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Estudos em Avaliação Educacional

versão impressa ISSN 0103-6831versão On-line ISSN 1984-932X

Est. Aval. Educ. vol.35  São Paulo  2024  Epub 25-Mar-2024

https://doi.org/10.18222/eae.v35.10549 

Avaliando o PNE 2014-2024

OS LIMITES DO PNE (2014-2024) NO REGIME DE COLABORAÇÃO

LOS LÍMITES DEL PNE (2014-2024) EN EL RÉGIMEN DE COLABORACIÓN

THE PNE (2014-2024) LIMITS IN THE COLLABORATION SYSTEM

CATARINA IANNI SEGATTOI 
http://orcid.org/0000-0002-5094-8225

KAROLINE DE OLIVEIRAII 
http://orcid.org/0000-0001-7298-0915

ANDRé LUíS NOGUEIRA DA SILVAIII 
http://orcid.org/0000-0002-0934-5350

IUniversidade de São Paulo (USP), São Paulo-SP, Brasil;

IIUniversidade Federal do ABC (UFABC), São Bernardo do Campo-SP, Brasil;

IIIInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Natal-RN, Brasil;


RESUMO

Este artigo busca compreender se e como os planos nacionais avançaram em relação à normatização do regime de colaboração na educação a partir de uma análise qualitativa da literatura e de dados coletados em documentos e leis. Apoiado nisso, mostra que o Plano Nacional de Educação (2014-2024) é um importante instrumento de normatização e coordenação nacional que contribuiu para a redução das desigualdades regionais e o estabelecimento de padrões mínimos, além de mencionar o regime de colaboração como central na política educacional brasileira. No entanto, pouco se avançou no fortalecimento da colaboração estado-municípios. As experiências resultam da difusão de ideias a partir da circulação de atores no nível subnacional e da relação entre atores estatais e não estatais.

PALAVRAS-CHAVE PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; REGIME DE COLABORAÇÃO; COORDENAÇÃO; PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO.

RESUMEN

Este artículo busca entender si y cómo los planes nacionales han avanzado en términos de estandarización del régimen de colaboración en la educación, a partir de un análisis cualitativo de la literatura y de datos recogidos de documentos y leyes. Con base en ello, muestra que el Plano Nacional de Educação (2014-2024) es un importante instrumento nacional de normalización y coordinación que ha contribuido a reducir las desigualdades regionales y a establecer estándares mínimos, además de mencionar el régimen de colaboración como central en la política educativa brasileña. Sin embargo, poco se ha avanzado en el fortalecimiento de la colaboración estado-municipio. Las experiencias resultan de la difusión de ideas basadas en la circulación de actores a nivel subnacional y en la relación entre actores estatales y no estatales.

PALABRAS CLAVE PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; RÉGIMEN DE COLABORACIÓN; COORDINACIÓN; PLANIFICACIÓN EDUCATIVA.

ABSTRACT

This article seeks to understand whether and how national plans have made progress in terms of standardizing the collaboration regime in education, based on a qualitative analysis of the literature and data collected from documents and laws. Based on this, it shows that the Plano Nacional de Educação [National Education Plan] (2014-2024) is an important instrument of national standardization and coordination that has contributed to reducing regional inequalities and establishing minimum standards, as well as mentioning the collaboration regime as central to Brazilian education policy. However, little progress has been made in strengthening state-municipality collaboration. The experiences result from the diffusion of ideas based on the circulation of actors at sub-national level and the relationship between state and non-state actors.

KEYWORDS PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO; COLLABORATION REGIME; COORDINATION; EDUCATION PLANNING.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 promoveu mudanças importantes na política educacional brasileira. De um lado, determinou competências compartilhadas entre os três níveis de governo e manteve o legado descentralizado da política, reservando a responsabilidade pelo ensino fundamental aos municípios - com a posterior adição da educação infantil -, e os ensinos fundamental e médio, aos estados. De outro, alterou a trajetória anterior de menor coordenação federativa, ao determinar à União o papel de coordenação nacional da política a partir da assistência técnica e financeira aos governos subnacionais e o regime de colaboração entre os entes.

É consenso na literatura brasileira que essas mudanças possibilitaram, a partir da década de 1990, um fortalecimento da coordenação nacional feita pela União em diversas políticas, incluindo a educação (Arretche, 2012). Esses avanços na coordenação envolveram maior normatização nacional, redistribuição de recursos, estabelecimento de padrões mínimos por meio da indução à implementação de programas federais e criação e fortalecimento de sistemas de informação e de avaliação (Segatto, 2018; Franzese & Abrucio, 2013).

