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Estudos em Avaliação Educacional

versión impresa ISSN 0103-6831versión On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.34  São Paulo  2023  Epub 14-Sep-2023

https://doi.org/10.18222/eae.v34.9328 

Artigos

INICIATIVAS DE AVALIAÇÃO EDUCACIONAL NO ESTADO DO CEARÁ

INICIATIVAS DE EVALUACIÓN EDUCATIVA EN EL ESTADO DE CEARÁ

EDUCATIONAL EVALUATION INITIATIVES IN THE STATE OF CEARÁ

IUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo-SP, Brasil; sanzakia@usp.br


RESUMO

O artigo caracteriza e analisa iniciativas de avaliação educacional desenvolvidas no estado do Ceará que se revestiram de finalidades e atributos distintos do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica, o qual tem sido objeto de diversos estudos. São tratadas três iniciativas, implementadas no decurso dos anos 1980, 1990 e 2000: i) avaliação de cursos de formação de profissionais; ii) avaliação institucional; e iii) avaliação de uma vertente da política educacional. A retrospectiva histórica dessas iniciativas se realizou por meio da consulta a documentos que registram seus objetivos e escopo. Intenta-se, com a difusão dessas proposições, iluminar perspectivas de ação que venham a se integrar ao sistema estadual de avaliação desse e de outros entes federados.

PALAVRAS-CHAVE: AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO; AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS; AVALIAÇÃO DE PROJETOS

RESUMEN

El artículo caracteriza y analiza las iniciativas de evaluación educativa desarrolladas en el estado de Ceará que usaron finalidades y atributos distintos del Sistema Permanente de Evaluación de la Educación Básica, lo cual ha sido objeto de varios estudios. Son tratadas tres iniciativas, implementadas durante las décadas de 1980, 1990 y 2000: i) evaluación de cursos de formación de profesionales; ii) evaluación institucional, y iii) evaluación de una vertiente de la política educativa. La retrospectiva histórica de esas iniciativas fue realizada mediante la consulta de documentos que registran sus objetivos y alcances. Se intenta, con la difusión de estas propuestas, iluminar perspectivas de acción que vengan a integrarse al sistema estatal de evaluación de ésta y de otras entidades federativas.

PALABRAS CLAVE: EVALUACIÓN EDUCATIVA; EVALUACIÓN DE PROGRAMAS; EVALUACIÓN DE PROYECTOS

ABSTRACT

The present article characterizes and analyzes educational evaluation initiatives developed in the state of Ceará that have purposes and attributes different from the Permanent System of Basic Education Evaluation, which has been the object of several studies. Three initiatives, implemented during the 1980s, 1990s and 2000s, are addressed: i) evaluation of professional training courses; ii) institutional evaluation; and, iii) evaluation of a strand of educational policy. The historical retrospective of these initiatives was conducted by consulting documents that record their objectives and scope. It is intended, with the dissemination of these propositions, to shed light on action perspectives that will be integrated into the state system of evaluation of this and of other federal entities.

KEYWORDS: EDUCATION EVALUATION; PROGRAM EVALUATION; PROJECT EVALUATION

INTRODUÇÃO

Entre iniciativas na área da gestão educacional realizadas no estado do Ceará, o Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece)1 é uma das que têm tido maior visibilidade. Em 2022, esse sistema completou 30 anos de vigência, ano em que a Secretaria da Educação (Seduc), em parceria com a Universidade Estadual do Ceará, realizou seminário e organizou publicações com o objetivo principal de refletir sobre o percurso do Spaece e o uso de seus resultados, de modo a obter subsídios para traçar perspectivas futuras. O seminário2 teve como público-alvo professores e gestores das redes estadual e municipal e contou com a participação de diversos interlocutores, internos e externos à Seduc. Na ocasião, foram lançados três volumes da Coleção Spaece 30 anos.

O primeiro volume, intitulado História, memórias, atores e políticas, traz depoimentos de profissionais participantes da implementação do sistema de avaliação, coletados por meio de entrevistas, que expressam suas opiniões sobre o processo vivenciado e apontam desafios para a sua continuidade. O segundo volume reúne Pesquisas e propostas de ação, as quais resultam de investigações que realçam seus procedimentos de medida e de julgamento de desempenho dos estudantes em provas, discutem usos que vêm sendo feitos de seus resultados, seja pelas escolas e/ou na formulação e implementação de políticas, e exploram potencialidades, limites e riscos relacionados à implementação do Spaece. Um Catálogo das produções científicas constitui o terceiro volume, o qual compila dissertações de mestrado e teses de doutorado que trataram do Spaece, cujos dados de identificação e resumo são apresentados.

Essa coleção, além de contribuir para a aproximação com os percursos do Spaece e suscitar desafios futuros para a condução da avaliação no estado do Ceará, é ilustrativa da ênfase dada a esse sistema nos estudos sobre iniciativas de avaliação desenvolvidas no estado.

Ao mesmo tempo que reconheço a pertinência e a relevância desses realces analíticos, em um momento que se vislumbram desafios para a continuidade e aprimoramento do Spaece, entendo ser valioso o registro de experiências de avaliação realizadas no referido estado que assumiram delineamentos que abarcam vertentes avaliativas que se diferenciam dessa perspectiva, inclusive, algumas delas precedentes a esse sistema.

Esse é o propósito do presente artigo, que traz informações que contribuem para ampliar os registros sobre a condução da avaliação educacional no Ceará, ações essas direcionadas como parte do Spaece ou para além dele.

