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Estudos em Avaliação Educacional

versión impresa ISSN 0103-6831versión On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.34  São Paulo  2023  Epub 12-Dic-2023

https://doi.org/10.18222/eae.v34.9997 

ARTIGOS

REGISTROS AVALIATIVOS IMAGÉTICOS NA EDUCAÇÃO FÍSICA EM OITO ANOS DE ESCOLARIZAÇÃO

REGISTROS DE EVALUACIÓN EFECTUADOS POR IMÁGENES EN EDUCACIÓN FÍSICA EN OCHO AÑOS DE ESCOLARIDAD

IMAGE-BASED ASSESSMENT RECORDS IN PHYSICAL EDUCATION IN EIGHT YEARS OF SCHOOLING

ISecretaria Municipal de Educação da Serra (SEDU PMS), Serra-ES, Brasil

IIUniversidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória-ES, Brasil

IIIUniversidade Federal do Espírito Santo (UFES), Vitória-ES, Brasil


RESUMO

Este artigo objetiva compreender os sentidos atribuídos por uma professora e seus alunos ao uso de registros avaliativos imagéticos (portfólio fotográfico, maquetes, desenhos, cartazes, histórias em quadrinhos) nas aulas de educação física durante oito anos de escolarização. De natureza qualitativa, utiliza como fontes narrativas de uma professora e de 28 alunos do 9º ano do ensino fundamental. Os resultados indicam que o uso desses registros potencializa: a) a autoavaliação; b) o protagonismo estudantil; c) a interpretação dos sentidos atribuídos ao aprender na educação física; e d) a rememoração do processo de ensino-aprendizagem. O artigo conclui que a avaliação por imagens fortalece o diálogo, a pesquisa e a reflexão entre os alunos e sua professora, revelando diferentes formas de aprendizagem.

PALAVRAS-CHAVE AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM; REGISTRO DO RENDIMENTO ESCOLAR; EDUCAÇÃO FÍSICA; ENSINO FUNDAMENTAL.

RESUMEN

Este artículo tiene el propósito de comprender los sentidos que una profesora y sus alumnos le atribuyen al uso de registros de evaluación por imágenes (portafolio fotográfico, maquetas, dibujos, afiches, historietas) en las clases de educación física durante ocho años de escolarización. De naturaleza cualitativa, utiliza como fuentes narrativas de una profesora y de 28 alumnos del 9º año de educación fundamental. Los resultados indican que el uso de tales registros potencia: a) una autoevaluación; b) el protagonismo estudiantil; c) la interpretación de los sentidos que se atribuyen al aprender en educación física; y d) la rememoración del proceso de enseñanza-aprendizaje. El artículo concluye que la evaluación por imágenes fortalece el diálogo, la investigación y la reflexión entre los alumnos y su profesora, revelando distintas formas de aprendizaje.

PALABRAS CLAVE EVALUACIÓN DEL APRENDIZAJE; REGISTRO DEL DESEMPEÑO ESCOLAR; EDUCACIÓN FÍSICA; EDUCACIÓN FUNDAMENTAL.

ABSTRACT

This article aims to understand the meanings attributed by a teacher and her students to the use of image-based assessment records (photographic portfolios, models, drawings, posters, comics) in physical education classes during eight years of schooling. This qualitative study uses as its sources the narratives of a teacher and 28 students from the 9th grade. The results indicate that the use of these records enhances: a) self-assessment; b) student empowerment; c) the interpretation of the meanings attributed to learning in physical education; and d) the recollection of the teaching-learning process. The article concludes that image-based assessment strengthens dialogue, research and reflection between students and their teachers, revealing different ways of learning.

KEYWORDS LEARNING ASSESSMENT; RECORD OF SCHOOL PERFORMANCE; PHYSICAL EDUCATION; ELEMENTARY EDUCATION.

INTRODUÇÃO

Como analisar a aprendizagem dos alunos nas aulas de educação física (EF) durante os oito primeiros anos do ensino fundamental (1º ao 8º ano)? Uma das possibilidades que surgem no campo acadêmico são os estudos com narrativas autobiográficas no cotidiano escolar, que tentam dar centralidade ao modo como o indivíduo narra e interpreta sua formação humana. Ao mesmo tempo que problematizam os múltiplos significados que são atribuídos às experiências dos sujeitos, desafiam a refletir sobre as maneiras como os estudantes se apropriam do mundo, projetando a escrita de suas histórias de vida.

Nesse sentido, as narrativas permeiam uma prática científica, na educação, que toma a experiência em temporalidades para problematizar e compreender os modos singulares como os sujeitos interpretam suas experiências de aprendizagem (Josso, 2000), abrindo análises para entender como os alunos aprendem e interagem com seus pares e com seus professores. Neste artigo, buscamos perceber, por meio das narrativas autobiográficas de estudantes e de uma professora, o que esses sujeitos expressam em relação às experiências que tiveram nas aulas de EF, evidenciando os registros avaliativos que permitem perceber a aprendizagem com as práticas corporais.

A investigação autobiográfica, realizada neste estudo,1 insere-se nas práticas avaliativas que são realizadas na educação básica, especificamente no ensino fundamental, analisando como alunos e professores dão sentido às experiências com a avaliação por meio de registros de imagens, a fim de identificar o que é ensinado, o que se aprende e o que se faz com o que é aprendido (Santos et al., 2014, 2019).

O estudo se justifica na medida em que pesquisas como as de Stieg, Garcimartín, Salamanca e Hernando (2022, p. 808) indicam a existência de poucos estudos que contemplem a discussão da avaliação nas aulas de EF no ensino fundamental em contexto brasileiro (cinco estudos) e da América Latina de modo geral (sete estudos). Além disso, nos estudos encontrados, os temas se concentram principalmente em quatro tópicos: a) no modo como os professores narravam suas práticas avaliativas (Santos et al., 2014, 2019); b) na análise dos registros avaliativos produzidos por alunos e que permitiram narrar suas experiências corporais (Santos et al., 2015); c) na relação entre a autopercepção de competência e o desempenho acadêmico e motor da criança (Costa et al., 2019); e d) nas percepções que os alunos do ensino médio têm de escola e escolarização (Reis, 2012; Brandolin et al., 2015; Fabri et al., 2016; Pereira & Lopes, 2016; Stieg et al., 2020; Stieg & Santos, 2021).

Para tanto, objetivamos, neste artigo, compreender os sentidos atribuídos por uma professora e seus estudantes ao uso de registros avaliativos imagéticos durante oito anos de experiência com EF escolar. Com base nas memórias de alunos do ensino fundamental, problematizamos: como as narrativas autobiográficas revelam os sentidos atribuídos às práticas avaliativas da professora por meio do uso de registros imagéticos? De que maneira a ação investigativo-formativa que toma como centralidade as narrativas dos alunos evidencia o que foi aprendido nas aulas de EF ao longo de oito anos de escolarização?

Pretendemos também analisar as contribuições do portfólio fotográfico como possibilidades de avaliação e de reflexão sobre as experiências com as práticas corporais, além de evidenciar iniciativas de pesquisa que envolvem narrativas autobiográficas, com o objetivo de compreender a complexidade, as dúvidas, as descobertas e as tensões dos processos de avaliação e da aprendizagem nas aulas de EF no ensino fundamental.