A compreensão dos efeitos da coordenação nacional é de grande importância para a discussão sobre federalismo e políticas sociais, especialmente em federações desiguais, como a brasileira. Isso porque determinadas dinâmicas federativas podem colocar barreiras à expansão das políticas de welfare, à garantia de direitos sociais universais e à redução de desigualdades já existentes (Obinger et al., 2005). A literatura argumenta que a coordenação nacional foi fundamental para assegurar uma menor desigualdade nos níveis de gasto público, de acesso e de qualidade nas políticas sociais em federações (Banting, 2006; Greer, 2019; Obinger et al., 2005). No Brasil, o fortalecimento da coordenação nacional levou à implementação de políticas nacionais por estados e municípios, que tiveram implicações na construção de capacidades estatais subnacionais e influenciaram a redução de desigualdades regionais no país (Arretche, 2012; Grin & Abrucio, 2018).

Ainda que tenha havido um fortalecimento da coordenação nacional, as mudanças nas dinâmicas federativas na educação não envolveram significativas transformações na coordenação federativa, especialmente nas relações entre estados e municípios, como ocorreu na saúde e na assistência social. Nessas políticas, verificaram-se a criação das comissões intergestoras bipartites e tripartites e a definição dos estados como coordenadores regionais da política (Jaccoud, 2020). Na educação, além da ausência de fóruns intergovernamentais, não há uma definição clara sobre o regime de colaboração (Segatto, 2015; Silva, 2020).

A discussão sobre as relações intergovernamentais, inclusive o regime de colaboração, é fundamental, pois países federalistas, como o Brasil, são caracterizados por múltiplos níveis responsáveis por um mesmo território (Bednar, 2011) e por arranjos intergovernamentais (Agranoff, 2012), o que significa dizer que envolvem necessariamente multiníveis que se inter-relacionam na implementação das políticas. Essa questão é relevante para o caso brasileiro, na medida em que há um compartilhamento de competências na maior parte das políticas (Arretche, 2012). Ainda, no que se refere ao regime de colaboração entre estados e municípios, os estados podem reduzir as desigualdades intraestaduais a partir da atuação de uma coordenação estadual, uma vez que eles dispõem de um elevado grau de autonomia nas políticas educacionais, mas, ao mesmo tempo, têm competências comuns com os municípios, os quais são muito desiguais entre si e apresentam baixa capacidade estatal.

Este artigo tem como objetivo contribuir para o debate sobre o papel da coordenação nacional e seus efeitos no regime de colaboração, particularmente nas relações estado-municípios, a partir da análise dos planos nacionais de educação, em especial do plano vigente atualmente (2014-2024). Ainda que os planos nacionais já existam desde a década de 1930, o fortalecimento da coordenação nacional deu centralidade a esse instrumento como peça da normatização nacional. Busca- -se compreender se e como a coordenação nacional, por meio dos planos nacionais, avançou em relação à normatização do regime de colaboração na educação. A pesquisa contou com uma abordagem metodológica qualitativa, a partir de análise da literatura existente e de dados coletados em documentos oficiais, incluindo os planos nacionais de educação, e nas respostas dos governos estaduais a um pedido de Lei de Acesso à Informação, para compreender as formas de relacionamento entre estados e municípios que se desenvolveram ao longo do tempo.

Este artigo está organizado em quatro seções, além desta introdução. A primeira seção discute os desafios das relações federativas e o papel do regime de colaboração na política educacional brasileira. A segunda apresenta o histórico dos planos nacionais de educação no Brasil e seu papel na normatização do regime de colaboração. Na terceira, são expostas diferentes experiências de relacionamento entre estados e municípios, buscando compreender se e como a normatização nacional influenciou seu desenvolvimento ao longo do tempo. Por fim, são apresentadas breves conclusões.

O PAPEL DO PLANEJAMENTO EDUCACIONAL NA COORDENAÇÃO NACIONAL

A Constituição Federal de 1988 foi um importante marco para alterar as dinâmicas federativas na educação, visto que instituiu competências comuns para União, estados e municípios brasileiros, determinando a União como coordenador nacional da política e estabelecendo um regime de colaboração entre os três entes. A partir dessa determinação constitucional, diversas mudanças alteraram significativamente a trajetória da política educacional, principalmente a partir da aprovação de mecanismos de coordenação nacional com redistribuição de recursos e normatização nacional, centrais para alterar a oferta de matrículas em todas as etapas de ensino (Abrucio, 2021; Segatto, 2015).

Além disso, a Constituição forneceu diretrizes para a construção de um sistema nacional que não seria composto de uma única organização, mas deveria organizar e alinhar os sistemas aprovados nos entes subnacionais, podendo ser compreendido como um “sistema dos sistemas” (Oliveira & Segatto, 2023; Marques & Soares, 2021). Nesse sentido, é possível dizer que essa previsão contribuiu ao longo das últimas três décadas para a normatização dos sistemas locais de ensino,1 o que promoveu uma diversidade de projetos que tratam do arranjo federativo na educação.

