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Estudos em Avaliação Educacional

versión impresa ISSN 0103-6831versión On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.34  São Paulo  2023  Epub 12-Dic-2023

https://doi.org/10.18222/eae.v34.10654 

ARTIGOS

PRESSUPOSTOS PARA A ATUALIZAÇÃO DO INDICADOR DE ALFABETISMO FUNCIONAL

PRESUPOSICIONES PARA ACTUALIZAR EL INDICADOR DE ALFABETISMO FUNCIONAL

ASSUMPTIONS FOR UPDATING THE FUNCTIONAL LITERACY INDICATOR

JACQUELINE PEIXOTO BARBOSAI 
http://orcid.org/0000-0001-7617-2878

ANDRÉIA LUNKES CONRADOII 
http://orcid.org/0000-0002-3595-2605

HELOÍSA TRENCHE BELUSCIIII 
http://orcid.org/0009-0007-5015-8796

IUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas-SP, Brasil

IIUniversidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), Rio Claro-SP, Brasil

IIIAção Educativa (AE), São Paulo-SP, Brasil


RESUMO

Este artigo apresenta subsídios para a atualização do Indicador de Alfabetismo Funcional, um estudo que mede os níveis de alfabetismo da população adulta brasileira desde 2001. A pesquisa considerou dois domínios de habilidades: o letramento e o numeramento. Atualmente, o aumento da presença dos recursos digitais em diferentes situações da vida cotidiana gerou novas dinâmicas de uso das linguagens e dos conhecimentos matemáticos. Fez-se necessário, então, refletir sobre novas habilidades e práticas que se desenvolvem em decorrência dessa crescente presença. Um terceiro domínio precisou ser incorporado à pesquisa: o digital. Para isso, foi produzido um conjunto de estudos e análises para uma agenda de atualização desse indicador.

PALAVRAS-CHAVE LETRAMENTO TECNOLÓGICO; ALFABETISMO; INDICADORES EDUCACIONAIS.

RESUMEN

Este artículo presenta subsidios para actualizar el Indicador de Alfabetismo Funcional, un estudio que mide los niveles de alfabetismo de la población adulta de Brasil desde 2001. La investigación consideró dos dominios de habilidades: el letramiento y la numeración. En la actualidad, el aumento de la presencia de los recursos digitales en distintas situaciones de la vida cotidiana generó nuevas dinámicas de uso de lenguajes y de conocimientos matemáticos. Se hizo necesario entonces reflexionar sobre nuevas habilidades y prácticas que se desarrollan en función de tal creciente presencia. Se tuvo que incorporar un tercer dominio a la investigación: el digital. Para ello se produjo un conjunto de estudios y análisis para una agenda de actualización del presente indicador.

PALABRAS CLAVE LETRAMIENTO TECNOLÓGICO; ALFABETISMO; INDICADORES EDUCATIVOS.

ABSTRACT

The article presents important information for updating the Indicador de Alfabetismo Funcional [Functional Literacy Indicator]. It is a study that has been measuring the literacy levels of the adult Brazilian population since 2001. It considered two skills domains: literacy and numeracy. Currently, the increased presence of digital resources in different situations of everyday life have generated new dynamics in the use of languages and mathematical knowledge. It is therefore necessary to reflect on the new skills and practices that develop as a result of this growing presence. A third domain had to be incorporated into the study: the digital one. To this end, a set of studies and analyses was produced for an agenda to update this indicator.

KEYWORDS TECHNOLOGICAL LITERACY; LITERACY; EDUCATIONAL INDICATORS.

INTRODUÇÃO

Em 2001, a organização não governamental (ONG) Ação Educativa1 e o Instituto Paulo Montenegro criaram o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf),2 que objetiva medir os níveis de alfabetismo da população brasileira de 15 a 64 anos. Em 2021, o Inaf passou a ser gerido pela Ação Educativa, em parceria com a Conhecimento Social.3

Ao analisar os níveis de alfabetismo no país, o Inaf busca contribuir para a defesa dos direitos educativos dos brasileiros, incidindo na agenda do desenvolvimento educacional do país, sem se ater exclusivamente à educação escolar. Assim, coloca em debate o próprio significado de analfabetismo, que não pode se restringir a uma visão binária de alfabetizado versus não alfabetizado, mas que precisa ser pensado a partir de um processo gradativo de aquisição, desenvolvimento e consolidação de habilidades. Os instrumentos utilizados na coleta de dados do Inaf procuram abarcar a complexidade do fenômeno, tanto no que diz respeito à dimensão de habilidades cognitivas quanto das práticas sociais nos diversos contextos de vivência dos jovens e adultos entre 15 e 64 anos.

Por se tratar de uma proposta de pesquisa que avalia habilidades funcionais de alfabetismo, o Inaf se distancia do modelo disciplinar e integra dois domínios que são tradicionalmente avaliados de forma separadas: o letramento, relativo às habilidades de leitura e escrita, e o numeramento, referente às habilidades matemáticas.

Com o aumento da presença dos recursos digitais em diferentes situações da vida, o que gera novas dinâmicas de uso das linguagens e dos conhecimentos matemáticos, fez-se necessário refletir sobre novas habilidades e práticas que se desenvolvem em decorrência dessa crescente presença. Por isso, considerou-se necessário incorporar um terceiro domínio ao Inaf, o domínio digital. Para isso, um grupo de colaboradores do Inaf e pesquisadores no campo dos diferentes letramentos, das tecnologias digitais de interação e comunicação e da cultura digital produziu um conjunto de estudos e análises para uma agenda de atualização do Inaf, cuja síntese parcial é objeto de discussão deste artigo.

OS PRIMEIROS 20 ANOS DO INAF

Ao longo dos 20 anos de existência do Inaf, foram realizadas dez edições, com sua metodologia constantemente atualizada no decorrer desse período. Até 2005, os levantamentos eram feitos anualmente, de forma alternada: nos anos ímpares eram testadas habilidades de leitura e escrita e, nos anos pares, as de matemática. A partir de 2007, foi introduzida a metodologia da teoria de resposta ao item (TRI) para parametrizar os itens e mensurar as proficiências e, desde então, os levantamentos passaram a ser bianuais, com a avaliação simultânea dos dois domínios de habilidades. A partir de 2015, as avaliações passaram a ser realizadas trienalmente.

De acordo com Ribeiro e Fonseca (2010), que participaram do processo de criação do indicador, o escopo da avaliação criada em 2001 é o seguinte:

Entende-se que nas diferentes esferas da vida em sociedade, no âmbito da família e da comunidade, do consumo, da educação formal e continuada, do trabalho, da política ou da religião, a linguagem escrita está presente em diferentes suportes, formatos e gêneros de texto, que são apreendidos e processados de diferentes modos, segundo os propósitos das pessoas. Para cada tipo de texto, finalidade e contexto de utilização da informação escrita, diversas habilidades são necessárias e os instrumentos do Inaf procuram abranger, dentro de seus limites operacionais, essa diversidade de materiais, propósitos e contextos que compõem as práticas de letramento na sociedade brasileira. A capacidade de compreender, utilizar e refletir sobre a informação escrita é vista como um contínuo que abrange desde o conhecimento rudimentar de elementos da linguagem escrita até operações cognitivas complexas que envolvem a integração de informações textuais complexas e dessas com os conhecimentos e visão de mundo aportados pelo leitor. Para fins de estudos específicos e de produção de indicações para ações pedagógicas, é possível distinguir, nesse amplo universo a que se denomina alfabetismo, pelo menos dois domínios: as capacidades de processamento de informações principalmente verbais - que compõem o domínio aqui denominado letramento - e as capacidades de processamento de informações quantitativas, que envolvem noções e operações matemáticas, associadas ao domínio denominado numeramento. (Ribeiro & Fonseca, 2010, pp. 151-152, grifo nosso).