Os registros e considerações que integram este artigo decorrem de experiências pessoais vivenciadas pela autora no estado do Ceará, no decurso dos anos 1980, 1990 e 2000, no campo da avaliação educacional. Em virtude de atuação profissional e realização de pesquisas, tive oportunidade de realizar interações com profissionais desse estado que se voltaram à discussão e proposição de iniciativas de avaliação. Resgato, neste artigo, três dessas vivências. A primeira, relativa à avaliação de cursos de formação de profissionais da rede de ensino (1983-1985), que abrangeu todos os estados do Nordeste brasileiro; outra referente à avaliação institucional proposta na esfera do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece/1996); e, por fim, menção a uma atividade realizada para avaliação de uma das vertentes da política educacional do Ceará, vigente no período 1995-1999.

Não obstante, cabe mencionar iniciativas de avaliação desenvolvidas no estado do Ceará que antecederam a constituição e consolidação desse sistema, registradas desde os anos finais da década de 1970 e na década de 1980, as quais focalizavam a análise de contribuições e efeitos de projetos para a melhoria da educação no estado. São estudos que oportunizaram a técnicos da Secretaria de Educação um know-how importante sobre avaliação, o que, segundo Pequeno e Coelho (2004), foi fundamental para a formulação do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará.

São ilustrativas dessas iniciativas que precederam o Spaece, conduzidas por integrantes da Secretaria de Educação, com a colaboração do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e da Universidade Federal do Ceará (UFC), a “Avaliação da situação atual do ensino agrícola”, em 1978; a “Caracterização socioeconômica das famílias residentes nas áreas selecionadas para a atuação do Prodasec/Urbano”, em 1980; “Estudos avaliativos de programas em desenvolvimento no meio rural - Polo Nordeste - Sertões de Quixeramobim e Médio Jaguaribe”, em 1980; “Avaliação do desempenho do professor na utilização do material de ensino aprendizagem Cartilha da Ana e do Zé”, em 1982 (Magalhães et al., 2013).

Em particular, na literatura nacional relativa às proposições desenvolvidas no âmbito do estado do Ceará, o destaque é dado ao Programa de Expansão e Melhoria do Ensino no Meio Rural do Nordeste Brasileiro (Edurural-NE), planejado nos anos finais da década de 1970 e criado em 1980 (Decreto n. 85.287), fundamentando-se no II Plano Setorial de Educação e Cultura, o qual estabelecia, entre suas prioridades, a melhoria do ensino no meio rural.

Financiado parcialmente pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desen- volvimento (Bird), em decorrência de acordo firmado entre a União e esse Banco, o Programa tinha como objetivos, expressos no citado Decreto, em seu artigo 2º, “a expansão das oportunidades educacionais e a melhoria das condições da educação no meio rural do Nordeste, bem como o fortalecimento do processo de planejamento e administração educacionais”, tendo em conta a realidade socioeconômica e cultural da região.

Entre as iniciativas de avaliação desencadeadas por meio do Edurural, o realce é dado aos estudos desenvolvidos sob coordenação da Fundação Carlos Chagas (FCC), da Fundação Cearense de Pesquisa e da Universidade Federal do Ceará, os quais se voltaram ao esboço de uma das primeiras iniciativas de avaliação escolar externa no Brasil.

Essa avaliação contemplou a coleta de informações sobre variáveis intraescolares e socioeconômicas dos alunos, das professoras e das escolas e localidades abrangidas pelo Edurural, nos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, e se realizou em 1981, 1983 e 1985. Também foram coletados dados sobre o desempenho dos alunos de segunda e quarta séries do ensino fundamental, em português e matemática, afora taxas de acesso e de permanência na escola, para aquilatar a eficiência dos processos escolares. Complementando as análises produzidas com base em levantamentos quantitativos, foram realizados estudos etnográficos para elucidar a dinamicidade e especificidade da educação escolar no contexto rural. Seus resultados apoiaram apreciações que buscaram explorar relações entre o rendimento escolar dos alunos beneficiários do programa e variáveis contextuais como infraestrutura das redes de ensino, salário dos professores, procedimento de designação de professores da rede, contexto de vida e de trabalho dos alunos e de suas famílias, entre outras (Therrien, 1987).

O delineamento adotado no Edurural é mencionado, nas produções nacionais, como marco histórico no país de estudos de avaliação de rendimento escolar e de fatores associados (Gatti, 2013), cuja contribuição, à época, foi considerada por Gomes et al. (1994) o estudo mais consistente já realizado sobre a educação rural nos países em desenvolvimento.

Também, o Edurural influenciou iniciativas de avaliação financiadas pelo Banco Mundial, no final da década de 1980, como a implementada no Projeto Nordeste, discutido no final dos anos 1980 e sistematizado a partir de 1991.3

Concomitante ao desenvolvimento da proposta de avaliação de impacto do Projeto Nordeste, é delineado no âmbito do Ministério da Educação (MEC) um sistema de avaliação da educação básica, de ampla abrangência no país, que se institucionalizou sob a denominação Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb).

Assim, avaliações nos moldes utilizados pelo Edurural subsidiaram a proposição, pelo MEC, do Sistema de Avaliação da Educação Primária (Saep), no entanto, com características próprias. Posteriormente, em 1990, o Saep passa a ser denominado Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).4

Como já mencionado, dedico este artigo ao resgate e à caracterização de algumas iniciativas de avaliação educacional do Ceará que, entendo, representam contribuições para evidenciar experiências, nesse campo de estudos, implementadas nesse estado, vivenciadas por técnicos da Seduc e profissionais atuantes nas escolas, que tratam de perspectivas de análise da qualidade da educação com base em delineamentos que não se circunscrevem aos instrumentos de medição de rendimento dos estudantes, tal como utilizados pelo Spaece. Ilustram, em meu entender, a apropriação, por profissionais do estado, de conhecimentos do campo da avaliação educacional, relativos a diferentes objetos e abordagens metodológicas.