O fortalecimento da coordenação nacional assumiu um papel relevante na redução das desigualdades regionais (Arretche, 2012). No entanto, essa mudança só ocorreu a partir de meados da década de 1990, já que a ausência de normatização da União na construção de uma política de educação nacional prevaleceu até esse momento, deixando como legado a duplicidade das redes (estadual e municipal) e a ausência de coordenação federativa na provisão dos serviços educacionais, elementos que produzem disparidade tanto na cobertura quanto na qualidade dos serviços (Segatto, 2018).

Ainda que haja um histórico de planejamento educacional anterior à coordenação nacional, a partir da década de 1990, ele se tornou um mecanismo fundamental da coordenação nacional por dois motivos principais. Em primeiro lugar, foi entendido como um instrumento central para superar a perspectiva elitista que historicamente marcou a educação brasileira e impediu a universalização do acesso. Em segundo lugar, como um instrumento para aumentar a coordenação federativa em função do dualismo das responsabilidades governamentais e lacunas de regulamentação de formas de cooperação federativa (Abrucio, 2021).

O planejamento foi combinado a outras formas de coordenação nacional, especialmente os mecanismos de redistribuição de recursos e de indução financeira. Entretanto, a ausência de um sistema nacional que considere formas institucionalizadas de pactuação dos entes federados, incluindo fóruns intergovernamentais, como ocorreu na saúde e na assistência social, impõe desafios a um fortalecimento da coordenação federativa, englobando as relações entre estados e municípios. Na educação, há apenas uma arena de pactuação, a Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica, que tem representantes do Ministério da Educação, do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Esse fórum se dedica especificamente a tratar do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb)2 (Segatto, 2015).

Além disso, a ausência de uma regulamentação sobre o regime de colaboração, prevista no artigo 211 da Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei n. 9.394, 1996), resultou em uma grande heterogeneidade de formas de cooperação entre estados e municípios no país. O estado do Ceará é o caso pioneiro em que houve uma construção de formas mais institucionalizadas de colaboração entre o governo estadual e os municípios, modelo que tem sido disseminado para outros estados em função de seus resultados positivos na aprendizagem dos alunos e na redução da heterogeneidade na provisão dos serviços (Segatto, 2018).

A falta de mecanismos para a indução da cooperação na educação leva à permanência de relações verticais “limitadas ao nível federal-local” (Oliveira, 2017), fator que resulta em competição das redes de ensino por matrículas, ausência de pactuação para a tomada de decisão conjunta sobre a oferta dos serviços e penalização das redes municipais, especialmente dos pequenos municípios, que possuem baixa capacidade técnica e financeira para efetivar uma educação de qualidade (Marques & Soares, 2021).

Ao longo do tempo, foi-se reconhecendo, tanto na comunidade de especialistas e profissionais da educação quanto no próprio Legislativo e Executivo Federal, a necessidade de fortalecimento da coordenação federativa na educação. Exemplos disso incluíram a criação da Secretaria de Articulação Intersetorial e com os Sistemas de Ensino (Sase) e as tentativas de regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE). Contudo, ainda que a coordenação nacional tenha sido fortalecida nas últimas décadas, sendo de grande importância para a redução de desigualdades entre as regiões, pouco se avançou na regulamentação e indução de outras formas de coordenação federativa, incluindo as relações entre estado e municípios.

O REGIME DE COLABORAÇÃO NOS PLANOS NACIONAIS DE EDUCAÇÃO

Os planos nacionais das diversas áreas, como saúde, segurança pública, cultura e educação, são instrumentos fundamentais para a formulação de políticas públicas no âmbito da União, estados e municípios, constituindo-se como mecanismos essenciais na coordenação nacional dessas políticas. No caso da educação, uma dimensão central dos instrumentos de planejamento nacional compreende a institucionalização do regime de colaboração por meio da regulamentação de mecanismos de coordenação federativa.

Na educação, a instituição de um plano nacional vem sendo discutida desde a década de 1930. A Constituição Federal de 1934 já previa uma lei nacional de diretrizes para a educação que fosse expressa em um plano, porém a sua instituição foi inviabilizada pelo Golpe do Estado Novo de 1937. A iniciativa ressurgiria mais de vinte anos depois, por meio da Lei n. 4.024 (1961), que atribuía a elaboração do plano nacional ao Conselho Federal de Educação, sobretudo no que se refere aos fundos para educação primária, ensino médio e ensino superior (Beisiegel, 1999).

Entretanto a ideia de um plano fixado em lei só foi reconhecida de fato na Constituição Federal de 1988, que prevê, nos artigos 212 e 214, a existência de um plano nacional para a educação com o objetivo de realizar a devida distribuição dos recursos e garantir o ensino obrigatório. Na década de 1990, a LDB determinou a instituição do Plano Nacional de Educação (PNE), com duração decenal. Assim, a União, no papel do Ministério da Educação e do Conselho Nacional de Educação, passou a ser o ente responsável por subsidiar a elaboração do plano (Beisiegel, 1999; Aguiar, 2010).

