INTRODUÇÃO
De acordo com o último Censo Demográfico (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2023), existiam 1.693.535 indivíduos que se autodeclararam indígenas, representando 0,83% da população brasileira. No país, há 305 etnias e 274 línguas indígenas, sendo que cerca de 17,5% da população indígena não fala a língua portuguesa. As regiões Norte e Nordeste abrigam 75,7% da população indígena, enquanto a região Sul apresenta a menor concentração, com apenas 5,2% desse contingente.
No tocante ao ensino, das 221.140 escolas de educação básica existentes no Brasil em 2021, 3.465 (1,6% do total) são exclusivamente indígenas (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep], 2021). Registra-se um aumento de 17,3% no número de escolas indígenas e de 19,8% no número de matrículas de 2021 em relação a 2011 (Inep, 2011, 2021). Esses resultados confirmam o crescimento contínuo da demanda e da implementação de escolas indígenas no país. Em geral, elas possuem número reduzido de alunos, devido à sua localização remota e por atenderem pequenas comunidades.
Para Grupioni (2000), a Constituição Federal de 1988 (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988) instaurou um processo de transformação da instituição escolar indígena em instrumento de valorização e sistematização dos saberes e práticas tradicionais, bem como possibilitou o acesso aos conhecimentos universais. A partir da lei maior, percebe-se uma inflexão em relação a um passado colonial em que as iniciativas educacionais para os povos indígenas eram marcadas por fundamentos religiosos - sobretudo de missionários católicos que criaram as primeiras escolas, conforme indicam Bergamaschi e Silva (2007) - e civilizatórios europeus.
Além dos avanços que a Constituição Federal (1988) trouxe à organização social dos povos indígenas (seus costumes, línguas, crenças e tradições) e ao seu direito às terras ocupadas (Art. 231, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988), no que tange à educação, ela assegurou a utilização das línguas maternas e dos processos de aprendizagem desses povos no ensino fundamental (Art. 210, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, 1988). Logo após, em 1991, a competência da educação indígena foi transferida da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Sistema Nacional de Educação (SNE), fazendo com que a temática passasse a integrar os Planos Nacionais de Educação e o Programa de Desenvolvimento da Educação.
Em 1996, em seus artigos 32, 78 e 79, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) (Lei n. 9.394, 1996) reforçou o direito constitucional de utilização das línguas maternas e de processos próprios de aprendizagem; assinalou as responsabilidades da União em prover a oferta de educação escolar bilíngue e intercultural, principalmente o apoio técnico e financeiro aos sistemas de ensino, a programas de formação de pessoal especializado e à elaboração e publicação de material didático diferenciado.
Em atendimento às determinações da LDB, em 1998 foi elaborado o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (Ministério da Educação e do Desporto [MEC] & Secretaria de Educação Fundamental [SEF], 1998) do ensino fundamental, fornecendo orientações gerais para a elaboração de currículos e projetos pedagógicos. Um ano após, as diretrizes nacionais para o funcionamento das escolas indígenas (Resolução CEB n. 3, 1999) definiram seus elementos constitutivos: (I) a localização em terras habitadas por comunidades indígenas, ainda que se estendam por territórios de diversos estados ou municípios contíguos; (II) a exclusividade de atendimento a essas comunidades; (III) o ensino ministrado nas línguas maternas como forma de preservação da realidade sociolinguística de cada povo; (IV) uma organização escolar própria.
Já em 2004 (Decreto n. 5.051, 2004), o governo brasileiro subscreveu a Convenção n. 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que fora redigida em Genebra, em 1989. No Art. 6, a Convenção apregoa que os povos interessados devem ser consultados, por meio de suas instituições representativas, cada vez que forem previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los. No Art. 27 está previsto que os serviços educacionais devem ser desenvolvidos em cooperação com os povos destinatários, prevendo, também, a transferência progressiva desses serviços para eles (Decreto n. 5.051, 2004). Posteriormente, em 2019, a adesão brasileira a essa Convenção foi ratificada pelo Decreto n. 10.088 (2019).
Ademais, seguem a Lei n. 11.645 (2008) - que alterou a LDB, incluindo no currículo da rede regular a temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” - e o Decreto n. 6.861 (2009), que define a organização da educação escolar indígena em territórios etnoeducacionais (TEE). A definição dos territórios é pautada na distribuição dos povos indígenas que mantêm relações intersocietárias caracterizadas por raízes sociais, históricas, políticas e econômicas, além de filiações linguísticas, valores e práticas culturais compartilhadas, independentemente da divisão político-administrativa do país. De adesão voluntária, os TEEs contemplam planos de ação para o atendimento das demandas educacionais e a divisão de responsabilidades entre os entes federados, devendo ser ouvidos as comunidades e os representantes governamentais, especialmente a Funai (Decreto n. 6.861, 2009).
Posteriormente, em 2013, os TEEs receberam nova regulamentação com o Programa Nacional dos Territórios Etnoeducacionais (PNTEE) (Portaria n. 1.062, 2013), que objetivou proporcionar ações articuladas de apoio técnico e financeiro do Ministério da Educação (MEC) aos sistemas de ensino, a fim de: (I) ampliar e melhorar a oferta da educação básica e superior para os povos indígenas; (II) fortalecer a colaboração entre os sistemas de ensino, promovendo planejamento integrado e participativo, e aprimorar a gestão pedagógica, administrativa e financeira da educação escolar indígena; (III) assegurar a participação ativa dos povos indígenas na construção e implementação da política.
Naquele mesmo ano, foi instituído pelo MEC (Portaria n. 1.061, 2013) o programa federal “Ação Saberes Indígenas na Escola” (Asie). Ele representa um dos produtos de todo um arcabouço normativo que, como visto, prioriza o desenvolvimento de políticas educacionais específicas para a população indígena, que respeitem suas tradições culturais, valorizem a atuação de professores indígenas, provendo-os de formação continuada, e estimulem a produção de currículos, materiais didáticos e práticas pedagógicas condizentes com as especificidades das comunidades tradicionais. De acordo com Bergamaschi e Menezes (2020, p. 17), trata-se de uma política “decorrente das reivindicações históricas destes povos que lutam por uma educação escolar diferenciada e de qualidade”.
Levando em conta essa trajetória, o artigo1 propõe: (I) descrever o histórico, os objetivos, os principais atores e a estrutura institucional da Asie, no período entre 2013 e 2023 (quando de sua sexta edição), e (II) avaliar, conforme a percepção dos participantes (professores indígenas, orientadores de estudo e gestores), a implementação da Asie pelo Núcleo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), quanto aos resultados alcançados, aos entraves verificados na execução e sugestões para o aprimoramento da política. Para tanto, realizou-se avaliação processual desse programa, que “contempla o levantamento e a descrição dos diferentes processos envolvidos na execução da política pública” (Casa Civil da Presidência da República et al., 2018, p. 175).