Apresenta-se, a seguir, uma retrospectiva histórica de cada uma dessas vivências, considerando as especificidades de cada uma delas. O critério adotado para acolher essas proposições como pertinentes de serem divulgadas na literatura do campo da avaliação educacional foi o reconhecimento de que representam contribuições que merecem ser resgatadas dado o seu potencial de iluminar uma ampliação de concepções e práticas dominantes que se voltam à avaliação de políticas e programas educacionais no país.

AVALIAÇÃO DE PROJETOS DE FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO

No âmbito do Programa Edurural, o Instituto de Recursos Humanos João Pinheiro (IRHJP) atuou como órgão de assessoramento à execução do Projeto de Capacitação de Recursos Humanos, um dos componentes do referido Programa, implantado nos nove estados do Nordeste brasileiro e direcionado a diferentes profissionais da educação atuantes no meio rural. Entre as ações desenvolvidas pelo Instituto, realizou-se a cooperação às equipes das secretarias estaduais de educação com o propósito de implementar sistemáticas de avaliação do Projeto.5

O que se buscava era garantir que a avaliação das ações de formação constituísse um processo gerador de maior competência e autonomia das equipes estaduais no desenvolvimento de projetos avaliativos e fosse conduzida tendo como referência a proposta educacional implementada no estado, não se pretendendo formas únicas e padronizadas de desenvolver a avaliação.6

Diversas iniciativas de avaliação foram vivenciadas pelos estados (Instituto de Recursos Humanos João Pinheiro [IRHJP], 1987), no entanto, neste texto são trazidos elementos que permitem conhecer as bases estabelecidas para nortear a elaboração de projetos avaliativos pelas equipes estaduais, inclusive a do Ceará.

Essas proposições decorreram do reconhecimento, pelas equipes estaduais e pelos técnicos do IRHJP, da necessidade de ampliar a abordagem que vinha sendo adotada para avaliação da qualidade da implantação do projeto de capacitação dos profissionais. Como registra Sousa (1987), entre outros aspectos, o que se constatou foi: usualmente, o que ocorria eram avaliações no final de cursos, circunscritas à coleta de opiniões dos participantes, as quais, nem sempre, eram utilizadas quando do planejamento de outros cursos; os planos de curso não eram analisados quanto à sua coerência com a proposta delineada de educação para o meio rural; os resultados dos cursos na prática dos profissionais que deles participavam não eram avaliados e, consequentemente, não havia elementos para inferir sua possível contribuição para a melhoria do ensino rural. Quanto ao Projeto, o foco era no acompanhamento físico e financeiro, com base nas metas quantitativas estabelecidas, ou seja, quantidade e categoria de profissional da educação atendidas, número de cursos ofertados e custos correspondentes.

Problematizou-se, ainda, a dimensão educativa - ou deseducativa - da avaliação, insistindo na importância de se reconhecer a força educativa inerente aos próprios processos de avaliação. Nas palavras de Arroyo (1987, p. 69): “não vejo o processo de avaliação como mera avaliação do educativo, mas, sim, fazendo parte do educativo. É um dos momentos educativos mais fortes em qualquer projeto”.

Como parte das reflexões sobre o modo como vinham sendo conduzidas as avaliações, indagou-se sobre a própria noção de capacitação subjacente às proposições. Nas palavras de Jamil Cury (1987, p. 54, destaque do autor), “capacita-se porque o outro é in-capaz, ou capacita-se porque se reconhece no outro um potencial impedido de se expandir?”.

Em particular, esteve presente como princípio da avaliação o reconhecimento das especificidades da escola, dos professores e dos estudantes da escola rural - trabalhadores rurais -, tendo em conta a questão da terra e os modos de sua ocupação.

Por meio dessa configuração desencadeou-se uma discussão junto às equipes estaduais para elaboração de propostas de avaliação de projetos, capazes de subsidiar a análise das concepções e ações relativas ao Projeto Capacitação de Recursos Humanos.

Como ponto de partida realçava-se ser prioritária a explicitação do que se entendia por “atendimento adequado à população rural em idade escolar” e por “melhoria do desempenho do profissional da educação”, objetivos anunciados no escopo geral do projeto de capacitação. Mais ainda: os responsáveis pela condução da avaliação deveriam estar conscientes de que não existia uma única resposta a essas questões, pois as repostas dadas dependeriam de posicionamentos assumidos pelos envolvidos nesse processo.

Nessa perspectiva, as equipes estaduais elaboraram propostas de avaliação que abrangessem os planos de cursos, sua execução e seus resultados, como fases que se interpenetram, apoiadas na concepção de avaliação como:

. . . um processo de busca de compreensão da realidade estudada, com o fim de subsidiar a tomada de decisões quanto ao direcionamento das intervenções. Como tal, a avaliação de cursos compreende a descrição, interpretação e o julgamento das diretrizes e ações desenvolvidas, a partir de premissas que orientam a estrutura do processo avaliativo e dão coerência às atividades desse processo. (Sousa & Sá Brito, 1987, p. 19).

Dentro dessa perspectiva é que foram elaboradas as propostas, tomando-se como fundamentais os seguintes elementos, aqui parcialmente reproduzidos:

  • A avaliação das ações de capacitação de recursos humanos deve ser entendida como parte integrante das intervenções. Assim, ela condiciona e é condicionada pela natureza e direção das mudanças que se pretende ocorram em decorrência das intervenções. Isso impõe que se considere, no processo avaliativo, a natureza e a direção das mudanças desejadas;

  • Pela natureza do objeto a ser avaliado, que se caracteriza pela interação entre pessoas, não se pode pensar em reduzir o caráter científico do processo avaliativo ao que é “objetivo” e “quantificável”. . . . A ênfase em dados objetivos e quantitativos pode levar à negligência de outros, talvez mais importantes para interpretação da situação, e que muitas vezes são desprezados por serem considerados “subjetivos”;