A consolidação do processo democrático brasileiro com a inclusão de mecanismos normativos que incorporam a participação societal na elaboração e monitoramento das decisões públicas (Souza, 2005) influenciou a discussão em torno da elaboração do PNE e gerou ampla mobilização dos setores organizados da sociedade civil, com destaque para o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (Fndep). Foram realizados debates, encontros e seminários em todo o país, além de dois Congressos Nacionais de Educação (Coned), resultando em uma proposta que se consubstanciou no Projeto de Lei (PL) n. 4.155 (1998). Outro projeto, elaborado pelo Executivo por meio do Ministério da Educação, foi encaminhado ao Congresso Nacional e teve sua aprovação consolidada pela Lei n. 10.172 (2001) (Aguiar, 2010).

Assim, o primeiro plano pós-Constituição teve vigência de 2001 a 2011 e tinha por objetivo garantir que todas as crianças, jovens e adultos tivessem condições de acesso e permanência nas escolas públicas do país. Em relação à colaboração, esse plano previa, no artigo 2º, um esforço de articulação entre os entes federados para elaboração de planos decenais para a educação básica nos estados, municípios e Distrito Federal. Esse desafio exigiu a cooperação técnica e financeira da União, além do reconhecimento dos entes subnacionais sobre a importância do PNE para o cumprimento das metas assumidas para a educação brasileira (Aguiar, 2010).

A ausência dessa articulação foi um dos principais desafios impostos à operacionalização do plano, não apenas pela falta de engajamento de diversos estados e municípios no processo, mas, também, pela magnitude dos problemas que o plano se propunha a resolver, como a expansão do atendimento, a melhoria da formação de professores e a qualidade da infraestrutura das escolas. Nesse sentido, foi-se reconhecendo que a ausência de um sistema nacional de colaboração impunha limites à cooperação dos entes federados (Aguiar, 2010).

É importante ressaltar que ocorreram avanços educacionais no período, sendo o mais significativo deles a universalização do acesso ao ensino fundamental no início da década de 2000, embora grande parte das metas do PNE não tenha sido atingida (Aguiar, 2010). O plano era abrangente e pouco objetivo, pois dispunha de 295 metas que não foram acompanhadas de instrumentos de monitoramento das ações. Outro problema está relacionado aos nove vetos presidenciais que impuseram restrições orçamentárias, tanto para a educação básica como para o ensino superior (Souza, 2014).

Assim, já no final da vigência desse primeiro plano, destaca-se a realização, em 2010, da Conferência Nacional de Educação (Conae) com o tema “Construindo um sistema nacional articulado de educação: Plano Nacional de Educação, suas diretrizes e estratégias de ação”. Essa conferência trouxe a colaboração como requisito central para viabilizar o planejamento da educação nos anos seguintes. A participação de diferentes setores da educação na ocasião proporcionou a integração e a formulação de um novo plano, que deveria ter sido aprovado em 2011.

Devido à morosidade na discussão da proposta, o novo Plano Nacional de Educação obteve sua aprovação somente em 2014. Instituído pela Lei n. 13.005 (2014), esse plano está estruturado em vinte metas e tem como objetivo organizar os sistemas de ensino entre União, estados e municípios, com o desafio de construir formas orgânicas de colaboração. Ao longo do decênio 2014-2024, o PNE deveria conduzir o planejamento da educação, visando a eliminar as injustiças educacionais históricas presentes na formação da sociedade brasileira (Lei n. 13.005, 2014).

Sua formulação buscou superar limites do plano anterior, apresentando um arranjo sucinto combinado com informações administrativas e estatísticas auxiliares, com indicadores de monitoramento e avaliação. Em uma análise global, pode-se afirmar que há, no PNE, um primeiro grupo de metas estruturantes que estão relacionadas ao direito de ensino básico de qualidade, ao acesso e à universalização da alfabetização e das oportunidades educacionais (metas 1, 2, 3, 5, 6, 7, 9, 10 e 11). O segundo grupo, composto pelas metas 4 e 8, trata especificamente da redução das desigualdades e da valorização da diversidade. O terceiro está voltado para a valorização dos profissionais da educação, contida nas metas 15 e 18. Por fim, o quarto grupo, que corresponde às metas 12, 13 e 14, refere-se ao ensino superior (Ferreira & Nogueira, 2015).

Considerando as principais demandas da sociedade civil trazidas na Conae e o disposto na Emenda Constitucional n. 59 (2009),3 o PNE também passou a ser o documento articulador do Sistema Nacional de Educação. O artigo 13 da lei que regulamenta o PNE estipula um prazo de dois anos a partir da sua publicação para a instituição do SNE em lei específica (Ministério da Educação, 2014). Esse trabalho, que deveria ser realizado por intermédio da Sase, teve sua ampliação e amadurecimento no debate nacional com a tramitação de diversos projetos de lei na Câmara dos Deputados e no Senado, porém contando com visões singulares e divergentes de como operar a cooperação federativa, o que tem atrasado a regulamentação do sistema, que se estende até os dias atuais (Oliveira & Segatto, 2023).

