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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.29 no.1 Florianópolis jan. 2021  Epub 01-Jan-2021

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n176731 

Seção Temática Heleieth Saffioti - 50 anos d’A mulher na sociedade de classes

Notas sobre A mulher na sociedade de classes

Notes on A mulher na sociedade de classes

Carla Cristina Garcia1 
http://orcid.org/0000-0002-5075-3129

1Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. 05014-901 - pssocial@pucsp.br


Resumo:

Este artigo tem como objetivo apontar a importância do estudo inaugural de Heleieth Saffioti, A mulher na sociedade de classes: mito e realidade (1969), tanto para o desenvolvimento do pensamento feminista brasileiro quanto para a pesquisa sociológica desenvolvida por e sobre mulheres na América Latina. Seguindo as instruções de Antonio Candido (2013), analisamos o livro como quem observa um tríptico: como centro, a teoria do materialismo histórico; na lateral esquerda, uma profunda análise do papel que a mulher ocupa nas sociedades ocidentais capitalistas em geral e no Brasil, em particular; na lateral direita, uma crítica feroz aos mitos que cercam as ideias sobre o proceder científico de homens e mulheres.

Palavras-chave: sociologia; feminismo; gênero; classe; marxismo

Abstract:

This paper aims to highlight the importance of Heleieth Saffioti’s inaugural study A mulher na sociedade classes: mito e realidade (1969) both for the development of the Brazilian feminist thinking and for Latin American sociological research developed by and for women. Following Antonio Candido’s instructions (2013), we analyze the book as one who observes a triptych. In the triptych’s center is historic materialism; in its left side is a profound analysis of the role carried out by women in western capitalist societies in general and in Brazilian society in particular; in its right side is a fierce critic of the myths surrounding the notions about the way in which men and women approach science.

Keywords: Sociology; Feminism; Gender; Class; Marxism

Introdução

Odeio serviço doméstico! Por que estes cretinos cientistas não inventam um robô pelo menos para passar pano no chão? A Física para mim tem sido inútil, já que não resolveu os mais comezinhos problemas domésticos e nem criou condições para que eu pudesse dar uma volta pelo espaço sideral (Heleieth Saffioti, cartão de aniversário enviado à autora em 06/01/1991).

Em texto comemorativo dos cinquenta anos da publicação de O segundo sexo, de Simone de Beauvoir (1980), escreveu Heleieth Saffioti: “Qualquer que seja a avaliação que se tem [do livro], não se podem negar dois fatos: seu pioneirismo e sua influência em muitas gerações, assim como na academia.” (SAFFIOTI, 1999, p. 157). Pode-se dizer o mesmo de sua obra A mulher na sociedade de classes: mito e realidade, que, em 2019, completou cinco décadas desde sua primeira publicação, e que também é um livro pioneiro que influenciou gerações.

É pertinente, com essa comemoração, que nos debrucemos sobre as principais teses defendidas por Saffioti e reflitamos sobre elas. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é apontar a importância do estudo inaugural de Saffioti tanto para o desenvolvimento do pensamento feminista brasileiro quanto para a pesquisa sociológica desenvolvida por e sobre mulheres na América Latina. Para tanto, seguimos a leitura de Antonio Candido (2013), autor do prefácio, como quem observa um tríptico: como centro, a teoria do materialismo histórico; na lateral esquerda, uma profunda análise do papel que a mulher ocupa nas sociedades ocidentais capitalistas em geral e no Brasil, em particular; na lateral direita, uma crítica feroz aos mitos que cercam as ideias sobre o proceder científico de homens e mulheres.

O livro pode ser considerado um marco dos estudos de sociologia no Brasil, além de ser o primeiro escrito por uma brasileira no âmbito da Universidade como tese de livre-docência centrado na análise da condição de dominação da mulher nas sociedades capitalistas. Em razão do êxito que alcançou quando de seu lançamento e nas décadas subsequentes, a publicação tornou-se a referência brasileira mais importante em estudos sobre mulheres. Saffioti costumava lembrar que:

A mulher na sociedade de classes: mito e realidade só não foi publicado na França porque há nele críticas à prática psicanalítica. Não de toda a teoria psicanalítica, mas, sobretudo, da prática psicanalítica. Então, saiu em inglês, tendo sido muito resenhado na Europa, em vários países, em alguns dos quais se falam línguas que nem sequer leio. (SAFFIOTI, 2011b, p. 153).