  • A preocupação de não se revestir o processo avaliativo de excessiva racionalidade não invalida o caráter sistemático da avaliação, que se traduz na necessidade de planificação das ações . . .;

  • A metodologia adotada nos planos de avaliação deve ser concebida e construída a partir do objeto e dos propósitos da investigação - os modelos e técnicas sugeridos na literatura especializada constituem-se em subsídios para o delineamento da metodologia;

  • É desejável que a responsabilidade pela avaliação não fique restrita a um grupo de especialistas . . . os diversos setores e categorias de profissio- nais . . . devem ser envolvidos . . . não apenas como informantes, mas também como participantes, desde a discussão da proposta avaliativa até o julgamento dos resultados, tendo em vista a escolha de ações futuras;

  • Como um processo contínuo e sistemático, a avaliação de um curso deve ocorrer nos diferentes momentos da prática, abrangendo a fase de elaboração do plano, sua execução e os resultados alcançados. Visto que essas fases não são estanques e sucessivas, também as atividades avaliativas referentes a cada uma delas se interpenetram. (Sousa & Sá Brito, 1987, p. 20).

Um aspecto reiterado junto às equipes estaduais foi a noção de que o processo avaliativo precisaria ser tomado como parte integrante do projeto. Nessa acepção, da avaliação como parte integrante da própria intervenção, realçava-se que o processo avaliativo influencia e é influenciado pela situação avaliada. Alertava-se, também, sobre dificuldades e limitações que se impõem em processos avaliativos, sendo importante que se identifiquem possíveis pressões e barreiras, em relação tanto à execução da avaliação quanto ao uso de seus resultados. Apoiando-se em Weiss (1982) era destacada a necessidade de se reconhecer a existência de fatores de ordem política na avaliação de programas.

Sob esse prisma buscou-se concretizá-la de modo que ela própria constituísse processo formativo, assumindo a noção de que a participação “vai além do processo de ter o que dizer, ela implica em conseguir poder sobre os fins e os meios do processo que se está vivendo” (Paiva, 1987, p. 67).

A adoção dessa concepção de avaliação de projetos de formação de profissionais da educação propiciou a produção de informações diversas, produzidas pelos diferentes sujeitos participantes, sobre a implementação das ações, apoiando seu aprimoramento e, ao mesmo tempo, contribuiu para a formação dos técnicos da Secretaria de Educação, em avaliação de projetos educacionais. No caso do Ceará contávamos com uma equipe que se dedicava a esse campo de estudos e buscava contínuo aperfeiçoamento das práticas institucionais, as quais extrapolaram as proposições oriundas da avaliação do projeto no âmbito do Edurural para outros programas de formação em realização no estado, à época.

AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL COMO UMA DIMENSÃO DO SPAECE

Por meio de pesquisa,7 conduzida entre 2005 e 2007, foram analisadas práticas de avaliação vigentes à época, em cinco unidades federadas do país, as quais implementavam iniciativas próprias de avaliação educacional, com destaque para proposições que assumiam características de avaliação externa e em larga escala de desempenho dos estudantes.

Os delineamentos adotados pelos estados, nessa vertente avaliativa, revelaram-se similares, com exceção do Ceará, que realizava a avaliação institucional, na perspectiva de autoavaliação da escola, abarcando vários aspectos do trabalho e envolvendo todos os segmentos da comunidade escolar, com vistas a gerar compromisso de todos com a melhoria da qualidade da educação.

Inclusive, entre as competências básicas do Conselho Escolar, formado por pais, alunos, professores, funcionários, direção e membros da sociedade civil, eram previstas:

  • acompanhar o cotidiano da escola, com ênfase na avaliação institucional da escola;

  • divulgar, junto à comunidade e autoridades competentes, a avaliação institucional da escola. (Ceará, 1999, p. 16).

No relatório final da pesquisa em pauta foi assinalado que a configuração que assumia a sistemática de avaliação no Ceará se revelava, comparativamente aos outros estados, a mais inovadora no sentido de articular diversas vertentes, dimensões e fluxos ao processo avaliativo. Até então realizada como atividade paralela ao Spaece, a partir de 2000 a avaliação institucional passou a integrar o sistema,8 conforme a Portaria n. 101, de 15 de fevereiro de 2000, o que se mostrava um movimento promissor no sentido de articular a autoavaliação à avaliação externa e em larga escala, com a perspectiva de focalizar, no processo avaliativo, não apenas desempenho de estudantes como indicador de qualidade da educação, mas também indicadores que abarcassem elementos das diversas instâncias do sistema educacional.

À época, as duas vertentes avaliativas contavam com alguns responsáveis comuns, o que indicava um importante passo no sentido de articulá-las.

Essa mesma Portaria previu a criação de uma comissão - composta por servidores de diversas coordenadorias da Seduc, representantes da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), do Conselho de Educação do Ceará e dos Credes -, à qual caberia adotar “todas as providências necessárias para a efetiva implantação e operacionalização do Sistema de Avaliação, inclusive coordenando, acompanhando e apoiando a realização de todas as fases do processo” (Portaria n. 101, 2000).

A avaliação institucional orientava-se pelos princípios do Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (Paiub), quais sejam: a globalidade, a comparabilidade, o respeito à identidade institucional, a não premiação ou punição, a adesão voluntária, a legitimidade e a continuidade (Ristoff, 1994). Pequeno e Coelho (2003, p. 53) definiram esses princípios, para o contexto da avaliação institucional cearense, da seguinte maneira:

  • adesão voluntária, que respeita a vontade de comunidade em avaliar-se e ser avaliada;

  • não premiação ou não punição, uma vez que se tratando de uma autoavaliação não deve ter como objetivo decisões que visem a punir ou premiar. Essa diretriz visa a garantir a fidedignidade dos resultados obtidos, assim como estimular sua utilização na correção de falhas no processo de gestão da escola, contribuindo para o aperfeiçoamento de ações significativas;

  • globalidade, outro princípio importante, volta-se para a avaliação da escola como um todo e por todos os segmentos;

  • legitimidade e unidade, que reportam-se aos aspectos metodológicos da avaliação, os quais têm seu reconhecimento e validade pela comunidade avaliada;

  • ser processual, diagnóstica e formativa, devendo conter o princípio da continuidade, que permite a escola avaliar-se percebendo sua evolução no tempo e espaço.