De início, a separação das capacidades avaliadas no Inaf em dois domínios, letramento e numeramento, foi tomada de modo a facilitar a apresentação e o acesso aos resultados produzidos pelo teste e potencializar seus diferentes usos, e não com a intenção de demarcar campos distintos e nos quais as habilidades mobilizadas fossem sempre separadas. Aos poucos, o Inaf foi provocado a inserir outros domínios de habilidades além do numeramento e do letramento, como o letramento científico e o digital. No processo de aprimoramento do teste, a separação entre os domínios foi perdendo sua ênfase, uma vez que as habilidades mobilizadas no teste e os resultados das proficiências eram tratados de forma combinada.

Quanto aos tipos de texto presentes na avaliação, as autoras indicavam um conjunto do que denominavam de textos contínuos, não contínuos, informativos e literários (Ribeiro & Fonseca, 2010, p. 153). Dessa classificação, foram listados tipos de textos-base que apoiaram a construção dos itens do teste, organizados em textos informativos (descritivos, narrativos, expositivos, argumentativos ou institucionais/normativos) e literários (crônicas, contos, historietas/fábulas ou narrativas mais longas). Dentre os diversos textos utilizados, podemos citar anúncios, história em quadrinhos, mapas, formulários, gráficos, poemas, etc.

Desse modo, o Inaf adotou uma definição operacional de alfabetismo, que consiste na capacidade de compreender, utilizar e refletir sobre informações contidas em materiais de uso corrente para alcançar objetivos, aplicar conhecimentos e participar em sociedade. Para isso, o teste foi desenvolvido a partir da seleção de gêneros textuais, em diferentes formatos e suportes, presentes em várias esferas da vida em sociedade, mapeados a partir de um questionário, capaz de verificar a variedade e a intensidade de práticas de leitura, escrita e cálculo em que os jovens e adultos brasileiros se engajam em seu cotidiano, por meio das quais podem exercitar e desenvolver suas habilidades de alfabetismo.

Os resultados obtidos ao longo dos 20 anos em que foram produzidas as edições do Inaf podem ser observados na Tabela 1.

TABELA 1 Níveis de alfabetismo no Brasil conforme o Inaf (2001-2018) 

Nível 2001 2002 2003 2004 2007 2009 2011 2015 2018
2002 2003 2004 2005
Base 2000 2000 2001 2002 2002 2002 2002 2002 2002
Analfabeto 12% 13% 12% 11% 9% 7% 6% 4% 8%
Rudimentar 27% 26% 26% 26% 25% 20% 21% 23% 22%
Elementar 28% 29% 30% 31% 32% 35% 37% 42% 34%
Intermediário 20% 21% 21% 21% 21% 27% 25% 23% 25%
Proficiente 12% 12% 12% 12% 13% 11% 11% 8% 12%
Total* 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Analfabetos funcionais** 39% 39% 37% 37% 34% 27% 27% 27% 29%
Funcionalmente alfabetizados*** 61% 61% 63% 63% 66% 73% 73% 73% 71%

Fonte: Ação Educativa e Instituto Paulo Montenegro (2018).

* O critério de arredondamento das frações dos resultados permite percentuais totais diferentes da soma dos números arredondados.

** Soma dos níveis: analfabeto e rudimentar.

*** Soma dos níveis: elementar, intermediário e proficiente.

Os resultados mostram o processo de evolução dos níveis de alfabetismo entre 2001 e 2009, bem como a estagnação entre 2011 e 2018, destacando-se que, em 2018, ainda se verificava a presença de 29% da população de 15 a 64 anos na condição de analfabetos funcionais.

NOVOS LETRAMENTOS E ALFABETISMOS: PROPOSIÇÕES PARA SUBSIDIAR A ATUALIZAÇÃO DO INAF

Cada vez mais, as tecnologias digitais de informação e comunicação (TIC) fazem parte de várias instâncias da vida profissional, pessoal, social e cultural dos sujeitos. Assim, a possibilidade de participação plena, informada e ética nas práticas de linguagem que têm lugar nos diferentes campos de atividade humana depende também do desenvolvimento de habilidades de compreensão e produção de textos em diferentes mídias e linguagens, em especial as que envolvem o trato crítico com a informação e a opinião em contextos digitais.

Atualmente é sabido que, em uma avaliação sobre alfabetismo, não basta considerar apenas os letramentos relacionados à escrita e ao impresso - letramentos da letra -, é necessário considerar também outros letramentos - multiletramentos, novos letramentos, letramentos midiáticos, transmídias, etc. - e, consequentemente, considerar outros contextos de produção e recepção de textos, outras práticas de linguagem, outros modos de significação e outros gêneros do discurso.

Por essa razão, é fundamental que o Inaf amplie o escopo dos letramentos considerados, passando a incluir diferentes tipos de recorte e ênfase, que estão de alguma forma subsumidos em um entendimento mais amplo de letramento digital.

O conceito de letramento digital apresenta relações próximas (de sobreposição, complementação e refração) com outros conceitos derivados de letramento(s), como os já mencionados - novos letramentos, multiletramentos, letramento midiático, letramento informacional, entre outros. Muitas são as definições e concepções de letramento digital, que focam desde o uso proficiente de ferramentas digitais até o tratamento crítico de conteúdos/informações que circulam nos ambientes digitais. Ou seja, desde o ler e escrever em contextos digitais, em uma perspectiva funcional - o que envolve um trato mínimo com diferentes linguagens e mídias - até a participação crítica e ética nas práticas sociais próprias das culturas digitais - que requer também reflexão, análise e compreensão dos diferentes modos do que significa funcionar (Lankshear & Knobel, 2015; Buckingham, 2015). Dentro das limitações situacionais, esses escopos e referências são de alguma forma considerados na definição de letramento digital do Inaf.

No contexto do Novo Inaf, letramento digital diz respeito às práticas de leitura e produção de textos multimodais em ambientes digitais e às habilidades que lhe são inerentes, que envolvem busca, seleção e análise crítica de conteúdos/informações, interação, colaboração e participação ética, responsável e segura nesses ambientes.

A ampliação do escopo de letramentos no Inaf requer a consideração articulada de diferentes dimensões, que considerem não só o uso generalizado e o domínio de tecnologias digitais de informação e comunicação, de mídias e linguagens, mas, sobretudo, as transformações ocorridas nas esferas de atividade humana, suas reconfigurações a partir da (oni)presença do digital: novas práticas, atividades e gêneros do discurso que demandam novas habilidades que precisam ser desenvolvidas para que a participação social ocorra de forma ética e crítica. Assim, não basta pensar, por exemplo, na simples ampliação da lista de atividades ou gêneros considerados ou mesmo em uma diversificação do formato dos textos em uma avaliação. De saída, os textos nos ambientes digitais são organizados de forma mais complexa, tramados a partir de hiperlinks e hipertextos que supõem outra lógica de organização: localizar uma informação em um site pode não ser tarefa tão fácil se a informação não estiver em evidência na home ou na página acessada. Não raro supõe habilidade de reconhecer categorias de classificação da informação no processo de organização/estruturação de conteúdos (que nem sempre é feito de forma amigável).

