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Estudos em Avaliação Educacional

versión impresa ISSN 0103-6831versión On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.35  São Paulo  2024  Epub 15-Feb-2024

https://doi.org/10.18222/eae.v35.10423 

AVALIANDO O PNE 2014-2024

AVALIAÇÃO DAS SUBCAPACIDADES MUNICIPAIS DEMANDADAS PELA META 1 DO PNE 2014-2024

EVALUACIÓN DE LAS SUBCAPACIDADES MUNICIPALES EXIGIDAS POR LA META 1 DEL PNE 2014-2024

EVALUATION OF MUNICIPAL SUB-CAPACITIES REQUIRED BY GOAL 1 OF 2014-2024 PNE

IPontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro-RJ, Brasil; naira@puc-rio.br

IIUniversidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Rio de Janeiro-RJ, Brasil; bruno@tovar.com.br


RESUMO

O presente estudo avalia as subcapacidades que os municípios brasileiros precisam ter ou desenvolver a fim de cumprir com a Meta 1 do PNE 2014-2024. Para tanto, utilizou- -se metodologia de mensuração de capacidade estatal do campo das ciências políticas, em que foi adotado um modelo de análise para as subcapacidades municipais, com exame das exigências que todas as 17 estratégias dessa meta demandam da gestão pública municipal. Em seguida, verificou-se até que ponto os entes municipais já têm essas habilidades desenvolvidas. O estudo conclui que o modelo de Estado federativo brasileiro coloca inúmeros desafios para a implementação de políticas públicas sociais, em especial as educacionais voltadas para a primeira infância.

PALAVRAS-CHAVE: PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS EDUCACIONAIS; EDUCAÇÃO INFANTIL; AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO

RESUMEN

El presente estudio evalúa las subcapacidades que necesitan tener o desarrollar los municipios brasileños para cumplir con la Meta 1 do PNE [Plan Nacional de Educación] 2014-2024. Para ello se utilizó una metodología de medición de la capacidad estatal del ámbito de las ciencias políticas, en la que se adoptó un modelo de análisis para las subcapacidades municipales, con el propósito de examinar las exigencias que todas las 17 estrategias de dicha meta demandan de la gestión pública municipal. Luego se verificó hasta qué punto los entes municipales ya han desarrollado tales habilidades. El estudio concluye que el modelo de Estado federativo brasileño plantea un sinnúmero de desafíos para implementar políticas públicas sociales, sobre todo las educativas que se destinan a la primera infancia.

PALABRAS CLAVE: PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; EVALUACIÓN DE POLÍTICAS EDUCATIVAS; EDUCACIÓN INFANTIL; EVALUACIÓN DE LA EDUCACIÓN

ABSTRACT

The present study evaluates the sub-capacities that Brazilian municipalities need to have or develop in order to comply with Goal 1 of the 2014-2024 PNE [National Education Plan]. Therefore, a methodology for measuring state capacity in the field of political science was used. It adopted an analysis model for municipal sub-capacities, examining the requirements that all 17 strategies of this goal demand of municipal public management. It then examined the extent to which municipal entities already have these skills developed. The study concludes that the Brazilian federative state model poses numerous challenges for the implementation of social public policies, especially educational policies aimed at early childhood.

KEYWORDS: PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; EVALUATION OF EDUCATIONAL POLICIES; EARLY CHILDHOOD; EVALUATION OF EDUCATION

INTRODUÇÃO

Na iminência do término da vigência do Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE 2014-2024) (Lei n. 13.005, 2014), que orientou as políticas educacionais de todos os entes da federação na última década, pesquisadores, gestores públicos, fóruns e demais organizações da sociedade civil e governamental se debruçam em avaliar o desempenho de suas metas e estratégias, mas também de construir propostas que subsidiem o novo plano decenal. O presente estudo se situa no campo das proposições e foi motivado pela participação ativa de seus autores em fóruns subnacionais e em comissões de monitoramento e avaliação, em especial aquelas que avaliaram os planos municipais de educação. Com base nos referenciais das ciências políticas e considerando que as políticas educacionais são implementadas a partir do regime de colaboração entre os entes federados, avaliamos as subcapacidades dos municípios de promover políticas, programas ou ações que atendam às diretrizes nacionais e contribuam para a implementação dos planos educacionais.

Os estudos sobre federalismo identificam o Brasil como um caso particular de federação, por apresentar três esferas de governo - além da União e dos estados, os municípios são considerados entes autônomos -, que, a partir da Constituição Federal de 1988, passaram a: assumir maiores responsabilidades na provisão de bens públicos e de desenvolvimento local (Arretche, 2004); exercer autoridade administrativa, fiscal e política (Silva & Valadão, 2022); e legislar e suplementar a legislação federal/estadual a partir do interesse local (Silva & Valadão, 2022). Isso significa que, após a promulgação da Constituição, os municípios passaram a ter autonomia para aderir (ou não), por meio do regime de colaboração, às políticas nacionais e/ou estaduais e, também, para formular políticas próprias.

Conforme previsto no artigo 211 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em matéria de educação, a oferta é dividida entre os três entes federados, cabendo aos municípios a responsabilidade pela oferta de educação infantil e ensino fundamental; aos estados e Distrito Federal a oferta de ensino fundamental e ensino médio; e à União o financiamento das instituições de ensino públicas federais, bem como assistência técnica e financeira aos demais entes federados para a garantia de padrão mínimo de qualidade e equalização das oportunidades educacionais. Essa distribuição de responsabilidades implica a formulação de dois desenhos de políticas: o primeiro baseado no regime de colaboração, no qual municípios aderem às políticas formuladas em âmbito nacional e/ou estadual; e outro baseado na própria autonomia do ente subnacional para a formulação de políticas próprias, mais aderentes ao contexto local.

Seja por adesão à política nacional/estadual, seja pela formulação de políticas do poder executivo municipal, os desafios da implementação são múltiplos. Estudos do campo da ciência política têm se debruçado sobre diversos temas para compreender o sucesso ou insucesso de políticas públicas. Um desses temas refere-se ao papel que o Estado desempenha em prol do desenvolvimento econômico e social, entre eles, a educação. Com esse foco, os estudos voltam-se para a definição das capacidades que o Estado deve apresentar para ter um desempenho positivo no provimento de bens e serviços à sociedade. Segundo Gomide (2016), não há consenso sobre as formas metodológicas de avaliar as capacidades estatais - entendidas como um conceito abrangente e multidimensional, o que dificulta sua análise empírica. Gomide e Boschi (2016) apresentam estudos que investigam, de forma comparativa, as capacidades estatais mobilizadas pelos países que compõem o Brics1 para formulação e implementação de políticas em diversas áreas. Esses estudos abordam as capacidades estatais a partir de diferentes perspectivas conceituais e abordagens metodológicas, revelando a polissemia do conceito e as diversas possibilidades de percursos metodológicos para sua análise empírica.

Apesar dessa abrangência e multidimensionalidade, num exercício de tentar definir capacidades estatais, Pires e Gomide (2016, p. 123) apontam dois níveis de definição do conceito: o primeiro, mais amplo, ou macro, que se refere “à criação e à manutenção da ordem em um determinado território, o que, por sua vez, exige um conjunto de medidas para a proteção da soberania, como administrar um aparato coercitivo, arrecadar tributos e administrar um sistema de justiça”. Nessa perspectiva, o conceito de capacidades estatais é empregado para explicar “as situações em que os Estados emergem, gerenciam conflitos internos e externos e transformam as suas sociedades e economias” (Pires & Gomide, 2016, p. 123). O segundo nível de definição do conceito se insere numa perspectiva micro ou, segundo os autores, “concreta”, pois se refere às capacidades do Estado para produzir políticas (ações) que vão atingir determinados objetivos. Referem-se, portanto, às capacidades de identificar problemas, formular soluções, executar ações e entregar resultados (Pires & Gomide, 2016).