O trabalho contribui com a área da Policy Analysis de duas maneiras: a) tematiza um tipo de política pública pouco estudada; b) amplia o escopo das pesquisas avaliativas, expondo uma abordagem que privilegia os processos envolvidos na implementação e utilizando estratégias qualitativas de produção de dados (Vargas, 2023).
O artigo está organizado, além desta introdução, em mais quatro seções. A seguir, são apresentados os objetivos da Asie, os pressupostos da escola intercultural indígena e as características da avaliação processual de políticas públicas. Posteriormente, examinam-se a metodologia e os resultados da pesquisa. Por fim, nas conclusões, são retomados os principais achados e sugeridos desdobramentos para futuras investigações.
A ASIE, OS FUNDAMENTOS DA ESCOLA INTERCULTURAL INDÍGENA E A AVALIAÇÃO PROCESSUAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS
A Asie é uma política pública federal de execução descentralizada que se dá por meio da articulação das secretarias de educação estaduais e do Distrito Federal, das prefeituras municipais e das instituições de ensino superior (IES) aderentes. Ela visa a promover a educação escolar indígena, reconhecendo e valorizando a diversidade sociocultural e linguística, a autonomia e o protagonismo dos povos indígenas. Os seus objetivos específicos são: promover a formação continuada dos professores que atuam na educação escolar indígena da educação básica; oferecer recursos didáticos e pedagógicos voltados para a organização comunitária, o multilinguismo e a interculturalidade; subsidiar a elaboração de currículos, metodologias e processos de avaliação correspondentes; fomentar pesquisas que resultem na elaboração de materiais didáticos e paradidáticos em diversas linguagens (Portaria n. 1.061, 2013).
Um dos marcos para a criação da Asie foi a I Conferência de Educação Escolar Indígena (Coneei), ocorrida entre 16 e 20 de novembro de 2009 em Luziânia (no estado de Goiás), com a participação de 210 povos indígenas. Ela foi antecedida por 1.836 conferências em escolas e 18 regionais, com vistas à construção coletiva de diretrizes educacionais.
O documento final da I Coneei (2009) continha os seguintes pontos que fundamentam a escola intercultural indígena: (I) a proposição de um sistema próprio de educação escolar indígena para garantir as condições de práticas específicas e diferenciadas; (II) a confirmação da política dos TEE como uma inovadora forma de gestão que, sem romper com o regime de colaboração, estabelece novas formas de pactuar ações visando à oferta educacional; (III) a promoção da formação docente e da produção e distribuição de materiais didáticos específicos.
Quanto ao último ponto, o MEC deveria, por um lado, promover “programas de formação de professores indígenas bilíngues e multilíngues, de forma regular, com apoio técnico e financeiro, a partir da realidade sociolinguística de cada povo, promovendo a avaliação da abordagem das línguas indígenas nesta formação” (Documento final da 1. Conferência de Educação Escolar Indígena, 2009, p. 7) e estabelecendo parcerias com IES e organizações governamentais e não governamentais, com comprovada experiência na área. Por outro lado, as orientações da Conferência preconizavam o envolvimento de professores, especialistas e sábios indígenas, com o aporte financeiro do MEC e das secretarias de educação, para a produção dos materiais didático-pedagógicos (Documento final da 1. Conferência de Educação Escolar Indígena, 2009).
No que se refere ao princípio de interculturalidade, que, como visto, já aparecia na LDB (Lei n. 9.394, 1996), Baniwa (2023) aponta a existência de duas perspectivas: enquanto a primeira evoca a promessa de um diálogo discursivo, mas ainda colonizador, a segunda propõe uma interculturalidade crítica a ser construída cotidianamente pelos grupos subalternizados. Nessa perspectiva, a escola intercultural indígena, ao mesmo tempo que possibilita o acesso aos conhecimentos científicos (ou aos “modus pensanti e operandi dos colonizadores”, conforme Baniwa, 2023, p. 9), transmite seus próprios valores, conhecimentos e identidade.
Não há um modelo homogêneo, cada comunidade experimenta diferentes realidades e expectativas quanto à escola desejada. Trata-se de uma construção coletiva que valoriza o conhecimento tradicional dos mais velhos e sábios indígenas, essencial à transmissão intergeracional dos saberes e cosmologia próprios. Portanto, como destaca Ferreira (2020, p. 142): “a ideia de ‘escola de qualidade’ deve ser elaborada nos debates, com contribuições das lideranças tradicionais, os velhos que conhecem a história do povo”.
Esses fundamentos servem de parâmetro para a avaliação processual da Asie, aqui apresentada. A pesquisa avaliativa enfoca os processos inerentes à implementação de uma política pública - seja um plano, um programa, um projeto, uma gama de atividades -, quando ela se encontra em “ação” (Souza, 2018, p. 24), como é o caso da Asie.
Na fase de implementação, a política pública deve ser executada pelas unidades administrativas das estruturas burocráticas estatais ou por prestadores externos, como organizações sociais e empresas. Nesse momento, são mobilizados recursos materiais (físico-financeiros), de pessoal e simbólicos, por exemplo, o conhecimento acumulado com os resultados de políticas prévias (Schabbach, 2020). A sequência de eventos que caracteriza a implementação depende de “cadeias complexas de interação recíproca” (Pressman & Wildavsky, 1973/1984, p. 25) que reúnem gestores, burocratas e destinatários das políticas.
A pesquisa avaliativa, nessa etapa, busca identificar resultados preliminares (outputs) e dificuldades, a fim de fornecer subsídios para correções nos processos e ajustes necessários ao alcance dos resultados almejados (Ramos & Schabbach, 2012; Martins et al., 2015). Os procedimentos metodológicos podem ser quantitativos (caracterizados pela quantificação e análise estatística), qualitativos (baseados na compreensão, significado e intencionalidade que as pessoas atribuem às suas práticas) ou mistos.
METODOLOGIA
Desenvolvida entre 2022 e 2023, a pesquisa sobre a Asie-UFRGS, aqui apresentada, é de natureza descritiva e qualitativa, abrangendo análise documental (planos de trabalho, relatórios e fichas de avaliação, preenchidas pelos cursistas em 2015), exame da legislação pertinente e produção de dados primários, por meio da realização de entrevistas semiestruturadas com gestores (total de três, um federal e dois locais) e do envio, em 2023, de formulários on-line a participantes do programa. Esses interlocutores representam as instâncias de coordenação, gestão e execução da Ação, além dos próprios destinatários: os professores indígenas cursistas.
Quanto aos documentos institucionais, além de planos e relatórios, acessou-se material coletado pela equipe executora em 2015, no final da primeira edição do programa. Os 49 registros (escritos e orais) referem-se a avaliações feitas por orientadores de estudo Kaingang, em encontro realizado em Passo Fundo/RS, a formulários preenchidos por orientadores e cursistas e a breves relatos orais de cursistas Guarani. Na época, a consulta buscava avaliar os primeiros resultados e identificar dificuldades, a fim de melhor desenvolver as edições subsequentes.
