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Estudos em Avaliação Educacional

versión impresa ISSN 0103-6831versión On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.34  São Paulo  2023  Epub 12-Dic-2023

https://doi.org/10.18222/eae.v34.9683 

ARTIGOS

AVALIAR PARA QUÊ? UMA ANÁLISE QUALITATIVA DO PROCESSO DE AUTOAVALIAÇÃO

¿EVALUAR PARA QUÉ? UN ANÁLISIS CUALITATIVO DEL PROCESO DE AUTOEVALUACIÓN

WHY USE SELF-ASSESSMENT? A QUALITATIVE ANALYSIS OF THE SELF-ASSESSMENT PROCESS

JULIANO REGINALDO CORRÊA DA SILVAI 
http://orcid.org/0000-0002-3430-5158

ALEXANDRE MARINO COSTAII 
http://orcid.org/0000-0003-1847-6026

MAURÍCIO ANDRADE DE LIMAIII 
http://orcid.org/0000-0002-4287-5791

CLARISSA CARNEIRO MUSSIIV 
http://orcid.org/0000-0003-0367-4345

IUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis-SC, Brasil

IIUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis-SC, Brasil

IIIUniversidade Alto Vale do Rio do Peixe (Uniarp), Caçador-SC, Brasil

IVUniversidade do Sul de Santa Catarina (UniSul), Tubarão-SC, Brasil


RESUMO

Este artigo analisou o processo de autoavaliação em um instituto federal de ensino sob a lente da gestão do conhecimento e da teoria institucional. Metodologicamente, a pesquisa caracterizou-se como qualitativa, do tipo estudo de caso. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas, observação participante e pesquisa documental. A análise de dados seguiu os procedimentos da análise de conteúdo e da técnica de triangulação. Os resultados identificam o processo autoavaliativo como um mecanismo de legitimação institucional, com incidência de mecanismos isomórficos miméticos e coercitivos. A associação das lentes da gestão do conhecimento e da teoria institucional proporcionou uma compreensão mais robusta do processo de autoavaliação, identificando limitações e potencialidades.

PALAVRAS-CHAVE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL; GESTÃO DO CONHECIMENTO; GESTÃO UNIVERSITÁRIA.

RESUMEN

Se analizó el proceso de autoevaluación en un instituto federal de educación bajo el enfoque de la gestión del conocimiento y de la teoría institucional. Metodológicamente, la investigación se caracterizó como cualitativa, como si fuera un estudio de caso. La recogida de datos se efectuó por medio de entrevistas, observación participante y estudio documental. El análisis de los datos siguió los procedimientos de la consideración de contenido y la técnica de triangulación. Los resultados identifican el proceso autoevaluativo como un mecanismo de legitimación institucional, con la incidencia de mecanismos isomórficos miméticos y coercivos. La asociación entre las lentes de la gestión del conocimiento y la teoría institucional proporcionó una comprensión más robusta del proceso de autoevaluación, identificando limitaciones y potencialidades.

PALABRAS CLAVE EVALUACIÓN INSTITUCIONAL; GESTIÓN DEL CONOCIMIENTO; GESTIÓN UNIVERSITARIA.

ABSTRACT

This article analyzed the selfassessment process in a federal educational institute through the lens of knowledge management and institutional theory. The research was characterized methodologically as a qualitative case study. Data was collected through interviews, participant observation and documental research. Data analysis followed the procedures of content analysis and the triangulation technique. The results identified the self-assessment evaluation process as a mechanism of institutional legitimation, with incidence of mimetic and coercive isomorphic mechanisms. The association between the lenses of knowledge management and institutional theory provided a more robust understanding of the self-assessment process, identifying limitations and potentialities.

KEYWORDS INSTITUTIONAL ASSESSMENT; KNOWLEDGE MANAGEMENT; UNIVERSITY MANAGEMENT.

INTRODUÇÃO

No contexto nacional, as particularidades que envolvem a educação superior brasileira são responsáveis pela protagonização de acirradas discussões desde seu surgimento, no início do século XIX. Na contemporaneidade, analisando a literatura especializada, alguns temas são mais recorrentes, como a autonomia financeira (Neves, 2007), a globalização do ensino superior (Dias, 2005), o processo de mercantilização do ensino (Sguissardi, 2005) e a avaliação institucional (Dias, 2014; Nunes et al., 2017).

O processo avaliativo institucional no Brasil, legalmente, iniciou-se por meio da promulgação da Lei n. 5.540 (1968), que instituiu normas de organização e de funcionamento do ensino superior. Posteriormente, as propostas de implementação de modelos públicos mais eficientes ficaram conhecidas como New Public Management. Não obstante, o tema da autoavaliação institucional obteve destaque a partir da promulgação da Lei n. 10.861, de 14 abril de 2004, que instituiu o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Esse sistema tem caráter impositivo (Dias, 2014), e a obrigatoriedade legal imposta ao processo autoavaliativo pode trazer indícios da incidência de mecanismos isomórficos oriundos da teoria institucional (Silva et al., 2019).

Contudo, muito mais que uma obrigação legal, a adoção de uma visão sistêmica de autoavaliação permite a geração, a gestão e a disseminação de indicadores, informações e conhecimentos valiosos para as instituições de ensino (Nunes et al., 2017). O processo autoavaliativo torna-se útil quando ocorre um procedimento de retroalimentação, um instrumento de aprendizagem capaz de coletar dados e informações que proporcionem a geração de conhecimento, possibilitando, assim, ciclos de planejamentos organizacionais aprimorados de forma ininterrupta (Marcovitch, 2018). Do contrário, a organização perderia a oportunidade de utilizar esse processo como uma força estratégica, deixando de atuar na organização, desenvolvimento e disseminação do conhecimento organizacional produzido (Lacombe & Heilborn, 2015).