As definições apresentadas por Pires e Gomide (2016) estão referenciadas na atuação do poder executivo nacional, não havendo definições de capacidades estatais para a atuação desse poder em âmbito estadual e municipal. Silva e Valadão (2022) apontam que, embora direcionada para a esfera federal, a definição de capacidade estatal tem sido apropriada por estudos que focalizam políticas no nível subnacional. Por isso, os autores sugerem uma proposta metodológica que compreende os diversos contextos e atores envolvidos na administração estatal municipal, viabilizando a análise de subcapacidades tanto no planejamento e implementação das ações quanto na avaliação dos serviços prestados.

O presente estudo vale-se das contribuições metodológicas de mensuração de subcapacidades municipais de Silva e Valadão (2022) para compreender como os municípios estão atuando no sentindo de alcançar as metas propostas pelo PNE 2014-2024 (Lei n. 13.005, 2014). Mais especificamente, nos interessa observar as subcapacidades estatais (Silva & Valadão, 2022) que os municípios precisam ter para implementar as estratégias e alcançar a Meta 1, que se refere à educação infantil - etapa escolar cuja oferta é, segundo prerrogativa constitucional, de responsabilidade prioritária dos municípios. Esse é o motivo que justifica o direcionamento analítico para a Meta 1.

Para tanto, analisamos a Lei n. 13.005 (2014), que aprova o PNE, a fim de identificar as subcapacidades estatais demandadas no texto da lei para o cumprimento da Meta 1 e implementação de suas estratégias. Além disso, buscamos mapear algumas características dos municípios, com o intuito de identificar se essas subcapacidades estão desenvolvidas por eles.

O trabalho está estruturado em cinco seções, contando com esta introdução. A próxima seção explica o modelo metodológico de análise proposto por Silva e Valadão (2022). A terceira seção faz uma breve apresentação da Meta 1 e de suas estratégias, analisando-a à luz dos constructos apontados pela literatura, utilizando como referência as subcapacidades estatais da proposta metodológica de Silva e Valadão (2022). A quarta seção identifica as principais subcapacidades já desenvolvidas pelos municípios. Por fim, na última seção são apresentadas algumas reflexões acerca da discussão feita ao longo do texto.

SUBCAPACIDADES ESTATAIS: MODELO METODOLÓGICO DE ANÁLISE

A literatura sobre capacidades estatais tem avançado na identificação de elementos que caracterizam a ação do Estado no sentido de mapear as competências necessárias para implementar uma política em específico. Entretanto pouco se avançou nas formas de medir essas capacidades, de maneira que há uma lacuna empírica na mensuração das capacidades do Estado, sobretudo nos níveis subnacionais. De acordo com Silva e Valadão (2022), “as pesquisas em esfera municipal não têm mostrado estruturas de análise das capacidades estatais que forneçam propostas metodológicas para uma melhor operacionalização das análises e possibilidade de comparação”.

Medir capacidades estatais em contextos federativos, particularmente no caso brasileiro, que se organiza em três entes federados autônomos, é um desafio científico, em razão do desenho descentralizado das políticas sociais, em que os processos decisórios se dão na esfera federal, ao passo que a implementação ocorre nos contextos locais, ou seja, na esfera municipal.

Concomitantemente, há políticas sociais formuladas no âmbito local, indicando, muitas vezes, complementação ou sobreposição de políticas. A título de exemplo, podem ser citadas as avaliações educacionais em larga escala. O Brasil conta, desde 1990, com o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb),2 no qual, historicamente, avalia-se o desempenho de crianças e jovens do 5º e 9º anos do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio nos componentes curriculares de língua portuguesa e matemática, de todas as escolas públicas brasileiras. Paralelamente, diversos estados, como Minas Gerais (Sistema Mineiro de Avaliação e Equidade da Educação Pública - Simave) e Ceará (Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará - Spaece), e alguns municípios, como Rio de Janeiro (Prova Rio) e Teresina (Sistema de Avaliação Educacional de Teresina - Saethe), têm políticas próprias de avaliação que guardam muitas semelhanças com a avaliação do Saeb (geralmente os mesmos anos escolares são avaliados, com a mesma metodologia - teoria da resposta ao item). Com isso, tem-se a formulação e a implementação de políticas educacionais de avaliação em larga escala em três esferas governamentais - federal, estadual e municipal. Essas políticas se sobrepõem, submetendo os alunos a vários testes, e, a depender do desenho das avaliações, elas podem se complementar ou concorrer entre si, pois a orientação do trabalho pedagógico nas escolas pode tomar como referência o desempenho dos alunos em todas as avaliações ou em apenas uma.

Em razão do contexto federativo, os municípios são instados a desenvolver capacidades que os permitam não somente implementar políticas federais e/ou estaduais, mas também formular e implementar políticas próprias. Considerando essa complexidade, que pode ser verificada em várias áreas sociais, como a educação, Silva e Valadão (2022) propõem um modelo analítico de mensuração das capacidades estatais municipais, considerando duas variáveis: níveis de atuação e subcapacidades. A primeira, inspirada nos estudos de Saguin et al. (2018) e de Wu et al. (2015), define três níveis de atuação estatal: macro, meso e micro.

O nível macro refere-se às subcapacidades da esfera municipal, sem deixar de considerar aspectos das esferas estadual e federal, uma vez que as políticas sociais - particularmente as educacionais - operam em um contexto federativo. O nível meso compreende as estruturas organizacionais dos municípios, como secretarias, conselhos municipais e organizações da sociedade civil organizada. O nível micro, por sua vez, é composto por atores que assumem posições individuais, “representando a atuação da gestão municipal a partir das atividades dos próprios servidores públicos municipais, dos conselheiros e dos funcionários das associações sem fins lucrativos” (Silva & Valadão, 2022).

A segunda variável, baseada em Saguin et al. (2018), é composta por oito subcapacidades: administrativa, reguladora, institucional, fiscal, política, financeira, analítica e avaliadora. A definição de cada subcapacidade é definida de forma diferenciada para cada nível de atuação. Por exemplo, no nível macro, a subcapacidade administrativa refere-se à capacidade de “identificar, formular e implementar decisões políticas e garantir a uniformidade com foco no campo estratégico” (Silva & Valadão, 2022). No nível meso, essa mesma subcapacidade é conceituada como a capacidade de “controlar diferentes sistemas de gerenciamento” e “identificar, formular e implementar programas ou políticas mantendo as funções organizacionais adequadas” (Silva & Valadão, 2022). Já no nível micro, a subcapacidade administrativa é entendida como a capacidade de “executar atividades conforme o cargo e garantir a formação/perfil adequado para funções operacionais necessárias às políticas; capacidade de transformar conhecimento tácito em explícito e inovador” (Silva & Valadão, 2022). As definições das oito subcapacidades são, portanto, diferentes e dependentes do nível de atuação estatal. A Tabela 1 apresenta de forma sintética as definições das oito subcapacidades propostas por Silva e Valadão (2022) para o nível macro de atuação estatal, que serão utilizadas para a interpretação e análise do material empírico.