Para discutir que dimensões considerar e como fazê-lo, uma série de ações e eventos foram realizados. Em 2018, foi realizado, no Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (IEL/Unicamp), o II Colóquio do Centro de Pesquisa em Tecnologias, Letramentos e Ensino (Tecle), que teve como tema central questões relacionadas ao mapeamento das práticas culturais dos jovens na cultura digital e a proposição de indicadores relacionados à avaliação dos novos e multiletramentos. O evento contou com pesquisadores do IEL/Unicamp, da Faculdade de Educação da Unicamp, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), da Ação Educativa e Conhecimento Social, da Universidade de São Paulo (USP), da Fundação Carlos Chagas (FCC), do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), da Rede Conhecimento Social e do grupo de trabalho do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (GT Clacso) Juventudes e Infâncias. No início de 2021, constituiu-se uma equipe de especialistas4 a fim de mapear estudos e pesquisas, assim como produzir análises e propostas capazes de dialogar com os objetivos do Inaf e a necessidade de uma atualização do teste para o contexto digital. Uma das atividades desenvolvidas pela equipe foi o evento III Colóquio do Tecle e I Encontro Inaf 2.0 - Inaf 2022: Que letramentos considerar?, realizado remotamente no dia 15 de outubro de 2021 pela Ação Educativa e Conhecimento Social, com a participação de pesquisadores e estudantes do Tecle e a presença de especialistas do campo do letramento, numeramento e letramento digital.

Essas atividades culminaram na produção de novos subsídios para a proposta do Novo Inaf, que serão apresentados a seguir.

Referências para definição de habilidades relativas ao letramento digital

Para além das já mencionadas referências conceituais das áreas de letramentos e educação midiática, serão destacadas aqui outras três, mais diretamente relacionadas a definições de habilidades relativas ao letramento digital que foram consideradas para a elaboração do Novo Inaf. Essas referências destacam-se por ser oriundas de levantamentos abrangentes realizados junto à população jovem e outros extratos da população e vêm pautando definições em termos de políticas educacionais e culturais de vários países, caso do Digcomp 2.2 (Vuorikari et al., 2022) - quadro de referência da Comissão Europeia para o desenvolvimento e compreensão da competência digital - e da pesquisa Transmedia Literacy (Scolari, 2018) - cujo objetivo é contribuir para a compreensão de como os adolescentes estão consumindo, produzindo, compartilhando, criando e aprendendo em ambientes digitais, investigação também financiada pela Comissão Europeia. Além disso, as novas referências podem partir de uma análise das mudanças sociais em diferentes esferas de atividade humana, em especial nas do trabalho, da cidadania e da vida pessoal, e tematizam os letramentos necessários, como é o caso das teorizações afiliadas aos multiletramentos, oriundas dos trabalhos do Grupo de Nova Londres.

A competência digital no Digcomp 2.2 (Vuorikari et al., 2022) abrange cinco áreas: letramento informacional e de dados, que envolve desde navegação, pesquisa e filtragem até avaliação e gerenciamento de dados, informações e conteúdos digitais; comunicação e colaboração, relacionada a interação, compartilhamento de informação e conteúdo e colaboração por meio de tecnologias digitais, gerenciamento de identidade digital e engajamento em questões de cidadania; criação de conteúdo digital, que abarca desenvolvimento, integração e reelaboração de conteúdos digitais, programação, etc.; segurança, relativa ao uso de dispositivos de proteção de dados e privacidade, entre outros; e resolução de problemas, que envolve resolução de problemas técnicos, identificação de necessidades tecnológicas, utilização criativa das tecnologias digitais, etc. Em razão do escopo do Inaf, cujos recortes serão explicitados mais adiante, as áreas de letramento de dados e de resolução de problemas não foram contempladas nessa primeira consideração do digital. O letramento informacional, que envolve a comunicação e colaboração, a produção de conteúdo e a segurança, ainda que com uma abrangência menor e combinado de outra maneira, foi considerado, como será apresentado adiante.

Um dos resultados da pesquisa de Scolari (2018) foi o desenvolvimento de uma taxonomia de competências transmídia, organizadas em nove dimensões: produção; prevenção de riscos; performance; gestão social; gestão individual; gestão de conteúdos; meios e tecnologias; ideologia e ética; narrativa e estética. Em relação ao Digicomp 2.2, podem ser observadas muitas proximidades: segurança/prevenção de riscos; letramento informacional/gestão de conteúdos; comunicação e colaboração/gestão social e individual; criação de conteúdo digital/produção. Esta última foi tratada com mais detalhe na pesquisa Transmedia Literacy e envolve usar softwares/aplicativos de escrita, gravação/edição de áudio e vídeo, usar ferramentas de desenho, de fotografia e de edição, criar e modificar produções escritas, fotográficas, em áudio e vídeo, videogames, entre outros aspectos. Em relação às competências que não foram pareadas em um primeiro nível - performance, meios e tecnologias, ideologia e ética, narrativa e estética -, vale observar que as três últimas envolvem capacidades de reconhecer e descrever, comparar, interpretar, avaliar e refletir, tomar decisões e aplicá-las de maneira orientada para os diferentes âmbitos considerados, o que está, ainda que parcialmente, abarcado nas áreas do Digicomp 2.2.

O conceito de multiletramento foi cunhado no Manifesto dos Multiletramentos ou Manifesto do Grupo Nova Londres (The New London Group, 1996) e começou a ser disseminado para marcar uma perspectiva que considera a multiplicidade de linguagens (como visual, verbal, sonora, espacial) e de culturas, fazendo referência aos modos linguístico, sonoro, visual, gestual e espacial, tidos como formas de construção de sentido que precisam ser avaliadas e dominadas e que, por princípio, não separam produto e processo de produção. Como sintetizou o editorial de publicação em homenagem aos 25 anos do manifesto:

Em 1996, dez pesquisadores do Grupo Nova Londres (GNL), também influenciados pelos estudos do educador brasileiro Paulo Freire - os quais ganharam o mundo e promoveram questões sobre emancipação, pluralidade e diversidade de vozes na educação e para além dela - se propuseram, em seu Manifesto da Pedagogia dos Multiletramentos, a responder perguntas como estas: “como podemos garantir que as diferenças de cultura, idioma e gênero não sejam barreiras para o sucesso educacional? E quais são as implicações dessas diferenças para a pedagogia do letramento?”. Tais perguntas ganharam força e retornaram ao Brasil por meio dos estudos sobre os Multiletramentos. (Hissa & Araújo, 2021, p. 6).

Rojo (2012), ao retomar os princípios da pedagogia dos multiletramentos propostos pelo Grupo Nova Londres, contempla diferentes dimensões que precisam ser examinadas em termos de letramentos, que podem ser observadas na Figura 1.

Fonte: Rojo (2012), adaptado de Decs e UniSA (2006).

FIGURA 1 Mapa dos multiletramentos 

Não se trata de considerar apenas o (re)conhecer e o saber fazer/usar em termos de ferramentas/textos/práticas (usuário funcional), mas de entender como operam, como os diferentes modos de significar produzem sentido (criador de sentido), além de entender que tudo que é dito em qualquer modo de significar é fruto de uma seleção prévia feita a partir de uma perspectiva, que evidencia vozes, aspectos e dimensões variadas e silencia ou oculta outros (analista crítico). Crítico, portanto, não diria respeito só à veracidade e fidedignidade da informação, mas a seu viés, como nos letramentos em suportes impressos. Por fim, é preciso também ponderar a possibilidade de uso do que foi aprendido a favor dos vários projetos de dizer dos sujeitos (transformador).

Ainda que tenha como primeiro plano questões relacionadas à escola e ao ensino-aprendizagem de (multi)letramentos, o recorte da interculturalidade, da multimodalidade e das dimensões envolvidas nos permite pensar em habilidades fundamentais para o trato com os textos e as práticas de linguagem contemporâneas. Nesse primeiro momento de incorporação do digital no Inaf, o que estará mais em questão é a multimodalidade.