Embora a cooperação seja um elemento estruturante do PNE, uma vez que esse planejamento criou compromissos comuns aos diferentes entes federados com a premissa de instituir formas orgânicas de pactuação, apenas a meta 15 cita diretamente em seu texto o regime de colaboração. Ela trata da valorização dos profissionais da educação e intenciona assegurar que todos os docentes possuam formação em nível superior na área de conhecimento em que atuam. Por isso, um esforço colaborativo dos entes seria necessário para formar os professores em serviço nas redes estaduais e municipais, o que exigiria um diagnóstico e o estabelecimento de um plano estratégico para viabilizar tais ações (Lei n. 13.005, 2014).

Dessa forma, os mecanismos de colaboração são pouco mencionados no texto, mesmo que a sua existência represente requisito necessário à efetivação de boa parte das metas do PNE, especialmente daquelas que tratam da alfabetização, universalização da educação infantil e do ensino fundamental, ampliação das escolas de tempo integral, aumento da qualidade do ensino e da escolaridade de grupos historicamente excluídos, ampliação do investimento e regulamentação da gestão democrática. Tendo em vista a ausência de arenas para pactuação dos entes e de normas de cooperação suficientemente regulamentadas no período, há de se pontuar os limites do sucesso do atual PNE.

Uma das explicações para esses limites encontra-se no fato de que muitas das decisões tomadas pelo Ministério da Educação entre 2019 e 2022 teriam influenciado a efetiva articulação dos entes federados e o alcance das metas estabelecidas. Isso porque esse período foi marcado por uma mudança no padrão de coordenação federativa construído anteriormente, o que resultou em uma ausência de articulação do Ministério da Educação com os entes subnacionais. A não responsabilização do governo federal na formulação e coordenação de diretrizes gerais aumentou a fragmentação e a descoordenação das políticas subnacionais, contexto que significou não só maior autonomia, mas, também, maior disparidade na provisão educacional (Segatto et al., 2022).

Assim, o regime de colaboração previsto normativamente em diferentes legislações, como na Constituição Federal de 1988 e na LDB de 1996, indicou a necessidade de colaboração e coordenação estadual, além de propor um aperfeiçoamento do desenho nacional da política em termos da organização de instrumentos para a cooperação estado-local. A sua menção no PNE 2014-2024 tinha como finalidade contribuir para o fortalecimento desse regime, embora sua efetivação não tenha se concretizado. Nesse sentido, o PNE é um importante instrumento de coordenação nacional para o estabelecimento de padrões mínimos em diferentes políticas educacionais, todavia esse instrumento pouco contribuiu para a definição do SNE em relação a características, formato, processos e institucionalização.

O contexto do fim da vigência do PNE 2014-2024 é de ausência de articulação do plano com um regime de cooperação instituído, levando a um baixo progresso em cerca de 80% das metas, de acordo com dados da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (2022). Apesar da baixa efetividade, destaca-se que a existência do plano pressionou e levou ao amadurecimento da discussão sobre a regulamentação do SNE, mesmo que isso não tenha significado uma oportunidade para a sua efetivação.

O REGIME DE COLABORAÇÃO NOS ESTADOS

O caso pioneiro de cooperação estado-municípios foi o do Ceará, implementado a partir de 2007 como política estadual. Diversos estudos analisam o modo como a cooperação entre o estado e seus municípios se originou, a partir da criação do Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), inspirado na experiência bem-sucedida da política sobralense e de um programa piloto implementado em 56 municípios cearenses (Segatto & Abrucio, 2018; Segatto, 2015, 2018; Silva, 2020; Sumiya et al., 2017; Vieira & Vidal, 2013). A criação do regime de colaboração no estado foi resultado da atuação de participantes dessas experiências, que idealizaram o projeto e levaram-no ao governo estadual após a eleição de Cid Gomes, em 2006 (Segatto, 2018). A atuação empreendedora de Ivo Gomes também contribuiu para o cenário, por meio da realização de um diagnóstico sobre a alfabetização no estado (Sumiya et al., 2017).

O programa teve início com o objetivo de melhorar os resultados da aprendizagem dos estudantes cearenses através da cooperação técnica e financeira do estado com os municípios, que incluía a elaboração e distribuição de materiais didáticos e a formação continuada de professores. Ele é composto por cinco eixos: gestão municipal da educação; avaliação externa; alfabetização; literatura infantil; e educação infantil. Além disso, provocou uma reestruturação organizacional da Secretaria Estadual de Educação, com a criação da Coordenação de Cooperação com os Municípios (Copem); a substituição dos Centros Regionais de Desenvolvimento da Educação por Coordenadorias Regionais do Desenvolvimento da Educação (Credes); e a criação das Células de Cooperação com os Municípios no âmbito de cada Crede. Foi instituído, ainda, o Comitê de Articulação do Paic, que reunia distintos atores da política educacional do estado para monitorar a implementação do programa e propor melhorias (Segatto, 2015, 2018).