A partir disso, organizamos o artigo em três partes: a) apresentação das bases teóricas e metodológicas que sustentam a pesquisa; b) problematização das práticas avaliativas da professora ao longo de oito anos de escolarização, com foco na rememoração de suas experiências avaliativas e dos significados que os estudantes atribuem a essas experiências; e c) discussão da iniciativa de pesquisa-formação com o ateliê biográfico, em que os alunos relembram suas experiências com a EF escolar e realizam uma autoavaliação, mostrando o que fizeram com o que aprenderam nas aulas desse componente curricular.

TEORIA E MÉTODO

A pesquisa, de natureza qualitativa do tipo narrativa autobiográfica (Souza, 2006), teve como local de pesquisa a escola A.C.M., localizada na cidade de Vitória (Espírito Santo). Isso foi possível por se tratar de um estudo de caso da trajetória de atuação de uma professora de EF com o mesmo grupo de alunos, durante oito anos de escolarização (2007 a 2014). É importante destacar que a etapa de ensino que corresponde ao ensino fundamental se constitui de nove anos (1º ao 9º ano). Nesse sentido, os estudantes entrevistados no momento da pesquisa estavam cursando o 9º ano do ensino fundamental e, por esse motivo, as experiências compartilhadas por eles são referentes aos anos que eles já haviam cursado, ou seja, do 1º ao 8º ano do ensino fundamental.

O interesse pela pesquisa surgiu a partir da participação da professora em dois cursos de formação continuada oferecidos pelo Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (Proteoria) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), no período de 2012 a 2014, com participação dos autores deste artigo, na condição de integrantes da equipe que ofereceu os cursos e fez a coleta de fontes para posterior análise. Naquele momento, chamou nossa atenção a peculiaridade de registros avaliativos iconográficos (por imagens) que a professora havia utilizado em seu cotidiano escolar e que foram compartilhados no decorrer dos cursos de formação continuada.

Essa formação objetivou valorizar e apresentar possibilidades de práticas docentes, tendo como centralidade a relação colaborativa entre a universidade e as escolas de educação básica. Assim, buscamos proporcionar momentos de partilha das trajetórias profissionais entre professores e pesquisadores, refletir sobre suas experiências pedagógicas e, a partir disso, sistematizar possibilidades de práticas de ensino e de avaliação na EF escolar (Luis, 2007).

Com isso, realizamos encontros coletivos e individuais, com discussões de diversos temas que envolvem as experiências produzidas no cotidiano escolar, entre eles avaliação, conteúdos, livros didáticos e identidades da EF. A formação incluiu um total de 12 encontros de grupo e 8 entrevistas individuais entre 2012 e 2014, conforme indicado na Tabela 1.

TABELA 1 Momentos da produção das narrativas autobiográficas com os professores 

Narrativas produzidas na formação de 2012 Narrativas produzidas na formação de 2013 Narrativas produzidas no ateliê biográfico em 2014
Questionário e grupo focal sobre livro didático (1) Entrevista semiestruturada sobre projetos pedagógicos (1) Entrevista semiestruturada sobre práticas avaliativas e portfólio fotográfico (1)
Grupo focal sobre identidades da EF como componente curricular (1) Narrativa autobiográfica sobre a prática pedagógica com o projeto “Ritmo, musicalidade e cultura afro-brasileira” (3) Narrativa autobiográfica docente em frente ao portfólio fotográfico (2)
Grupo focal sobre propostas curriculares estaduais (1)
Grupo focal sobre conteúdos de ensino e avaliação (1)
Grupo focal sobre perspectivas de formação continuada (1)
Apresentação do texto oriundo da narrativa autobiográfica produzida com a equipe de formação (1)
Questionário da avaliação da formação continuada (1)
Grupo focal sobre práticas avaliativas e progressão dos conteúdos (1)
Entrevista semiestruturada sobre formação inicial e continuada (1)
Entrevista sobre conteúdos, avaliação e metodologias (1)
Narrativa autobiográfica sobre práticas pedagógicas do professor (3)
13 reuniões 4 reuniões 3 reuniões
TOTAL: 20 reuniões

Fonte: Elaboração dos autores com dados da pesquisa.

Nesses encontros, uma participante (Professora E) narrou suas experiências pedagógicas, destacando a forma como registrava suas aulas, utilizando fotografias, maquetes e desenhos como estratégias avaliativas e para refletir sobre sua prática docente. O interesse pelo uso de imagens nas aulas, segundo a professora, surgiu em 2007, a partir do estágio supervisionado realizado em parceria com alunos do curso de licenciatura em EF da UFES. Com eles, a professora desenvolveu o projeto “Ginástica geral”, com duas turmas do 4º ano do ensino fundamental. Na ocasião, foi proposto o registro fotográfico das atividades pedagógicas para exibição em uma mostra cultural na escola. No entanto, durante a formação continuada, a professora relatou que o impacto do uso do portfólio fotográfico foi percebido como algo positivo pelos pais e alunos, na medida em que permitiram a eles avaliar a trajetória e a progressão do ensino e da aprendizagem nas aulas de EF. Esse fato levou a professora a planejar suas aulas e realizar a avaliação por meio de registros imagéticos.

Partimos do compromisso ético e estético de que as teorizações se constituem tomando como fio condutor (Ginzburg, 1989) a narrativa dos protagonistas do cotidiano escolar para analisar e entender as tensões e invenções do ensinar e aprender na educação básica brasileira. Assim, optamos pelo caminho metodológico do ateliê biográfico (Delory-Momberguer, 2006), que permite compreender a avaliação e a projeção do ensino-aprendizagem ao longo de oito anos de escolarização. A utilização do ateliê biográfico se baseou em um trabalho de exploração das trajetórias de vida dos alunos e da professora.

No primeiro momento, dedicamos atenção às narrativas da professora, de modo a identificar maneiras de fazer (Certeau, 2014) as práticas avaliativas com seus estudantes. Além disso, analisamos as relações de distância e proximidade entre o narrado pela docente e seus alunos, para entender o que foi ensinado, os registros avaliativos utilizados, o que os alunos aprenderam e o que fazem com o que aprenderam.

Diante do vasto baú de memórias (Benjamin, 1994) da professora sobre sua trajetória nas práticas docentes de EF, agendamos quatro encontros no período de dois meses, na UFES. A professora trouxe todos os seus registros: portfólios fotográficos, cadernos e anotações dos alunos, conforme exposto na Figura 1.

Fonte: Acervo da Professora E.

FIGURA 1 Uso de imagens como narrativas autobiográficas 

A Figura 1 apresenta as singularidades e os usos (Certeau, 2014) de imagens com diferentes gêneros textuais: desenhos, fotografias e esculturas em massa de modelar. Essa diversidade imagética evidenciou práticas avaliativas dialógicas entre a professora e seus alunos.

As narrativas autobiográficas da professora foram obtidas por meio de entrevistas concedidas ao Proteoria de 2012 a 2014, e as dos alunos foram produzidas de setembro a dezembro de 2014. Todas as entrevistas foram transcritas para produzir categorias posteriormente.