Sob essa ótica, a gestão do conhecimento, que compreende um conjunto de processos que envolvem aquisição, criação, compartilhamento, armazenamento e a aplicação do conhecimento (Davenport & Prusak, 1998), pode contribuir com o processo de autoavaliação institucional. Como as instituições de ensino superior (IES) são organizações intensivas em conhecimento, a gestão do conhecimento oferece potencial para aprimorar os processos e o desempenho dessas instituições (Megnounif & Kherbouche, 2020; Sahibzada & Jianfeng, 2020).

Embora existam estudos dedicados a analisar a autoavaliação institucional à luz da teoria institucional (Silva et al., 2019), bem como estudos sobre gestão do conhecimento em IES (Asma & Abdellatif, 2016; Quarchioni et al., 2022), evidencia-se uma lacuna de pesquisas sobre a autoavaliação institucional na perspectiva da gestão do conhecimento e da teoria institucional. Assim, esta pesquisa1 contribui com a literatura ao explorar o processo autoavaliativo a partir da combinação dos dois pressupostos teóricos - gestão do conhecimento e teoria institucional -, o que não foi observado em estudos pregressos.

Dessa forma, procura-se compreender se o processo de autoavaliação institucional proporcionou avanços na IES analisada, convergindo para o preconizado pela gestão do conhecimento e em atendimento ao que é estabelecido pelo Sinaes. Por outro lado, embora haja pressões institucionais, a expansão do setor, o crescimento da concorrência e a competitividade fazem com que o processo de autoavaliação reflita o que define a teoria institucional, ou seja, a incidência de mecanismos isomórficos.

Diante da possibilidade de o processo de autoavaliação aprimorar e inovar a gestão acadêmica e administrativa das IES, e considerando a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre um tema inserido em um contexto competitivo e com intensa regulação estatal, definiu-se a seguinte pergunta de pesquisa: como se apresenta o processo de autoavaliação em um instituto federal de ensino, com base nas lentes da gestão do conhecimento e da teoria institucional?

Com uma abordagem qualitativa, investigou-se o caso do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) a partir dos significados que gestores dessa instituição atribuem ao processo de autoavaliação. O artigo inicia-se pela caracterização do ensino superior no Brasil em relação ao processo de avaliação e de autoavaliação. Em seguida, propõe um modelo conceitual e apresenta as proposições desse modelo. Num terceiro momento, discute teoricamente as lacunas deixadas pelos artigos empíricos sobre gestão do conhecimento e teoria institucional, que embasam o modelo proposto. Na sequência, apresenta a metodologia, os resultados e a discussão. Por fim, são sumarizadas as contribuições do estudo e os desafios para trabalhos futuros.

REVISÃO DA LITERATURA

Esta seção versa sobre os fundamentos teóricos que sustentaram o desenvolvimento desta pesquisa. Nessa perspectiva, o referencial teórico foi estruturado em três partes, de acordo com os eixos teóricos da pesquisa: avaliação e autoavaliação em instituições de ensino superior; gestão do conhecimento; e teoria institucional.

Avaliação da educação superior e autoavaliação institucional

A crise do Estado de bem-estar social culminou na diminuição dos gastos nas áreas sociais, e, entre as áreas afetadas, está a educação (Barreyro, 2018). Segundo Barreyro (2018), o controle desse gasto menor trouxe para a educação a adoção de políticas de accountability, como os mecanismos avaliativos inseridos nos atuais sistemas educativos mundiais.

A aplicação desses processos avaliativos em escala mundial foi iniciada com a criação de sistemas nacionais de avaliação externos em países como França, Holanda e Dinamarca (Barreyro, 2018). Na América Latina esse processo começou por volta da década de 1990. Na época, foram criadas as primeiras políticas de avaliação da educação na Argentina, no Chile e no Brasil. Tanto os modelos implantados na Europa quanto os modelos implantados na América Latina foram desenvolvidos com base nos modelos implantados pelas instituições de educação superior dos Estados Unidos, funcionando como uma forma de regulação estatal (Barreyro, 2018).

O conceito de avaliação pode ser entendido como o levantamento de informações sobre o processo que está sendo avaliado para subsidiar a tomada de decisões com vistas à melhoria do desempenho organizacional (Marcovitch, 2018). Historicamente, a avaliação institucional utilizada como instrumento de reforma ou melhoria, ou como critério para medição do desempenho das instituições de ensino no Brasil, teve seu início com a promulgação da Lei n. 5.540 (1968). Desde sua implantação legal, o processo avaliativo vem provocando mudanças nas áreas centrais do ensino superior e estabelecendo novas bases para a maneira como é pensado.

O processo avaliativo é regulado pelo Ministério da Educação (MEC). Como órgão regulador, o MEC, por intermédio do Sinaes, atua na promoção e na melhoria da educação superior no país. Entre o conjunto de instrumentos partícipes desse processo avaliativo destacam-se: a autoavaliação, conduzida pela própria instituição de ensino, mediante sua Comissão Própria de Avaliação (CPA); as avaliações externas (in loco), realizadas por agentes externos à instituição; a avaliação dos cursos; e, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), instrumentos disciplinados após a promulgação da Lei n. 10.861 (2004).

Amparadas pelo Sinaes, as orientações normativas do processo autoavaliativo são delineadas pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que estabelecem quais aspectos devem ser considerados nas avaliações internas.

A autoavaliação institucional é um processo que, após a promulgação da lei que instituiu o Sinaes (Lei n. 10.861, 2004), passou a figurar como um sistema de autoconhecimento, estimulando a realização de uma análise crítica das áreas pedagógica, administrativa, de gestão, entre outras. Nesse sentido, os resultados dos processos autoavaliativos precisam ser entendidos como uma fonte geradora de conhecimentos voltados para prioridades institucionais (Marcovitch, 2018).