Em 2003 foi incluído o princípio da publicidade, com vistas à transparência das ações realizadas pela escola, colocando-se em prática um dos princípios da administração pública, definido na Constituição Federal de 1988 (Ceará, 2005, p. 11), qual seja:

A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. (Constituição Federal, Título III, Capítulo VII, Seção I, Art. 37).

Maria Iaci Cavalcante Pequeno (Costa & Vidal, 2022, p. 27), que participou do Spaece desde o primeiro ciclo, em 1992, comenta as decorrências da assimilação desses princípios na avaliação:

A avaliação institucional tinha um papel muito importante e muito envolvimento da escola, espaço privilegiado de reflexão, de discussão do andamento de suas ações, porque um dos princípios dela era de avaliação global da escola, assim como o princípio da não premiação, da não punição, da continuidade etc., porque seguia-se os princípios do Paiub.

O relatório da avaliação institucional, elaborado pela Secretaria de Educação em 2003, evidencia que a intenção era a de que os resultados da avaliação fossem analisados e subsidiassem decisões e ações no âmbito das escolas e, além delas, das instâncias regionais (Credes) e centrais da Seduc, o que se evidencia na seguinte afirmação:

. . . a tentativa de generalizar alguns dos aspectos avaliados dar-se-á, porém, com a utilização dos itens quantificáveis, incluídos para que a Seduc e os Credes possam identificar tendências gerais e assim contar com elementos norteadores de implementação de políticas e de redefinição de diretrizes e prioridades. (Ceará, 2005, p. 14).

Coerente com essa perspectiva, os resultados da avaliação eram sistematizados em três tipos de relatórios: um produzido pela própria escola, contendo resultados a serem discutidos em plenárias com todos os segmentos; outro elaborado pelas regionais, tratando de sistematizar os resultados das escolas de sua jurisdição; e, por fim, o relatório estadual, produzido pela secretaria com base nos relatórios regionais. Esse processo evidencia a expectativa de que a avaliação institucional viesse a apoiar desde o planejamento local até o central.

A avaliação institucional contava com aporte financeiro para sua consecução, sendo, nos dois primeiros anos de aplicação (1996 e 1998), financiada pelo componente “Inovações Pedagógicas” do Projeto Nordeste. A sua incorporação ao Spaece, em 2000, possibilitou sua continuidade e fortaleceu o propósito de relacionar resultados de avaliação interna, até então existente de modo isolado, com a vertente externa, caracterizada essencialmente pela avaliação do rendimento escolar dos alunos.

Esse propósito se alicerçava na compreensão de que as duas vertentes são complementares e a sua articulação facilitaria a avaliação do sistema educacional como um todo. Nesse sentido, Pequeno e Coelho (2003, p. 42) discorrem:

É oportuno destacar que as duas vertentes não são excludentes. Muito pelo contrário, se complementam, pois, uma procura superar as limitações da outra. Assim, por exemplo, a avaliação do rendimento escolar levanta pistas e tendências que merecem ser aprofundadas pela vertente da avaliação institucional, a qual, por sua vez, sendo uma avaliação interna, precisa também do olhar externo para consolidar seus resultados.

Ainda sobre o mesmo assunto, Lima et al. (2005, p. 140) afirmam:

Nas duas vertentes, o propósito maior é o de oferecer à escola uma visão multifacetária (externa e interna) sobre seu desempenho; ao sistema e à sociedade uma visão mais abrangente sobre a escola com vistas a verificar os impactos das políticas educacionais adotadas, tendo sua preocupação focada no sistema e na melhoria da qualidade.

O compromisso com a divulgação dos resultados das avaliações era colocado como condição para viabilizar sua utilidade, como ilustra o registro de Pequeno e Coelho (2003, p. 47), a seguir transcrito:

. . . é necessário, em primeiro lugar, que os resultados da avaliação sejam amplamente discutidos e socializados com a comunidade escolar, pois não basta constatar, é preciso disseminar e fazer uso dos resultados e das informações obtidas pelas avaliações.

Esse movimento que vinha sendo construído, de buscar articular avaliação externa e interna, o qual representava avanço em relação ao que se tinha - e ainda se tem como tendência dominante em proposições estaduais e municipais de avaliação de sistema educacional -, foi interrompido em 2006.

Estudo sobre o Spaece no viés da avaliação institucional (Carvalho, 2014) traz contribuições para se compreender o significado dado pela Seduc e pelas escolas à autoavaliação institucional, como componente desse sistema. Entre as considerações trazidas, a autora constata que a lógica dominante na condução das políticas educacionais do estado, gradualmente, passou a valorizar e se pautar em resultados quantitativos, oriundos essencialmente das avaliações de desempenho dos alunos, e a utilizá-los como instrumento de controle e indução de concepções e práticas no âmbito educacional. Observa a autora que a avaliação institucional propiciava a produção de informações sobre aspectos qualitativos das instituições, os quais nem sempre podem ser expressos em “números, tabelas, cifras e estatísticas” (Carvalho, 2014, p. 8).