Contudo, o caso do Ceará se caracteriza por ser um modelo mais sistêmico de regime de colaboração, envolvendo outras ações que induzem à cooperação e são fundamentais para a construção de capacidades nos municípios. Assim, além do programa de alfabetização e das ações envolvidas em sua efetivação, identificam-se a redistribuição de recursos - principalmente por meio da transferência da cota-parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)4 segundo resultados educacionais -, premiação às escolas, pagamento de bolsas a servidores municipais e fortalecimento dos sistemas de avaliação estadual.

O caso do Ceará foi pioneiro e inspirou outros estados, que iniciaram processos de reorganização de suas secretarias e instâncias regionais - criando coordenadorias responsáveis pela articulação com os municípios - e de implementação de programas de alfabetização e assistência técnica e pedagógica aos municípios para a elaboração do Plano de Ações Articuladas (PAR) e adesão e implementação de programas federais (Segatto, 2015, 2018).

Outros estados, como Espírito Santo, Minas Gerais e Piauí, também têm experiências de colaboração, pois foram os primeiros estados influenciados pelo caso do Ceará. Assim, caracterizam-se por experiências mais institucionalizadas do que as de outros estados, que implementaram ações mais pontuais.

O Espírito Santo criou o Pacto pela Aprendizagem no Espírito Santo (Paes) em 2017. O Paes envolve alguns eixos de atuação, incluindo o desenvolvimento de material didático, a formação continuada, a avaliação e a produção e disseminação de indicadores educacionais. Já no Piauí, em 2013, havia colaboração na implementação do Programa de Alfabetização Palavra de Criança, permuta de servidores públicos, cessão de prédios públicos, formação continuada e assessoria técnica para a elaboração do PAR e adesão aos programas federais e avaliação (Segatto, 2015), o que foi reforçado com a criação do Programa Piauiense de Alfabetização na Idade Certa em 2021.

Em Minas Gerais, desde 2008, a Secretaria Estadual implementa o Programa de Intervenção Pedagógica (PIP) e, desde 2012, viabiliza-o em colaboração com os municípios. O programa pretende melhorar o desempenho dos alunos por meio de intervenções pedagógicas nas escolas, conduzidas por uma equipe da Secretaria Estadual a partir dos seus resultados nas avaliações estaduais, o que inclui apoio na estruturação e capacitação das equipes do PIP municipal e distribuição de material.

Alguns desses estados e outros que também já realizavam ações em colaboração com seus municípios tiveram suas iniciativas fortalecidas nos últimos anos com a implementação da Parceria pela Alfabetização em Regime de Colaboração (Parc), iniciativa de Instituto Natura, Fundação Lemann e Associação Bem Comum, criada em 2020 a partir das principais políticas do Ceará - mudança na cota-parte do ICMS, premiação de escolas, pagamento de bolsas a servidores municipais, programa de alfabetização e criação ou fortalecimento de sistemas de avaliação. Esse é o caso de Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco e Sergipe.

Em Goiás, identificavam-se, em 2013, ações que buscavam aumentar a capacidade institucional das secretarias municipais de educação. A partir do Parc, o estado passou a implementar um programa de alfabetização, o AlfaMais, e premiação às escolas. Na Paraíba, em 2013, havia mecanismos de indução financeira para a melhoria dos indicadores municipais, formação de professores, distribuição de materiais didáticos e assessoria técnica para a elaboração do PAR e dos planos municipais de educação. Em 2021, o estado criou o Integra Educação e iniciou um programa de alfabetização em colaboração com seus municípios.

No Mato Grosso do Sul, o regime de colaboração foi fortalecido em 2007, com a criação da Coordenadoria de Apoio aos Municípios, que, naquele momento, dava assessoria aos municípios para a construção do PAR e a adesão aos programas federais, influenciada pela circulação de gestores municipais para o governo estadual (Segatto, 2015). O estado também implementava um programa de alfabetização, chamado Além das Palavras, que incluía interação com os municípios, mas em 2021 lançou o programa MS Alfabetiza com adesão de todos os seus municípios.

Em Pernambuco, o regime de colaboração envolvia diversas frentes, principalmente a formação de professores. Essas ações resultaram de experiências anteriores empreendidas no próprio estado e da implantação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), programa nacional criado em 2013, inspirado pelo caso cearense, mas finalizado em 2017. Em 2019, implementou estratégias de cooperação similares às do Ceará, incluindo premiação para as escolas, construção de um currículo comum, elaboração e distribuição de materiais didáticos, implementação de programa de alfabetização, o Criança Alfabetizada, e formação continuada de professores.

Em Sergipe, em 2013, uma coordenadoria fornecia assessoria aos municípios, especialmente em relação à elaboração do PAR e à adoção dos programas federais (Segatto, 2015). Em 2019, identificam-se ações, em colaboração no âmbito do Programa Alfabetizar pra Valer, com formação de professores e gestores escolares, distribuição de materiais pedagógicos, avaliações e premiação das escolas.