Solicitamos, inicialmente, a autorização da direção escolar para fazer a pesquisa com os alunos. O segundo passo foi identificar aqueles que acompanharam a professora durante oito anos de escolarização no ensino fundamental e que estudavam em duas turmas do 9º ano (9º A e 9º B). Assim, a pesquisa contou com o consentimento e colaboração de 28 alunos, sendo 16 do sexo feminino e 12 do sexo masculino. A Tabela 2 apresenta a divisão por turmas, a quantidade de alunos que participaram do ateliê biográfico e os momentos de produção de narrativas dos alunos. A cada sujeito participante foi atribuído um número para salvaguardar, no contexto ético do estudo, a identificação anônima dos alunos, que são menores de idade. Destacamos que os alunos assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido, e as famílias, o Termo de Consentimento, autorizando o uso dos registros produzidos para a pesquisa, conforme previsto pelo Comitê de Ética da UFES, aprovada sob o Processo CAAE n. 15419913.4.0000.5542.

TABELA 2 Identificação dos alunos por turma, sexo e momentos de participação na pesquisa 

Grupos Narradores Momentos do ateliê biográfico e número de encontros
Sexo feminino Sexo masculino
9º A Aluna 1
Aluna 2
Aluna 3
Aluno 4
Aluno 5
Aluno 6
Aluno 7
Aluno 8
Aluno 9
Reunião de exposição do projeto (1)
Exposição e produção fotográfica (1)
Construção de narrativas autobiográficas (2)
9º B Aluna 10
Aluna 11
Aluna 12
Aluna 13
Aluna 14
Aluna 15
Aluna 16
Aluna 18
Aluna 19
Aluna 23
Aluna 24
Aluna 25
Aluna 26
Aluno 17
Aluno 20
Aluno 21
Aluno 22
Aluno 27
Aluno 28
28 narradores 16 alunas 12 alunos 4 reuniões

Fonte: Elaboração dos autores com dados da pesquisa.

Os encontros de produção do ateliê biográfico com os alunos tiveram três momentos: 1) conversa explicando os objetivos do estudo; 2) seleção, pelos alunos, dos registros avaliativos utilizados pela professora que mais marcaram suas experiências de aprendizagem e avaliação em EF; e 3) produção de narrativas sobre suas trajetórias com práticas avaliativas e processos de ensino e aprendizagem em EF durante os oito primeiros anos de escolarização no ensino fundamental (1º ao 8º ano). Para isso, o pátio da escola foi organizado como ambiente expositivo para uma mostra fotográfica. Os estudantes receberam uma câmera para manipular os materiais expostos e fotografar as imagens que marcam suas histórias com a EF escolar, conforme mostra a Figura 2.

Fonte: Acervo da Professora E.

FIGURA 2 Momentos do ateliê biográfico 

Assim, as narrativas foram produzidas de acordo com a ordem das fotos (Didi- -Huberman, 2012) estabelecida pelos alunos. A partir dessa organização, eles foram convidados a narrar suas trajetórias formativas de escolarização com práticas avaliativas e processos de ensino e aprendizagem em EF.

Para Certeau (2006) o pesquisador deve considerar na análise das fontes produzidas: a) a forma como a narrativa foi organizada, desde as fontes escolhidas até a ordenação temporal do discurso; b) o jogo ético e estético com a linguagem, nos movimentos de autoria das experiências narradas, incluindo os jogos táticos e estratégicos do narrador, nos elementos textuais visíveis e silenciados na história; c) atividade de memória, continuidades e rupturas na forma de narrar e relacionar o vivido nas aulas de EF com outras experiências.

Por fim, interrogamos as narrativas autobiográficas da professora e dos alunos em sua totalidade. Ao escavarmos camadas e compararmos as fontes (Ginzburg, 1989), constituímos dois eixos: a) a trajetória da professora com o uso do portfólio fotográfico; e b) a pesquisa compartilhada após oito anos de escolarização. Dentro desses eixos, indicamos quatro categorias de análise.

RESULTADOS

A trajetória da professora com o uso do portfólio fotográfico

Considerando as pistas deixadas pelas narrativas, organizamos a análise deste eixo em duas categorias: a) processos de ressignificação das práticas avaliativas; e b) ampliação da concepção de avaliação por meio do portfólio fotográfico.

Processos de ressignificação das práticas avaliativas

Com base nas narrativas da professora, identificamos que as formas de inventariar registros avaliativos em EF estão relacionadas ao modo como ela fez uso de suas experiências formativas (Josso, 2000). Chama a atenção a maneira como a professora foi ampliando suas estratégias de avaliação desde que estabeleceu alianças com alunos da UFES, em 2007, e por ter participado da formação continuada com professores e alunos do Proteoria entre 2012 e 2014.

Eu me formei em 1991, apesar de ter entrado em 1985 na Universidade Federal do Espírito Santo. Eu tive o privilégio de estudar um currículo muito bom. Era diversificado, aprofundado. Eu me empolgava! Eu guardo até hoje os materiais, livros, os quais eu pesquiso para minha prática. Então aprendi a ensinar para a diversidade e busco fazer isso até hoje. Eu vou desenvolvendo conforme a necessidade do aluno, vejo o que aprenderam no ano anterior e vou dando progressão àquilo. Entendo que formação é estar sempre aprendendo. Essa história de um registro mais elaborado com imagem começou quando recebi estagiários da Universidade Federal do Espírito Santo no ano de 2007. Eles usaram como avaliação o portfólio e, no final, reuniram tudo em um CD e deu à escola. No ano seguinte comecei a fazer isso com as turmas do fundamental. Eu tenho minhas pastas, as fotos, os arquivos que aproveito de um ano para o outro, faço releituras e vou melhorando meu trabalho ano a ano. . . . Também tem meu caderninho. É um bloquinho de anotações das aulas onde faço meus rascunhos. (Professora E, 2012).

Para mim foi ótimo participar da formação aqui, no Proteoria, e organizar a minha experiência educativa. Eu vinha há três anos organizando os materiais, os registros de todas as aulas, de maneira mais sistematizada. Antes da formação aqui eu só socializava esse material com os pais e os alunos. Agora, pensando em compartilhar com os colegas de EF foi muito bom, porque, quando a gente discutiu, principalmente, o tema avaliação, eu consegui pensar mais sobre a questão do registrar. Eu sempre me preocupei com isso, mas pensando mais em retornar meu trabalho para os pais, a comunidade escolar. Eu rascunhava os registros das aulas, mas não tinha bem registrado o projeto todo sistematizado do que foi o processo educativo. Então aqui, na formação, eu gostei muito, me desafiou a pensar o registro como forma de repensar minha prática pedagógica e melhorar a escrita de projetos pedagógicos. (Professora E, 2014).

A narrativa da professora percorre a forma como sua profissionalidade docente foi se estabelecendo (Nóvoa, 1992), destacando iniciativas desde a graduação, pela construção e produção de registros das experiências formativas ao guardar “os livros, as pastas até hoje”. A pesquisa como norteadora da prática pedagógica foi assumida em sua trajetória profissional e foi ampliada nos diálogos com a universidade, por meio do estágio supervisionado e da formação continuada no Proteoria.

Ao entender que “formação é estar sempre aprendendo”, a professora dá indícios da importância de construir uma prática pedagógica que, por meio de diferentes aportes didáticos, reflete sobre sua ação docente continuamente na escola. Entre essas iniciativas está a produção de registros avaliativos imagéticos.

Essa compreensão da prática pedagógica converge com os estudos que chamam a atenção para os impactos do ensino da avaliação educacional na formação inicial de professores em EF, ao considerar que as práticas avaliativas na educação básica são uma tradução dos saberes teóricos e práticos vivenciados na sua trajetória de formação acadêmica (Santos et al., 2016, 2019; Paula, Ferreira, Stieg, Cassani et al., 2018; Paula, Ferreira, Stieg & Santos, 2018; Frossard et al., 2021; Stieg et al., 2020; Stieg, Ferreira, Frossard & Santos, 2022).