Já as três entrevistas foram realizadas em 2023 por meio de videoconferência na plataforma Google Meet, com duração média de uma hora, sendo a primeira com o gestor operacional da política no MEC e as seguintes com dois gestores locais, na UFRGS. Os tópicos indagados foram: histórico e modificações na política, resultados alcançados, desafios e sugestões de como avaliá-la.
Nesse mesmo ano, foi enviado um formulário eletrônico a 23 orientadores de estudo, um pesquisador, um formador e um coordenador, todos indígenas. Nosso intuito foi englobar a totalidade dos agentes implementadores da política estudada (os orientadores de estudo), além de membros da equipe executora da quinta edição da Asie-UFRGS. Dessa forma, privilegiamos a perspectiva indígena na construção e execução dessa política pública. As questões versavam sobre o que e como avaliar, resultados positivos e dificuldades. Contudo apenas dois formulários retornaram preenchidos, sendo um de orientador de estudo do povo Guarani e outro de coordenador adjunto do povo Kaingang.
Após a organização do conjunto de informações (planos, relatórios, fichas e formulários de avaliação, entrevistas transcritas), procedeu-se à análise temática (Braun & Clarke, citados por Souza, 2019) do corpus empírico, codificando-se as ideias relevantes. Informa-se, ainda, que o projeto de pesquisa foi cadastrado na Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
A seguir são examinados os resultados da análise de conteúdo do material empírico, organizados em três tópicos: (I) a implementação nacional da Asie; (II) a implementação local da política, no Núcleo UFRGS; e (III) os avanços, dificuldades enfrentadas e algumas sugestões para o aprimoramento da Ação, conforme a percepção de gestores e participantes das atividades.
I) A implementação nacional
O programa “Ação Saberes Indígenas na Escola” foi instituído pela Portaria do MEC n. 1.061 (2013) e regulamentado pela Portaria n. 98 (2013) da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do MEC. Também em 2013, o Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) promulgou a Resolução n. 54 (2013), estipulando os procedimentos para o pagamento de bolsas de estudo no âmbito da Asie. Além disso, a política passou a integrar o PNTEE (Decreto n. 6.861, 2009; Portaria n. 1.062, 2013).
Como critério para participação das IES na Ação, o MEC definiu o seu envolvimento com a questão da educação indígena. Na primeira edição participaram 23 instituições, com núcleos organizados por meio de redes com coordenação única (mas com um coordenador adjunto em cada núcleo), conforme exposto na Tabela 1. Observa-se que o Núcleo UFRGS participa da rede coordenada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
TABELA 1 Redes e Núcleos da Asie no Brasil
REDE | NÚCLEOS |
---|---|
UFMG | Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Universidade Estadual de Maringá (UEM), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) |
UFMS | Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) |
UNEB | Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão de Pernambuco (IFSertãoPE) |
IFRN | Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - Campus Canguaretama (IFRN) |
UFG | Universidade Federal de Goiás (UFG), Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Universidade Federal do Tocantins (UFT) |
UFMT | Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso (IFMT) |
UNIR | Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Universidade Federal do Acre (UFAC) |
UFAM | Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Universidade do Estado do Pará (UEPA), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) |
IFRR | Instituto Federal de Roraima (IFRR), Universidade Federal de Roraima (UFRR), Universidade Estadual de Roraima (UERR) |
Fonte: Elaboração das autoras com base em Asie-UFSC (2023).
A organização em redes também almejava facilitar a participação de outras entidades, contudo, conforme informou um dos entrevistados (Gestor do MEC, Entrevista 1, 2023), esse objetivo tornou-se inviável. Ademais, a operacionalização financeira ficou comprometida nesse formato, levando à extinção das redes após a primeira edição da Ação; a partir daí, cada IES passou a estabelecer seu próprio convênio com o MEC, a fim de receber diretamente os recursos necessários (Gestor do MEC, Entrevista 1, 2023).
A Asie é implementada por meio de duas formas de financiamento federal: (I) bolsas que são pagas à equipe executora e cursistas por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); e (II) recursos para custeio, encaminhados diretamente do MEC para as universidades e administrados pelas fundações de apoio universitárias (no caso da UFRGS, pela Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, FAURGS).
Na Tabela 2 nota-se uma disparidade entre os valores das bolsas dos diferentes perfis de participantes, que aparenta estar associada aos requisitos de formação exigidos, entretanto configura-se como uma circunstância que pode gerar insatisfação e desmotivação entre os que recebem remunerações menores. Cabe ressaltar que, desde o início do Programa, em 2013, os valores das bolsas permanecem inalterados, o que provavelmente afetou a continuidade da política, gerando desmotivação, baixa participação e desistências.
TABELA 2 Perfis, requisitos e valores das bolsas da Ação Saberes Indígenas na Escola
PERFIL | REQUISITOS | VALOR DA BOLSA |
---|---|---|
Coordenador-geral de formação na IES | Ser professor efetivo da IES com titulação de mestre ou doutor, com experiência na formação de professores indígenas. | R$ 1.500,00 |
Coordenador adjunto | Ter experiência na formação de professores indígenas e possuir titulação de especialista, mestre ou doutor. | R$ 1.400,00 |
Supervisor de formação na IES | Ter experiência de trabalho com povo(s) indígena(s) e possuir titulação de graduado ou especialista, preferencialmente nas áreas correlatas aos eixos do programa. | R$ 1.200,00 |
Formador | Ter formação (graduação, especialização, mestrado ou doutorado) em áreas correlatas aos eixos do programa e experiência na formação de professores para atuarem em escolas indígenas. Possuir capacidade de elaborar materiais didático-pedagógicos para escolas e professores. | R$ 1.100,00 |
Orientador de estudo | Ser professor vinculado à escola indígena da rede de ensino, com experiência na educação básica; ter participado de cursos de formação de professores para atuarem em escolas indígenas. | R$ 765,00 |
Coordenador da Ação vinculado às secretarias de educação (estaduais ou municipais) | Ser servidor da Secretaria de Educação; ter experiência na coordenação de projetos ou programas federais; possuir conhecimentos sobre a rede de escolas indígenas e seus professores; ter familiaridade com as tecnologias de informação e comunicação. | R$ 765,00 |
Professor cursista vinculado às escolas indígenas | Ser regente das turmas dos anos iniciais da educação básica, nas escolas indígenas. | R$ 200,00 |
Fonte: Elaboração das autoras com base em Portaria n. 98 (2013).
Tendo em vista a demanda antiga, reforçada na I Coneei, de ouvir os anciãos em questões de conhecimentos e decisões das aldeias indígenas - e atendendo à reivindicação dos Núcleos da Asie -, em sua primeira edição o MEC introduziu um novo perfil de bolsa, o de “pesquisador indígena”, sem alterar a portaria de criação. Esse perfil assemelha-se ao de “formador”, mas sem a necessidade de formação acadêmica ou escolaridade básica formal. Também foi adicionado o perfil de “formador conteudista”. Ressalta-se que ambos os perfis recebem os mesmos valores de bolsas e ocupam o mesmo nível do cargo original de “formador”.