A multimodalidade e os gêneros textuais

A pedagogia dos multiletramentos insere-se num conjunto robusto de estudos sobre a linguagem que mobiliza o conceito de multimodalidade, descrita no Glossário Ceale, produzido pelo Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita:

O ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita precisam levar em conta, atualmente, a variedade dos modos de comunicação existentes, o que chamamos de multimodalidade. Nessa nova perspectiva, que se opõe às abordagens educacionais ocidentais mais tradicionais, devem-se considerar os modos de comunicação linguísticos - a escrita e a oralidade -, visuais - imagens, fotografias -, ou gestuais - apontar o dedo, balançar a cabeça negativa ou afirmativamente, por exemplo. (Universidade Federal de Minas Gerais, 2014).

Os textos multimodais são assim chamados por utilizarem mais de uma modalidade de linguagem, associando linguagem verbal (escrita ou oral) e não verbal, como imagens, recursos gráficos, sonoros, linguagem corporal (gestos, movimentos, expressões faciais, etc.), entre outras possibilidades. Assim, para além do verbal ou em relação com o verbal, é preciso considerar os outros modos de significar: que elementos estão presentes no espaço (e quais não estão), o que a organização deles sugere? Como os gestos e movimentos indicam características dos sujeitos, sua posição social, sentimentos, intenções? O que os sons podem evocar, em que medida se conectam a gêneros e paisagens sonoras e o podem evocar? Entre muitas outras possibilidades.5

Com o desenvolvimento das tecnologias, os gêneros textuais passaram a incorporar ou a ser tramados por meio de diferentes linguagens, produzindo uma nova forma de ler e de produzir e interpretar textos, que pressupõe novas habilidades dos sujeitos, quando comparadas às exigidas em textos impressos. Por exemplo, se analisarmos o preenchimento de um formulário em papel e o de um no formato on-line, observamos diferentes habilidades que podem ser mobilizadas para a realização da tarefa. Em ambos os casos, é preciso registrar uma série de dados solicitados. No entanto é frequente um formulário on-line solicitar, além do preenchimento dos dados, a ação de anexar uma foto ou algum documento. Isso implica saber usar os mecanismos corretos para buscar e enviar arquivos no dispositivo. Se antes era comum a escrita de bilhetes em papel, hoje é muito mais comum o envio de mensagens em áudio, ou escrita via dispositivos digitais, com possibilidade, ainda, da inserção de emojis, fotos, figurinhas, documentos, links e músicas, entre outros recursos.

Nessa perspectiva, a inserção do domínio digital no Inaf amplia e ressignifica o modo de selecionar e incluir os gêneros textuais que embasam os itens do teste, assim como as habilidades a serem aferidas. Novamente, como nos Inaf anteriores, o movimento metodológico parte de situações da vida em diferentes campos, de atividades situadas, buscando as habilidades necessárias para realizar essas atividades a contento. Não se trata, portanto, de pensar a simples complexificação dos processos cognitivos em si mesmos, mas de sempre considerá-los a partir de práticas, tendo em vista a possibilidade de participação mais efetiva na vida social. Assim, a fim de identificar e selecionar possíveis situações a serem exploradas, mostrou-se válido, então, relacionar algumas atividades de Campos de atuação social (esferas de atividade humana) capazes de indicar contextos de atuação, interação e produção na vida dos sujeitos. Vale mencionar que, também no contexto digital, as situações da vida, em muitos casos, integram mais de um campo de atuação, por exemplo, a situação de consumo de mercadorias para suprir as necessidades da vida doméstica, que também envolve outras dimensões da vida social, o que implica reconhecer a porosidade existente entre diversas esferas, a depender da situação proposta pelo teste. A Tabela 2 apresenta uma seleção e uma organização desses campos.

TABELA 2 Atividades/ações e gêneros textuais por campos de atuação social 

ATIVIDADES/AÇÕES GÊNEROS TEXTUAIS
(E PORTADORES)
CAMPO DA VIDA PESSOAL (VIDA COTIDIANA)
Buscar informações variadas (pesquisar preços, opções de entretenimento, etc.).
Fazer ou consultar agendamentos (localizar resultados de exames e compartilhá-los, etc.).
Utilizar sistemas de busca ou seleção de informações.
Resolver problemas e/ou realizar tarefas cotidianas (fazer compras pela internet, fazer reservas, etc.).
Jogar games, apps ou jogos diversos.
Interagir com pessoas em meios digitais (participar de atividades culturais ou educacionais/formativas, estabelecer relacionamentos, comentar produções).
Painéis e mostradores de equipamentos domésticos (televisores, elevadores, aparelhos eletrodomésticos, etc.), formulário, campos em buscadores de informação, anúncio, receita, cardápio, lista, calendário, agenda, tutorial, mapa, sinopse de filmes, trailers, séries e programas, resenha (escrita e de booktuber), remix variados, roteiro de treinos, post em redes sociais, carteira de vacinação, resultado de exames, placa de logradouros, sinal de trânsito, extrato, etc.
CAMPO DA PRODUÇÃO E CONSUMO
Reclamar (direitos do consumidor).
Solicitar/reclamar serviços.
Anunciar e vender produtos e marcas.
Comprar produtos pela internet, acompanhando suas etapas.
Consultar credenciais de empresas em sites de reclamação ou órgãos de defesa do consumidor.
Denunciar empresas que não se pautam pelo consumo consciente.
Consultar e comparar preços/orçamentos.
Apresentação, solicitação, reclamação, denúncia, formulários variados (em canais de comunicação), chat de atendimento, anúncio, propaganda (e demais gêneros relacionados às formas contemporâneas de publicidade).
CAMPO DO TRABALHO
Registrar informações de diferentes naturezas.
Compartilhar informações e processos sobre procedimentos (manuais, tutoriais, etc.).
Planejar, implementar e avaliar.
Produzir documentos colaborativamente.
Participar de reuniões on-line.
Participar de treinamentos.
Consultar e publicizar currículo.
Produzir textos para organizar/atender demandas, distribuir/realizar tarefas, acompanhar/relatar fluxos de trabalho, avaliar equipes, etc.
Currículo, entrevista, resposta comercial, fluxograma, organograma, apresentação, planilha, relatório, carta de intenções, textos técnicos, gráfico, tabela, esquema, balanço, nota fiscal, instrução de uso, montagem ou limpeza, regulamento, instrumento de medida, painel de controle, indicador de sensores e alarmes, comunicado, e-mail, aviso, post de redes sociais de trabalho, interação orais em reuniões e outros eventos, etc.
CAMPO DA VIDA PÚBLICA
Acessar e analisar informações sobre questões polêmicas, projetos e ações que interessam à coletividade.
Discutir e encaminhar questões polêmicas, projetos e ações que interessam à coletividade.
Planejar campanha.
Acessar serviços públicos/e-gov.
Reclamar ou denunciar em diferentes canais (redes sociais, ouvidorias, serviço ao consumidor, etc.).
Projeto de lei, discussão, debate, abaixo-assinado, artigo de opinião, propaganda política, projeto de intervenção social, campanha (de conscientização, arrecadação, etc.), mapa, bilhete, passagem, planta, croqui, recado, comunicado, etc.
CAMPO JORNALÍSTICO-MIDIÁTICO
Informar-se sobre os acontecimentos cotidianos de relevância social e comentá-los.
Demandar abordagem de pautas.
Seguir (e interagir com) perfis oficiais, pessoas públicas, especialistas e personalidades.
Discutir questões polêmicas de interesse coletivo e/ou de repercussão na mídia.
Postar conteúdo em mídias variadas.
Notícia, reportagem (multimidiática), carta de leitor, artigo de opinião, meme, charge, perfil, post em redes sociais, comentário, podcasts, vlogs, deep fake, sinopse, nota jornalística, etc.
CAMPO CIENTÍFICO (ESCOLAR/DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA)
Compreender explicações.
Tomar notas, resumir, parafrasear.
Divulgar informações.
Artigo de divulgação científica, reportagem, podcast e vlog científicos, verbete de enciclopédia (colaborativa ou não), infográfico dinâmico ou estático, tabela, esquema, texto didático, mapa conceitual, anotação, linha do tempo, cards, etc.
CAMPO ARTÍSTICO-LITERÁRIO
Ler e apreciar textos (incluindo performances) artísticos e literários.
Ler e apreciar texto de crítica/experiência literária (booktubers, blogs, etc.).
Comentar/discutir/apreciar.
Publicar textos autorais.
Publicizar textos de outros autores.
Editar e editorar.
Miniconto, roteiro, poema, crônica, fábula, lenda, rap, canção, HQ, filme, animação, performance em vídeo, ensaio, resenha crítica, etc.