Reconhecida também internacionalmente pelos inúmeros trabalhos que desenvolveu ao longo de sua carreira,1 em virtude de sua significativa produção acadêmica recebeu, em 2005, juntamente com outras cinquenta brasileiras, a indicação numa iniciativa coletiva denominada 1000 Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz.2 Nesse panorama, mais do que sua celebridade, é a sua fama que devemos honrar. Como explica James Hillman (2002):

Na época romana, ou durante o Renascimento, fama ou reputação era imaginada como se fosse um espírito companheiro invisível, o gênio herdado de um ancestral. Ele era mais precioso do que a própria vida, devia ser servido, honrado, enaltecido por ações, mantido imaculado. Seus benefícios duradouros passavam para os herdeiros, transmitindo-se às gerações futuras como o brasão e o nome de família. Atualmente a fama foi acelerada e substituída pela celebridade, palavra cuja raiz é aparentada com celeritas, celeritatis e com a palavra - inglesa e portuguesa - “aceleração”. (p. 89, grifos do autor).

A fama de Heleieth Saffioti foi estabelecida desde a publicação do livro que agora comemora seu cinquentenário. Não se tornou uma celebridade, célere e passageira, como as que conhecemos atualmente. A partir desse marco teórico interpretativo, acrescentou vários outros trabalhos que se tornaram fundamentais para as Ciências Sociais latino-americanas. E foi construindo sua fama, tornando-se, assim, uma ancestral de estudiosas que se seguiram. Sua obra deve, por isso, ser lida com vagar e atenção, fugindo de conclusões rápidas e verdades precipitadas, para que possam nos transmitir benefícios duradouros.

Ainda no texto de 1999 há um alerta: “Lamentavelmente, parece que as novas gerações não leem [O segundo sexo]. As gerações próximas da minha, entretanto, devotam profundo respeito pelo livro e por sua autora.” (SAFFIOTI, 1999, p. 163). Podemos então dizer que isso também se aplica à obra A mulher na sociedade de classes: a nós cabe aceitar essa herança e passá-la adiante, às gerações mais jovens, seguindo as genealogias e linhagens femininas nas quais brilham também muitas outras cientistas.

Além de seu incontestável pioneirismo no que se refere aos estudos feministas no Brasil, Saffioti, orientanda de Florestan Fernandes, escreve um dos melhores e mais importantes tratados de sociologia crítica brasileira, com prefácio de Antonio Candido (2013). Num estudo sobre a sociologia crítica latino-americana, José Vicente Tavares-dos-Santos e Maíra Baumgarten (2005) elencam os principais estudiosos da matéria, e entre tantos mencionam Heleieth Saffioti. Consideram o livro de 1969 um marco na área ao apreender mecanismos típicos através dos quais o fator sexo se torna o fundamento do alijamento das mulheres nas sociedades de classes.

Segundo Daniele Cordeiro Motta (2018), hoje em dia pode parecer lugar-comum sublinhar o sexo de trabalhadoras e trabalhadores. Mas, no contexto acadêmico no qual Saffioti escreveu sua tese, foi preciso começar do zero para abrir os caminhos das análises da condição feminina no interior dos debates sociológicos. Além disso, em seus textos é possível detectar a herança que a autora carrega das análises sobre a família patriarcal no Brasil, adquirida na leitura sobre a formação social brasileira, bastante visível no livro, demonstrando um intenso conhecimento e diálogo com pensadores clássicos do Brasil.

Saffioti esteve claramente influenciada pela literatura sociológica e historiográfica que era produzida no Brasil da época: Florestan Fernandes, seu orientador, havia publicado, nos primeiros anos da década de 1960, Ensaios de sociologia geral e aplicada (1960), Sociologia em uma era de revolução social (1963) e A integração do negro na sociedade de classe (1964); Caio Prado Junior publicou, em 1966, sua influente obra A revolução brasileira; Nelson Werneck Sodré, Formação histórica do Brasil (1963), Introdução à revolução brasileira (1963), As razões da independência (1965) e Ideologia do colonialismo (1965). Na área da economia, Celso Furtado, neste período, publicou alguns de seus mais importantes livros, como Desenvolvimento e subdesenvolvimento (1961); Formação econômica do Brasil (1963) e Subdesenvolvimento e estagnação na América Latina (1966). Esses autores são bastante citados ao longo do livro. (Céli Regina Jardim PINTO, 2014, p. 323).