A potencialidade da prática docente da professora está alicerçada em uma EF que tem como base a trajetória profissional tecida em sala de aula e por meio da pesquisa. Assim, identificamos a transição de uma concepção de avaliação por objetivos (focalizada no uso de registros para retroalimentação do processo educativo) para uma perspectiva investigativo-formativa, que consiste em tentar compreender em que medida os processos de aprendizagem ocorrem na vida dos alunos.

Antes eu avaliava por objetivos. Fazia ficha de objetivos alcançados e não alcançados. De um tempo para cá, construo critérios mais gerais, que são três: o que o aluno aprendeu sobre o conhecimento que ensinei, como construiu a relação com o conteúdo de maneira coletiva com os colegas e o respeito às regras no sentido mais amplo, do esporte e das que construímos na escola. Para mim, avaliação é para vermos a progressão do aluno. Então considero muito a plasticidade do movimentar, no intuito de constatar como corporalmente houve o domínio do que ensinei. Para isso, eu observo as aulas e anoto no meu caderninho, faço provas orais e escritas, faço avaliação prática do tipo plano de jogo, eles demonstram para mim as regras. As fotografias eu uso mais como uma forma de feedback, para que os alunos tenham uma percepção do que estão fazendo, e com eles converso sobre as possibilidades de melhorias. Eu me interesso sobre a apreensão do movimentar-se. Foi essa inquietação que me levou a produzir registros em sala de aula. O interesse do trabalho com a imagem era que o aluno se olhasse, tivesse uma imagem de si e como vai formando sua identidade com as práticas corporais. (Professora E, 2014).

Percebemos que a professora concebe as práticas avaliativas como o principal fator de investigação das mudanças e construções de juízos de valor e tomadas de decisão, bem como sobre o que ensinou e o que proporcionou aprendizagens aos alunos. Notamos, ainda, a relação entre a forma de pensar a avaliação e como ela concebe o papel da prática pedagógica na EF escolar.

Moura e Antunes (2014), ao discutirem a especificidade da avaliação na EF, afirmam que a aprendizagem resultante da experiência do movimento e socializada deve ser o eixo central para pensar os saberes a serem avaliados nesse componente curricular.

Ao enfatizar a produção de registros avaliativos ancorados nas histórias das práticas cotidianas, entendemos que eles ampliam e se aproximam de uma concepção de avaliação indiciária investigativo-formativa, uma vez que produzem diferentes modos de reflexão sobre os processos educativos. Quando a professora afirma que “as fotografias eu uso mais como uma forma de feedback, para que os alunos tenham percepção do que estão fazendo, e conversamos sobre possibilidades de melhorias”, observamos a abertura para o diálogo com os estudantes. Os depoimentos dessa ampliação da atividade avaliativa são identificados nas narrativas dos alunos, destacando aspectos positivos no uso de provas escritas:

Tem coisas que a Professora E se diferencia dos demais professores que tivemos que foi a prova. A questão de ela passar prova escrita para escrevermos sobre o que a gente achou da aula dela, o que a gente aprendeu do que ela ensinou. Sobre exercícios, o que aprendemos sobre o movimento. Eu, particularmente, não gostava. A gente já fazia tudo na aula, ainda tinha que fazer prova? É melhor a avaliação física que a escrita. (Aluna 14).

Eu gostava da prova escrita. Aprendíamos mais sobre os esportes, as regras. (Aluna 15).

A outra professora que tivemos, no 6º, 7º e 8º ano, não passava prova, ela deixava mais livre. A Professora E passa e acho isso interessante. (Aluno 28).

A ênfase das narrativas dos alunos se refere ao potencial da ação docente em ter uma aula sistematizada. Ao mesmo tempo, delimitam o lugar privilegiado que a prova escrita ocupa, apesar de a Aluna 15 ter demonstrado preferência pela prova prática (física), em detrimento da prova escrita.

Santos et al. (2016) salientam que é importante entendermos o sentido do que vem a ser a prática corporal, o que não significa avaliar apenas os aspectos motores, mas entendê-la como uma forma de saber entre outras tantas possíveis. Dessa maneira, devemos estar atentos para o uso de diferentes registros avaliativos, suas intencionalidades, os sentidos que lhes são atribuídos e as concepções que os fundamentam (Fernandes, 2009).

Entendemos que, nas aulas de EF, as práticas requerem uma avaliação que leve em consideração as relações epistêmicas do saber (Charlot, 2000). Aprender, nesse componente curricular, vai além dos usos das escritas grafocêntricas (Côco, 2014) que, historicamente, constituíram as ações pedagógicas da escola com função social centralizada nos domínios da leitura e da escrita em língua materna e algébrica.

Esteban (2009) aponta que a escola pública brasileira é marcada por tensões e conflitos, desprovida de percepção e de um projeto único, o que leva a questionamentos sobre a padronização dos processos de avaliação da aprendizagem pautados em parâmetros uniformes, principalmente nas formas como a pedagogia do exame elimina a dimensão intersubjetiva da aprendizagem. Corroboramos o pensamento da autora, quando defende que o aluno não aprende apenas lendo e escrevendo. Aprendizagens são práticas singulares dos sujeitos originários da relação que se estabelece entre experiências com os livros, conhecimentos praticados e outras esferas do campo do saber.

No contexto da EF escolar, aprender está associado a se expressar corporalmente, pois fazê-lo não pode ser considerado apenas natural, espontâneo ou biológico; está principalmente relacionado a questões culturais, afetivas e sociais (Santos & Maximiano, 2013a, 2013b; Santos et al., 2016). Entendemos que essas experiências se tornam saberes inscritos no corpo (Charlot, 2000) e que, para avaliá-las, é necessário realizar uma imersão investigativa que questione os significados da aprendizagem com as práticas corporais.

Ampliação da concepção de avaliação por meio do portfólio fotográfico

Na segunda categoria, analisamos as narrativas dos alunos sobre a prática docente de sua professora, que evidenciam a relação entre a forma como se concebe o ensino das práticas corporais e a aprendizagem da EF com os processos avaliativos como a pesquisa. Os projetos (“Ginástica geral” e “Jogos e brincadeiras”) desenvolvidos entre 2008 e 2010 com o grupo de alunos participantes da pesquisa, quando cursavam o 2º e 5º ano, são exemplos de sistematização da prática educativa da professora, que narra o tema, destacando que eles duraram: “vários anos, porque eu comecei a registrar tentando esquematizar um trabalho de continuidade do conteúdo. Como segui com os alunos, dei sequência ao trabalho” (Professora E, 2012).

Nesse caso, os conteúdos se potencializam quando são tecidos cotidianamente e se expandem à medida que as dimensões cultural, histórica, social, afetiva e motora se entrelaçam para atender às necessidades dos alunos. O que determina a diversificação e o aprofundamento dos conteúdos está na prática avaliativa investigativa, na escuta dos alunos, no reconhecimento de seu protagonismo através do anúncio de reflexões sobre o processo educativo (Matos et al., 2015, Santos et al., 2017).