Gestão do conhecimento

A história da filosofia se confunde com a história do conhecimento e pode ser vista desde a Grécia Antiga. Existe um consenso entre os grandes filósofos sobre o conhecimento ser a “verdadeira crença justificada”, conceito introduzido por Platão, conforme exposto por Nonaka e Takeuchi (2008, p. 63).

A perspectiva do conhecimento, enquanto recurso organizacional, deriva da teoria da firma baseada em recursos, Visão Baseada em Recursos (VBR), que emergiu como um tema importante na gestão estratégica (Foss, 1993). A corrente teórica da VBR propõe que os recursos internos da organização sejam utilizados como fonte de vantagem competitiva (Wernerfelt, 1984; Barney, 1986). De acordo com Barney e Hesterly (2004), a unidade fundamental de análise da VBR é constituída pelos recursos e capacidades que são controlados pela firma. Ainda segundo os autores, esses recursos incluem todos os atributos (tangíveis ou intangíveis) que auxiliem na definição e implementação de suas estratégias organizacionais. Uma perspectiva baseada no conhecimento, que postula vantagem competitiva, baseia-se em particular nos recursos de conhecimento, tácito e explícito, desenvolvidos dentro da organização (Hendriks, 1999).

As definições de gestão do conhecimento usualmente citam atividades ou processos a ela atinentes. Nesta pesquisa, analisou-se o processo autoavaliativo à luz dos processos de aquisição, criação, compartilhamento, armazenamento e aplicação de conhecimento (Davenport & Prusak, 1998; Heisig, 2009). Segundo Davenport e Prusak (1998), a aquisição do conhecimento é um conjunto de técnicas que permitem extrair o conhecimento considerado estratégico. A criação do conhecimento consiste no procedimento de oferecer e ampliar o conhecimento disponível, conectando-o ao sistema de conhecimentos da organização. O compartilhamento é o processo pelo qual o conhecimento é transmitido aos indivíduos. O armazenamento refere-se ao processo de formação da memória organizacional da organização, deixando-a disponível para acesso sempre que necessário. A aplicação remete à utilização do conhecimento dentro do ambiente organizacional.

Teoria institucional

Desde o surgimento dos primeiros estudos do professor de sociologia e direito Philip Selznick, realizados nas décadas de 1940 e 1950, a inserção da perspectiva institucional no campo dos estudos organizacionais é crescente. De acordo com Zucker (1987), a teoria institucional fornece uma visão rica e complexa das organizações. Segundo o autor e consoante ao preconizado pela teoria, as organizações são influenciadas por pressões normativas internas e externas. Essas pressões têm o potencial de influenciar seu modo de agir, tanto na busca por legitimação quanto com o intuito de melhorar o desempenho organizacional.

Na busca pela legitimação institucional, Dimaggio e Powell (2005) assinalam que, em alguns casos, as próprias organizações são responsáveis por esse continuum de pessoas e processos institucionais, denominado isomorfismo. Os autores afirmam que o isomorfismo institucional permite que a organização analise os fenômenos externos com potencial de impactar suas operações internas, possibilitando, assim, que elas tenham ciência dessas semelhanças e se orientem a partir de suas particularidades. Nesse sentido, o isomorfismo surge como um elemento capaz de auxiliar no comportamento das organizações, contribuindo para a adoção de estratégias organizacionais de sobrevivência e capazes de torná-las mais competitivas.

Diversos fatores contribuem para que as organizações trabalhem de formas homogêneas na atualidade (Meyer & Rowan, 1977). Alguns desses fatores realmente são impostos, como é o caso dos controles contábeis e da necessária adequação à legislação vigente. Não obstante, outros fatores são fomentados pelas próprias organizações quando, por exemplo, recrutam e selecionam reiteradamente profissionais das mesmas instituições de ensino, consideradas de excelência por elas mesmas ou pelo mercado em que atuam (Dimaggio & Powell, 2005). Segundo Dimaggio e Powell (2005), em virtude do processo de aculturação universitária, gradativamente internalizados, esses profissionais costumam pensar e agir de forma análoga.

Os mesmos autores identificaram três mecanismos por meio dos quais ocorre o processo de isomorfismo institucional. O primeiro é o processo de isomorfismo coercitivo, que se origina das influências políticas e do problema de legitimidade organizacional. O segundo mecanismo é o de reprodução, denominado isomorfismo mimético; nesse processo, a força das incertezas existentes no mercado e o medo de errar impulsionam as organizações a simplesmente copiarem os modelos adotados por organizações já estabelecidas no mercado, por serem elas maiores, mais poderosas ou mais antigas. O terceiro e último mecanismo é o isomorfismo normativo, relacionado diretamente com a questão da profissionalização dos colaboradores e os fatores que os tornam preferidos pelas organizações e pelas empresas de recrutamento de pessoal.

MODELO CONCEITUAL E PROPOSIÇÕES

O modelo conceitual de pesquisa (Figura 1) apresenta a autoavaliação como um processo concebido, por um lado, pela ótica dos processos da gestão do conhecimento e, por outro, pelos mecanismos isomórficos da teoria institucional. Esse modelo orienta para duas proposições (P1 e P2), que exploram a(s) forma(s) como esse processo pode ser concebido pela IES.

Fonte: Elaboração dos autores.

FIGURA 1 Modelo conceitual 

Na P1 verificar-se-á a realização de um processo de autoavaliação convergente para as premissas preconizadas pela gestão do conhecimento e voltado para os processos de aquisição, criação, compartilhamento, armazenamento e aplicação do conhecimento. Na P2 por sua vez, verificar-se-á um processo autoavaliativo voltado para a legitimação institucional, influenciado pela incidência dos mecanismos isomórficos coercitivo, normativo e mimético, oriundos da teoria institucional.

