvolvimento econômico, bem como do desenvolvimento do indivíduo, que, ao educar-se, estaria ‘valorizando’ a si próprio, na mesma lógica em que se valoriza o capital”. Disponível em: https://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/teoria-do-capital-humano. Acesso em: 21 set. 2018.

7 O Pisa é uma avaliação internacional de habilidades e conhecimentos para jovens de 15 anos, idade em que se encerra a educação básica obrigatória. O primeiro exame ocorreu no ano 2000 e conta com a participação dos países-membros da OCDE e países parceiros, como o Brasil. As disciplinas avaliadas são leitura, matemática e ciências.

8 O sistema de ciclos não era uma novidade no sistema de ensino brasileiro, já vinha sendo debatido desde o início do século XX (MAINARDES, 2009).

9 Compreende-se como metodologia: o uso de uma matriz de referência para avaliação, baseada nas competências e habilidades do Saeb, uso de itens fornecidos pelo Inep, utilização da Teoria de Resposta ao Item e resultados expressos na escala Saeb.

10 Em 2017, o pagamento dessa bonificação passou a ser vinculado aos resultados da PSP.

11 Esclarece-se que, para garantir a fidedignidade dos resultados, muitos procedimentos têm de ser homogeneizados para as escolas.

12 Em seu estudo, Paro (2001) descreve as práticas de uma avaliação classificatória e excludente, por exemplo: convencer os pais a deixar os filhos em casa, pois estes não haviam atingido as “aprendizagens necessárias”, sendo assim reprovados por frequência.

13 Orientações Curriculares era o nome dado ao currículo dessa rede no período de 2006 a 2012. Abrangia todos os componentes curriculares do 1º ao 9º ano, apresentava as expectativas de aprendizagens para cada ano/série e continha instruções para os professores desenvolverem em sala de aula.

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Recebido: 21 de Maio de 2021; Aceito: 24 de Agosto de 2022

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