Observamos a preocupação contínua da professora em viabilizar as possibilidades de realização das práticas corporais e evidenciar o aprendizado dos alunos no processo educativo. Essa busca ganha força na produção de registros avaliativos por meio de imagens. Para tanto, notamos que a utilização do portfólio fotográfico tem sido uma estratégia de ampliação da concepção de avaliação praticada por ela. Na Figura 3, o uso de registros de imagens demonstra a preocupação da professora em reproduzir uma sequência de execução do rolamento de ginástica. Dessa forma, registrar movimentos a partir de fotografias busca dar materialidade à prática avaliativa para reflexão futura sobre os processos de ensino e de aprendizagem.

Fonte: Acervo da Professora E.

FIGURA 3 Usos do portfólio fotográfico 

A Figura 3 representa uma prática avaliativa que inicialmente se centra no ensino, evidenciando uma investigação da aprendizagem por meio do olhar da professora que fotografa e demonstra. Na narrativa, notamos a preocupação desse registro, direcionando o aluno a pensar sobre os erros e acertos do fazer com a prática da ginástica.

No entanto as intenções de utilização do portfólio fotográfico têm, na opinião dos alunos, dois significados: a) aqueles que concordam com a professora sobre a finalidade desse registro avaliativo; e b) aqueles que ampliam a função dessa ação educativa, como se vê nas narrativas:

Eu entendo que a professora ficava tirando foto da gente para podermos relembrar o que a gente era antes e o que mudou com nosso crescimento. É mostrar o desenvolvimento. (Aluna 15).

Eu acho que as fotos eram para motivar a gente a não ficar à toa. (Aluna 14).

Entendemos que tanto as alunas como a professora apontam diferentes significados para os usos do portfólio fotográfico na EF, como motivar, ver o desenvolvimento do movimento gímnico e relembrar o processo de ensino. Na Figura 3, também identificamos que o portfólio fotográfico permitiu a reflexão dos praticantes sobre a aula e o conteúdo trabalhado. Nesse caso, há a produção de sentidos ao aprender por meio da leitura de imagens, que consiste em ver e relacionar o que a professora ensinou com o que os alunos aprenderam nas aulas de EF.

A constituição do portfólio fotográfico, mais que uma estratégia utilizada para documentar momentos, apresenta-se como espaço de escrita-narrativa que fala de um lugar social. Essas narrativas (imagens) devem ser entendidas como enunciados carregados de significados que os sujeitos atribuem às próprias experiências de vida e com outros agentes sociais (Bakhtin, 1992). Corroboramos o pensamento de Benjamin (2013), que afirma que toda leitura humana por imagem se apresenta como ato constitutivo do sujeito tanto na forma de compreender o mundo como de produzir sentidos com o que lhe é oferecido.

Por meio de registros avaliativos baseados na concepção indiciária investigativo-formativa, professores e alunos investigam o que e como se aprendeu e o que é feito com o que foi aprendido (Santos, 2005). Portanto é interessante compreender que o uso que a professora fez do portfólio fotográfico muda a centralidade do ensino e se expande à medida que ela assume o contexto e as fotografias dos alunos sobre o processo educativo aprendido. A Figura 4 apresenta outros registros avaliativos imagéticos utilizados por ela e que foram incluídos no portfólio fotográfico, mostrando diferentes modos de expressar as aprendizagens dos alunos nas aulas de EF.

Fonte: Acervo da Professora E.

FIGURA 4 Imagens de registros avaliativos produzidos pelos alunos e que narram suas aprendizagens 

Na Figura 4, é possível identificar que os alunos produziram maquetes em massinha de modelar com a representação dos conhecimentos aprendidos por meio dos conteúdos de brincadeiras e ginástica. Esta última também é lembrada na forma de desenhos, cartazes e histórias em quadrinhos, tendo como personagem das histórias os próprios alunos. A potencialidade desses registros imagéticos está nas escritas autoavaliativas dos estudantes. Ao serem levados a relembrar o processo educativo, eles selecionaram as experiências que mais lhes tocaram e, com isso, oferecem à professora os significados da aprendizagem e o que fazem com o que aprenderam.

A professora, ao conduzir os alunos a produzir os registros imagéticos das experiências vividas nas aulas de EF, por meio de diferentes insumos, oferece a eles um lugar de destaque na trama do processo avaliativo, dando visibilidade ao que eles têm feito com o que aprenderam. Destacamos, ainda, com base na utilização do portfólio fotográfico, que a professora faz do processo avaliativo um momento de aprofundamento do aprendizado com as práticas corporais. Isso é relevante na medida em que analisar o aprender por meio do registro imagético exige do professor ensinar aos alunos produzir perguntas às imagens sobre o vivido, conforme expresso na Figura 5.

Fonte: Acervo da Professora E.

FIGURA 5 Momento de socialização do portfólio fotográfico com os alunos 

Entendemos que a utilização do portfólio fotográfico pela professora se aproxima da avaliação indiciária investigativo-formativa que favorece a autoavaliação dos alunos e revela os sentidos atribuídos às aprendizagens nas aulas de EF ao longo de oito anos de escolarização.

A pesquisa compartilhada após oito anos de escolarização

Nesse eixo estão reportados processos de aprendizagens, entendendo a indissociável relação com as experiências formativas dos sujeitos. Ao fazer com que 28 alunos narrassem suas trajetórias com avaliação na EF, abrimos caminho para escutar e compreender suas trajetórias de vida nos oito primeiros anos do ensino fundamental. Para isso, analisamos os significados que eles atribuíam às aprendizagens com as práticas corporais nas aulas de EF materializadas nos portfólios fotográficos e relembrados durante o ateliê biográfico. Na relação entre o que os alunos relataram oralmente e o que indicaram com a ordenação das fotos (montagem) (Didi-Huberman, 2012), produzimos duas categorias de análise: a) sentidos atribuídos à autoavaliação com registros de imagens; e b) sentidos atribuídos à progressão da aprendizagem com as práticas corporais.

Sentidos atribuídos à autoavaliação com registros de imagens

Esta categoria aborda as narrativas dos alunos que apresentam o potencial da ação educativa para colocá-los na responsabilidade de autoavaliar suas trajetórias formativas com a EF, especialmente por meio do uso de registros imagéticos.

Entendemos a autoavaliação como momento de reflexão individual e intersubjetiva sobre determinado processo de ensino e de aprendizagem (Stieg, Ferreira, Frossard & Santos, 2022). Para isso, é fundamental que os alunos se vejam e se assumam como autores da avaliação, desafiados a tomar decisões, a reconhecer compromissos de mudança e a melhorar suas experiências educativas.

Assim, a autoavaliação a partir do uso de diferentes registros imagéticos potencializa o caminho que conduz a reinterpretações das experiências vividas, ao demarcar a importância da dimensão estética do aprendizado com as práticas corporais. Com base no ateliê biográfico, identificamos que a forma de organizar as fotos indiciava os sentidos atribuídos às experiências educativas e, com elas, o processo de aprendizagem. As narrativas do 9º B expressam as múltiplas opiniões sobre o momento da organização das imagens, como apresentado na Figura 6.

Olha só, a gente coloca primeiro essa, tipo quieto, com vergonha [Foto 1]. Aí depois vêm as da ginástica, do circuito, depois as fitas e, por último, o banho. (Aluna 11).

É isso, é na sequência do que é mais educação física para aquelas que são mais divertidas. (Aluna 12).

É por isso que acho que a do banho tinha que ser a primeira. A gente vai ficar todo dia tomando banho na educação física? Ficar de biquíni não é normal na escola. (Aluna 10).

Fonte: Acervo da Professora E.