Fonte: Elaboração das autoras e da equipe da Ação Educativa e Conhecimento Social.

O domínio digital

Como destacado anteriormente, além dos domínios já considerados do letramento e numeramento e do diálogo com o letramento digital, a atualização do Inaf demanda a delimitação de um terceiro domínio para a matriz de habilidades denominado digital. Para aprofundar as habilidades específicas desse domínio, seus procedimentos e usos, foram analisadas atividades e ações necessárias à realização de tarefas em situações da vida nos diferentes campos, organizadas em quatro subdomínios, quais sejam:

  • Uso das TIC: envolve as habilidades operacionais necessárias para uso de apps, softwares, ferramentas e recursos da/na internet.

  • Trato com a informação: inclui habilidades de navegação - reconhecimento e manejo de hipertextos, ícones, recursos visuais, de busca, curadoria e análise crítica de conteúdo (confiabilidade, atualidade e fidedignidade, identificação de fake news, reconhecimento de conteúdos patrocinados, viés, etc.).

  • Interação, comunicação e colaboração: saber se comunicar adequadamente em diferentes ambientes digitais, publicar conteúdo em diferentes mídias, colaborar e participar de forma responsável e ética nas redes e ambientes digitais, reconhecer discurso de ódio e estabelecer diferença entre liberdade de expressão e discurso de ódio, bullying e outros conteúdos de natureza ofensiva, usar adequadamente ferramentas de trabalho colaborativo.

  • Segurança digital: considera as habilidades relacionadas aos aspectos de proteção, controles de uso, configurações e segurança de dispositivos pessoais, redes e dados.

A fim de mapear situações e atividades em cada subdomínio, tomou-se como ponto de partida uma classificação a partir das habilidades funcionais do Inaf (elementar, localização, interpretação, elaboração, avaliação). No entanto, fez-se necessária uma atualização do modo de interpretação de tais habilidades, optando-se por uma nova classificação que levou em consideração a descrição das habilidades no contexto digital e as dimensões cognitivas e funcionais exigidas na progressão. Dito de outro modo, as habilidades funcionais incluídas nas edições passadas do Inaf foram reinterpretadas, relidas e acrescidas a partir da análise de habilidades relacionadas às diferentes dimensões do letramento digital, denominadas agora dimensões do Novo Inaf.

A Tabela 3 sintetiza uma primeira descrição de cada uma das dimensões definidas, e a Tabela 4 descreve as atividades do domínio digital em relação às dimensões do Novo Inaf.

TABELA 3 Descrição das dimensões do Novo Inaf 

HABILIDADES FUNCIONAIS
(Inaf até edição de 2018)*

DIMENSÕES
(Novo Inaf)
DESCRIÇÃO
HABILIDADES ELEMENTARES

RECONHECER/DECODIFICAR
O reconhecimento das letras do alfabeto e dos dez algarismos indo-
-arábicos, indispensável para a leitura e a escrita, pode ser avaliado por meio de tarefas que envolvem a diferenciação entre letras, algarismos, desenhos e outros sinais gráficos; avalia-se ainda se a pessoa é capaz de reconhecer letras e algarismos pelo nome ou se sabe atribuir-lhes o som (no caso das letras) ou o valor (no caso dos algarismos) que indicam. Tal habilidade compreende ainda a identificação das maiúsculas e minúsculas, além de caligrafia manuscrita.
As tarefas com menor grau de dificuldade são as que envolvem apenas a diferenciação entre o que é número, letra, desenho ou outro sinal gráfico. A associação dos algarismos com os valores que representam é uma tarefa que praticamente todos os adultos dominam. Já a identificação das letras por seus nomes ou sons pode se tornar mais difícil para adultos com pouca escolaridade. O mesmo pode ser dito com relação à identificação - pelo nome ou pela função - dos sinais de pontuação, além dos sinais matemáticos usuais.
No domínio digital, essas habilidades correspondem ao reconhecimento de um ícone, da função de um hiperlink, da função touch, da possibilidade de avançar no conteúdo rolando para baixo ou para o lado e a possibilidade de ampliar um texto ou imagem.
LOCALIZAÇÃO

LOCALIZAR/IDENTIFICAR
Diz respeito à capacidade de identificar/recuperar num texto escrito ou multimodal ou na home de um site ou link direto uma ou múltiplas informações, que podem estar expressas de modo literal ou não (explícito, mas não necessariamente literal, com desafio cognitivo mínimo, por exemplo, referência a “amigo” no texto e a “companheiro” no item). As tarefas mais simples envolvem a localização de uma só informação em página única ou na primeira página de um site.
INTEGRAÇÃO E ELABORAÇÃO

COMPREENDER/INFERIR
Para compreender textos escritos ou multimodais é necessário realizar tarefas de integração e análise para construir um significado e interpretação. A integração de informações exige do leitor a capacidade de lidar com dois ou mais elementos escritos ou multimodais, comparando-os, ordenando-os (maior/menor, mais/menos, antes/depois, geral/particular, etc.), ou, ainda, estabelecendo outros tipos de nexos lógicos entre eles (referenciação, sinonímia, hiperonímia, causa/efeito, parte/todo, fonte/dado/fato ou opinião, etc.). Tanto para a compreensão quanto para a produção de textos (impressos-estáticos e/ou dinâmicos), o sujeito precisa constantemente integrar a informação já dada com informações novas introduzidas à medida que o texto progride ou que a navegação ocorre. No caso de textos com informação numérica, a integração das informações pode implicar, muitas vezes, o domínio de noções e a realização de alguma operação matemática, ou, ainda, a associação entre números e grafismos (estáticos ou dinâmicos) - no caso de leitura de gráficos, mapas, diagramas, infográficos, etc. Envolve também a capacidade de se localizar espacialmente e obter direções por meio de aplicativos ou recursos digitais.
Para compreender um texto, é necessário também inferir, ou seja, realizar deduções que podem levar a uma conclusão que não está explícita em um texto. A inferência também pode ser feita a partir da realização de um raciocínio matemático, a leitura de um gráfico e de uma tabela.
ELABORAÇÃO E AVALIAÇÃO

AVALIAR/REFLETIR
As tarefas que visam a verificar essa habilidade convocam explicitamente o leitor a aportar informação extratextual para confrontar com informação textual, ou emitir parecer sobre ela: comparar/checar informação, reconhecer superficialidade, veracidade, atualidade, implausibilidade ou viés da informação, fazer apreciações éticas e estéticas, defender propostas, perceber orientações avaliativas menos explícitas. Em alguns casos, mais de uma resposta é aceitável, desde que o sujeito justifique sua posição, o que exigirá capacidade de elaboração da resposta com ideias próprias, sem perder de vista também os elementos do texto que as fundamentam.

Fonte: Elaboração das autoras e da equipe da Ação Educativa e Conhecimento Social.