Por outro lado, em alguns estados com histórico anterior de colaboração, essas iniciativas não foram fortalecidas nos últimos anos. No Acre, a aproximação entre estado e municípios começou em 2005, quando foi realizada uma parceria com a Universidade Federal do Acre para a implantação de um programa de formação inicial para professores das redes estadual e municipais de ensino. Em seguida, foram concretizados um programa de formação continuada e outras ações, como reordenamento de redes, programa de alfabetização, permuta de servidores e cessão de prédios públicos. Em Tocantins, foi criada a Assessoria aos Sistemas Municipais de Ensino em 2004 e, a partir de 2011, algumas ações em colaboração foram executadas, como avaliação, sistema de gerenciamento escolar com matrícula informatizada, ações para o enfrentamento do abandono, evasão e defasagem idade-série, formação continuada e assessoria técnica. Na Bahia, encontravam-se, em 2013, ações de assessoramento para a construção dos planos municipais de educação e do PAR e para a reestruturação administrativa das secretarias municipais de educação (Segatto, 2015).

Outros estados não contam com histórico anterior de cooperação com municípios, mas alteraram essa trajetória a partir da implementação do Parc nos anos recentes. Esse é o caso do Amapá, que criou o Programa Colabora Amapá Educação em 2018 e o Criança Alfabetizada em 2019; de Alagoas, que instituiu o Programa Criança Alfabetizada Escola 10 em 2018; do Maranhão, que desenvolveu o Escola Digna; e do Mato Grosso, que iniciou a implementação do Alfabetiza MT em 2021.

Há, ainda, estados que não têm histórico anterior de cooperação com municípios, mas adotaram ações nos últimos anos, mesmo que com menor grau de institucionalização e sistematização. No Paraná, a Secretaria Estadual criou o Núcleo de Cooperação Pedagógica com Municípios, coordenadoria responsável pela articulação com os municípios. Nesse caso, diversas estratégias estaduais foram abertas para adesão dos municípios. Ademais, foi desenvolvido em 2020 o Programa Educa Juntas, através de parcerias entre as secretarias estadual e municipais, em que o estado dá suporte técnico e pedagógico aos municípios.

Roraima oferece formações em regime de colaboração, porém elas não são resultado de uma ação conjunta, mas constituem uma extensão da formação da rede estadual para a municipal, disponibilizando formador e material. Nesse caso, o município dá alguma contrapartida, sendo responsável pelo transporte e alimentação.

De maneira similar, Amazonas, Rio Grande do Norte, São Paulo e Rio de Janeiro abrem as formações feitas pela rede estadual às redes municipais. Nos casos de Amazonas e São Paulo, a partir do Centro de Mídias, as secretarias estaduais desenvolveram materiais e formações na modalidade remota, oferecendo-os às redes municipais (Segatto et al., 2022). Em São Paulo, o Programa Ler e Escrever, estabelecido em 2007, é aberto à adesão dos municípios, assim como alguns cursos ofertados pela escola de formação (Segatto, 2015). A partir de 2020, foram realizadas algumas ações em colaboração com os municípios, como a elaboração do currículo, e mudanças na assistência técnica e financeira aos municípios com a criação do Plano de Ações Integradas do Estado de São Paulo. No caso do Rio de Janeiro, tais ações estão inseridas no Programa Rio+Alfabetizado, criado em 2021, voltado para a formação de professores alfabetizadores do 1º ano do ensino fundamental da rede municipal.

O mapeamento das formas de regime de colaboração aponta, em primeiro lugar, para uma enorme heterogeneidade entre os estados, que adotaram modelos distintos de cooperação com os municípios, ainda que, em muitos casos, inspirados no modelo do Ceará, reproduzindo, portanto, suas principais ações e características. Além disso, a maior parte dos estados ainda não apresenta experiências consolidadas e institucionalizadas. Em muitos deles, a maior parte das ações foi adotada nos últimos anos, e os estados ainda enfrentam desafios para mudar e organizar a estrutura institucional de suas secretarias e instâncias regionais, bem como mobilizar e sensibilizar os municípios. Ademais, ainda que, em alguns casos, tenha havido um reforço da trajetória, ou seja, ações que envolvem diferentes dimensões têm sido adotadas em sequência ao longo do tempo, avançando, assim, na implementação de um modelo mais sistêmico, a descontinuidade ainda marca o histórico de muitos estados brasileiros. Por fim, apesar da difusão dessas estratégias, especialmente dos programas de alfabetização efetivados conjuntamente entre estados e municípios, há estados em que se verificam ações incipientes, pontuais e pouco institucionalizadas, e outros em que ainda predomina um relacionamento conflituoso e competitivo entre eles.