FIGURA 6 Montagem do 9º B 

A Figura 6 mostra a organização das fotos dos trechos narrados em que as alunas do 9º B relatam a intenção das aulas de EF. Identificamos que elas selecionaram fotografias que narram as experiências “mais divertidas”. É interessante notar que as enunciações têm como interlocutores os próprios colegas que coparticipam da produção narrativa.

Entendemos que as experiências educativas ocorrem por meio da interação e pelas linguagens, o que inclui leituras que têm o objetivo de compreender a realidade social de maneira mais ampla. Os sujeitos se constituem pelo diálogo na relação com outras pessoas e, diante do outro, complementam e atribuem significados aos saberes apreendidos nas interações humanas. Nesse sentido, os alunos constroem conhecimento a partir do que fazem e o refazem por meio do diálogo. Portanto pensar os processos de aprendizagem na educação básica é, necessariamente, um ato de busca de singularidades. Esse fazer formativo é percebido nas ações da professora e dos próprios alunos na organização das fotografias da Figura 6.

Os registros avaliativos imagéticos favorecem momentos de avaliação entre pares. A organização das fotografias e narrativas produzidas pelo 9º B evidenciam as interações entre alunos que conviveram durante oito anos no mesmo espaço educacional. As trocas dialógicas fornecem os juízos de valor que os alunos fazem às trajetórias de aprendizagem, enfatizando os aspectos relacionais: “vamos selecionar do mais quieto, com vergonha” (Aluna 10); e “essas que foram mais divertidas” (Aluna 11).

A motivação para mobilizar o conhecimento narrado pelos alunos fundamentou a organização dos registros imagéticos. Quando questionados sobre os motivos que levaram à escolha das fotografias, os alunos apontam:

Pelas lembranças que mais nos marcaram. Olha, estávamos felizes. Como trabalhávamos o corpo! Tínhamos mais união, confraternizávamos mais. Sim, foi mais pelos momentos de alegria que organizamos. (Aluna 18).

A ordem é por aquilo que achamos mais interessante. Das atividades menos legais para as melhores. (Aluno 22).

Lembrança do que aconteceu nessas atividades. Lembro que, na ginástica, quebrei o pé. É porque as fotos trazem bem essa coisa da ginástica, da corda, que é bem a cara da Professora E. (Aluna 1).

Identificamos as maneiras como os alunos se apropriaram da aprendizagem com as práticas corporais, nas aulas de EF. As narrativas definem a estreita relação entre aprender-sentido-mobilização, sobretudo ao apontarem as vivências corporais que deixaram os alunos mais felizes. Estas, por sua vez, apresentam um diálogo com a ideia de vínculos afetivos de amizade com os colegas e com a professora, destacando aspectos relacionais (como leituras positivas) das aulas, narrando que “tínhamos mais união”.

Defendemos que os processos de aprendizagem com as práticas corporais se constituem nas formas pelas quais os alunos são afetados com as vivências na construção do conhecimento e nas interações. Os alunos, ao praticarem o ensinado nas aulas de EF, transformam o que consomem (Certeau, 2014) em produções próprias de aprendizagem, ou seja, experiências formadoras singulares tecidas no entrelaçamento das relações epistêmicas do saber.

Charlot (2000) denomina essas relações de distanciação-regulação, em que as aprendizagens são tecidas mediante a regulação das emoções, nas imagens produzidas sobre si e que construímos com os outros. Esse cenário é demarcado quando os estudantes destacam o encontro entre a prática corporal ensinada e a identidade da docente, ao colocarem “a ginástica é bem a cara da Professora E”. A mobilização, baseada na aprendizagem com as práticas corporais, se desenvolve à medida que os alunos estabelecem relações com o domínio do conhecimento ensinado. Nesse caso, dominar um conteúdo nas aulas de EF está pautado no modo como se constitui o fazer da atividade educativa.

Vale destacar, nos processos de autoavaliação, a forma como os alunos narram o lugar da aula de EF. No discurso dos alunos do 9º B, observamos dois movimentos: a) as atividades mais relevantes são as “mais divertidas” (Aluno 12); e b) não é normal “tomar banho, ficar de biquíni na escola” (Aluna 10). Com isso, a ênfase do que é rememorado está na atribuição de significados à organização do trabalho pedagógico e que, para motivar os alunos, as atividades educativas devem ser diversificadas.

Santos et al. (2016) apontam que os locais de trabalho pedagógico da EF configuram-se como espaços de práticas corporais, em uma dinâmica cultural que resgata a constituição histórica de atividades que, ao serem oferecidas aos estudantes, ampliam o acervo de saberes imateriais colocados em circulação, permitindo que os alunos dialoguem sobre eles e façam suas próprias interpretações. Nesse sentido, pontuamos que as narrativas autobiográficas dos alunos da professora em questão enfatizam o potencial das aulas planejadas, a mobilização dos conteúdos de ensino da EF e sua progressão pedagógica ao longo do ensino fundamental.

Sentidos atribuídos à progressão da aprendizagem com as práticas corporais

Nesta categoria, analisamos as narrativas que destacam os momentos de autoavaliação que sinalizam o significado da aprendizagem em EF. Identificamos a ênfase na rememoração da organização do trabalho pedagógico e dos conteúdos que marcaram os estudantes na trajetória de escolarização no ensino fundamental.

Eu lembro que a gente gostava, nessa época, de correr de um lado para o outro, subir a corda, colocar a mão lá em cima. Tudo era motivo para brincadeira. (Aluna 1).

As aulas eram mais divertidas, porque a gente era criança, né? Andávamos nas cordas, brincávamos com bambolê. Era perfeito! (Aluna 23).

A gente gostava de brincar de pular corda, de xadrez, desenhando, brincando de detetive, procurando o assassino. (Aluna 24).

As narrativas dos alunos trazem lembranças da infância, exaltando o prazer de brincar. Nessa direção, os sentidos atribuídos à aprendizagem na EF foram inscritos corporalmente em espaços e tempos de estratégias e astúcias (Certeau, 2014), para além da lógica de escolarização dos lugares das escritas e leituras no papel, da organização de ensino e da aprendizagem em sala de aula, com alunos sentados em cadeiras, utilizando livros didáticos.

Corroboramos o pensamento de Benjamin (2009), de que as crianças aprendem ao produzir significados sobre o mundo criado pela imaginação no ato de brincar. As brincadeiras são representações do mundo concreto que lhes é apresentado. As crianças agem com o lúdico, como caçadoras, farejam tudo que acontece ao redor delas, que vai ao seu encontro, experimentando as vivências como uma grande aventura. O autor, ao criticar o modelo educativo de escola tradicional, destaca que “a velha escola obriga apenas a uma incessante corrida atrás de metas, a uma disputa generalizada para conquistar o ‘saber’ daquilo que o adulto todo-poderoso exige. Nisso, porém, as portas para o verdadeiro saber ficam trancadas” (Benjamin, 2009, p. 145). Para ele é brincando que há a transformação de vivências em experiências.

Estudos como os de Falcão et al. (2012) e Santos et al. (2016, 2020) apontaram que os sentidos que os alunos atribuem às aulas de EF são delineados pelas ações do brincar, como conteúdos de intervenção pedagógica desse componente curricular. Por uma perspectiva lúdica, essas práticas corporais potencializam a formação do sujeito, conferindo outras racionalidades ao espaço e ao tempo escolar, por associar os interesses e necessidades das crianças, favorecendo o desenvolvimento de diversas linguagens, com vistas à construção dos modos de organização de suas intervenções sociais, aprendendo a lidar com valores, regras de convivência social e de participação.