II) A implementação local
Dentre os três estados da região Sul do Brasil, o Rio Grande do Sul (RS) possui a maior população indígena, contabilizando 36.096 indivíduos (0,33% da população estadual) segundo o último Censo (IBGE, 2023). Os indígenas do RS pertencem aos povos Kaingang e Guarani, com a presença de alguns indivíduos Charrua e Xokleng. Estima-se que aproximadamente 70% dos povos originários residam em terras indígenas, reservas ou aldeias (Programa de Apoio à Retomada do Desenvolvimento do Rio Grande do Sul: Proredes Bird. Marco dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul, 2012). No estado funcionam 94 escolas indígenas exclusivas,2 que representam 7.893 matrículas ativas na educação básica (Inep, 2021). Os estabelecimentos localizam-se em áreas indígenas, predominantemente na parte norte, no litoral norte e na Região Metropolitana de Porto Alegre, capital do estado.
No início da implementação nacional da Asie, a UFRGS já estava envolvida em trabalhos com os povos indígenas, em áreas como Antropologia, Artes, Linguística, Educação, entre outras. Sem esquecer da inclusão de alunos indígenas na Universidade, por meio da sua política de ações afirmativas, iniciada em 2007 e ratificada pela Lei de Cotas (Lei n. 12.711, 2012).
Ao aderir à Ação, a Universidade começou a planejar a primeira edição, iniciando por contatar a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul (Seduc/RS), responsável pela educação escolar indígena no estado. O suporte da Seduc/RS proporcionou a realização de um diagnóstico com dados educacionais indígenas, incluindo número de professores, escolas, terras indígenas (TIs), o uso (ou não) do idioma originário nas escolas e comunidades do RS.
Um segundo movimento foi feito junto à Coordenação-Geral de Educação Escolar Indígena (CGEEI), integrante da Secadi/MEC, a fim de definir o quantitativo de professores indígenas que a Asie-UFRGS poderia atender. Como consta no Plano de Trabalho da primeira edição da Asie-UFRGS (2014), foi possível abranger 200 professores e 20 orientadores de estudo, o que correspondia à totalidade dos professores Guarani e pouco mais da metade dos professores Kaingang em atividade na época. Dessa forma, o escopo inicial do projeto contemplou 27 terras indígenas Guarani e 25 terras indígenas Kaingang, compreendendo cerca de 51 municípios.
Desde o começo, o intuito da UFRGS foi abarcar a totalidade de escolas e professores indígenas do RS, realizando edições com conteúdos distintos, ainda que os cursistas fossem os mesmos. Essa orientação local difere da do MEC, para o qual cada edição da Ação deveria envolver diferentes professores cursistas.
Na IES, a Ação caracterizou-se como interdepartamental. Sediado na Faculdade de Educação (Faced), o Núcleo local contou com a participação de professores e alunos (incluindo estudantes indígenas da graduação, mestrado e doutorado) do Departamento de Música, dos Institutos de Letras e de Filosofia e Ciências Humanas, além de pesquisadores externos.
O apoio da Seduc/RS também foi essencial na execução das atividades, custeando, junto com a Faced, a vinda de professores e lideranças indígenas do interior do estado para uma primeira reunião na Universidade, em 8 de novembro de 2013, com a finalidade de apresentar o programa e de que os povos decidissem (em discussões realizadas nos idiomas originários) sobre sua participação ou não nele (Asie-UFRGS, 2014). Segundo percepção da coordenação da época (Gestor UFRGS 1, Entrevista 2, 2023), nesse primeiro momento houve bastante desconfiança por parte dos indígenas quanto à proposta, manifestando já terem realizado projetos semelhantes e nunca terem visto seus materiais didáticos publicados.
O funcionamento da Asie ocorre por meio de projetos por edição. Ela não acontece de forma contínua, pois a cada nova edição são firmados um convênio e um plano de trabalho para o atingimento das metas propostas em determinado período de tempo (a depender dos recursos disponibilizados, a execução abrange em torno de 9 a 12 meses, que podem ultrapassar um único ano) e com um valor total fixado para o financiamento das atividades. Após a finalização de uma edição, os resultados são apresentados em relatório e se espera que o MEC ofereça uma nova oportunidade. Além disso, internamente na UFRGS a Asie é executada como um projeto de extensão, sendo a Pró-Reitoria de Extensão responsável pela emissão dos certificados de participação.
As atividades compreendem encontros entre a equipe executora, orientadores de estudo, pesquisadores, lideranças e cursistas, nos quais são debatidas e decididas as necessidades pedagógicas de cada grupo, além da produção dos conteúdos que irão compor as publicações didáticas. Em geral, esses encontros - que incluem festividades e rituais - são divididos em dois tipos: (I) pequenos encontros de cada orientador de estudo com seu grupo de professores cursistas; (II) grandes encontros dos povos indígenas (Kaingang ou Guarani) nos quais orientadores, pesquisadores, coordenação e sábios indígenas debatem diretrizes e definem planos de trabalho para a consecução do projeto. Em certas ocasiões foram realizados encontros conjuntos dos dois povos, mas, com a diminuição dos recursos, eles voltaram a acontecer separadamente. Nas reuniões coletivas de 2015 foram feitas pequenas avaliações, escritas e orais, contudo essa iniciativa não se repetiu nas edições subsequentes.
No início da implementação, em 2014, após a definição do quantitativo de pessoal a ser inserido, foi necessária uma força-tarefa na Faced para o cadastramento da equipe e cursistas, por meio do preenchimento de fichas, recolhimento de documentos e registro de cada participante em plataforma específica do MEC, o SISindígena (módulo do Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle do MEC). As dificuldades enfrentadas nesse período são citadas em relatório da primeira edição da Asie-UFRGS:
. . . uma das atividades que envolveu profundamente e por um longo período a coordenação foi o cadastramento dos professores, pois a ficha a ser preenchida necessitou de muitas informações, muitas delas de difícil entendimento e acesso por parte dos educadores indígenas. Houve algumas dificuldades de comunicação, a indisposição de algumas agências bancárias no atendimento aos professores indígenas que recorriam ao banco para saber se já se encontrava o depósito da bolsa. Enfim, foram situações intermediadas pela coordenação que, em alguns casos, interferiu inclusive junto aos gerentes de agências do Banco do Brasil no interior do estado. (Asie-UFRGS, 2014).
Além desses trâmites burocráticos, foram realizados procedimentos para o recebimento dos recursos direcionados ao custeio das atividades (diárias, passagens, locações de espaços, serviços para a produção e impressão de materiais didáticos, etc.).
Um dos obstáculos - que acompanhou todas as edições da Asie-UFRGS - foi o descompasso temporal entre a execução das atividades e o recebimento dos recursos (Gestor UFRGS 2, Entrevista 3). Geralmente, as bolsas eram disponibilizadas antes do recurso de custeio, cuja tramitação é mais longa, passando por um número maior de instâncias de controle e de decisão, exigindo uma gama extensa de documentos.