Motta (2018) ressalta que a tese de Saffioti está inserida numa tradição de pensamento uspiano, que tinha como uma de suas preocupações centrais a análise dos inúmeros aspectos da diversidade social que formava a nação brasileira, tais como a questão do índio, do negro e da mulher. No prefácio do livro, Antonio Candido (2013) destaca que Saffioti não separa a questão das mulheres dos problemas gerais da sociedade, empreendendo, desse modo, uma complexa análise da relação entre a diversidade social e as desigualdades estruturais da sociedade de classes e do capitalismo no Brasil. Motta (2018) também sublinha que o livro deve ser inscrito dentro da tradição de pensar o Brasil em uma chave pouco ressaltada: a articulação entre ‘sexo’ e classe na análise da transição da sociedade escravocrata e senhorial para a sociedade de classes. Essa fórmula proporcionou a Saffioti uma reflexão fundamental para escrutinar as especificidades dessa mudança e as estruturas tanto do patriarcado quanto da escravidão na sociedade capitalista brasileira.

Desse modo, deve-se considerar que seu livro é um estudo marxista sobre o capitalismo subdesenvolvido, em que a questão da mulher é vista como uma das manifestações da estrutura de classes. Nesse sentido, é ainda preciso esclarecer de que maneira a autora fez a interlocução com o pensamento de Marx para dar suporte às suas problematizações.

Segundo Renata Gonçalves (2013), Saffioti entende o conceito de modo de produção como um objeto vinculado ao real, em que o real pode ser detectado, seja numa análise predominantemente teórica, seja naquela em que a questão histórica prevaleça. Para a autora, modos de produção anteriores perdem sua identidade originária, mas não deixam de existir. Em vista disso:

O modo de produção capitalista é entendido como a combinação histórica específica que resulta da autonomização relativa do processo econômico, inaugurando formas inéditas de relações de produção nas quais se acham incorporadas e redefinidas as antigas formas de relação de produção (SAFFIOTI, 2013apudGONÇALVES, 2013, p. 16).

Em seu estudo, Gonçalves (2013) aponta como Saffioti demonstra em sua tese que nem Marx nem Engels, apesar de suas observações detalhadas sobre as condições de trabalho das mulheres, teriam atentado para as funções que as mulheres desempenham na família e por isso não conseguiram solucionar teoricamente o problema. As referências de Marx e Engels sobre a condição feminina estão ligadas especialmente às

consequências que a dura existência da mulher trabalhadora encerra para a educação dos filhos, para a autoridade dos pais, para a moralidade da família […]. Entre um sistema produtivo e a marginalização feminina encontra-se a estrutura familiar na qual a mulher desempenha suas funções naturais e mais a de trabalhadora doméstica e socializadora dos filhos (SAFFIOTI, 2013, p. 115-124).

Apesar da ideia amplamente difundida de que o modo de produção capitalista traria em seu bojo outros tipos de arranjos familiares que permitiriam mais liberdade às mulheres - inclusive laboral -, constata-se que estas continuam presas à casa e à família. Segundo Saffioti (2013), não é possível

imaginar que a mera emancipação econômica da mulher fosse suficiente para libertá-la de todos os preconceitos que a discriminam socialmente. […] Certos padrões culturais forjados em outras estruturas persistem na nova, num descompasso de mudanças que desafia a validade de algumas teorias (p. 128).

Para Gonçalves (2013), ainda que Saffioti esteja convencida de que a condição precária de vida e de trabalho das mulheres só será superada com o fim do modo de produção capitalista, ela problematiza o pensamento de Marx no que tange ao posicionamento dele sobre a libertação da mulher como sendo parte do processo geral de humanização de todo o gênero humano.

O cruzamento da estrutura de classes com a diferença de sexo perturba o esquema marxista. As classes sociais são atravessadas pelas contradições de gênero e de raça. É certo que entre mulheres e homens da burguesia há uma solidariedade de classe, pois aquelas se beneficiam da apropriação por estes da mais-valia criada pelos trabalhadores homens e mulheres. Porém, na classe trabalhadora, a solidariedade nem sempre é tão nítida. Tanto a mulher proletária, como a dos estratos médios disputam “com os homens de sua mesma posição social os postos que lhe possam garantir sustento” ([SAFFIOTI, 2013,] p. 133). O capitalismo não criou a inferiorização social das mulheres, mas se aproveita do imenso contingente feminino, acirrando a disputa e, portanto, aprofundando a desigualdade entre os sexos (GONÇALVES, 2013, p. 19).