DELINEAMENTO METODOLÓGICO

Esta pesquisa caracteriza-se pela abordagem qualitativa e pela estratégia de estudo de caso (Yin, 2014; Creswell, 2010). Pretende-se compreender, de forma aprofundada, o processo de autoavaliação do IFSC a partir dos significados que os atores participantes atribuem a esse processo. O IFSC é uma autarquia federal criada no município de Florianópolis (SC) no ano de 1909, que, em 2016, terminou o ano com 22 campi e 2.191 servidores, ofertando um total de 25.657 vagas em cursos de qualificação profissional, cursos de jovens e adultos, cursos técnicos, superiores e pós-graduação (IFSC, 2018a).

No tocante à coleta de dados, utilizaram-se as técnicas de entrevista semiestruturada, pesquisa documental e observação participante (Cooper & Schindler, 2016). As entrevistas foram realizadas com seis servidores da instituição (denominados neste estudo de Ent. 1 a Ent. 6) que atuam em cargos de gestão (pró-reitores, diretores, coordenadores) e que apresentam vínculo direto e envolvimento com o planejamento e a avaliação institucional. No início de cada entrevista foi apresentado ao participante o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em que o participante declara estar esclarecido a respeito dos objetivos e dos procedimentos adotados para realização da pesquisa. As entrevistas foram guiadas por um roteiro pré-elaborado composto de tópicos norteados pelo referencial teórico da pesquisa e pela estrutura apresentada na Figura 1, tiveram duração média de 30 minutos e foram gravadas e transcritas para posterior análise.

Os dados da observação participante foram registrados em um diário de campo e envolveram questões pertinentes à temática da pesquisa observadas por um dos pesquisadores a partir de sua interação social e engajamento no contexto empírico do estudo. A base da pesquisa documental foi composta pelo Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI); pelo mapa estratégico institucional; pelos relatórios de gestão, que em atendimento ao artigo 37 da Constituição Federal (CF) de 1988, mais precisamente ao princípio da publicidade, encontram-se disponíveis no site institucional; e pelos relatórios da CPA do IFSC.

Após coletados, os dados foram analisados por meio do método de análise de conteúdo, contemplando as fases a seguir: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados, inferência e interpretação (Bardin, 2016). Os procedimentos de codificação e categorização tiveram como base a definição de categorias prévias relacionadas à gestão do conhecimento (aquisição, criação, armazenamento, compartilhamento e aplicação) e ao isomorfismo institucional (coercitivo, mimético e normativo), conforme a estrutura de pesquisa apresentada na Figura 1. Outra técnica adotada visando a conferir maior credibilidade aos resultados da pesquisa foi a triangulação, tanto do método quanto da teoria (Flick, 2009), conforme mostrado na Figura 2.

Fonte: Elaboração dos autores.

FIGURA 2 Triangulação do método e da teoria 

A triangulação do método foi realizada a partir da combinação das diferentes técnicas de coleta de dados (entrevistas, observação participante e pesquisa documental). Ela foi utilizada porque se buscou compreender o processo autoavaliativo institucional à luz das duas perspectivas: gestão do conhecimento e teoria institucional.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

O processo de autoavaliação institucional no IFSC teve início em 2005, com a instalação da primeira CPA. Em 2006, efetuou-se pela primeira vez a coleta de dados com os campi ofertantes de cursos de nível superior. Em 2007 não foi realizada avaliação institucional, e, de 2008 a 2010, a avaliação, novamente, foi direcionada apenas para os campi ofertantes de cursos superiores. A partir de 2011, após a promulgação da Lei n. 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação), foi possibilitado que toda a comunidade do IFSC participasse da avaliação institucional via internet, inclusive a comunidade acadêmica dos campi ofertantes de cursos não superiores (IFSC, 2018b). Durante o período de 2011 a 2017, manteve-se a metodologia de coletar as informações envolvendo os três segmentos (discentes, docentes e técnicos administrativos em educação) e publicizando, via internet, os resultados no ano seguinte, em atendimento à Lei de Acesso à Informação.

A partir de 2018, a CPA adotou uma nova metodologia de aplicação dos questionários e de abordagem, com periodicidade trienal. No primeiro ano, abordou-se apenas o público discente. Em 2019 procedeu-se à coleta de dados junto aos servidores, e, em 2020, foi feita a checagem das melhorias adotadas a partir dos apontamentos feitos nos relatórios 2018 (discente) e 2019 (servidores) (IFSC, 2018b). Sob o amparo da Lei n. 10.861 (2004) e orientado pela Conaes, o processo de autoavaliação do IFSC é desenvolvido em três etapas.

A primeira etapa (preparação) inicia-se com a emissão da portaria de constituição da CPA central (reitoria) e das CPAs locais nos 22 campi da rede. A segunda atividade dessa etapa é o processo de sensibilização da comunidade acadêmica acerca da importância de participar da autoavaliação institucional. Essa atividade é assim relatada por um dos entrevistados:

. . . basicamente é o e-mail, manda-se e-mail para o pessoal e lembra que tem que fazer a avaliação, que ela é importante e cada um vai ter a sua consciência se ela realmente é importante ou não, se achar importante vai acabar respondendo. (Ent. 3).

A última atividade dessa primeira etapa refere-se à elaboração do projeto de avaliação.

A segunda etapa (desenvolvimento) compreende o envio do questionário propriamente dito. Na sequência, os dados são compilados e inicia-se a análise das informações coletadas. Em relação à coleta, um servidor assim se manifestou: “é feito um questionário no limesurvey, que fica disponibilizado para os alunos para eles responderem, assim também como em relação aos servidores” (Ent. 2). A última atividade da segunda etapa efetiva-se pela análise das informações coletadas durante a atividade anterior e pela emissão dos primeiros relatórios parciais dos campi.