* A descrição das habilidades aqui apresentadas partiu de Ribeiro e Fonseca (2010).

Vale observar que, dada a complexidade de medir habilidades no contexto digital, as habilidades relativas à elaboração foram estudadas transversalmente, compondo o domínio das demais habilidades. A proposta até aqui consolidada compreende a elaboração não somente como uma habilidade de produção de textos, mas também como habilidades que decorrem de processos mais complexos, com mais de uma etapa de resolução exigidas perante situações propostas pelo teste.

TABELA 4 Atividades do domínio digital em relação às dimensões do Novo Inaf 

DIMENSÕES DO NOVO INAF VERSUS SUBDOMÍNIOS DO DIGITAL USO DAS TIC TRATO COM A INFORMAÇÃO INTERAÇÃO, COMUNICAÇÃO E COLABORAÇÃO SEGURANÇA
DIGITAL
RECONHECER/DECODIFICAR Reconhecer a função de um ícone (se algo acontece ao ser clicado).
Reconhecer a função de um hiperlink (idem).
Reconhecer a função touch.
Reconhecer a possibilidade de avançar no conteúdo rolando para baixo ou para o lado (scroll por barra de rolagem vertical ou horizontal, setas, etc.).
Reconhecer a possibilidade de ampliar um texto ou imagem.
Abrir múltiplas janelas, abas, links.
Realizar alternância de páginas e/ou janelas.
Discernir elementos básicos e função de um aplicativo/recurso: na câmera do celular, ajustes, foco, filtros, etc.
Produzir, apagar, editar, compartilhar fotos, etc.
Reconhecer ícones de busca e/ou localização e sua função.
Reconhecer ícones de aplicativos de mensagens e redes sociais. Reconhecer risco de acessar mensagens ou links desconhecidos.
LOCALIZAR/IDENTIFICAR Localizar/reconhecer apps instalados no celular (abrir o app, home do app, etc.).
Reconhecer ícones e pequenas variações de layout desses programas como pertencentes a um mesmo grupo de apps (por exemplo, câmeras em diversos aparelhos).
Reconhecer formas de nomeação de sites.
Nomear adequadamente arquivos.
Selecionar palavras-chave adequadas.
Realizar busca simples em sites e aplicativos variados.
Localizar e armazenar (salvar) arquivos em pasta (dispositivo ou nuvem).
Localizar dados explícitos da informação, de autoria pessoal ou institucional, ou do veículo de informação.
Reconhecer dados quantitativos como preços, datas, horários, número de telefone, CEP, em sites e apps.
Localizar informações quantitativas em gráficos, reconhecendo elementos e informações simples.
Reconhecer trajetos, rotas, deslocamentos e referências em mapas, dispositivos ou aplicativos.
Diferenciar texto autoral de comentário em redes sociais e ambiente digitais.
Identificar informações explícitas em mensagens simples de texto ou áudio, aplicativos de mensagens
(texto, números, dados, imagem, emoji, etc.).
Reconhecer dados privados, que permitem identificar, direta ou indiretamente uma pessoa (RG, CPF, etc.).
Reconhecer dados pessoais de outras pessoas disponibilizados publicamente.
Localizar configurações de privacidade explícitas.
COMPREENDER/INFERIR Localizar, selecionar, baixar e instalar apps.
Organizar de forma adequada arquivos - localmente e em nuvem.
Encontrar arquivos em drives compartilhados.
Gerenciar tipos de acesso a arquivos.
Realizar busca mais complexa, que supõe navegação ou rolagem.
Realizar busca e seleção adequada a seus propósitos.
Diferenciar navegação, seleção e classificação de informações.
Utilizar mecanismos de busca mais sofisticados.
Discriminar conteúdos e comportamentos ilegais, preconceituosos e/ou prejudiciais.
Integrar informações e elementos em textos multimodais diversos em ambientes digitais.
Inferir conteúdo do link a partir do nó.
Compreender informações quantitativas em gráficos e tabelas mais complexos.
Enviar mensagens instantâneas simples, em texto ou áudio.
Montar grupos em aplicativos de mensagem instantânea.
Reconhecer destinatários, códigos e status de envio e recepção de mensagens.
Interagir (curtir, comentar, trocar mensagens, compartilhar, etc.).
Manusear ferramentas de edição de texto, fotos, áudio, vídeo, etc. (conhecimento técnico) em apps básicos (Instagram, Word, WhatsApp, Excel, etc.).
Identificar situações/mensagens que implicam riscos (vírus, golpes, links enviados, etc.).
Reconhecer critérios de segurança, proteção e preservação de dados pessoais (proteção e controle de senhas, etc.).
Reconhecer audiência de suas próprias contas em redes sociais.
Compreender opções de escolha de cookies.
AVALIAR/REFLETIR Produzir e editar conteúdo para audiências e situações específicas, utilizando ferramentas e/ou ambientes adequados. Realizar curadoria de conteúdos adequada aos objetivos.
Analisar criticamente conteúdos e informações (considerando a confiabilidade, a fidedignidade e o viés).
Identificar fake news, conteúdos monetizados/patrocinados (publipost, etc.), acesso aberto/público, etc.
Analisar a artificialidade e a atualidade das informações.
Realizar apreciação ética e política de conteúdo publicado.
Compartilhar conteúdos confiáveis.
Elaborar síntese a partir de diferentes fontes na internet.
Avaliar a perspectiva da filtragem e apresentação das informações.
Produzir textos e conteúdo de forma colaborativa.
Discriminar discurso de ódio de liberdade de expressão.
Analisar efeitos de sentidos provocados por escolhas, composições, sobreposições e/ou
sequenciação de elementos linguísticos
e/ou semióticos.
Participar de fóruns de discussão e similares.
Reconhecer netiquetas.
Reconhecer a autoria de textos produzidos por outras pessoas e apropriação destes de forma ética e responsável.
Participar de comunidades, respeitando diferentes perspectivas e seguindo normas alternativas.
Analisar a apreciação valorativa em textos multimodais.
Realizar curadoria (conferir algum sentido a dada seleção) a partir da explicitação de critério adequado.
Denunciar conteúdos e comportamentos ilegais, preconceituosos e/ou prejudiciais.
Reconhecer “dados pessoais” como uma gama mais ampla de informações dispostas em redes sociais.
Utilizar critérios próprios de segurança e preservação de dados pessoais.
Utilizar formas de bloqueio a sites, contatos, acesso a aparelhos.
Selecionar opções de escolha de cookies de acordo com sua vontade.

Fonte: Elaboração das autoras e da equipe da Ação Educativa e Conhecimento Social.

A Tabela 4 apresenta os domínios (ou subdomínios) do digital investigados, correlacionados às dimensões do Inaf (antigas habilidades), como forma de vislumbrar possíveis progressões em termos de habilidades que possam servir como uma das referências para a construção da nova matriz de habilidades do Inaf.

A INCLUSÃO DO DOMÍNIO DIGITAL NO INAF

Ao longo dos 20 anos de história, o Inaf aprimorou constantemente seu entendimento acerca do alfabetismo. De início, as dimensões letramento e numeramento eram tratadas de modo independente e, posteriormente, passaram a ser analisadas de forma combinada, sendo progressivamente integradas (Figura 2). Tal mudança pode ser observada tanto nas habilidades que precisam ser mobilizadas para a resolução dos itens quanto nos resultados das proficiências dos respondentes.