Destaca-se que, no caso da distribuição do ICMS aos municípios, a maioria dos estados promoveu mudanças em suas leis, seguindo a determinação da Lei do Novo Fundeb, de que 10% da cota-parte do ICMS deve ser distribuída segundo os resultados educacionais. Há variações nos critérios de distribuição do recurso, mas a coordenação nacional, por meio dessa normativa, induziu os estados a adotaram modelos semelhantes ao caso do Ceará.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise sobre a relação entre a coordenação nacional, especialmente por meio dos planos nacionais de educação, e as relações entre estados e municípios na política educacional brasileira mostram que a normatização nacional não foi capaz de institucionalizar e induzir relações mais cooperativas entre os entes subnacionais. Ainda que o fortalecimento da coordenação nacional por meio da redistribuição de recursos e da normatização nacional tenha sido fundamental para a redução das desigualdades regionais e a garantia de padrões mínimos na oferta dessa política, pouco se avançou em relação ao fortalecimento da coordenação federativa e do regime de colaboração, principalmente entre estados e municípios. A política educacional, desse modo, caracteriza-se mais por uma relação vertical entre governo federal e governos subnacionais do que por outras formas de coordenação.

Apesar disso, este estudo mostra que houve avanços em relação à institucionalização do regime de colaboração entre os estados. A experiência do Ceará foi pioneira nesse sentido. Diferentes fatores foram fundamentais para a instituição de formas de cooperação entre estados e municípios, mas a literatura é consensual em afirmar que esse processo pode ser explicado pelo histórico anterior de cooperação e pela atuação de determinados sujeitos que circulam com ideias sobre a importância da coordenação entre redes estaduais e municipais para a melhoria dos resultados educacionais.

A institucionalização do regime de colaboração em outros estados foi fortemente inspirada pela experiência cearense. Há um grupo inicial de estados, incluindo o Espírito Santo, que, influenciados pelo caso do Ceará, promoveram mudanças similares, como o estabelecimento de um programa de alfabetização em conjunto com seus municípios. Além disso, o próprio caso do Ceará levou à criação do Pnaic, que também pôde dar início a uma trajetória de cooperação em alguns estados, como em Pernambuco. Esse programa, no entanto, foi descontinuado e, com isso, sua influência como indutor da cooperação no plano subnacional foi pequena.

Na ausência de uma atuação mais forte do governo federal para instituir o regime de colaboração no plano subnacional, ganhou força a atuação das organizações da sociedade civil nesse campo. Exemplo disso é o guia produzido pelo Movimento Colabora em 2019, que sintetiza as principais estratégias e ações de colaboração e coordenação entre estados e municípios e, mais recentemente, o Parc, fortemente inspirado pelo caso do Ceará, já que se baseia em suas principais dimensões e estratégias de ação e está sendo implementado em grande parte dos estados brasileiros.

Há uma grande heterogeneidade entre os estados, mas os processos de difusão horizontais, em alguns casos, intermediados e influenciados por organizações da sociedade civil, possibilitaram o ingresso desse tema na agenda dos governos estaduais e, portanto, conduzem a uma maior homogeneização dos regimes de colaboração entre os estados. Diferentemente daquilo que é comum ocorrer em uma federação centralizada, como a brasileira, em que a coordenação nacional tem um papel central nas políticas subnacionais, neste caso, a institucionalização do regime de colaboração resultou de processos horizontais de difusão baseados em relações entre estados e municípios, entre estados e entre atores estatais e não estatais.

A ausência da normatização nacional em relação ao regime de colaboração, incluindo seu baixo destaque no PNE, tanto enquanto fim em si mesmo como em um mecanismo para alcançar determinadas metas, resultou nessa heterogeneidade e na preponderância do modelo cearense no processo de difusão entre os estados. Isso pode trazer limitações, dado que o modelo do Ceará pode não responder adequadamente aos problemas e contextos de outros estados e que não se articula com a pactuação de metas nacionais. Nesse sentido, a fundação de um regime de colaboração para regulamentar a atribuição dos entes frente às políticas educacionais deveria não apenas promover maior coordenação por parte da União, mas também instituir a cooperação entre os três níveis de governo, visando a convergir esforços para superar a dualidade das redes de ensino e as capacidades desiguais de planejamento e implementação dos governos subnacionais.

1 A partir dos planos estaduais e municipais de educação.

2 Criada pela Lei n. 11.494 (2007) e mantida pela Lei n. 14.113 (2020), que regulamentou o Novo Fundeb.

3 Altera os artigos 211 e 214 da Constituição Federal de 1988, introduzindo o SNE na redação e reservando sua previsão para o Plano Nacional de Educação.

4 De acordo com as regras do Novo Fundeb (Lei n. 14.113, 2020), os estados devem distribuir aos municípios parte dos recursos do ICMS com base em indicadores de melhoria da aprendizagem e aumento da equidade.

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Recebido: 04 de Setembro de 2023; Aceito: 29 de Setembro de 2023

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