Com base em depoimento obtido de integrante da célula de avaliação da Seduc, a autora registra que, no entendimento de integrantes desse grupo, a avaliação institucional era compreendida como:

. . . um processo que não se limita aos resultados do desempenho dos alunos e mesmo estes resultados sendo importantes na etapa da avaliação institucional, esse tipo de avaliação não contempla outros fatores não mensuráveis, porém relevantes e que poderiam ser detectados e discutidos numa dimensão de avaliação qualitativa através da autoavaliação realizada pela própria escola. Logo, evidencia-se que essa visão muito clara da importância da avaliação institucional para a equipe da célula de avaliação contrapõe-se aos interesses dos gestores “maiores” da Seduc, o que vem confirmar a existência de relações embricadas e interesses diversos ao se formular e implementar uma política pública, um processo permeado por relações de força e poder, o que muitas vezes pode comprometer os objetivos essenciais da política. (Carvalho, 2014, p. 79).

A lógica preponderante no modo de gestão da política estadual, focalizada essencialmente em resultados oriundos de avaliação externa de desempenho dos estudantes, pode explicar, em parte, a alteração no escopo do Spaece, com a extinção da vertente avaliação institucional.

Ao comentar sobre o último ciclo da avaliação institucional, ocorrido em 2006, Lima (2022, p. 83) assinala:

Atribuo essa questão à priorização do governo desse período da questão do foco nos resultados de aprendizagem. O modelo de avaliação institucional era um modelo mais descritivo, um modelo que avaliava a questão das condições de oferta e funcionamento da escola e da formação dos professores. Eram avaliadas muito mais as condições e o processo, e a tônica do governo iniciado em 2007 era na avaliação de resultados. A explicação, talvez plausível, seja o foco mais exacerbado na política de avaliação e desempenho acadêmico focada nos resultados educacionais, e a avaliação institucional não foi tão valorizada.

Desde então parece ter arrefecido o movimento de se buscar articular, na avaliação, informações quantitativas e qualitativas, oriundas de fontes diversas, o qual se mostrava potente no sentido de contribuir para superar a falsa polarização quanto ao valor dessas informações e ampliar a concepção e a abordagem da avaliação da qualidade da educação, contrapondo-se à visão dominante no país, em redes e sistemas de ensino.

Em livro organizado por Vidal e Costa (2021) são divulgadas pesquisas que tratam de políticas educacionais implementadas no Ceará, em particular o modo de condução da avaliação externa e em larga escala e uso de seus resultados, bem como repercussões e influências dessas iniciativas no cenário educacional. Há contribuições que exploram efeitos da gestão por resultados e advertem para riscos de se tomar resultados das provas como expressão da qualidade da educação.

AVALIAÇÃO DE POLÍTICA EDUCACIONAL

Em 1999 foi realizada pela Seduc Ceará, em conjunto com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), iniciativa de elaboração e execução de proposta de acompanhamento e avaliação da política de avaliação educacional implementada à época.9

O foco da avaliação direcionou-se à apreciação de um dos eixos estruturantes da política educacional intitulado “Todos pela Educação”. Em consonância com o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Ceará 1995-1998 (Ceará, 1995), a mobilização da sociedade em prol da promoção da qualidade da educação foi assumida como um dos vetores do desenvolvimento sustentado, sob o slogan “Todos pela Educação de qualidade para todos”.

A noção do “Todos pela Educação” contemplava a colaboração entre a União, o estado e os municípios e a ampla mobilização da sociedade e de instituições, do Legislativo, do Judiciário, dos conselhos de crianças e adolescentes, dos órgãos oficiais de saúde, cultura e ação social, bem como dos meios de comunicação social.

Coerente com essa perspectiva, o delineamento da avaliação pautou-se nos princípios de uma avaliação participativa, na qual atuaram como sujeitos da avaliação gestores e técnicos do nível central e intermediário das secretarias de educação estadual e municipais, diretores de escola, professores, alunos, pais e representantes da comunidade e de organizações de trabalhadores da educação, além de integrantes do Ministério Público, das universidades, entre outros setores.

Neste artigo, o que nos interessa é revisitar a concepção assumida e os procedimentos adotados para a consecução dessa avaliação, os quais foram negociados e estabelecidos em conjunto pela Seduc e pelo Cenpec, condição reconhecida como passo inicial para que os resultados oriundos do processo se revestissem de legitimidade e tivessem maior poder de virem a ser utilizados para revisão e aprimoramento da política educacional.

À semelhança dos referenciais assumidos quando da condução da avaliação das ações de formação dos profissionais da educação no âmbito do Edurural (Sousa & Sá Brito, 1987), descritos na seção anterior, e em coerência com fundamentos que têm orientado grande parte de minhas ações no campo da avaliação educacional, foi assumida a concepção de avaliação como um processo de busca de compreensão da realidade, com o fim de subsidiar a tomada de decisões quanto ao direcionamento das intervenções, com envolvimento de integrantes das diversas instâncias das redes de ensino, bem como de integrantes de órgãos e instituições com os quais são estabelecidas interações na condução da política educacional.

Considerando que a participação de “todos” era assumida como dimensão da democratização do Estado, acordou-se que a política educacional, ao ser tomada como objeto de avaliação, precisaria ser compreendida em articulação com os contextos político, social, econômico e cultural de sua produção.

Além desse, é oportuno mencionar outros pressupostos assumidos na condução da avaliação do eixo componente da política educacional “Todos pela Educação” (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária [Cenpec], 2001). Como ponto de partida foram consideradas as iniciativas de avaliação conduzidas à época pela Seduc, que pudessem subsidiar o delineamento da proposta a ser realizada, a qual deveria ser exequível, dadas as condições técnicas, operacionais e estruturais da secretaria, propiciando, desse modo, o enraizamento da avaliação de políticas nas rotinas institucionais. Também, foi assumida a necessidade de abranger a apreciação das propostas e ações implementadas e os resultados e efeitos obtidos, previstos e não previstos, atentando-se, nas análises, às especificidades dos órgãos regionais e das escolas, decorrentes de sua história, localização, estrutura e formas de organização do trabalho.