TABELA 1 SUBCAPACIDADES DO NÍVEL MACRO DE ATUAÇÃO ESTATAL MUNICIPAL 

SUBCAPACIDADE NÍVEL MACRO (ATORES POLÍTICOS, GOVERNOS SUBNACIONAIS)
Administrativa Capacidade de identificar, formular e implementar decisões políticas e garantir a uniformidade com foco no campo estratégico.
Reguladora Capacidade de monitorar e aplicar regras/procedimentos estabelecidos por meio de uma estrutura reguladora distinta, garantindo conformidade nas políticas.
Institucional Capacidade de cultivar uma imagem forte e preservar posições estratégicas de alianças entre diferentes governos. Capacidade de experimentar novas ideias de políticas e informar seu desenho, além da capacidade de tomar decisões estratégicas e orientar a adoção dessas decisões.
Fiscal Capacidade de coletar e aumentar receitas. Capacidade de manter a prudência fiscal por meio do monitoramento de operações financeiras, mantendo responsabilidade e transparência no processo orçamentário.
Política Capacidade de mobilizar apoio e consentimento da sociedade na busca por objetivos políticos, além de coordenar e controlar interesses divergentes, reconciliando ideologias políticas, mantendo legitimidade e soberania.
Financeira Capacidade de gerar receitas adicionais e de controlar as atividades econômicas, importante para manter a estabilidade macroeconômica de um município, permitindo a funcionalidade contínua do governo. Atribuição no nível sistêmico - capacidade de manter níveis sustentáveis de ativos e receitas reais no longo prazo, permitindo a continuidade do governo municipal.
Analítica Capacidade de coordenar e formalizar sistemas/programas de apoio tecnicamente sólidos para que sejam adequados ao potencial de implementação das ações.
Avaliadora Capacidade de formalizar meios para acompanhar e avaliar as políticas de forma coordenada, utilizando ferramentas de controle, planos de readequação e mecanismos de informação.

Fonte: Adaptada de Silva e Valadão (2022).

Para os objetivos do estudo aqui proposto, valemo-nos das contribuições do modelo analítico de Silva e Valadão (2022) para mapear as principais subcapacidades estatais demandadas no documento do PNE 2014-2024 para o cumprimento da Meta 1 e identificar as subcapacidades que os municípios já têm para o alcance dessas metas. Essa análise emprega o método dedutivo (Cano, 2012), pois analisamos os dados empíricos à luz dos constructos teóricos - ou seja, das subcapacidades apontadas no modelo de Silva e Valadão (2022). Como recorte, foram mapeadas as subcapacidades do nível macro, por ser do interesse deste trabalho identificar as subcapacidades do nível sistêmico, do âmbito municipal.

META 1 DO PNE 2014-2024: SUBCAPACIDADES ESTATAIS DEMANDADAS

O Plano Nacional de Educação 2014-2024 foi o segundo plano aprovado após a Cons- tituição Federal de 1988 e é constituído por diretrizes, metas e estratégias de curto, médio e longo prazos que orientam a política educacional do país. Seu principal objetivo é ser um instrumento de articulação do sistema nacional de educação, para a garantia do desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades, por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas, prescindindo, assim, de políticas baseadas no regime de colaboração.

Embora o plano seja nacional, as ações concretas que viabilizam a implementação das estratégias e o alcance das metas se dão em contextos locais, nos municípios, ou, mais precisamente, nas escolas. No Brasil, os contextos são heterogêneos e desiguais. Cada localidade apresenta especificidades e capacidades técnicas e financeiras diferenciadas, de forma que as políticas sejam implementadas de maneiras diferentes, produzindo, consequentemente, resultados diferentes. Apesar de haver inúmeros instrumentos nacionais de regulação, os fatores contextuais são decisivos para o sucesso/insucesso de determinada política - sobretudo se a política em questão visa a atender às diretrizes e metas do PNE, uma vez que todos precisam atuar coordenadamente para atingir objetivos comuns. Nesse sentido, o PNE 2014-2024 prevê, para o monitoramento e avaliação de suas metas, a atuação conjunta dos gestores públicos, das comissões, fóruns e conselhos de educação (Lei n. 13.005, 2014). A União, os estados, o Distrito Federal e os municípios devem atuar em regime de colaboração para alcançar as metas e implementar suas estratégias (Lei n. 13.005, 2014), bem como os planos subnacionais de educação devem ser elaborados em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas no PNE, sendo, para isso, exigida ampla participação de representantes da comunidade educacional e da sociedade civil (Lei n. 13.005, 2014).

A Meta 1 do PNE 2014-2024 refere-se ao atendimento de educação infantil, cuja oferta é de responsabilidade dos municípios, demandando, portanto, a promoção de políticas públicas próprias e/ou a adesão às políticas federais ou estaduais. A Meta 1 estabelece a universalização, até 2016, do atendimento de crianças de 4 e 5 anos na pré-escola e, também, a ampliação em 50% do atendimento de crianças de até 3 anos na creche, até 2024. Para o alcance dessa meta, foram estabelecidas 17 estratégias, que, para fins analíticos, foram agrupadas em cinco categorias, de modo que cada estratégia engloba uma dimensão específica. As categorias são: 1) estratégias de acesso à educação infantil; 2) estratégias de equidade no atendimento à educação infantil; 3) estratégias de qualidade no atendimento à educação infantil; 4) estratégias de formação e fortalecimento de concepções pedagógicas; e 5) estratégias intersetoriais de apoio às famílias. A Tabela 2 apresenta a categorização das estratégias.

TABELA 2 CATEGORIAS ANALÍTICAS DAS ESTRATÉGIAS DA META 1 DO PNE 2014-2024 

CATEGORIAS ANALÍTICAS DIMENSÃO/ESTRATÉGIAS
Estratégias de acesso à educação infantil Expansão: estratégias 1.1, 1.7
Demanda: estratégias 1.3, 1.4, 1.16
Tempo integral: estratégia 1.17
Estratégias de equidade no atendimento à educação infantil Socioeconômico: estratégia 1.2
Étnico-racial: estratégia 1.10
Inclusão: estratégia 1.11
Estratégias de qualidade no atendimento à educação infantil Qualidade da rede física: estratégia 1.5
Avaliação: estratégia 1.6
Estratégias de formação e fortalecimento de concepções pedagógicas Formação inicial e continuada: estratégia 1.8
Currículo e propostas pedagógicas: estratégia 1.9
Especificidades da educação infantil e transição para o ensino fundamental: estratégia 1.13
Estratégias intersetoriais de apoio às famílias Orientação e apoio às famílias: estratégia 1.12
Monitoramento do acesso e da permanência: estratégia 1.14
Busca ativa: estratégia 1.15

Fonte: Elaboração dos autores.

Na categoria Estratégias de acesso à educação infantil, foram identificadas seis estratégias, referentes a três dimensões: 1) expansão das redes públicas de educação infantil, por meio de construção de novos prédios ou por convênio com instituições beneficentes de assistência social na área de educação (estratégias 1.1 e 1.7); 2) levantamento de demanda por creche (estratégias 1.3, 1.4 e 1.16); e 3) acesso à educação infantil em tempo integral (estratégia 1.17).