Esse cenário reforça os sentidos do brincar na EF escolar e, com isso, apresenta a potencialidade de os estudantes serem autores das práticas avaliativas, narrando suas trajetórias de aprendizagem. Por meio da avaliação indiciária investigativo-formativa, os alunos revelam as relações que estabeleceram com os materiais didáticos, a construção da atividade pedagógica e a ludicidade. Assim, bolas, bambolês, pneus, cordas, xadrez, papéis, cartolinas e canetas são rememorados pela Aluna 24 na construção da “brincadeira detetive”.

Entendemos que cada material didático utilizado no processo de ensino-aprendizagem da prática corporal é um produto cultural (Certeau, 2014) e dele alunos e professores fazem uso para produções próprias de experiência com o conteúdo vivenciado e avaliado. Nesse sentido, as narrativas dos alunos sobre o brincar e o brinquedo nas aulas de EF trazem os sentidos atribuídos às práticas avaliativas, como mostra a Figura 7.

Fonte: Acervo da Professora E.

FIGURA 7 Montagem e narrativas da turma do 9º A 

Com base na Figura 7, identificamos que as imagens escolhidas pelos estudantes do 9º A, de atividades com ginástica, apresentam uma lógica de progressão de aprendizagem nas aulas de EF que revela experiências pedagógicas de sequências simples da ginástica (Foto 1), passando por movimentos que necessitavam da ajuda e integração dos colegas (fotos 2 e 3), seguindo para a técnica corporal com autonomia (Foto 4); e sua conclusão (apresentação) em gincanas (fotos 5 e 6).

As alunas 1 e 3 conectam os detalhes de cada prática pedagógica das imagens, fazendo uma leitura positiva do ensino da ginástica, apresentando elementos didáticos das aulas como momentos divertidos, que as levam a avaliar que “graças à ginástica, hoje consigo fazer estrelinha”.

Essas falas indicam que o trabalho pedagógico com a ginástica nas aulas de EF levou os alunos, por meio das diferentes formas de expressar corporalmente os conteúdos, a estabelecer relações entre a prática corporal ensinada e o que foi aprendido na escola. A professora destaca que o objetivo do trabalho com a ginástica estava voltado para o desenvolvimento e a oferta de experiências do conteúdo em seus diferentes contextos socioculturais. Para isso, produzia atividades didático- -pedagógicas que iam desde movimentos miméticos, reminiscentes de animais, passando por circuitos de brincadeiras que os alunos inventavam até chegar ao ensino mais complexo da ginástica como esporte de competição.

A dimensão valorizada foi a vivência corporal, levando os alunos a relacionar os movimentos aprendidos com outras atividades praticadas em seu cotidiano, fora da escola. Nessa direção, os momentos de autoavaliação dos alunos produziram narrativas sobre as passagens dos anos iniciais para os últimos anos do ensino fundamental com a EF e indicam que a aprendizagem ocorre em meio a tensões, conflitos, momentos prazerosos que se entrelaçam e vivências com as práticas corporais dentro e fora da escola.

As narrativas dos estudantes também destacam as formas como eles rememoram sua infância, demarcando que o brincar é coisa do passado. No entanto, consideram positivo o prazer de oferecer diversão na aprendizagem das práticas corporais e anunciam o distanciamento desse cenário nas práticas pedagógicas dos últimos anos do ensino fundamental:

Antes a educação física era mais prazerosa, divertida. Da sexta série para cá, vamos falar a verdade, a gente fica mais sentado. Quando tem uns esportes diferentes, tipo frescobol, eu jogo. Eu não faço futebol; é agressivo. O que me motiva fazer é a nota. (Aluna 12).

O que motiva a fazer as aulas hoje é se tem atividades diferentes. Eu até voltaria a fazer tipo circuitos com corda e ginástica, igual esses das fotos. Mas, sei lá! Pensando bem, não tenho mais sete anos nem sou magra. (Aluna 10).

É! A gente tem vergonha do nosso corpo, mas eu faria novamente ginástica. (Aluna 13).

As atividades de hoje não atraem. Não enchem os olhos. Às vezes dá vontade de brincar de amarelinha, pique-bandeira. Eram divertidas essas brincadeiras. Eu não gosto de futebol! Pode obrigar, eu cruzo os braços. (Aluno 17).

Com base nas narrativas dos alunos, observamos o cenário da transição da EF nos anos iniciais para os anos finais do ensino fundamental. Destaca-se a diminuição de brincadeiras, dando lugar, principalmente, às práticas dos esportes coletivos. Desse modo, as mudanças nos conteúdos indiciam, por um lado, um processo de progressão de aprendizagens com as práticas corporais e, por outro, apontam para uma diminuição do interesse dos alunos em relação ao que é ensinado. É nesse momento que se situa o potencial das práticas avaliativas a partir das narrativas dos alunos como indicadores da relação entre a aprendizagem e a forma como os sujeitos se mobilizam para dar continuidade e/ou modificar os conteúdos no processo educativo.

Observamos, nas narrativas, que o desconforto dos alunos em aprender esportes coletivos se encontra na repetição dos conteúdos ao longo dos últimos anos do ensino fundamental, sem aumentar sua complexidade ou aprofundar os conhecimentos em diálogo com as culturas juvenis (Dayrell & Carrano, 2014), enfatizando “o que me motiva são esportes diferentes, tipo frescobol” (Aluna 12).

Compreendemos, com base nas narrativas, que as causas dos embates com a aprendizagem das práticas corporais nos últimos anos do ensino fundamental encontram-se na centralidade da construção do processo educativo na figura do professor. Chamamos a atenção para o próprio movimento de pesquisa que construímos com os estudantes, partindo de um processo investigativo-formativo, dando lugar às narrativas autobiográficas da professora e seus alunos sobre suas experiências educativas. Por meio da escuta aos diferentes apontamentos e possibilidades de aprendizagem e de usos de registros avaliativos imagéticos nas aulas de EF, foi possível pensar a progressão pedagógica a partir do que se ensinou, do que se aprendeu e do que se tem feito com essa aprendizagem.

Nesse sentido, as narrativas dos alunos reforçam a necessidade de mudanças, o que leva a pensar em outras possibilidades de trabalhar os conteúdos da EF. Além disso, apontam para a importância de estabelecer um trabalho com as práticas corporais ao longo das etapas de escolarização que se fundamente na progressão e na diversificação pedagógica dos conteúdos (Matos et al., 2015).

A potencialidade dessas progressões está na possibilidade de os alunos atribuírem sentidos às práticas corporais vivenciadas. Para isso, é necessário planejar uma organização dos conteúdos com progressões horizontais, em que se projeta o ensinar ao longo do ano em articulação com os conhecimentos de outros componentes curriculares e, ao mesmo tempo, fazer progressões verticais, em que a complexidade do conteúdo vai sendo explorada ao longo dos anos, aprofundando suas práticas, ao incorporar elementos ainda não aprendidos (Santos et al., 2017).

Entendemos que a concepção de avaliação indiciária investigativo-formativa consolida e reorienta o processo educativo, assumindo o protagonismo dos alunos durante as avaliações em diálogo com os professores. Essas experiências avaliativas promovem um projeto educacional e de EF pautado em princípios éticos e estéticos para a formação humana em diálogo com os diferentes tempos e espaços em que ocorrem as aprendizagens.