No decorrer das edições, foi-se buscando incluir algumas situações voltadas ao uso de tecnologias. No início, havia poucas perguntas no questionário contextual6 sobre a leitura de materiais na internet, por exemplo. Com o passar dos anos, houve a inclusão de questões relativas aos dispositivos utilizados, assim como sobre a frequência de uso. Em 2015, foram incorporadas novas questões voltadas para a compreensão das atividades realizadas na internet, como envio e recebimento de e-mails, uso de redes sociais e de ferramentas de busca, consultas a serviços públicos, realização de compras on-line, jogos, estudos, etc. Já na edição de 2018, além das perguntas do questionário, houve inclusão de itens no teste, incorporando situações próprias do contexto digital, como post de Facebook, troca de mensagens em aplicativos de mensagens instantâneas (WhatsApp, SMS, etc.), porém ainda com aplicação em papel e sem vislumbrar habilidades do contexto digital como um terceiro domínio.

Fonte: Elaboração da equipe da Ação Educativa e Conhecimento Social.

FIGURA 2 Intersecção dos domínios do Inaf entre 2001 e 2018 

Espera-se que a introdução do domínio do digital no Inaf possa ocorrer de forma gradual (Figura 3), como se deu com a articulação dos domínios do letramento e numeramento (Figura 2). Assim, em 2023, busca-se ampliar as situações de contexto digital, para incorporar um terceiro domínio, medindo um conjunto de habilidades específicas do mundo digital. Espera-se que, no futuro, ocorra um movimento de maior articulação formando um único construto, o alfabetismo funcional:

Fonte: Elaboração da equipe da Ação Educativa e Conhecimento Social.

FIGURA 3 Introdução do domínio digital no Novo Inaf 

Matriz de habilidades do Novo Inaf

A partir do percurso até aqui apresentado, a equipe do Inaf produziu uma proposta inicial de matriz (Tabela 5) capaz de acomodar os descritores do teste em relação aos domínios do letramento, do numeramento e do digital e às dimensões do Novo Inaf (reconhecer/decodificar; localizar/identificar; compreender/inferir; avaliar/refletir), considerando algumas situações da vida nos diferentes campos de atuação social mapeadas.

Além do referencial teórico já mencionado, foram levadas em conta outras experiências e estudos que serviram como referência para a organização e construção da nova matriz, dos quais podemos citar o Programme for the International Assessment of Adult Competencies (Organisation for Economic Co-operation and Development [OECD], 2019).

TABELA 5 Matriz de habilidades do Novo Inaf 

DIMENSÕES RECONHECER/DECODIFICAR LOCALIZAR/IDENTIFICAR COMPREENDER/INFERIR AVALIAR/REFLETIR
Gêneros/tipos de texto Textos simples, frases curtas, palavras, símbolos, letras, números, data, hora, valor monetário, preços, placas, imagens, ícones ou cartazes com letras, palavras e números, etc. Textos simples de pequena extensão: títulos, áudios, aplicativos de troca de mensagens, cartazes, posts, avisos, notícias, receitas, narrativas, vídeos, especificações técnicas simples, anúncios, gráficos e tabelas simples, calendário/agendas impresso ou digital.
Postagens (simples) em redes sociais, comentários (curtos), áudios, vídeos e imagens.
Textos de média e longa extensão: artigos jornalísticos, bulas de remédios, contas de consumo, textos literários, artigos científicos. Gráficos e tabelas com mais de uma variável, mapas com escala, aplicativos de navegação, localização, infográficos e diagramas. Postagens em redes sociais, comentários, áudios, vídeos e imagens. Utilização de um ou mais textos de média e longa extensão: artigos jornalísticos, textos literários, artigos científicos de maior complexidade. Gráficos e tabelas dinâmicas com mais de uma variável com indicação de tendências e projeções, mapas com escala, aplicativos de navegação, localização, infográficos de maior complexidade e diagramas, nuvens de palavras e dados. Postagens em redes sociais, áudios, vídeos e imagens.
Habilidades 1. Identificar (pelo nome ou função) sinais de pontuação ou sinais matemáticos (ponto final, vírgula, ponto de interrogação, ponto de exclamação, dois pontos, +, -, x, =, ÷, ½, %).
2. Associar palavra ou número à imagem correspondente (representando quantidade ou ordem).
3. Identificar um algarismo (associá-lo ao seu nome e/ou ao valor que representa).
4. Reconhecer determinado número (ditado), em um impresso com outras informações numéricas.
5. Reconhecer diferentes tipos de materiais escritos pela configuração ou elementos salientes (jornal, aviso, convite, receitas, dicionários, agenda, cartas, listas, card, postagem em rede social e comentário, mensagem de texto em aplicativo com essa finalidade, etc.).
1. Localizar uma informação cuja disposição no texto - impresso ou digital (título, autor/instituição, remetente, destinatário, menu, áreas, ícones) é saliente.
2. Localizar uma ou mais unidades de informação explícita(s), expressa(s) de forma literal ou não em textos escritos e multimodais.
3. Localizar mensagens instantâneas simples, em texto ou áudio, em aplicativos com essa finalidade (SMS, WhatsApp, Messenger, etc.).
4. Selecionar uma ou mais unidades de informação em textos verbais e multissemióticos, observando uma ou múltiplas condições.
5. Localizar informações numéricas explícitas (quantidade, datas, horários ou períodos, preços, descontos e acréscimos, etc.) em textos escritos e multimodais.
6. Ler/reconhecer medidas de tempo (horários, datas, períodos, dias da semana, ano, etc.) em relógios e cronômetros (ponteiro ou digital), calendários ou agendas (impressos ou digitais).
1. Utilizar elementos de referência externos ao corpo de texto (índice, sumário, glossário, nota de rodapé, nota bibliográfica).
2. Preencher formulários (impressos ou digitais).
3. Identificar relações de causa/consequência não explícitas.
4. Comparar afirmações, proposições, informações, argumentos, fatos, características de coisas ou processos, acontecimentos, prescrições, relatos, etc. Comparar números ou quantidades (códigos, indicadores de quantidade ou ordem, valores monetários, medidas, datas, objetos, etc.): maior/menor, mais/menos, antes/depois, igualdade/diferença, dentro/fora de intervalos.
5. Identificar evidências que fundamentam afirmação ou argumento.
6. Reconhecer o efeito de sentido ou estético de certas escolhas lexicais ou sintáticas, do uso de figuras de linguagem ou sinais de pontuação.
7. Identificar o posicionamento implícito do autor ou de outras referências indicadas.
8. Reconhecer a relação entre o que se mede, a unidade de medida utilizada e a expressão da medida.
1. Avaliar a veracidade de uma narrativa ou informação, a aplicabilidade de uma prescrição ou a coerência de uma argumentação.
2. Julgar a validade e coerência dos resultados de pesquisas estatísticas.
3. Opinar sobre o posicionamento do autor ou o estilo do texto.
4. Reconhecer os efeitos de sentido (ênfases, apagamentos ou distorções) provocados pela escolha de certos modos de representação de informação quantitativa.
5. Julgar classificações ou avaliações de produtos, por meio de informações numéricas ou textuais expressas de diversas formas (tabelas, gráficos de maior complexidade) em anúncios e resenhas impressos ou digitais, para decidir sobre uma compra ou aquisição.
6. Comparar posicionamentos implícitos.
7. Reconhecer elementos textuais e quantitativos (tendências, imprecisões, incorreções) que evidenciam indícios de notícias falsas compartilhadas nas mídias e nas diferentes redes sociais.
Habilidades 6. Associar os elementos sonoros das palavras a sua representação escrita.
7. Identificar assunto ou finalidade de textos pela configuração ou elementos salientes (títulos, imagens, design, ícones, etc.).
8. Ler palavras.
9. Ler/escrever frases curtas.
10. Reconhecer a função de um hiperlink.
11. Reconhecer a função touch.
12. Reconhecer a possibilidade de avançar no conteúdo rolando para baixo ou para o lado (scroll por barra de rolagem vertical ou horizontal, setas, etc.).
13. Reconhecer a possibilidade de ampliar um texto ou imagem.
7. Ler resultados de medidas diversas em instrumentos de medidas comuns, analógicos ou digitais (balança, trena, régua, fita métrica, recipiente graduado, termômetro).
8. Reconhecer ícone ou app em aparelhos digitais.
9. Localizar informação a partir de um link resultante de busca simples ou de um menu oferecido.
10. Localizar informações numéricas em tabelas, gráficos e infográficos simples.
11. Localizar configurações de privacidade indicadas explicitamente.
12. Utilizar mecanismos de busca para localizar informação na internet e reconhecer link resultante de busca simples.
13. Identificar ícones/configurações de privacidade de perfil e compartilhamento de mensagens, postagens, etc. (público, só amigos, privado).
9. Reconhecer a relação de proporcionalidade direta ou inversa entre grandezas, em contextos cotidianos.
10. Resolver situações problema simples de cálculo envolvendo operações (com ou sem o uso de calculadora ou outros recursos digitais).
11. Comparar ou relacionar informações que constam de um gráfico ou tabela.
12. Reconhecer os significados das medidas estatísticas mais usuais (média e amplitude), para a tomada de decisão em situações do cotidiano.
13. Relacionar a dimensão da representação cartográfica à escala utilizada.
14. Compreender e utilizar recursos/formas de bloqueio a perfis, contatos, acessos a aparelhos, etc.
15. Reconhecer destinatários e status de envio e recepção de mensagens.
16. Reconhecer netiquetas.
17. Reconhecer a autoria de textos produzidos por outras pessoas e apropriação destes de forma ética e responsável.
18. Perceber apreciação valorativa em textos multimodais.
19. Interpretar esquemas, diagramas e fluxogramas para resolver problemas a partir de um contexto dado.
8. Identificar taxas de variação ou tendências de fenômenos representados por meio de gráficos.
9. Avaliar informações quantitativas expressas em diferentes formas de visualização de dados (gráficos e tabelas dinâmicas, infográficos complexos), quantificação em nuvens (palavras, dados) para interpretar fenômenos, argumentar ou tomar decisões.
10. Identificar e analisar efeitos de sentido decorrentes de escolhas linguísticas - presença/ausência/ênfase de vozes sociais; figuras de linguagem e de design - tamanho e tipo de fonte, cores, destaques, layout, template, etc.
11. Avaliar a probabilidade de ocorrência de um evento.
12. Avaliar eficácia e ética de estratégias retóricas (argumentação e persuasão).
13. Elaborar um pequeno texto (mensagem/post, descrição, exposição ou argumentação) com base em elementos do texto ou contexto dado.