Nesse grupo de seis estratégias, é possível identificar que o plano demanda algumas subcapacidades dos municípios. Adotar ações de ampliação da rede, como previsto nas estratégias 1.1 e 1.7, exige dos municípios o desenvolvimento das subcapacidades: 1) administrativa, pois requer a criação de procedimentos e instrumentos burocráticos para a implementação de ações de ampliação da oferta; 2) política, uma vez que os municípios precisam mobilizar a adesão da sociedade local, coordenar interesses divergentes e reconciliar ideologias políticas distintas, de forma a manter a legitimidade da política; 3) analítica, visto que os municípios precisam conhecer e analisar as peculiaridades dos contextos locais para coordenar e formalizar programas de ampliação da oferta; 4) avaliadora, pois requer que os municípios implementem meios de verificar se as ações executadas alcançaram as metas de expansão da oferta; e 5) institucional, caso da estratégia 1.7, que diz respeito à articulação do poder público com entidades beneficentes de assistência social para a expansão da oferta. Nesse último caso, as instituições do poder municipal precisarão atuar de forma articulada entre si e com outras instituições de fora do aparato estatal, demandando, portanto, o desenvolvimento da subcapacidade institucional.

Além da ampliação da rede, nessa categoria há estratégias de mapeamento da demanda, como é o caso das estratégias 1.3, 1.4 e 1.16, que estabelecem, respectivamente, a realização periódica de levantamento por demanda para o planejamento da oferta, o estabelecimento de normas, procedimentos e prazos para a consulta pública da demanda das famílias por creches e a publicação da demanda manifesta por educação infantil em creches e pré-escolas. Ações de mapear a demanda, planejar e ampliar a oferta são executadas em contextos locais, o que exige o desenvolvimento de certas subcapacidades municipais para a efetiva implementação dessas estratégias. Assim, para estabelecer normas e procedimentos para levantamento de demanda e de realização de consulta pública da necessidade das famílias por creches, conforme previsto nas estratégias 1.3, 1.4 e 1.16, os municípios prescindem de pelo menos quatro subcapacidades: 1) administrativa, para construir os instrumentos da consulta pública; 2) política, para mobilizar a sociedade na resposta à consulta pública; 3) analítica, para coordenar e formalizar os procedimentos da consulta pública; e 4) avaliadora, para acompanhar o aumento/diminuição da demanda e assim fazer ajustes no planejamento.

Por fim, a estratégia 1.17 prevê o estímulo ao acesso à educação infantil em tempo integral, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, prescindindo, ao menos, das subcapacidades analítica e política, pois o trabalho de estímulo exige a coordenação de programas adequados ao potencial de implementação das ações e esforços de mobilização da sociedade na direção de conciliar prioridades e interesses.

Além das subcapacidades já mencionadas, podem-se citar, ainda, as de âmbito fiscal e financeiro, pois a implementação das estratégias de acesso à educação infantil requer recursos de investimento e manutenção da rede, que podem vir da própria receita do município ou de transferências dos demais entes federados. As subcapacidades fiscal e financeira são transversais, pois a implementação das 17 estratégias demanda recursos financeiros.

Com relação à categoria Estratégias de equidade no atendimento à educação infantil, foram identificadas três estratégias referentes a três dimensões - socioeconômica, étnico-racial e de inclusão -, que visam a garantir a equidade de acesso a diferentes grupos sociais, particularmente para crianças de classes populares, de populações do campo, de comunidades indígenas e quilombolas e que necessitem de atendimento especializado. A estratégia 1.2 estabelece que a diferença da taxa de frequência de crianças dos quintos de renda mais alto e mais baixo deve ser inferior a 10%. A estratégia 1.10 estipula o atendimento à educação infantil das crianças do campo, indígenas e quilombolas nas próprias comunidades, visando a garantir que a oferta atenda às especificidades de cada comunidade. A estratégia 1.11, por sua vez, diz respeito ao atendimento especializado complementar e suplementar aos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, além da educação bilíngue para crianças surdas.

Essas três estratégias requerem dos municípios: a subcapacidade reguladora, para garantir a equidade do acesso desses grupos sociais à educação infantil; a subcapacidade institucional, para experimentar novos desenhos de políticas, envolvendo, inclusive, outros órgãos da administração pública e do terceiro setor, a fim de adequá-las aos contextos locais e às especificidades de cada comunidade e estudante; e a subcapacidade analítica, para a coordenação de programas que compreendam as especificidades locais e implementem ações contextualizadas, de forma a atender adequadamente os diferentes grupos sociais.

A categoria Estratégias de qualidade no atendimento à educação infantil é formada pela estratégia 1.5, que prevê a melhoria da rede física de escolas públicas de educação infantil, por meio de programas de construção, manutenção e reestruturação de edificações, e pela estratégia 1.6, que define a implementação de avaliação da educação infantil por meio da aferição da infraestrutura, do quadro de pessoal, das condições de gestão, dos recursos pedagógicos, da acessibilidade e de outros indicadores relevantes. Essas duas estratégias requerem dos municípios a subcapacidade administrativa, na medida em que demandam a criação de instrumentos próprios de avaliação, ou, por meio do regime de colaboração, a implementação de instrumentos avaliativos da esfera federal e/ou estadual. Essa subcapacidade também é demandada para a efetivação de construção/reestruturação da rede física, seja por promoção de políticas municipais, seja por adesão aos programas nacionais e/ou estaduais, como o Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil (ProInfância).3

Implementar avaliação da qualidade da educação infantil também demanda as subcapacidades analítica e avaliadora, pois, mais do que monitorar a qualidade da oferta, de acordo com os critérios estabelecidos, deve-se também utilizar os dados provenientes da avaliação para coordenar programas com o objetivo de melhorar os indicadores de qualidade da educação infantil, que, vale destacar, apresentam suas especificidades e são diferentes dos mensurados pelo Saeb. Esforços políticos também são necessários para a implementação da avaliação da qualidade da educação infantil, pois o levantamento de dados só se concretiza com a participação das unidades escolares, o que exige a mobilização dos diversos atores escolares - professores, coordenadores pedagógicos, diretores escolares e famílias - para a participação na avaliação. Mais ainda, como a qualidade não tem valor universal e está intimamente ligada aos valores e perspectivas de quem observa, é necessária uma ampla capacidade de mobilização e consentimento de todos os envolvidos (Bauer, 2019). Fazer essa mobilização é um desafio para as redes municipais de ensino, pois críticas e resistências à avaliação em larga escala educacional são recorrentes (Ribeiro & Sousa, 2023; Campos, 2020; Sousa, 2018), em particular àquelas voltadas para a educação infantil.

A quarta categoria refere-se às Estratégias de formação e fortalecimento de concepções pedagógicas e é formada por três estratégias: 1.8, que versa sobre a promoção de formação inicial e continuada de profissionais da educação infantil, visando à formação em nível superior desses profissionais; 1.9, que propõe estimular a articulação entre os programas de pós-graduação, núcleos de pesquisa e cursos de formação para profissionais da educação, visando à “elaboração de currículos e propostas pedagógicas que incorporem os avanços de pesquisas ligadas ao processo de ensino-aprendizagem e às teorias educacionais no atendimento da população de 0 (zero) a 5 (cinco) anos” (Lei n. 13.004, 2014); e 1.13, que define a preservação das especificidades da educação infantil na organização das redes escolares, garantindo que a oferta atenda aos parâmetros nacionais de qualidade e que esteja articulada à etapa escolar seguinte (anos iniciais do ensino fundamental).