Com base nesses pressupostos, o processo de trabalho adotado foi compreendido como uma oportunidade de se avançar em direção ao controle social da política educacional.

O percurso trilhado na avaliação foi inspirado na proposta de Michel Séguier (1976), denominada Crítica institucional e avaliação coletiva, a qual prevê a vivência de três etapas inter-relacionadas de trabalho: i) expressão e descrição da realidade, ou seja, caracterização e problematização da política proposta e sua concretização, na ótica dos diversos segmentos internos e externos à Secretaria de Educação; ii) crítica do material expresso, correspondendo à compreensão crítica e análise da realidade descrita, relativa às políticas em realização; iii) criação coletiva, etapa na qual foram indicadas ações necessárias e sugestões de rumos, quanto às intenções a serem assumidas e ações a serem empreendidas.

O modo como foi concebida e vivenciada essa experiência no estado do Ceará revelou a potencialidade da avaliação participativa para forjar um processo formativo dos diversos segmentos direta ou indiretamente responsáveis pela educação escolar e mobilizá-los para o reconhecimento de que todos, de diferentes maneiras, são responsáveis pela condução das políticas educacionais.

O reconhecimento da contribuição da avaliação, pelos sujeitos envolvidos, apoiou a intenção, à época, de se dar continuidade a processos avaliativos da política educacional nos moldes vivenciados nessa experiência. No entanto, a observação do conteúdo de relatórios de diagnósticos educacionais que têm tido maior visibilidade pública nos permite supor que os delineamentos prevalentes em diagnósticos educacionais, conduzidos pelo estado, não vêm incorporando traços de uma avaliação participativa, como ilustram os relatórios do Spaece, elaborados e divulgados pelo Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Caed),10 desde 2007, que têm como foco resultados dos testes cognitivos aplicados aos estudantes.11

É possível supor que a abordagem participativa voltada para a avaliação de políticas educacionais, que pressupunha o acolhimento e o debate de posições oriundas de diferentes segmentos e instâncias envolvidos com a produção dessas políticas, tenha sido descontinuada, dado o realce assumido à apreciação do desempenho dos estudantes como principal expressão da qualidade da educação.

ALGUNS DESTAQUES E INDICAÇÕES

O resgate e a caracterização de iniciativas de avaliação educacional, vivenciadas no âmbito da Secretaria de Educação do Ceará e divulgadas neste artigo, são ilustrativos de uma visão de avaliação que, ao se voltar para a análise da qualidade da educação pública, acolhe diferentes objetos e abordagens metodológicas, atentando-se para a necessária articulação entre avaliação interna e externa. Também, elucidam proposições que trataram a avaliação como parte integrante das políticas e programas educacionais, desde a sua formulação até a análise de seus eventuais efeitos.

Embora refiram-se a proposições datadas, os registros revelam movimentos já vivenciados na Seduc de construção de abordagens avaliativas norteadas por um propósito formativo, por meio de delineamentos que se pautam por processos interativos e negociados e reconhecem a necessidade do envolvimento de diferentes instâncias e sujeitos no processo avaliativo, ao prever participação de atores diversos que integram equipes centrais, regionais e de escolas.

Na atualidade, ressente-se de divulgação de ações que acolham perspectivas que se revistam dessas características. Aquilo a que se tem acesso, de modo dominante, é a difusão do Spaece e de sua crescente importância e aderência às políticas estaduais.

Com o propósito de identificar o sentido e o lugar dedicados à avaliação na atual estrutura e organização da Secretaria da Educação do estado do Ceará, por meio de consulta à página que divulga informações sobre as competências dessa secretaria, buscou-se inferir a concepção dominante.

Em relação à avaliação, referência é feita à lei estadual, que dispõe sobre o modelo de gestão do Poder Executivo e altera a estrutura da administração esta- dual (Lei n. 16.710, 2018).12 No capítulo III, que trata da Secretaria de Educação, o item VIII prescreve ser sua competência “desenvolver mecanismos de acompanhamento e avaliação do sistema de ensino público, com foco na melhoria de resultados educacionais”.

Considerando que os resultados que ganham proeminência são aqueles apresentados pelos alunos em provas externas, os quais têm tido ampla divulgação por meio de diversos meios de comunicação, é possível supor que, embora se faça referência à avaliação do sistema de ensino público, a avaliação, tal como apresentada, delimita, em essência, como indicador de qualidade, resultados educacionais dos desempenhos dos estudantes. Essa interpretação decorre da não observação, entre as competências da Seduc, de alusões que tratem de avaliação de insumos e processos. Além disso, dada a visibilidade na mídia ao Ceará, por seu histórico de melhoria de resultados dos estudantes nas provas, sejam as elaboradas pelo governo federal, sejam as elaboradas pelo governo estadual, é possível deduzir que resultados educacionais restrinjam-se à proficiência de estudantes. Argumenta-se que os resultados de desempenho dos estudantes podem ser tomados como expressão parcial da qualidade da educação, no entanto, esses resultados revelam-se limitados. A ênfase é dada no sujeito da aprendizagem e não, igualmente, no contexto de promoção das aprendizagens.

Assinala-se, ainda, que as diversas manifestações de profissionais da Seduc, que integram a publicação relativa ao Spaece (Costa & Vidal, 2022), tendem a realçar a perspectiva de continuidade do Spaece nos moldes atualmente vigentes, embora apresentem sugestões que, na visão dos depoentes, possam imprimir aprimoramentos na proposta em realização.

Essa proeminência que os resultados de desempenho de estudantes ocupam tende a ofuscar outras dimensões que evidenciam a qualidade - ou não - da educação, o que resulta no estabelecimento de prioridades e de decisões no âmbito das políticas públicas orientadas por indicadores muito específicos, ofuscando a análise de fatores que incidem na produção dessa qualidade.