Os alunos, além de indicarem o que marcou suas experiências com as práticas corporais no passado, apontam, no presente, o que projetam com o que aprenderam, contribuindo para novas intervenções na área da EF. Identificamos, ainda, por meio das narrativas dos estudantes, que os conhecimentos produzidos nas aulas de EF escolar são bens imateriais que estão, a todo o momento, em suas histórias de vida cotidiana. Esse cenário é apresentado pelas alunas 24 e 25:

Olhando para o que se ensinou aqui, na escola, eu aprendi algumas coisas; só não aprendi a virar ponte. Eu posso dizer que o que aprendi com a educação física foi cuidar do corpo, cuidar da saúde, atividades físicas. Comecei a pegar gosto, por isso, hoje, ando mais de bicicleta. Acho que é isso que a educação física tem que ensinar para a gente levar pra vida: saúde. Acho que quando somos adolescentes, as aulas deveriam ser menos de esportes. (Aluna 24).

Eu não aprendi muito, porque muitas coisas eu já sabia. Mas alguns exercícios físicos foram importantes na escola, tipo correr, alongamento. Também aprendi a gostar de futebol. Hoje jogo fora da escola e faço kickboxing. Acho importante ensinar sobre a saúde. Mas, se hoje pudesse mudar algo na educação física, falaria para ter mais variedades de esportes, que não seja só futebol. A questão é parar com o repetido. (Aluna 25).

As narrativas expressam o que os alunos entendem por EF, a partir das experiências vividas na escola durante os oito primeiros anos de escolarização no ensino fundamental. Entendemos que os apontamentos sobre promoção da saúde não partem da concepção cultural de EF que constitui o projeto pedagógico da escola, pois as narrativas, ao mesmo tempo que reforçam a prática de atividade física, apresentam a importância do aprendizado de diferentes práticas corporais, conforme destacam González e Fraga (2012, p. 43):

A EF deve tratar as práticas corporais na escola como um fenômeno cultural dinâmico, diversificado, único e contraditório, estruturado em diferentes contextos históricos, que também se vinculam ao campo do lazer e da saúde, considerando suas possibilidades de apropriação, problematização e usos criativos dos estudantes.

As contribuições desta pesquisa, partindo da avaliação indiciária investigativo-formativa e assumindo a escuta das experiências com a EF no ensino fundamental, permitiram analisar os significados produzidos por um grupo de alunos em relação ao que foi ensinado, o que aprenderam e o que fizeram com o que foi aprendido. Por meio de processos autoavaliativos dos estudantes, são oferecidas outras possibilidades didático-pedagógicos com as práticas corporais.

Nesse sentido, os usos de registros avaliativos imagéticos mostram suas potencialidades e contribuições para professores e alunos, possibilitando a reflexão sobre o processo educativo com as práticas corporais, na medida em que promovem a memória do ensino e da aprendizagem na EF escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, os sentidos atribuídos às práticas avaliativas realizadas pela professora e seus alunos ao final do ensino fundamental, especialmente por meio do uso de registros avaliativos imagéticos, oferecem possibilidades para o desenvolvimento de avaliações pautadas na concepção indiciária investigativo-formativa nas aulas de EF.

Identificamos que o uso desses registros avaliativos, tanto do ponto de vista da professora como dos alunos, aponta para processos de regulação e de feedback centralizados no fazer docente. No entanto, ao analisarmos os usos do portfólio fotográfico, notamos que a constituição desse registro ocorre em coautoria entre a professora e os estudantes. Isso foi evidenciado a partir de dois movimentos: o primeiro consistiu na produção de imagens pela professora que fossem capazes de narrar momentos do fazer com as práticas corporais; o segundo corresponde aos registros produzidos pelos alunos que narram suas experiências educativas com a EF escolar.

Percebemos que o uso do portfólio fotográfico permitiu ampliar a avaliação como prática de pesquisa da professora e de seus alunos, valorizando o questionamento sobre as experiências com a EF escolar, principalmente ao considerar o que foi ensinado e o que os alunos têm feito com o que aprenderam. Essa ação se aproxima da concepção de avaliação indiciária investigativo-formativa, principalmente ao tomar os alunos como coautores da construção da prática avaliativa, destacando suas produções imagéticas, registradas e incorporadas ao portfólio fotográfico.

Ao assumirmos o potencial desse registro avaliativo, voltamos aos alunos desta pesquisa, que estavam no último ano do ensino fundamental, com o objetivo de levá-los, por meio de movimentos autoavaliativos durante o ateliê biográfico, a refletir sobre as experiências com a EF, destacando o que aprenderam em oito anos de escolarização com esse componente curricular.

Os achados mostram que os significados conferidos à aprendizagem em EF se constituem nas relações que se estabelecem com a progressão pedagógica dos conteúdos, como: brincadeiras, ginásticas, esportes coletivos e gincanas. Eles também revelam o que aprenderam, destacando as diferenças entre os anos iniciais e finais do ensino fundamental.

As narrativas convergem no entendimento de que o aprendizado com as práticas corporais ocorre principalmente por meio do brincar, tanto nos primeiros como nos últimos anos do ensino fundamental. Os alunos destacam que a aprendizagem envolve também a complexidade pedagógica das práticas corporais, destacando a relevância de articular conhecimentos com as culturas juvenis presentes no cotidiano deles.

Entendemos que essa ação de pesquisa com alunos oferece elementos para pensar no uso de registros avaliativos imagéticos, apresentando-se como possibilidade de escuta dos alunos sobre seus processos educativos. Destacamos, ainda, que os usos do portfólio fotográfico, aliado às narrativas autobiográficas, surgem como potenciais dinamizadores dos processos de ensino-aprendizagem, pois favorecem que os alunos estabeleçam leituras sobre o que fazem com o que aprenderam nas aulas de EF. Esse caminho é essencial para que a autoavaliação se torne um momento de reflexão sobre as práticas de ensino e viabilize a ação dialógica entre professores e alunos e, com eles, sejam estabelecidas tomadas de decisão para o desenvolvimento do processo educativo.

Com este estudo, apresentamos uma iniciativa que ajuda a pensar o potencial da pesquisa compartilhada entre universidade, professores e alunos da educação básica, ao trazer contribuições de teorias que envolvam avaliação educacional e, ao mesmo tempo, indica possibilidades de práticas avaliativas comprometidas com as aprendizagens dos estudantes. Assim, apontamos a necessidade de estudos que analisem os usos de registros avaliativos imagéticos em outras etapas de escolarização, bem como de experiências com o portfólio fotográfico envolvendo outros componentes curriculares da educação básica.

1 A autora Aline de Oliveira Vieira conduziu e executou o estudo relativo ao desenvolvimento do artigo durante sua pesquisa de doutoramento (Vieira, 2018).

AGRADECIMENTOS

Os autores Aline de Oliveira Vieira e Ronildo Stieg agradecem o apoio e o fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Espírito Santo (Fapes) pelo financiamento da pesquisa por meio de bolsas de estudo de doutorado e de pós-doutorado respectivamente (Edital Fixação e Aperfeiçoamento de Doutores no Espírito Santo - Profix n. 15/2022, Protocolo: 51005.788.17880.23082022).

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Recebido: 05 de Janeiro de 2023; Aceito: 22 de Agosto de 2023

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