Para a implementação das estratégias 1.8 e 1.9, o desenvolvimento da subcapacidade institucional é imprescindível, pois os municípios precisam se articular a outras instituições (estatais ou não estatais), como universidades, para a promoção de ações de formações continuada e/ou inicial. A elaboração de currículos e de propostas pedagógicas para fazer avançar as teorias e os processos de ensino e aprendizagem das crianças de 0 a 5 anos também exige esforços interinstitucionais, envolvendo, entre outros, centros de pesquisa. As subcapacidades política e analítica também são necessárias para mobilizar os atores educacionais (diretores escolares, coordenadores pedagógicos e professores) para a implementação de inovações curriculares e pedagógicas previstas em documentos normativos e para identificar conhecimentos produzidos nos contextos locais e incluí-los nos currículos escolares e nas práticas pedagógicas.

A preservação das especificidades da educação infantil e sua articulação à etapa seguinte exigem o desenvolvimento da subcapacidade administrativa, na medida em que o município precisa garantir o atendimento das crianças de 0 a 5 anos em estabelecimentos que atendam a parâmetros nacionais de qualidade e coordenar a transição da educação infantil para o ensino fundamental. Um estabelecimento de educação infantil requer infraestrutura, materiais e equipamentos adequados ao trabalho com as crianças dessa faixa etária, bem como investimentos próprios na organização escolar. Nessa etapa educacional, esses elementos são concebidos como um “espaço educador”, constituindo, portanto, parte relevante da aferição da qualidade do trabalho pedagógico (Falciano, 2022).

Em relação à transição para o ensino fundamental, trata-se de uma questão desafiadora em vários aspectos. O primeiro deles é que, na maioria das vezes, a transição exige a mudança da instituição. Ou seja, as crianças da educação infantil frequentam um espaço físico e, ao migrarem para o ensino fundamental, passam a frequentar outro espaço. Essa mudança exige procedimentos administrativos que nem sempre são fáceis de gerir, pois a oferta de educação infantil e do ensino fundamental se dá de forma diferenciada no território, o que pode demandar que as famílias façam deslocamentos longos. Tal situação, que não é rara, demanda outras duas subcapacidades: a institucional, pois o município precisa desenvolver capacidades de provimento de transporte público, levando-o a articular as instituições da área da educação e do transporte; e a analítica, pois o município precisa coordenar programas de distribuição da oferta de educação infantil e de ensino fundamental no território.

Outro esforço administrativo é o próprio modo de organização das instituições escolares, que têm um formato na educação infantil e outro nos anos iniciais do ensino fundamental. Esses formatos diferenciados têm relação com as concepções de ensino subjacentes a cada etapa do desenvolvimento da criança, o que pode colocar em pauta o andamento da subcapacidade política, demandando o esforço de conciliar as diferentes concepções de aprendizagem dos atores envolvidos na formulação e na implementação das políticas educacionais. Esse desafio pode se tornar ainda maior se a criança da educação infantil da rede municipal faz a transição para uma escola de ensino fundamental de outra rede de ensino - privada, estadual ou federal. Acompanhar o acesso e a aprendizagem em outra rede de ensino se traduz num esforço não somente administrativo, mas também avaliador.

Por fim, a quinta categoria de estratégias que compõem a Meta 1 do PNE 2014-2024 refere-se às Estratégias intersetoriais de apoio às famílias. Embora tratem de temas diferentes, as três estratégias dessa categoria requerem a articulação de órgãos públicos de várias pastas. A estratégia 1.12 prevê a articulação das áreas de saúde, educação e assistência social para a implementação de programas de orientação e apoio às famílias, visando ao desenvolvimento integral das crianças de 0 a 5 anos. A estratégia 1.14 define o acompanhamento e o monitoramento do acesso e da permanência das crianças na educação infantil, com prioridade para as crianças cujas famílias são beneficiárias de programas de transferência de renda. Esse acompanhamento e monitoramento devem ser feitos de forma articulada e colaborativa, envolvendo as famílias e os órgãos públicos de assistência social, saúde, proteção à infância e educação. A estratégia 1.15 estabelece a busca ativa de crianças de 0 a 3 anos, em parceria com órgãos públicos de assistência social, saúde e proteção à infância.

Considerando que essas três estratégias demandam a articulação de instituições de diferentes áreas, o desenvolvimento das subcapacidades institucional e política é condição necessária, pois a articulação envolve, também, as famílias, o que exige dos municípios esforços de mobilização social e de conciliação de interesses divergentes. A busca ativa de crianças também demanda as seguintes subcapacidades: avaliadora, porque é necessário realizar o levantamento de quantas crianças não estão sendo atendidas, isto é, estão fora da escola; administrativa, para a construção de processos e de instrumentos que viabilizem a busca ativa; analítica, para coordenar programas de busca ativa; e política, para mobilizar a sociedade sobre a importância do acesso e da permanência das crianças de 0 a 3 anos na creche. Essa mobilização é necessária, pois a legislação não torna obrigatória para a família a matrícula das crianças dessa faixa etária.

A análise das 17 estratégias da Meta 1 do PNE 2014-2024 evidencia que a plena implementação dessas ações exige o desenvolvimento das oito subcapacidades municipais do nível macro do modelo analítico de Silva e Valadão (2022). Como já mencionado, as subcapacidades fiscal e financeira se apresentam de forma transversal, pois a implementação de qualquer estratégia exige recursos, oriundos da receita do município ou de transferências das políticas federais e/ou estaduais.

No entanto, a análise evidenciou que as estratégias, para serem implementadas e lograrem sucesso, demandam dos municípios esforços relacionados, principalmente, às subcapacidades administrativa, analítica e política. Algumas estratégias também demandam o desenvolvimento de subcapacidades institucionais, pois prescindem da articulação com outras instituições. A implementação das estratégias de equidade demanda, também, a subcapacidade reguladora, na medida em que o município precisa gerir a oferta equitativa de educação infantil entre os diferentes grupos sociais. De forma sintética, a Tabela 3 4 apresenta as principais subcapacidades que cada estratégia do PNE demanda dos municípios.

TABELA 3 SÍNTESE DAS PRINCIPAIS SUBCAPACIDADES DEMANDAS PELO PNE 2014-2024 PARA CADA ESTRATÉGIA DA META 1 

CATEGORIA ESTRATÉGIAS SUBCAPACIDADE DEMANDADA PELO PNE AOS MUNICÍPIOS
Estratégias de acesso à educação infantil 1.1 Administrativa, política, analítica, avaliadora
1.3 Administrativa, política, analítica, avaliadora
1.4 Administrativa, política, analítica, avaliadora
1.7 Administrativa, política, analítica, avaliadora, institucional
1.16 Administrativa, política, analítica, avaliadora
1.17 Política
Estratégias de equidade no atendimento à educação infantil 1.2 Reguladora, institucional, analítica
1.10 Reguladora, institucional, analítica
1.12 Reguladora, institucional, analítica
Estratégias de qualidade no atendimento à educação infantil 1.5 Administrativa
1.6 Administrativa, analítica, avaliadora
Estratégias de formação e fortalecimento de concepções pedagógicas 1.8 Institucional
1.9 Institucional
1.13 Administrativa, institucional, analítica, política, avaliadora
Estratégias intersetoriais de apoio às famílias 1.12 Institucional, política
1.14 Institucional, política
1.15 Institucional, política, administrativa, analítica

Fonte: Elaboração dos autores.