Na Tabela 3, são apresentados os dados sobre os valores despendidos e o número de participantes (diferenciados entre os povos Kaingang e Guarani) das edições realizadas pelo Núcleo UFRGS, entre 2014 e 2023. Nota-se uma expressiva diminuição do número de cursistas (a partir da quinta edição) e dos recursos para custeio (a partir da quarta edição).
TABELA 3 Participantes e custeio da Asie-UFRGS por edição
RECURSOS EM CUSTEIO E BOLSAS |
1a edição 2014-2015 |
2a edição 2016-2017 |
3a edição 2017-2018 |
4a edição 2019-2020 |
5a edição 2021-2022 |
6a edição 2022-20231 |
---|---|---|---|---|---|---|
Recurso de custeio (em milhares) | R$ 435 | R$ 430 | R$ 585 | R$ 100 | R$ 293 | R$ 80 |
Coordenador-geral UFRGS | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 |
Coordenador adjunto UFRGS | 1 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 |
Supervisores UFRGS | 2 | 2 | 2 | 2 | 2 | 2 |
Conteudistas | 4 | 4 | 3 | 0 | 0 | 0 |
Formadores | 5 | 4 | 4 | 3 | 3 | 5 |
Coordenação Seduc | 1 | 2 | 2 | 1 | 1 | 1 |
Pesquisadores indígenas Kaingang | 4 | 4 | 4 | 4 | 4 | 2 |
Orientadores de estudo Kaingang | 15 | 15 | 18 | 18 | 18 | 15 |
Professores cursistas Kaingang | 117 | 161 | 182 | 224 | 147 | 90 |
Pesquisadores indígenas Guarani | 2 | 2 | 2 | 2 | 2 | 2 |
Orientadores de estudo Guarani | 5 | 5 | 5 | 5 | 4 | 4 |
Professores cursistas Guarani | 43 | 50 | 50 | 49 | 39 | 30 |
Número total de cursistas | 160 | 211 | 232 | 273 | 186 | 120 |
Número total de equipe executora | 40 | 40 | 42 | 37 | 35 | 33 |
Fonte: Elaboração das autoras com base em Bergamaschi e Menezes (2020) e Planos de Trabalho Asie-UFRGS.
1 Aproximadamente, conforme Plano de Trabalho Asie-UFRGS, sexta edição (2022).
O aprofundamento da redução de recursos para o financiamento da Asie coincidiu com as mudanças de governo em nível federal (das gestões Dilma/Temer, entre 2015 e 2018, para a de Bolsonaro, de 2019 a 2022). O governo Bolsonaro, além dos cortes de recursos para as políticas sociais em geral, no que tange às populações indígenas adotou uma agenda antagonista, sustentada por uma retórica que, invariavelmente, desconsiderou os direitos e a diversidade cultural dos povos originários. Dentre as medidas amplamente criticadas por organizações e movimentos sociais, destacam-se a flexibilização das demarcações de terras indígenas e da fiscalização ambiental em áreas protegidas.3
No que se refere às políticas educacionais, a desarticulação da Secadi - um processo iniciado durante o governo Temer (2016-2018, após o impeachment sofrido pela presidenta Dilma Rousseff, em 2016) e intensificado na gestão Bolsonaro, culminando com a extinção da Secretaria - solidificou uma orientação política conservadora. Para Jakimiu (2021), essa agenda era sustentada por uma postura de banalização e apagamento da memória histórica das populações tradicionais. Recentemente, o restabelecimento da Secretaria no governo Lula (2023-) suscitou a revitalização das políticas voltadas para a diversidade.
III) Avanços, dificuldades e sugestões
Nesta seção são analisadas as percepções - sobre os avanços, dificuldades e sugestões para o aprimoramento da Asie - captadas em materiais e momentos distintos, quais sejam: (I) as avaliações de orientadores de estudo e cursistas realizadas em 2015; (II) instrumentos aplicados em 2023, sendo três entrevistas semiestruturadas e dois formulários eletrônicos respondidos. Enquanto o primeiro conjunto de informações reflete certo entusiasmo pelo início da implementação, o segundo explicita os entraves à consolidação da política pública, associados com o momento político representado pelo governo Bolsonaro.
Apesar de suas diferenças (em termos de temporalidade, contexto político e procedimentos de coleta de informações), entende-se que ambos os tipos de material trazem elementos importantes para o tipo de avaliação aqui proposta.
Avanços
Nas avaliações realizadas em 2015, as atividades mais citadas foram o “resgate de aspectos culturais” e a realização de “pesquisas com os mais velhos e/ou lideranças e a comunidade escolar”. Esses são elementos centrais ao desenvolvimento dos conteúdos escolares de uma escola indígena diferenciada e intercultural, conforme descrito no trecho abaixo:
Foram realizadas pesquisas com as pessoas mais velhas, lideranças e com os pais dos alunos trazendo-os para a escola, promovendo um diálogo respeitoso entre esses, os alunos e os professores, para a construção dos projetos, proporcionando aos alunos uma melhor compreensão da cultura e dos saberes indígenas. (Cursista Kaingang 14, 2015).
Quando indagados explicitamente sobre os aspectos positivos do programa, os participantes de 2015 reforçaram os elementos acima referidos. Destacaram, com maior frequência, a “troca de saberes/experiências”, a oportunidade de “qualificação da educação e/ou do trabalho docente” e a “valorização da cultura e/ou da língua”. Com menor recorrência, também foram citados o “aprendizado/construção do conhecimento” e o “envolvimento com a comunidade”. O trecho abaixo, retirado de uma ficha de avaliação, resume tais menções.
Em relação aos trabalhos apresentados pelos professores indígenas nos grupos: observou-se a diversidade dos temas. Sendo que cada escola e cada terra têm suas organizações próprias. Percebeu-se o respeito que ainda temos com nossas lideranças. Os temas abordados demonstraram a importância da preservação e fortalecimento da cultura oral e dos costumes tradicionais para as gerações futuras. As perguntas feitas fizeram com que todos compreendessem o que ocorreu durante nossos trabalhos. O nosso grupo também decidiu pegar alguns exemplos de trabalhos de outras reservas, pois temos muitas coisas em comum. Trocas de experiências. Envolvimento da comunidade. Envolvimento dos outros setores - Saúde - Organizações - Igrejas. (Orientador Kaingang 12, 2015).
Em 2023, os gestores e participantes da equipe enfatizaram os seguintes resultados positivos da Asie: (I) a organização política mais ampla dos povos indígenas no RS; e (II) as mudanças percebidas na realidade prática das escolas e dos docentes. Os gestores entrevistados apontaram o primeiro aspecto, como se percebe neste trecho:
O Saberes Indígenas, que é um projeto que tem recurso público e que propicia, de uma maneira muito especial, a organização dos povos indígenas. E esse é um elemento muito importante. . . . O Saberes, ele é o espaço que propicia isso. É um espaço de organização política. Ele é um espaço de fortalecimento das lutas das comunidades, porque a escola também não é um prédio, mas cultura dentro de uma comunidade. (Gestor UFRGS 2, Entrevista 3, 2023).