Se considerarmos as vivências acumuladas por profissionais da Seduc, no campo da avaliação educacional, reconhecemos que a secretaria conta com um acúmulo de conhecimentos e práticas que apoiam propostas de ampliação e redirecionamento das propostas hoje preponderantes. Esse movimento, salvo engano, se faz oportuno por estar esgotando o poder indutor das avaliações externas e em larga escala, tal como usualmente conduzidas, além de evidências trazidas por pesquisas que colocam em xeque a própria noção de melhoria educacional, como ilustram estudos divulgados por Vidal e Costa (2021).

A revisão do escopo que tem sido dominante na avaliação da educação básica, que envolva a problematização das finalidades a que tem servido essa avaliação e resulte em delineamentos capazes de servir à democratização da educação, precisa contemplar, entre outros aspectos, segundo (Sousa, 2009, p. 91):

  • a análise da implementação das políticas educacionais e do papel e da função desempenhados pelas instâncias governamentais, em direção à construção de uma educação de qualidade para toda a população;

  • as instituições educacionais na definição de prioridades e encaminhamentos de decisões que possibilitem o aprimoramento de seu trabalho.

São alterações que têm como intencionalidade transformar substantivamente a abordagem de avaliação educacional preponderante nos estados brasileiros, por meio da ressignificação de seus propósitos e procedimentos.

Avaliar políticas educacionais reveste-se de complexidade, quer por abranger inúmeras vertentes, como, por exemplo, atendimento da demanda, gestão, currículo, infraestrutura, financiamento, etc.; níveis de responsabilidade - instâncias central, intermediária e escola -; diversidade, relação e simultaneidade de programas e projetos; quer pelas características das ações educacionais cujos resultados decorrem de uma multiplicidade de fatores. Portanto, resultados e efeitos obtidos não podem ser atribuídos exclusivamente às políticas educacionais.

As indicações aqui esboçadas precisam ser reconhecidas como relevantes e válidas pelos que hoje estão comprometidos com princípios de formulação e implementação de políticas para a educação básica no Brasil, pautados na aceitação da educação como um bem público, direito inalienável e imprescindível para o desenvolvimento humano e social, sendo a avaliação tomada como atividade de mediação, inerente às ações e relações educacionais e sociais.

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1Esta denominação do sistema é adotada a partir de 2000, sendo anteriormente denominado Sistema Permanente de Avaliação do Ensino do Ceará (Nota Técnica. Providências Tomadas para a Realização da Vertente Avaliação do Rendimento Escolar). Em 1992, quando de sua implantação, Pequeno e Coelho (2004) registram que o nome era “Avaliação do Rendimento Escolar dos Alunos de 4ª e 8ª Séries”, popularizando-se como “avaliação da 4ª e 8ª”.

2Seminário realizado em 9, 10 e 11 de novembro de 2022, em Fortaleza, cuja programação está disponível em: https://www.ced.seduc.ce.gov.br/seminario-spaece-30-anos/

3Para informações e análises do Projeto Nordeste, ver Cabral (1997).

4O Saeb, desde sua criação, passou por alterações em sua estrutura até assumir o delineamento atual, quando incorpora, na avaliação, a educação infantil, além dos ensinos fundamental e médio. Para mais informações consultar: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/Saeb

5No IRHJP, integraram equipe do Projeto, de forma permanente, Aurea Dreifuss, Regina Goulart de Azevedo e Therezinha Campos Avendanho. Nessa equipe, atuei como gerente do Projeto de Capacitação de Recursos Humanos.

6Neste texto trazemos excertos de Sousa (1987) e Sousa e Sá Brito (1987).

7Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), cujos propósitos foram caracterizar e cotejar sistemas de avaliação implementados por cinco unidades federadas (Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraná e São Paulo), buscando compreender seus pressupostos e contornos e analisar se e como os resultados produzidos vinham informando a formulação e a implementação de suas políticas educacionais (Sousa & Oliveira, 2007).

8Há registros distintos quanto ao ano em que a avaliação institucional passou a ser aplicada no estado do Ceará. Apesar de diversos documentos da Seduc, além de Pequeno e Coelho (2004), afirmarem que foi em 1996, o documento encontrado no sítio www.seduc.ce.gov.br/spaece.asp, acessado em 07/10/2005, informa que foi em 1994 que a Seduc “elaborou um projeto de Avaliação Institucional e passou a incentivar as escolas a aderir a esta iniciativa”. Entretanto, não se conseguiu localizar documentação relativa ao ano de 1994, adotando-se, portanto, o ano de 1996 como o de sua primeira aplicação (Sousa & Oliveira, 2010, p. 70).

9Nesta atividade participei como consultora, juntamente com Romualdo Portela de Oliveira, contribuindo para o delineamento da concepção e das ações a serem desencadeadas para avaliação da política educacional. Os elementos da proposta de trabalho apresentada ao Cenpec foram incorporados no relatório intitulado “Todos pela Educação no Ceará, 1995-1999”, publicado pelo Cenpec em 2001, produto de autoria de vários sujeitos que vivenciaram as diversas etapas desse processo.

10A página da Seduc/CE traz informações sucintas sobre o Spaece e remete ao site do Caed para consulta de informações sobre: Spaece Alfa, Spaece 5º Ano, Spaece 9º Ano, Ensino Médio, Nota Explicativa de Cálculo da Proficiência Ajustada, EJA Educação de Jovens e Adultos e Resultado por Descritores (https://www.seduc.ce.gov.br/spaece/).

11https://spaece.caedufjf.net/

12https://www.seduc.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/37/2019/06/4_lei_16710_doe_2712_2018_p5.pdf

Recebido: 10 de Fevereiro de 2022; Aceito: 02 de Março de 2023

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