A próxima seção apresenta e analisa as subcapacidades que os municípios já podem ter desenvolvido para o cumprimento da Meta 1 e de suas estratégias, bem como das diretrizes estabelecidas no PNE 2014-2024.

MAPEAMENTO DAS SUBCAPACIDADES ESTATAIS E MUNICIPAIS

O compromisso assumido no PNE 2014-2024 desdobra-se na incumbência dos demais entes da federação de elaborar os respectivos planos, e espera-se que o esforço somado na implementação desses planos subnacionais culmine no atingimento das metas e estratégias nacionais. Se, por um lado, as metas são comuns, por outro, há de se levar em consideração que os entes da federação são bastante heterogêneos e não têm as mesmas condições de implementação de seus planos de educação.

Quanto à heterogeneidade, a Tabela 4 apresenta a distribuição dos municípios brasileiros por quartil, de modo que se verifica uma amplitude da ordem de três vezes entre o 1º e 3º quartil, de acordo com a variável de população em número de habitantes, e da ordem de 5 vezes para as variáveis de produto interno bruto (PIB) per capita e número total de matrículas da educação básica. Reforçando o mesmo argumento, enquanto um município mediano brasileiro tem em torno de 12 mil habitantes e menos de 3 mil matrículas na educação básica, 25% deles têm menos de 6 mil habitantes e 1,2 mil matrículas, ao passo que há municípios da ordem de milhões de habitantes e de milhões de matrículas. Esses números chamam a atenção, pois o tamanho da população e o número de matrículas oferecem uma ideia da complexidade da gestão da rede escolar enquanto o PIB per capita é uma aproximação do valor dos recursos financeiros disponíveis para investimentos e manutenção da rede. A Tabela 4 também permite visualizar a proporção de matrículas da educação básica que são atendidas pela rede municipal, e, diferentemente das demais variáveis, os quartis apresentam menor amplitude entre si e apontam para uma preponderância do atendimento da rede municipal, isto é, acima do 1º quartil essa rede representa mais de 47% das matrículas de toda educação básica.

TABELA 4 DISTRIBUIÇÃO DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS DE ACORDO COM A POPULAÇÃO ESTIMADA, PIB PER CAPITA, NÚMERO DE MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA E PROPORÇÃO DE MATRÍCULAS DA REDE MUNICIPAL EM 2021, EXCETUANDO-SE PIB PER CAPITA, QUE SE REFERE A 2020 

MÍNIMO 1º QUARTIL 2º QUARTIL (MEDIANA) 3º QUARTIL 4º QUARTIL (MÁXIMO)
População em número de habitantes (1) 771 5.454 11.732 25.765 12.396.372
Produto interno bruto per capita (2) R$ 4.924 R$ 11.574 R$ 20.160 R$ 33.931 R$ 591.101
Número total de matrículas na educação básica (3) 116 1.161 2.622 6.067 2.674.792
Proporção de matrículas da educação básica atendidas pela rede municipal (3) 0% 48% 58% 74% 100%

Fonte: Elaborada pelos autores a partir da (1) estimativa para a população residente nos municípios brasileiros com data de referência em 1º de julho de 2021 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2021); (2) estimativa para o PIB per capita dos municípios em 2021 (IBGE, 2022b); (3) Sinopse Estatística da Educação Básica (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep], 2022).

Em relação à capacidade dos municípios de implementar a Meta 1 do PNE 2014-2024, na seção anterior, analisamos as subcapacidades estatais demandadas por essa meta e, nela, verificaremos até que ponto os municípios, que são os entes diretamente responsáveis pelas matrículas de educação infantil, apresentam algumas dessas subcapacidades. Para tanto, recorremos à Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), levantamento realizado anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que tem como unidade de investigação o município5 e, como informante principal, a prefeitura (IBGE, 2022a). Nessa pesquisa são abordados temas regulares sobre estrutura, dinâmica e funcionamento das instituições públicas municipais e, usualmente, em caráter complementar, são investigados temas específicos em maior profundidade, como foi o caso da educação nos anos de 2014, 2018 e 2021.

Selecionamos, portanto, as bases desses três anos, sendo 2014 o marco inicial para analisarmos as subcapacidades dos municípios no começo do PNE 2014-2024. O ano de 2018 contribui para o acompanhamento das mudanças ao longo do tempo, e a base de 2021 apresenta os dados mais recentes disponíveis. Em seguida, foi realizado um tratamento de dados para compatibilizar as variáveis e investigar as informações disponíveis que poderiam fornecer subsídios para identificar possíveis subcapacidades municipais. Na maior parte dos casos, foi possível relacionar ao menos uma característica presente nas variáveis da Munic às subcapacidades evidenciadas na Tabela 3 que demandam dos municípios esforços relacionados à implementação das estratégias da Meta 1. Algumas variáveis da Munic poderiam ser associadas a mais de uma subcapacidade, mas nesta pesquisa optou-se por vincular apenas aquela que foi considerada mais evidente.

Para investigar a subcapacidade administrativa, foram utilizadas as variáveis da Munic: “possui uma secretaria de educação exclusiva”; “ordenação de despesas da educação sob responsabilidade do órgão gestor da educação”; e “formação do gestor de educação”. Considerou-se que essas informações poderiam contribuir para maior capacidade de identificar, formular e implementar decisões políticas. No que se refere à subcapacidade analítica, foi empregada a variável “possui projetos de educação voltados para povos específicos” como uma forma de indicar a capacidade do município de promover ações adequadas às demandas locais. Já a subcapacidade reguladora foi abordada através das variáveis “possui plano municipal de educação” e “possui conselho municipal de educação”, pois esses instrumentos são importantes para garantir a conformidade das políticas, monitorar e aplicar procedimentos estabelecidos. A subcapacidade política foi apontada pela variável “possui fórum permanente de educação”, uma vez que se espera que nos fóruns haja ampla participação da sociedade e que os debates sejam conduzidos na direção de acompanhamento e revisão dos planos municipais. A subcapacidade avaliadora foi caracterizada pelo “levantamento de demanda da população em idade de creche e pré-escola”. A única subcapacidade que não conseguimos relacionar com nenhuma das variáveis disponíveis na Munic foi a institucional, pois não constam da base informações que tratem da capacidade do município de criar aliança entre diferentes governos, formular novos desenhos de políticas públicas ou tomar decisões estratégicas (Silva & Valadão, 2022).

Na Tabela 5 são apresentados os dados obtidos para cada uma dessas variáveis associadas às subcapacidades para os anos de 2014, 2018 e 2021. É possível observar, por exemplo, que ainda em 2021 pouco mais da metade dos municípios brasileiros contava com uma secretaria de educação exclusiva (57%), e a ordenação das despesas educacionais estava a cargo de um órgão gestor da educação (56%). Em contrapartida, quase todos os gestores tinham ensino superior completo (96%), sendo a maioria com pós-graduação (72%). Acreditamos que a ausência de secretaria de educação exclusiva e de autonomia na ordenação pode comprometer a subcapacidade administrativa, mas a formação dos gestores pode ser um indicativo da busca por profissionalização dessa atividade.