Enquanto isso, os que preencheram os formulários on-line, mais próximos da execução nas escolas, valorizaram os avanços nos processos e materiais pedagógicos, conforme os destaques abaixo.
A Ação obteve resultados muito bom. Os nossos encontros, as visitas nas escolas pelos orientadores e pesquisadores e, por fim, os materiais didáticos feitos pelos professores e escolas. Durante todas as edições que participei, tive uma ampla visão de conhecimento junto com os meus colegas. (Orientador Guarani, formulário preenchido em 2023).
Na minha opinião, penso que a produção dos materiais didáticos produzidos pelos professores é um avanço e ganho para a alfabetização nas línguas indígenas, os livros também é trazer os conhecimentos sistematizados para o espaço da escola e mostra para a comunidade que são possuidores de saberes e conhecimento dos ancestrais. Precisa fazer com que esses conhecimentos, saberes, avancem para dentro dos componentes curriculares das escolas. (Coordenador Kaingang, formulário preenchido em 2023).
O último comentário acrescenta um questionamento sobre a efetiva incorporação, nos currículos escolares, das pesquisas realizadas e dos conhecimentos ancestrais resgatados por meio da Ação, aspecto que será retomado adiante, no item sobre sugestões.
Dificuldades
De acordo com a opinião dos cursistas e orientadores de estudo, as dificuldades mais citadas em 2015 diziam respeito à continuidade dos encontros (“mais encontros”) e à necessidade de maior participação e envolvimento dos participantes, de “levar mais a sério”, a exemplo destes relatos:
Que seja constante os encontros dos pesquisadores, assim melhora a troca dos conhecimentos. E que seja permanente os Saberes Indígenas, pois assim não deixamos que se perca a cultura Kaingang em nossas comunidades. Que seja publicado os materiais didáticos. (Orientador Kaingang 1, 2015).
. . . na hora dos trabalhos nós precisamos levar mais a sério principalmente quando é sobre as histórias que os nossos mais velhos contam. Eu gostei muito do encontro e precisamos ficar todos até o final do encontro. (Cursista Guarani 3, 2015).
O primeiro trecho traz, também, uma reivindicação quanto à publicação dos materiais didáticos produzidos.
Ainda em 2015, observou-se um consenso quanto à necessidade de maior envolvimento da equipe, seja dos professores cursistas, seja dos orientadores de estudo e da coordenação, sendo que esta última deveria acompanhar as orientações da Asie nas próprias escolas. Segue um trecho ilustrativo de resposta quando perguntamos sobre aspectos a serem aprimorados na Asie.
Direção, coordenação em se interessar pela educação diferenciada e apoiar os professores nas formações e se interessar pela questão da educação indígena e dificuldade no grupo, pois nem todos colaboram, e pouco interesse. As direções proporcionarem momentos para os encontros em horários de aula e organizar as turmas para terem aula ou atividades nesses momentos. Participação de gestores, coordenação pedagógica. (Orientador Kaingang 1, 2015).
O último relato adiciona a questão da cooperação das direções das escolas com a Asie, cargo raramente exercido por professores indígenas. Isso ocasiona certo descompasso quanto à incorporação de novas propostas pedagógicas, ainda que as escolas indígenas tenham amparo legal quanto à especificidade de seu ensino e que o artigo 27 da Convenção n. 169 da OIT apregoe a progressiva transferência, aos povos indígenas, da responsabilidade pela realização de programas e serviços educacionais que lhes dizem respeito, conforme já referido.
Outra dificuldade apontada pelos participantes de 2015 refere-se aos deslocamentos, pois, muitas vezes, as terras indígenas apresentam difícil acesso, bem como são grandes as distâncias entre as comunidades e as escolas indígenas.
Por outro lado, os entraves mais citados em 2023, a seguir detalhados, foram: (I) consequências das mudanças de governo (incluindo o financiamento dos projetos); (II) dificuldades internas para a implementação da Asie; (III) participação insuficiente e/ou falta de apoio das instituições participantes; e (IV) inexistência de avaliação.
As oscilações na política ocasionadas pelas trocas de governo foram identificadas pelos gestores. O início do programa coincidiu com o governo Dilma Rousseff (2011-2016), período em que a Asie poderia ter “se institucionalizado melhor” (Gestor UFRGS 1, Entrevista 2, 2023). Com o golpe sofrido pela presidenta, em 2016, e com a eleição de Bolsonaro, em 2018, e seu posterior governo, a política passou por um grande abalo, perdendo verbas e garantia de continuidade. Foi um período de incerteza que exigiu grandes esforços para a manutenção dos avanços conquistados. A percepção geral era de que “a gente está sempre na iminência de acabar, de não ter uma continuidade” (Gestor UFRGS 2, Entrevista 3, 2023).
Tais mudanças políticas trouxeram imprevisibilidade financeira e oscilação na quantidade de recursos disponíveis à Asie, como se percebe no depoimento a seguir:
. . . quando eu recebo esse recurso, o que eu posso fazer com esse recurso? E quantos alunos eu consigo atender? Durante quanto tempo? E aí, você tem aquela proporcionalidade ali, se eu aumento a quantidade de meses e reduz o número de alunos, inversamente proporcional. (Gestor do MEC, Entrevista 1, 2023).
Além dessa situação, o Gestor UFRGS 2 (Entrevista 3, 2023) relatou a existência de um descompasso temporal entre a disponibilização dos recursos para custeio e o pagamento das bolsas. Isso repercutiu no planejamento e no cronograma das atividades, acarretando prejuízos significativos ao cumprimento dos objetivos propostos, conforme descrito anteriormente.
Quanto aos aspectos internos à Universidade, destaca-se, em primeiro lugar, o desencontro entre concepções e realidades muito distintas, provenientes ora da burocracia estatal ora dos povos indígenas, ou “dificuldades de comunicação nessa conversa intercultural” (Gestor UFRGS 1, Entrevista 2, 2023). O gestor explica:
Porque a gente tem uma visão, a gente tem um tempo, a gente tem uma determinação e a gente tem pouca compreensão de como funcionam os povos indígenas. E esse programa, embora ele seja dos povos indígenas, ele está desenhado dentro do ritmo da universidade, dentro do ritmo do Ministério da Educação, dentro do ritmo das secretarias de educação. (Gestor UFRGS 1, Entrevista 2, 2023).
Nessa mesma linha, outro obstáculo refere-se ao lento e intrincado processamento dos trâmites burocráticos, salientado pelo mesmo gestor local:
Uma das maiores dificuldades desde o início é a gente institucionalizar um projeto indígena dentro da Universidade. A gente tem uma dificuldade burocrática para todos os projetos . . . isso sempre foi muito difícil, mas mais difícil ainda por se tratar de povos indígenas. Isso sim é uma dificuldade da UFRGS compreender, porque não tem uma institucionalidade pra diversidade dentro da UFRGS. (Gestor UFRGS 1, Entrevista 2, 2023).