A terceira e última etapa (consolidação) ocorre, inicialmente, por meio da construção do relatório consolidado, ou seja, aquele que consolida os resultados dos relatórios parciais dos 22 campi. A segunda atividade é a publicização e o processo de divulgação das informações à comunidade acadêmica. Em relação à essa atividade, um entrevistado assim se manifestou: “então, os meios atuais… a princípio sim, né, ele está lá na internet ele está público. Ele está publicizado, ele está lá e qualquer um pode ter acesso” (Ent. 3). Finalizada a etapa, a legislação estabelece a realização de um balanço crítico de todo o processo autoavaliativo, o que deve começar a ocorrer a partir de 2020, de acordo com a nova metodologia adotada pela CPA central.

A autoavaliação e os processos de gestão do conhecimento

Os processos de gestão do conhecimento adotados pela pesquisa - aquisição, criação, compartilhamento, armazenamento e a aplicação do conhecimento - foram analisados na sequência de etapas que integram o processo autoavaliativo: preparação, desenvolvimento e consolidação. O resultado dessa análise é apresentado na Tabela 1.

TABELA 1 O processo de autoavaliação quanto aos processos de gestão do conhecimento 

Processo de
Auto avaliação
Gestão
Conhecimento
Preparação Desenvolvimento Consolidação
Aquisição - Aquisição pela CPA de informações e resultados da autoavaliação anterior (aquisição centrada nos integrantes da CPA). - Aquisição pela CPA de informações sobre a percepção da comunidade acadêmica em relação à instituição por meio de questionário (aquisição centrada nos integrantes da CPA). -Aquisição pela comunidade acadêmica de informações sobre os resultados da avaliação por meio da divulgação do relatório (aquisição externa à CPA de forma pontual e fragmentada).
Criação - Geração de informações por meio das fases de levantamento e análise dos dados coletados (criação centrada nos integrantes da CPA). - Criação de informações pela divulgação do relatório geral e dos relatórios parciais (criação pontual, fragmentada e não sistêmica).
Compartilhamento - Compartilhamento entre CPA e comunidade acadêmica resumido ao envio/recebimento dos questionários autoavaliativos. - Compartilhamento dos relatórios geral e parcial no site institucional, resume a fase de divulgação (a adoção de ferramentas tecnológicas adicionais para compartilhamento foi descontinuada).
Armazenamento - Armazenamento limitado àquele necessário para a geração do relatório pela CPA. -Armazenamento limitado àquele necessário para a geração do relatório pela CPA. - Armazenamento dos relatórios geral e parcial no site da instituição (tentativas de adotar novas práticas de armazenamento, como ferramentas de BI*, foram descontinuadas).
Aplicação -Aplicação das informações e de conhecimento de forma isolada, não sistêmica e não integrada ao planejamento institucional.

Fonte: Elaboração dos autores.

Em relação à aquisição de conhecimento pelos servidores, observou-se que ela ocorre de forma pontual e não sistêmica. Essa aquisição ocorre por parte da CPA quando coleta informações relacionadas a avaliações anteriores, bem como a partir da aplicação dos instrumentos de avaliação aos participantes. Nessas atividades, a aquisição de conhecimento centra-se na CPA. A consolidação das informações coletadas e sua análise são disponibilizadas à comunidade acadêmica pela publicização de relatórios no site da instituição. Porém identifica-se a percepção de que a comunidade acadêmica não se apropria deles, o que torna a aquisição desse conhecimento limitada, como ilustrado pelo depoimento que segue: “ninguém lê os relatórios da CPA, entendesse? Na minha opinião, pouca gente lê . . ., até a própria CPA tem isso, tá, eu já presenciei eles, eles acham que eles fazem para eles mesmos os relatórios” (Ent. 1).

No tocante ao processo de criação do conhecimento, identificou-se a geração de informações, na etapa de desenvolvimento da autoavaliação, também centrada nos integrantes da CPA. A criação ocorre de forma pontual (fragmentada) e não sistêmica. Assim se expressa um dos entrevistados quanto à geração de conhecimento a partir do processo de autoavaliação: “eu acho que ela [a avaliação] gera informação, informação valiosa, mas ela gera muito pouco conhecimento porque ninguém se debruça sobre ela [informação]” (Ent. 1). A expressão “ninguém se debruça sobre ela” mostra a necessidade da geração de conhecimento para além dos relatórios de autoavaliação. Reforça, também, a necessidade de apropriação desse conhecimento e da consequente geração de novos conhecimentos com vistas ao desenvolvimento institucional.

O compartilhamento do conhecimento tem se resumido à publicização das informações dos relatórios parciais pelos campi (etapa de desenvolvimento) e do relatório final (etapa de consolidação) no site institucional. A atividade de divulgação, também integrante das etapas de desenvolvimento e consolidação, encontra-se incipiente, conforme relatado por um entrevistado:

Depois que a gente faz toda pesquisa, sai todos os dados, aí a comissão senta e vai analisar, para poder montar o relatório, depois da montagem desse relatório, ele é divulgado institucionalmente através dos canais de comunicação, principalmente internet, através da página e, o passo seguinte, que a gente ainda não fez, mas que estamos em via de fazer . . . encaminhar essas informações para os diretores dos campi, para que eles se manifestem, eles deem, né, a visão deles... façam análise deles em cima daquilo que foi divulgado, eles deem um retorno para a comissão a partir daquilo ali. (Ent. 2).

O armazenamento restringe-se àquele necessário para a geração dos relatórios, atendendo parcialmente à legislação. Não obstante, têm-se armazenado informações, e não conhecimento. Nesse sentido, em relação ao armazenamento de informações, o entrevistado assim se manifestou: “então, ela [CPA] coleta [informações] pelo limesurvey e depois publica pelo PDF na internet, então é um processo interessante” (Ent. 3).