TABELA 5 PROPORÇÃO DOS MUNICÍPIOS SEGUNDO AS VARIÁVEIS DA MUNIC QUE CORRESPONDEM ÀS PRINCIPAIS SUBCAPACIDADES PARA A EXECUÇÃO DA META 1 DO PNE 2014-2024 NOS ANOS DE 2014, 2018 E 2021 

SUBCAPACIDADE VARIÁVEL MUNIC CORRESPONDENTE 2014 2018 2021
Administrativa Possui uma secretaria de educação exclusiva n.d. 57% 57%
Administrativa Ordenação de despesas sob responsabilidade do órgão gestor da educação 49% 44% 56%
Administrativa Gestor de educação possui ensino superior completo 95% 96% 96%
Administrativa Gestor de educação possui pós-graduação 65% 70% 72%
Analítica Possui projetos de educação do campo n.d. 46% 47%
Analítica Possui projetos de educação para povos indígenas n.d. 5% 6%
Analítica Possui projetos de educação para comunidades quilombolas n.d. 9% 10%
Analítica Possui projetos de educação para outros povos e comunidades tradicionais n.d. 13% 18%
Analítica Não possui nenhum projeto de educação para os povos citados n.d. 44% 42%
Reguladora Possui plano municipal de educação 44% 99% 98%
Reguladora Possui conselho municipal de educação 88% 93% 95%
Política Possui fórum permanente de educação n.d. 44% 45%
Avaliadora Realiza levantamento de demanda da população em idade da pré-escola n.d. 65% 74%
Avaliadora Realiza levantamento de demanda da população em idade da creche n.d. 37% 42%

Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados da Munic (IBGE, 2022a).

Nota: i) os dados representam a proporção de respostas válidas, pois o índice de não resposta foi considerado baixo, menor que 1,1% para todas as variáveis; ii) “n.d.” significa dado não disponível.

Tanto em 2018 quanto em 2021, uma parcela significativa dos municípios (44% e 42%, respectivamente) informou não ter nenhum projeto de educação para a educação do campo, para povos indígenas, comunidades quilombolas ou outros povos e comunidades tradicionais. Entre esses grupos, apenas projetos para a educação do campo apresentaram números significativos, chegando a quase metade dos municípios brasileiros (cerca de 47%). Como poderemos atender às metas de expansão com um padrão nacional de qualidade considerando as peculiaridades locais ou fomentar o atendimento das populações do campo e das comunidades tradicionais na educação infantil nas respectivas comunidades, que são objeto das estratégias 1.1 e 1.10, sem que as secretarias municipais de educação tenham projetos específicos ou façam a adesão aos programas federais/estaduais? Essa pergunta permanece sem resposta, e um caminho possível é ampliar as subcapacidades analítica, reguladora e avaliadora dos municípios.

A subcapacidade reguladora, expressa pelas variáveis que tratam da existência de um plano municipal de educação e de um conselho municipal de educação, apresenta-se como amplamente atendida na maior parte do país (98% e 95% em 2021, respectivamente), mas vale questionar por que esse valor não chega de fato a 100%, uma vez que ambos os instrumentos são exigências legais e, na véspera da conclusão do decênio do PNE 2014-2024, ainda não foram implementadas por todos os municípios. De toda forma, há de se destacar um possível fator de indução de plano de educação pois, diferentemente das variáveis analisadas até agora - em que quase não houve alteração das subcapacidades ao longo dos anos -, os municípios promoveram a criação ou atualização de seus planos e ampliaram o número de conselhos.

Por outro lado, quando observamos a existência de fóruns de educação para verificar a subcapacidade política dos municípios, nem metade deles (cerca de 45%) tem um fórum permanente. Essa instituição, além de ser uma instância de diálogo entre governo e sociedade civil, é responsável pela organização das conferências municipais e pelo acompanhamento da execução dos planos de educação.

Por fim, é possível observar que ainda há necessidade de aprimoramento na subcapacidade avaliadora dos municípios. Em 2021, um a cada quatro municípios (26%) ainda não realiza o levantamento da demanda da população em idade da pré-escola, etapa obrigatória, por contemplar as crianças de 4 e 5 anos, e nem metade dos municípios (42%) realiza o levantamento de demanda por creche para as crianças de 0 a 3 anos. Sem essas apurações, como os municípios podem atender às exigências das estratégias 1.3, 1.4 e 1.16, que versam justamente sobre realizar esses levantamentos, planejar a oferta e verificar o atendimento da demanda por educação infantil em cada localidade? Esses dados evidenciam a ausência de subcapacidades municipais para o cumprimento dessas estratégias.

As análises realizadas consideraram as proporções das variáveis em relação ao conjunto de todos os 5.570 municípios brasileiros, mas procuramos também outros recortes que pudessem contribuir com a investigação das subcapacidades municipais. Os dados da Tabela 6 foram elaborados com a mesma metodologia anteriormente apresentada, mas os municípios foram agrupados segundo a faixa da população em número de habitantes para o ano de 2021. A intenção de relacionar as subcapacidades ao tamanho da população foi investigar se o tamanho do município poderia estar associado a uma competência maior ou menor em atender plenamente às demandas exigidas pela Meta 1 do PNE 2014-2024.

TABELA 6 PROPORÇÃO DOS MUNICÍPIOS SEGUNDO A FAIXA DO NÚMERO DE HABITANTES E AS VARIÁVEIS DA MUNIC QUE CORRESPONDEM ÀS PRINCIPAIS SUBCAPACIDADES PARA A EXECUÇÃO DA META 1 DO PNE 2014-2024 NO ANO DE 2021 

SUBCAPACIDADE VARIÁVEL MUNIC CORRESPONDENTE ATÉ 5 MIL DE 5.001 A 10 MIL DE 10.001 A 20 MIL DE 20.001 A 100 MIL MAIOR QUE 100 MIL
Administrativa Possui uma secretaria de educação exclusiva 43% 49% 59% 67% 88%
Administrativa Ordenação de despesas sob responsabilidade do órgão gestor da educação 46% 52% 54% 64% 75%
Administrativa Gestor de educação possui ensino superior completo 94% 94% 96% 98% 99%
Administrativa Gestor de educação possui pós-graduação 59% 61% 64% 66% 49%
Analítica Possui projetos de educação do campo 32% 41% 52% 58% 51%
Analítica Possui projetos de educação para povos indígenas 4% 4% 5% 8% 13%
Analítica Possui projetos de educação para comunidades quilombolas 4% 7% 10% 16% 16%
Analítica Possui projetos de educação para outros povos e comunidades tradicionais 18% 17% 14% 19% 27%
Analítica Não possui nenhum projeto de educação para os povos citados 55% 48% 39% 31% 32%
Reguladora Possui plano municipal de educação 97% 97% 98% 98% 99%
Reguladora Possui conselho municipal de educação 95% 93% 95% 96% 98%
Política Possui fórum permanente de educação 42% 37% 43% 51% 67%
Avaliadora Realiza levantamento de demanda da população em idade da pré-escola 80% 74% 73% 72% 72%
Avaliadora Realiza levantamento de demanda da população em idade da creche 38% 38% 39% 45% 63%

Fonte: Elaboração dos autores a partir dos dados da Munic (IBGE, 2022a).

Nota: Os dados representam a proporção de respostas válidas, pois o índice de não resposta foi considerado baixo, menor que 1,8%, para todas as variáveis.