Trata-se de uma questão marcante da implementação local da Asie: como lidar com o diferente quando a tendência da burocracia é homogeneizar e padronizar processos administrativos? A dificuldade de adaptá-los à complexidade das relações interculturais é um desafio significativo que a Asie enfrenta, na busca por uma implementação eficaz e sensível à diversidade dos povos indígenas.
O próximo conjunto de entraves diz respeito a questões de participação e/ou apoio institucional, seja da participação em geral, seja da dificuldade dos indígenas “tomarem a dianteira na coordenação” (Gestor UFRGS 1, Entrevista 2, 2023).
A falta de apoio institucional refere-se, por um lado, às instituições externas - como exemplificado na fala do orientador Guarani (formulário preenchido em 2023), “faltou a participação mais ativa da Seduc” -, por outro, à valorização da Asie pela própria Universidade, conforme corrobora o depoimento abaixo:
Então a gente precisa criar um grupo que realmente assuma . . . por que não pode se criar um Saberes Indígenas com alguma coisa bem mais organizada dentro da Faculdade de Educação? E com mais esforço da própria Faculdade de Educação, porque a Faculdade de Educação colhe os frutos disso . . . por exemplo, uma coisa que a gente sempre sonhou foi ter um técnico, uma técnica administrativa, um técnico de assuntos educacionais da UFRGS, que ficasse só trabalhando com o Saberes. Mas, até hoje, a gente não conseguiu. (Gestor UFRGS 1, Entrevista 2, 2023).
Quanto à cooperação interorganizacional prevista no desenho da política (a articulação entre o MEC, universidades e secretarias de educação), constatou-se que essa diretriz carece de mecanismos e incentivos sólidos. A ausência de definições claras sobre a divisão de responsabilidades, os fluxos de comunicação e o compartilhamento de recursos entre as instituições envolvidas pode desembocar em conflitos, redundâncias e ineficiências.
Ademais, a questão da participação relaciona-se com a orientação programática em torno da auto-organização dos núcleos, os quais, desde o início, incorporaram a ideia de que as universidades iriam “ajudar na infraestrutura e quem realmente devia desenvolver os aspectos pedagógicos e políticos do projeto seriam os próprios indígenas” (Gestor UFRGS 1, Entrevista 2, 2023). Por ser um programa relativamente recente, percebe-se que o Núcleo UFRGS ainda busca adaptá-lo às condições e especificidades locais, no entanto permanece um desencontro entre as diferentes expectativas e entendimentos dos participantes, por exemplo: aqueles que estão mais na linha de frente reclamam da falta de coordenação, enquanto os gestores e coordenadores defendem o princípio da auto-organização dos grupos. Por exemplo, neste relato:
No meu entendimento, as dificuldades foi compreender a importância da Ação Saberes Indígenas na “Escola”, muitas das vezes ficamos distantes das escolas . . . os formadores e pesquisadores deviam estar próximo dos orientadores de estudo, lá, próximo da escola, dialogando com os professores e comunidades . . . o que me parece nessa etapa da 6a edição teve esse avanço. (Coordenador Kaingang, formulário preenchido em 2023).
Por fim, foi citada, no levantamento de 2023, a dificuldade em avaliar e/ou a falta de avaliação da Asie, como ilustra a fala a seguir:
O MEC tem feito avaliação da Ação? Não. Nós não temos feito a avaliação . . . é uma avaliação meramente quantitativa e não qualitativa. Nós, neste momento, sem pessoal aqui, sem chance de conseguir fazer uma avaliação . . . . Para fazer uma avaliação, eu creio que coloca mais pessoal aqui ou faz por meio de consultoria, para fazer uma avaliação qualitativa. (Gestor do MEC, Entrevista 1, 2023).
O próprio desenho da política não prevê mecanismos sistemáticos de avaliação ou de monitoramento. O que ocorre é que o coordenador de cada núcleo avalia os integrantes no sistema SISindígena para justificar o recebimento da bolsa, às vezes como mera formalidade, às vezes para efetuar um controle mais rígido, conforme apontado pelo gestor do MEC (Entrevista 1, 2023).
Quanto às dificuldades em avaliar no âmbito local, um gestor local apontou tentativas da equipe de conduzir uma avaliação mais sistemática:
A gente faz essas avaliações nossas, de retomada, quando a gente faz relatório, quando a gente faz um novo projeto. Mas, assim, uma avaliação que passe por uma forma mais científica de avaliar, mesmo que seja numa perspectiva indígena, de uma forma mais sistematizada, mais sistemática de fazer a avaliação, a gente não fez. Não me lembro de ter feito. (Gestor UFRGS 1, Entrevista 2, 2023).
Um aspecto ressaltado foi quantificar a produção nacional de materiais didático-pedagógicos, de todos os núcleos. Contudo, inexistem dados, conforme mencionou o Gestor 2 da UFRGS (Entrevista 3, 2023).
Tais considerações remetem a um impasse da política: ao mesmo tempo que o MEC oferece autonomia às IES integrantes, estas sentem a ausência de uma direção geral que possa articular ações e centralizar informações, de forma que auxilie na organização, controle e avaliação das atividades.
Sugestões
Apenas no levantamento efetuado em 2023 os participantes citaram sugestões para o aprimoramento da Asie, as quais abrangiam aspectos institucionais, a incorporação, pelas escolas indígenas, do material didático-pedagógico produzido e a avaliação sistemática do programa.
Quanto às alterações em aspectos institucionais, conforme opinião do gestor federal (Entrevista 1, 2023), seria primordial a consolidação da política por meio de uma base normativa mais consistente, por lei, já que a Asie é regulamentada via portaria. Já os gestores locais indicaram a necessidade de uma secretaria especializada em educação indígena no MEC (Gestor UFRGS 2, Entrevista 3, 2023) e de contarem com a designação de apoio técnico-administrativo especializado nas universidades (Gestor UFRGS 1, Entrevista 2, 2023).
A incorporação das pesquisas e materiais elaborados no âmbito da Asie nos currículos das escolas indígenas foi sugerido pelo coordenador Kaingang, em resposta ao formulário on-line preenchido em 2023.
Ainda no que tange aos materiais didáticos, um gestor local citou a necessidade de qualificar seu uso nas escolas, na medida em que são um produto importante do programa, como se percebe em sua fala:
Quanto material didático a gente produz? Eu acho que essa é a grande riqueza. A gente tem conseguido fazer o material didático, embora com todas as dificuldades de chegar lá, é um resultado importante e talvez aí a gente precise melhorar na qualificação do uso desse material didático. Porque precisa, mesmo dentro de uma concepção de indígena, precisa ter uma utilização que seja mais eficaz, talvez para as aprendizagens dos alunos. (Gestor UFRGS 1, Entrevista 2, 2023).