O processo de aplicação do conhecimento está em um estágio incipiente como rede. A aplicação, quando ocorre, dá-se de forma isolada, não integrada ao planejamento institucional. O relato que segue ilustra a falta de vinculação dos resultados organizacionais com os resultados da autoavaliação: “na prática a gente não consegue visualizar ou identificar com clareza que resultado que é fruto da autoavaliação institucional” (Ent. 4).

Resgatando o exposto na Tabela 1, verifica-se que, embora sejam observados processos de gestão do conhecimento em diferentes etapas do processo autoavaliativo, esses aparecem de forma limitada e não integrados ao planejamento institucional. Ademais, as informações contidas nos relatórios não se fazem necessárias para o desempenho das atividades laborativas diárias.

Na sequência, abordar-se-á a incidência dos mecanismos isomórficos no processo de autoavaliação institucional.

A autoavaliação e os mecanismos isomórficos

A teoria institucional procura explicar a estrutura e o funcionamento das organizações, uma vez que a teoria é vista como uma realidade construída socialmente (Dimaggio & Powell, 2005). De acordo com Zucker (1987), as organizações são influenciadas por pressões ou mecanismos normativos internos e externos, e essas pressões influenciam seu modo de agir, compelindo-as a incidências desses mecanismos pela busca de legitimidade, ou com o intuito de melhorar seu desempenho.

Os mecanismos isomórficos - coercitivos, miméticos e normativos - tiveram sua incidência analisada na sequência de etapas que integram o processo autoavaliativo: preparação, desenvolvimento e consolidação. O resultado dessa análise é apresentado na Tabela 2.

TABELA 2 Processo de autoavaliação quanto à incidência dos mecanismos isomórficos 

Preparação
Mecanismos Isomórficos
Preparação Desenvolvimento Consolidação
Isomorfismo Coercitivo - Atendimento da legislação marca o início da realização do processo autoavaliativo, com ações limitadas (incipientes), principalmente na fase de sensibilização. - O atendimento parcial marca a etapa de desenvolvimento do processo, com ações limitadas principalmente na fase de análise das informações. - 0 atendimento parcial da legislação marca a etapa de consolidação, com ações limitadas nas fases de publicização do relatório final e na realização do balanço crítico.
Isomorfismo Mimético - 0 mimetismo tem marcado a construção do processo por meio da adoção de modelos já implementados. Nesse sentido, a falta de clareza a respeito dos objetivos pode estar contribuindo para esta ocorrência. - O mimetismo tem marcado o desenvolvimento do processo nas atividades de aplicação dos questionários e na emissão dos relatórios parciais ao longo dos anos. - 0 mimetismo marca a etapa de consolidação, em que as carências institucionais têm sido replicadas ao longo dos relatórios sem a devida intervenção institucional.
Isomorfismo Normativo - - -

Fonte: Elaboração dos autores.

A pressão exercida pela incidência do mecanismo isomórfico coercitivo não é uma exclusividade do processo autoavaliativo. A coercitividade é materializada pela pressão legal imposta pela legislação às atividades institucionais (Dimaggio & Powell, 2005), especialmente no caso das instituições públicas onde a legislação atua de forma limitante e vinculante. Ao longo da realização das entrevistas, todos os servidores participantes desta pesquisa percebem que a realização da atividade autoavaliativa está estruturada com o objetivo de atender à legislação vigente. Não obstante, as atividades de realização e publicização não estão sendo percebidas como suficientes para atender a um processo em que se faz necessária a retroalimentação de informações e de conhecimentos. O depoimento a seguir ilustra essa afirmação:

Então, esse processo já vem sendo feito há um bom tempo, mas na minha percepção é mais uma questão legal, existe a obrigação de se fazer e a gente acaba fazendo. . . . Então essas avaliações eu faço porque eu sou obrigado a fazer, e aí eu tiro algum resultado dali e de repente eu uso, ou então só o deixo publicado. (Ent. 3, destaque nosso).

De acordo com os princípios da racionalidade, a falta de clareza conduz as organizações a adotarem modelos previamente estabelecidos, cujos efeitos de implementação já foram sentidos e podem ser copiados (Simon, 1987). O mimetismo tem marcado a construção (etapa preparação), o desenvolvimento e a consolidação do processo autoavaliativo. Nesse sentido, a adoção de práticas, estruturas e sistemas de outras IES foi confirmada ao longo da realização das entrevistas. Resgata-se o seguinte relato, onde a incidência do mimetismo fica evidenciada: “foi feito bastante benchmarking com outras instituições, só que a comissão agora trocou, eu estou falando novamente da CPA, e a nossa trocou, agora e eles têm seguido bastante o modelo antigo”. (Ent. 1).

A replicação pura e simples de um processo avaliativo sem a adoção de melhorias que objetivem integrar os departamentos e ampliar a visualização dos resultados do processo foi novamente destacada durante a etapa de coleta de dados. A continuidade das carências institucionais apontadas ao longo dos relatórios autoavaliativos tem influenciado o fator motivacional dos respondentes. A respeito dessa falta de intervenção institucional acerca dos pontos deficitários reincidentes, o Entrevistado 1 assim se manifestou:

. . . porque daí as pessoas que respondem pensam o seguinte: “não foi feito nada né, estamos respondendo no vazio, estamos respondendo”. . . . Não se sentem instigados né, “ah tem um problema, tu alega aquele problema, depois tu faz uma pesquisa no outro ano e continua o mesmo problema”, então tu não sabe pra que serve. (Ent. 1, destaque nosso).