Realizando um teste qui-quadrado de Pearson com um nível de confiança de 95%, teste estatístico utilizado para apurar se a diferença observada poderia acontecer ao acaso, verificamos que todas as variáveis, com exceção da que trata da existência de um plano municipal de educação, possivelmente por estar quase universalizada, estão associadas de alguma maneira ao número de habitantes dos municípios. Constatamos, dessa forma, que determinadas subcapacidades estão mais desenvolvidas em determinados grupos de municípios do que em outros. Mais especificamente, as subcapacidades administrativa, analítica e política tendem a estar mais desenvolvidas nos municípios com maior população, e praticamente não há diferença na subcapacidade reguladora, talvez por esta já ser quase universal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo de Estado federativo brasileiro coloca inúmeros desafios para a implementação de políticas públicas sociais, em especial as educacionais voltadas para a primeira infância, cuja responsabilidade pela oferta é dos municípios. Embora haja uma série de normativas nacionais, são os municípios que implementam as ações para a garantia da oferta de educação infantil. Essas ações se materializam por meio de políticas públicas que podem ser formuladas e implementadas pelos próprios municípios ou formuladas em outras camadas federativas (federal ou estadual) e implementadas pelos municípios. De uma maneira ou de outra, os desafios da implementação são múltiplos e, em função das especificidades locais, seus processos variam e geram resultados diferentes, mesmo que as diretrizes nacionais sejam as mesmas. Essas especificidades locais dizem respeito a uma série de fatores, sendo um deles a capacidade que o ente federado tem para implementar uma política em específico. A literatura do campo da ciência política vem apontando a dificuldade de mensurar empiricamente a capacidade do Estado, por se tratar de um conceito polissêmico e multidimensional. Na tentativa de fazer avançar os estudos sobre essa temática, o trabalho de Silva e Valadão (2022) propõe um modelo metodológico de avaliação das capacidades estatais municipais - denominadas pelos autores de subcapacidades, pois se aplicam ao ente subnacional municipal.

O trabalho aqui apresentado buscou operacionalizar essa proposta metodológica focalizando as oito subcapacidades do nível macro de atuação do município a partir da análise da Meta 1 do PNE 2014-2024 e de suas 17 estratégias. Além de mapear as principais subcapacidades demandadas pelo plano para a implementação das estratégias e o cumprimento da meta, o trabalho também averiguou as principais subcapacidades já identificadas nos municípios.

Os principais resultados apontam que a subcapacidade analítica é a mais demandada pelo plano aos municípios, pois é imprescindível para a implementação de 11 estratégias. Já a subcapacidade reguladora é a menos demandada, pois apenas três estratégias - aquelas voltadas para a equidade no atendimento da educação infantil - prescindem dessa subcapacidade. A subcapacidade institucional também é importante para a implementação de 10 estratégias, ao passo que as subcapacidades administrativa e política são necessárias para a execução de 9 estratégias e a subcapacidade avaliadora é demandada por 6 estratégias. Importa mencionar que as subcapacidades fiscal e financeira foram compreendidas como transversais, e que as 17 estratégias da Meta 1, para serem implementadas, demandam recursos - sejam eles oriundos das receitas dos municípios ou de transferências dos demais entes federados, por meio do regime de colaboração. Seja como for, os municípios precisam desenvolver essas duas subcapacidades para gerir os recursos e prestar contas aos órgãos fiscalizadores e à população.

Complementarmente, as informações contidas na base de dados Munic apontam que os municípios têm alto percentual de gestores com nível superior e que, ao longo do tempo, houve um aumento de gestores com pós-graduação (de 65% em 2014 para 72% em 2021). Essa característica é considerada um elemento importante da subcapacidade administrativa, pois parte-se da hipótese de que a qualificação profissional do gestor é (ou deve ser) traduzida em melhor competência para a execução da função exigida pelo cargo.

Outra característica que cresceu na análise temporal foi a existência de um plano municipal de educação, compreendida como uma subcapacidade reguladora, por se tratar de um documento que busca monitorar e aplicar regras e procedimentos estabelecidos por meio de uma estrutura reguladora distinta (no caso, o governo federal), garantindo, assim, conformidade com o PNE 2014-2024. A própria lei que aprova o plano estabelece que os municípios devem elaborar seus próprios planos municipais (Lei n. 13.005, 2014). Esse dispositivo legal impulsionou os municípios a formular ou atualizar seus planos, visto que em 2014 - ano de aprovação do PNE 2014-2024 - apenas 44% dos municípios tinham planos educacionais e quatro anos depois, em 2018, 99% dos municípios afirmaram ter esse documento normativo.

A subcapacidade analítica, a mais demandada pelo PNE para a execução das estratégias da Meta 1, parece ser ainda um desafio para os municípios, sobretudo quando se trata de garantir equidade no atendimento de educação infantil. Os dados da Munic apontam baixo percentual de municípios com projetos de educação voltados para grupos sociais específicos. Em 2021, apenas 6% dos municípios afirmaram ter projetos de educação direcionados para os povos indígenas; 10% disseram ter projetos para as comunidades quilombolas; 18% apresentavam projetos para outros povos e comunidades tradicionais; e 44% têm projetos de educação para a população do campo. Ou seja, menos da metade dos municípios desenvolve projetos para essas populações. Identificar as razões desse baixo percentual foge ao escopo deste trabalho, mas pode-se levantar pelo menos duas hipóteses a serem testadas em estudos futuros: 1) os municípios não desenvolvem projetos para essas populações por falta de subcapacidades analítica, institucional e reguladora; 2) os municípios não têm grupos sociais com essas características.

Em que pesem as dificuldades encontradas pelos municípios para desenvolver subcapacidades estatais e executar as estratégias e metas do plano, importa destacar o também necessário desenvolvimento de capacidade dos demais entes federados - União, principalmente - na avaliação e monitoramento das subcapacidades municipais. Formular metas e estratégias no âmbito nacional para que os municípios as implementem exige colaboração técnica e financeira entre os entes e, também, avaliação e monitoramento das subcapacidades municipais para a execução das diretrizes nacionais.

A ausência dessa avaliação e monitoramento configura falta das capacidades avaliadora, reguladora e analítica por parte do governo federal. O desenvolvimento dessas capacidades estatais se configura como um desafio a ser enfrentado não somente por municípios, mas também pelos estados e pela União, e que deve estar presente no plano do próximo decênio.

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1Organização de países emergentes em relação ao seu desenvolvimento econômico e social. Trata-se de um termo acrônimo que reuniu inicialmente Brasil, Rússia, Índia e China, incorporando posteriormente a África do Sul. Mais recentemente, em 2023, foram incluídos Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Argentina, Egito, Irã e Etiópia.

2Ao longo desses mais de 30 anos, o Saeb já passou por algumas modificações. Atualmente, o novo desenho do Saeb prevê o alinhamento dos testes à política curricular e à avaliação de estudantes de 2º, 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3ª e 4ª séries do ensino médio regular e profissionalizante, em várias áreas do conhecimento, não apenas em língua portuguesa e matemática. Mais informações podem ser consultadas em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/avaliacao-e-exames-educacionais/saeb/historico

3Mais informações a respeito do programa podem ser obtidas em: https://www.gov.br/fnde/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas/proinfancia

4As subcapacidades fiscal e financeira não aparecem na Tabela 3, pois entende-se que elas são subcapacidades transversais, o que faz com que todas as estratégias, para serem implementadas, prescindam dessas duas subcapacidades.

5O Distrito Federal e o Distrito Estadual de Fernando de Noronha são tratados pela Munic como municípios, totalizando, portanto, 5.570 municípios como objeto da pesquisa.

Recebido: 20 de Julho de 2023; Aceito: 07 de Agosto de 2023

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