Também foram feitas menções à importância de avaliar o impacto da política pública nas escolas, a exemplo dos seguintes trechos:
Então, vontade de fazer uma avaliação mais sistemática, a gente tem sim. Que eu nem saberia como, mas eu, por exemplo, do meu ponto de vista, eu acho que a gente teria que ver que efeitos, como, que resultados o programa faz nos professores, nas escolas, nos alunos. Tem mudanças curriculares na escola? Tem mudança na abordagem dos conteúdos? Como é que estão sendo usados os materiais didáticos? Como é que a comunidade enxerga o Saberes e participa do Saberes? Acho que teria muitas coisas assim para se avaliar. (Gestor UFRGS 2, Entrevista 3, 2023).
No meu entendimento, a mensuração dos efeitos da formação só pode se dar pelas mudanças de práticas nas aulas e nos comportamentos nas comunidades, reconhecendo que está acontecendo mudanças no fortalecimento das tradições, costumes e práticas culturais, uso da língua materna e seus saberes e conhecimentos . . . penso ser importante avaliar os impactos do Saberes Indígenas nas salas de aulas, quais são os espaços que os saberes e conhecimentos indígenas ocupam nos componentes curriculares, o uso/aproveitamento dos materiais produzidos pelos saberes. (Coordenador Kaingang, formulário preenchido em 2023).
Já quanto à forma de avaliar, o orientador Guarani sugeriu, no formulário preenchido, a realização de assembleia: “Essa metodologia da Ação Saberes poderia ser feita com uma grande assembleia, com todos os professores, para que assim houvesse melhor comprometimento de todos” (Orientador Guarani, formulário preenchido em 2023).
Em resumo, a análise do material empírico revelou uma série de desafios enfrentados pela política pública, bem como resultados positivos e aspectos a serem aprimorados.
CONCLUSÕES
O artigo apresentou uma avaliação processual e com procedimentos qualitativos de produção de dados do programa “Ação Saberes Indígenas na Escola” (Asie), contemplando a sua implementação nacional e no âmbito do Núcleo em funcionamento na UFRGS. A partir da revisão da literatura, legislação e documentos e da produção de dados primários que captaram as percepções e experiências de participantes do programa em dois momentos (2015 e 2023), objetivou-se conhecer dinâmicas, processos e resultados preliminares da política pública, além das modificações ocorridas, dos desafios enfrentados e de sugestões de melhoria.
Conforme apontam a literatura e os gestores entrevistados, um marco importante para a criação da Asie foi a I Conferência de Educação Escolar Indígena, ocorrida em 2009, evento que ratificou os pressupostos centrais da escola intercultural indígena: o respeito às tradições culturais e a valorização do saber dos anciãos, a interculturalidade crítica (Baniwa, 2023), a participação dos representantes dos povos indígenas e a tomada coletiva de decisões.
A partir daí, com base em análise documental e bibliográfica, acrescida de informações provenientes das entrevistas com gestores, foram examinados o desenho do programa e sua implementação nacional, de 2013 até 2023. Nessa trajetória, foram identificadas mudanças na formulação inicial, mas sem alteração da legislação, dentre elas a inclusão de um novo perfil de participante remunerado (o de pesquisador indígena) e o abandono do funcionamento por meio de redes de universidades. No nível local, foi relatado o início trabalhoso da política, além do descompasso temporal entre o recebimento dos recursos de parte do MEC e o planejamento e execução das atividades.
Nas avaliações realizadas em 2015 e nas entrevistas semiestruturadas e formulários respondidos em 2023 foram mencionados resultados positivos, dentre eles o estímulo ao resgate e à valorização dos aspectos culturais e linguísticos das comunidades indígenas, representados pela importância atribuída aos sábios e lideranças idosas das aldeias. Em sua maioria, as opiniões evocam os princípios norteadores da escola intercultural indígena. Além disso, foi observado um processo de aprendizado mútuo possibilitado pela troca de experiências entre as comunidades indígenas durante os encontros coletivos promovidos pelo Núcleo da UFRGS. Como percebem os gestores da Universidade, tal dinâmica trouxe maior organização e articulação política dos povos Kaingang e Guarani participantes da Asie.
Em relação aos entraves verificados durante a implementação, foram repertoriadas as dificuldades de participação e de engajamento (dos cursistas, dos orientadores de estudo e das instituições integrantes) e o aspecto prático dos deslocamentos entre escolas e territórios, especialmente em áreas de difícil acesso e com longas distâncias. Em particular, os gestores citaram os abalos que o programa sofreu com as trocas no governo federal e as oscilações dos repasses financeiros que provocaram atrasos na execução. Outro ponto refere-se à inexistência de uma avaliação abrangente do programa e aos entraves à realização dessa atividade, ainda que os núcleos das universidades efetuem avaliações pontuais quando da finalização das edições.
A questão da participação já representava um desafio em 2015, quando orientadores e cursistas citaram o pouco engajamento dos distintos atores (das direções das escolas, dos professores cursistas, dos orientadores de estudo e da equipe executiva, sendo que esses dois últimos atores deveriam estar mais presentes nas escolas). No que tange às direções das escolas indígenas, a cooperação requerida evidenciou o dilema de considerar as atividades da Asie não como um encargo adicional, mas como parte integrante do trabalho docente e da formação profissional, permeando o funcionamento de todas as instâncias educativas. Em 2023, os participantes acrescentaram as necessidades de maior participação dos indígenas na gestão do programa, de aprimoramento da coordenação e de maior comprometimento das instituições participantes, incluindo a definição clara de suas responsabilidades.
No que tange às sugestões para a continuação e aprimoramento da Asie, os participantes destacaram aspectos como: (I) a regulamentação da política em lei, a criação de uma secretaria especializada em educação escolar indígena no MEC e a disponibilização de pessoal técnico-administrativo dentro das universidades; (II) a incorporação das pesquisas e materiais elaborados no âmbito da Ação nos currículos das escolas indígenas, o que envolve avaliar a qualidade e a utilização efetiva do material produzido; e (III) a implantação da avaliação sistemática da política pública.
Entende-se que a compreensão dos avanços da Asie e dos gargalos em sua execução, bem como o mapeamento de sugestões para o seu aprimoramento, trazidos pelo artigo, pode servir de subsídio para ajustes na implementação da política pública, em prol dos resultados pretendidos. Esses são elementos constitutivos da avaliação processual de políticas públicas (Ramos & Schabbach, 2012; Martins et al., 2015).
Outra contribuição do trabalho foi o uso de procedimentos qualitativos baseados na percepção de gestores, coordenadores, orientadores de estudo e cursistas, em se tratando de uma política educacional voltada para as escolas e comunidades indígenas.
Novas avaliações poderiam envolver os docentes indígenas na elaboração de metodologias adequadas ao contexto, por exemplo a realização de uma “grande assembleia”, sugerida pelo orientador de estudo Guarani, bem como a produção de ferramentas audiovisuais que valorizem a tradição oral desses povos. E, aproveitando as indicações dos gestores locais e do coordenador Kaingang, seriam oportunas pesquisas in loco - nas salas de aula, escolas e comunidades -, com foco nos currículos escolares, no uso dos materiais didáticos e nos impactos produzidos pela Asie.