Fonte: Elaboração das autoras e da equipe da Ação Educativa e Conhecimento Social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurou-se demonstrar neste artigo o processo de elaboração da nova matriz provisória do Inaf, que considera alguns domínios e dimensões do letramento digital. Se, por um lado, foram apresentadas referências conceituais a respeito dos letramentos em questão e de outras matrizes de referência que contemplam o digital, por outro, buscou-se, se não manter a série histórica dos mais de 20 anos de Inaf, ao menos preservar alguns parâmetros de comparação. Ao mesmo tempo, foi preciso refletir sobre o contexto de aplicação da pesquisa. O Inaf é aplicado por meio de entrevistas domiciliares em diferentes localidades do Brasil. Essa dinâmica exige um processo de coleta de dados no formato off-line, o que por si só já garante uma série de desafios na elaboração de itens que garantam a avaliação de habilidades voltadas para o digital. Além disso, o Inaf não parte de uma visão binária de alfabetismo, ou seja, uma visão que considera apenas se o sujeito é ou não alfabetizado. Ao contrário, há uma preocupação, na pesquisa, em aprofundar-se sobre os diferentes níveis de alfabetismo. Foi preciso, então, pensar em um suporte e um instrumento viáveis para avaliar, no âmbito do digital, não só as habilidades mais proficientes, mas também aquelas mais elementares, sem que isso implicasse um aumento do número de questões do instrumento. Esse contexto limitou, de imediato, incorporações mais significativas em termos de situações, atividades e habilidades relativas ao digital a serem pensadas.

Com relação a referências teórico-metodológicas, cabe o destaque para o movimento de partir das atividades desempenhadas e situações vividas em diferentes campos de atuação social para a definição das habilidades envolvidas, movimento que procura aferir, ainda que de forma limitada pela situação de testagem, aspectos socioculturais e não somente a dimensão cognitiva. Nessa direção, vale também apontar para a articulação das dimensões do novo Inaf - reconhecer/decodificar, localizar/identificar, compreender/inferir, elaborar/avaliar, além dos subdomínios do digital - com uso das TIC, trato com o conteúdo/informação, interação, comunicação e colaboração, segurança digital, parte do processo de integrar os alfabetismos considerados.

O esforço em aprimorar a pesquisa pressupõe sua importante contribuição de atuar como ferramenta valiosa de monitoramento da situação educacional da população adulta brasileira, atualmente incorporando o desafio de incluir o letramento digital nesse universo.

Se atualmente não é interessante produzir um indicador preocupado em medir as habilidades presentes nas práticas sociais que desconsidere o contexto digital, faz-se necessário inovar a estruturação da matriz e os princípios que embasam a elaboração de itens, passando a incorporar, de forma mais adensada, a dimensão digital e sua relação com as dimensões do letramento e numeramento medidas pelo teste.

Desse modo, a matriz de habilidades apresentada configura-se como uma versão inicial, a ser aprimorada em diálogo com a sociedade. Para isso, pretende-se avançar na introdução do domínio digital na pesquisa a partir de processo de aprendizagem coletiva e de diferentes fóruns de discussão com a comunidade acadêmica e demais atores desse campo, para aprofundar, por meio das análises dos resultados de uma próxima edição, a compreensão e a descrição de usos das linguagens e dos conhecimentos matemáticos em contextos digitais, bem como das habilidades mobilizadas. Isso permitirá o aperfeiçoamento dos conceitos e indicadores que poderão manter a relevância do estudo e sua adesão a práticas cotidianas do uso da leitura, da escrita e da matemática também em contexto digital para o desenvolvimento das pessoas e da sociedade.

1 A Ação Educativa é uma associação civil sem fins lucrativos que atua nos campos da educação, da cultura e da juventude, na perspectiva dos direitos humanos. Desenvolve há mais de 25 anos projetos de pesquisa e intervenção no campo da alfabetização e da educação de jovens e adultos.

3 Criada em 2016 por Ana Lúcia Lima, é uma consultoria especializada na produção de conhecimento no campo social, com especial foco em educação, unindo os quase 30 anos de experiência em pesquisa como CEO (Chief Executive Officer) do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) e diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro.

4 Ana Lúcia Lima, Andréia Lunkes Conrado, Daniel dos Santos, Dianne Melo, Fernanda Cury, Heloísa Trenche, Jacqueline Barbosa, Márcia Mendonça e Roberto Catelli Jr.

5 A esse respeito, ver também Kalantzis et al. (2020).

6 Além dos itens que avaliam o nível de alfabetismo, o Inaf faz o levantamento das características sociodemográficas e práticas de leitura, escrita e cálculo que os participantes da pesquisa realizam no dia a dia. São dados que, ao serem analisados em consonância com os níveis de alfabetismo, contribuem para maior aprofundamento dos resultados apresentados.

REFERÊNCIAS

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Kalantzis, M., Cope, B., & Pinheiro, P. (2020). Letramentos. Editora da Unicamp. [ Links ]

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Recebido: 10 de Outubro de 2023; Aceito: 06 de Novembro de 2023

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