Por fim, em relação ao isomorfismo normativo, ressalta-se que o objeto de estudo é uma autarquia federal, que tem seu processo de seleção funcional norteado pela legislação, ou seja, por meio da realização de concurso público. O instituto do concurso público faculta a entrada dos interessados por meio da necessária aprovação no certame público, onde o administrador público não exerce poder de escolha para a contratação de novos servidores de acordo com suas preferências; o processo de seleção, em regra, resume-se à aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos. Nesse sentido, a normatividade perde força e não pode ser confirmada pela pesquisa.

Autoavaliação: um processo convergente para as premissas da gestão do conhecimento ou para a legitimação institucional?

A seguir, serão discutidos os pressupostos apresentados na Figura 1. A respeito dos processos de aquisição, criação, compartilhamento, armazenamento e aplicação do conhecimento (Davenport & Prusak, 1998), os resultados da pesquisa demonstram que o processo de autoavaliação não atende ao que é preconizado pela gestão do conhecimento. Entre os fatores levantados pela pesquisa, a construção do processo autoavaliativo adotado pouco considera os interesses das áreas envolvidas: “a gente faz por uma questão legal e a gente publica por uma questão legal, quem usa, aí não sei, fica muito à mercê de eu querer usar ou não o resultado” (Ent. 3, grifo nosso). Acerca dos avanços tecnológicos, o servidor assim se manifestou:

Então, eu acho que a instituição teria realmente que pensar no formato, no resultado que ela quer ter com esse questionário e demandar da tecnologia uma ferramenta que consiga tornar isso público, de fácil compreensão, de fácil acesso, acho que esse é o grande ponto. Se ele [processo] continuar sendo apenas um documento... que está lá... que a gente não acha, ou só acha em momentos específicos e tal . . . (Ent. 3).

O processo de aquisição do conhecimento, resultante do processo autoavaliativo pelos servidores do IFSC, restringe-se à aquisição de informações pontuais, isoladas e não sistêmicas. Nesse sentido, apesar de existir a aquisição de informações, essas não são convertidas em conhecimento organizacional, comprometendo os processos de criação e de aplicação, ambos necessários para que as adaptações e mudanças sejam implantadas. Os processos de armazenamento e de compartilhamento, por sua vez, se resumem à publicização do relatório final no site institucional, não tendo sido identificada posterior utilização das informações contidas no relatório.

Em relação à incidência dos mecanismos isomórficos (Dimaggio & Powell, 2005), identificou-se a incidência dos mecanismos miméticos e coercitivos. A respeito do mimetismo institucional, a utilização de práticas ou técnicas já adotadas e que foram testadas por outras IES possibilita um avanço na implantação do processo, que tem por objetivo a construção de um modelo considerado satisfatório para a instituição que o copiou. Não obstante, a adoção de modelos já implantados e que estejam atendendo às necessidades de outras instituições não é garantia de sucesso. Nesse sentido, faz-se necessário que o modelo adotado respeite as particularidades e peculiaridades da instituição adotante.

No que diz respeito à coercitividade, a incidência legal não restringe a realização da atividade, a legislação direciona para a realização do mínimo necessário. Ainda assim, apesar da existência legal, o processo atual atende parcialmente à legalidade imposta, restringindo-se essencialmente ao levantamento anual dos dados e informações e a sua publicização final no site da instituição. Nesse sentido, Dias Sobrinho (2014) orienta que o processo de avaliação precisa buscar compreender o conjunto por meio do entendimento das partes, seja a respeito de uma dimensão específica, seja acerca da totalidade institucional vista como parte de um todo, integrando as atividades e as estruturas da instituição, tidas como um conjunto de sistemas integrados e interdependentes.

Ainda em relação à coercitividade, insta frisar que, apesar de o mecanismo legal ser visto majoritariamente como um mecanismo de controle governamental, de forma aparentemente antagônica observou-se que sua incidência pode contribuir como facilitador ao processo. Para entender esse fenômeno, Acer e Güçlü (2017) enfocam os conceitos da teoria institucional por meio de seus mecanismos isomórficos, vistos como fator associado ao rápido crescimento das IES da Turquia, em virtude de maior racionalidade na tomada de decisões estratégicas. O estudo de Owen-Smith (2011) também demonstra que, em algumas circunstâncias, a adoção de práticas institucionalizadas pode contribuir para a tomada de decisões, de forma que as soluções para dilemas complicados se tornam partes abstratas de conhecimento. O estudo explica o processo de institucionalização, a abstração de regras e como a adoção de procedimentos padronizados e racionais pode resolver problemas coletivos prementes.

O argumento da racionalidade limitada foi proposto inicialmente por Herbert A. Simon nas décadas de 1940 e de 1950, apresentando uma alternativa à visão neoclássica de racionalidade, fundamentada na imposição de axiomas para a compreensão das motivações que levam à tomada de decisões pelos gestores. Simon (1987) preconiza que somos racionais até certo ponto, e, a partir dele, agimos motivados pelo campo da irracionalidade, quando nossos saberes e conhecimentos começam a interferir no processo de decisão. Quanto às limitações de acesso ao conhecimento, o autor elucida que não é possível que o administrador tenha acesso a todas as informações e a todo conhecimento necessários para o desempenho de suas ações diárias. Dessa forma, a tomada de decisão torna-se uma tarefa baseada na racionalidade limitada, dada a impossibilidade de ter todas as informações e os conhecimentos necessários no momento de sua utilização.

No contexto das IES, conforme disciplinado pela CF de 1998, art. 207, “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”. Depreende-se que, em virtude das autonomias de que gozam as IES brasileiras, a não incidência de mecanismos isomórficos poderia levar a uma amplitude tão grande de decisões e caminhos dissemelhantes que a adoção de um plano nacional de educação, por exemplo, seria uma tarefa praticamente inviável do ponto de vista administrativo gerencial.

Os estudos do professor de sociologia e direito Philip Selznick, iniciados nas décadas de 1940 e 1950 e posteriormente expandidos por Meyer e Rowan (1977), Simon (1987), Dimaggio e Powell (2005), entre outros a respeito da perspectiva institucional, reacenderam as relações das tradições sociológicas propostas por Durkheim (1952) e Weber (1979) com a teoria organizacional, retomando elementos que até então estavam adormecidos, como é o caso da legitimidade organizacional, que revigora o poder explicativo da teoria institucional. Por conseguinte, por meio da adoção de um estilo de gestão que coadune a adoção de preceitos legais, técnicos e teóricos, promove-se a efetivação de uma gestão legalista e meritocrática, necessária especialmente no serviço público.

Diante do exposto e resgatando os pressupostos apresentados na Figura 1, a respeito do modelo conceitual de pesquisa, por meio da Figura 3 delineiam-se a ambiência e o movimento de retroalimentação que circundam o processo autoavaliativo.

Fonte: Elaboração dos autores, adaptado de Silva et al. (2019).

FIGURA 3 Ambiência do processo autoavaliativo 

A Figura 3 sintetiza as inter-relações envolvidas (IFSC/gestão, Sinaes, princípios da avaliação, processos de gestão do conhecimento e etapas da autoavaliação institucional). Frisa-se que a construção e a execução do processo autoavaliativo precisam respeitar os princípios que norteiam a gestão do conhecimento, bem como a legalidade imposta. Não obstante, em relação à legalidade imposta, identifica-se que o processo autoavaliativo do IFSC é um processo de legitimação institucional que cumpre parcialmente a legalidade inerente a essa ferramenta de qualidade institucional.

Por fim, em relação à convergência com as premissas da gestão do conhecimento, evidencia-se a possibilidade de a instituição aperfeiçoar seu processo autoavaliativo com o objetivo atender ao preconizado por esse modelo gerencial. Gerir o conhecimento é mais do que a simples agregação de processos e projetos ou a adoção de metodologias e ferramentas, refere-se à adoção de boas práticas de gestão, por meio de uma visão holística, integrada e sistêmica, fazendo o uso de tecnologias de informação e de comunicação, tendo por objetivo atender o público-alvo da instituição, nesse caso, a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como contribuição teórica da pesquisa, destaca-se a associação aqui empreendida da lente da gestão do conhecimento com a teoria institucional na análise do processo autoavaliativo. Essa associação potencializou o entendimento das particularidades envolvidas na realização desse processo, contribuindo não só para a visualização integrada de seus stakeholders, mas também oferecendo oportunidades de aperfeiçoá-lo. O estudo da incidência legal e que orienta a realização do processo autoavaliativo, à luz dos processos que norteiam a gestão do conhecimento, facilitou o entendimento da pressão exercida pela incidência dos mecanismos isomórficos.

No que se refere à contribuição prática, a pesquisa fornece subsídios tanto para o IFSC quanto para as demais instituições de ensino, ao possibilitar a definição de políticas e estratégias que sejam relacionadas à autoavaliação institucional e estejam em consonância com os preceitos da gestão do conhecimento. Os estudos sobre avaliação no contexto das instituições de ensino superior ampliam o conhecimento acerca dessa importante ferramenta de qualidade institucional, na tentativa de desmitificar alguns dogmas existentes em relação ao processo e à obrigatoriedade. Para a sociedade, a contribuição reside no fato de que uma melhor qualidade institucional possibilitará uma melhor formação acadêmica.

Conclui-se que, embora tenha se identificado um processo autoavaliativo voltado para a legitimação institucional, faz-se necessário também que o IFSC envolva os processos atinentes à gestão do conhecimento. Frisa-se que os documentos institucionais - como o organograma e o mapa estratégico (missão e visão), entre outros - destacam a importância do conhecimento, sua gestão e das pessoas para a instituição. Por outro lado, as entrevistas denotam que, em relação ao processo autoavaliativo, falta a adoção de uma estratégia integrada que possibilite a valorização tanto das pessoas quanto dos dados e das informações anualmente coletados pela CPA.

No que se refere à limitação do estudo, destaca-se que os resultados encontrados são aplicados ao contexto institucional estudado. Nesse sentido, a pesquisa retrata a realidade do período (documental e observacional) e está baseada na opinião dos servidores que ocupavam os cargos e funções durante a realização das entrevistas.

Por fim, como sugestão de estudos futuros, recomenda-se a análise do processo autoavaliativo com base na gestão do conhecimento e na teoria institucional em outras IES públicas e privadas. Estudos comparativos podem contribuir para o desenvolvimento teórico dessa temática. Recomenda-se, ainda, o desenvolvimento de pesquisas relacionadas à tomada de decisões estratégicas na área pública voltadas para a autoavaliação institucional, como tentativa de compreender os motivos que levam à escolha de determinados caminhos organizacionais. Por meio dessas pesquisas, será possível analisar os motivos legais, teóricos e técnicos que têm embasado a tomada de decisão nas IES públicas, bem como os resultados que essas decisões têm proporcionado para seu desempenho organizacional e em benefício da sociedade.

1 Este artigo é derivado da dissertação de mestrado de Silva (2019) e de trabalho publicado nos anais do XXIII Semead (Silva et al., 2020).

NOTA: Para a elaboração deste artigo, as contribuições de cada autor foram as seguintes: Juliano Reginaldo Corrêa da Silva - conceituação, curadoria de dados, análise formal, investigação, metodologia, administração de projeto, supervisão, validação, visualização e escrita; Alexandre Marino Costa - curadoria de dados, análise formal, investigação e metodologia; Maurício Andrade de Lima - curadoria de dados, análise formal, investigação e metodologia; Clarissa Carneiro Mussi - curadoria de dados, análise formal, investigação e metodologia.

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Recebido: 12 de Julho de 2022; Aceito: 06 de Setembro de 2023

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