Desse modo, a partir de suas interpretações da teoria do materialismo histórico, Saffioti afirma, de saída, que seu livro não é dirigido apenas às mulheres:

Este livro dirige-se a todos, homens e mulheres […]. Não se trata, pois, de uma obra dirigida exclusivamente às mulheres. Sendo homens e mulheres seres complementares na produção e na reprodução da vida, fatos básicos da convivência social, nenhum fenômeno há que afete um, deixando de atingir o outro sexo. A não percepção deste fato tem conduzido a concepções fechadas de masculinidade e de feminilidade (SAFFIOTTI, 2013, p. 34).

Na introdução do livro, a autora escreve com todas as letras esse seu posicionamento. Seu trabalho visa denunciar as condições precárias da família na sociedade de classe, por isso não é um trabalho feminista, mas que examina a opressão e as relações sistêmicas de poder, que recaem tanto sobre as mulheres quanto sobre os homens. É um trabalho sobre o sistema e faz indagações pertinentes ao tema, sobretudo à convivência e cooperação entre as categorias de sexo.

Não é, portanto, feminista. Denuncia, ao contrário, as condições precárias de funcionamento da instituição família nas sociedades de classes em decorrência de uma opressão que, tão somente do ponto de vista da aparência, atinge apenas a mulher. Deste ângulo, ela resulta do estudo sistêmico das questões pertinentes ao tema e, talvez, sobretudo, da observação permanente dos fenômenos construídos na base da convivência e cooperação entre as categorias de sexo (SAFFIOTI, 2013, p. 34-35).

Sua afirmação - de que não é um livro feminista - pode surpreender, mas devemos lembrar que Beauvoir também declarou em várias ocasiões não ser feminista. Quando resolveu escrever O segundo sexo (1949), não tinha plena consciência de sofrer discriminação pelo fato de ser mulher. Não se considerava feminista, nem tinha nenhuma intenção política ou reivindicativa com ele. O ensaio não foi grandemente aceito na França até que, traduzido ao inglês, as feministas norte-americanas ficaram extremamente entusiasmadas. Em pouco tempo foram vendidos milhões de exemplares, e os volumes foram traduzidos em dezesseis idiomas. Convenceu até a própria autora, que, quando o escreveu, falava das mulheres como “elas”, mas nos anos seguintes, à medida em que foi recebendo cartas de leitoras do mundo inteiro lhe agradecendo, mudou de ideia. Foi assim que O segundo sexo tornou feminista a sua autora.

Poderíamos dizer que, assim como Beauvoir, Saffioti se tornou feminista por causa de seu livro. Depois de seu estudo inicial, que, como dissemos, é um dos mais importantes estudos de sociologia brasileira, todo o restante de sua extensa produção será dedicado a analisar a condição de vida das mulheres em quase todos os âmbitos da vida social.

É preciso ressaltar que, na década de 1960, ainda não havia estudos acadêmicos sobre a condição da mulher brasileira, nem intelectuais discutindo o tema no país. Ademais, seus anos de formação foram marcados por profundas turbulências políticas, e muitos intelectuais brasileiros, como Saffioti, encontravam no ideário marxista explicações contundentes para os problemas enfrentados na América Latina como um todo.

Tanto o meio intelectual como o político estavam, à época, profundamente influenciados pelas ideias marxistas de revolução e de terceiro mundismo. As revoluções russa e chinesa, e principalmente a cubana, eram vistas como modelos ou, pelo menos, possibilidades de diferentes arranjos políticos e econômicos. O subdesenvolvimento do capitalismo do então chamado Terceiro Mundo, a pobreza e a ignorância de vastas parcelas da população somavam-se ao golpe de estado, para formar um caldo de cultura que aproximava os intelectuais brasileiros do ideário revolucionário e do marxismo, considerado um seguro ancoradouro, em que políticos de esquerda e intelectuais encontravam explicação aparentemente científica para os acontecimentos que apontavam um futuro otimista. O livro de Saffioti, desde seu título, é tributário dessas condições de emergência (PINTO, 2014, p. 323).

É dentro desse contexto que Saffioti realiza sua investigação. Costumava dizer que seu interesse residia tanto na necessidade de refutar as feministas liberais, que acreditavam na emancipação da mulher por vias econômicas, quanto na necessidade de demonstrar que apenas o fim do sistema capitalista traria a igualdade entre os sexos. Nem o feminismo pequeno-burguês nem o socialista, até aquele momento, haviam atingido o objetivo. “Nestes termos, pode ser inteiramente correto correlacionar a igualdade social completa entre os sexos e o desenvolvimento econômico-social das sociedades socialistas.”3 (SAFFIOTI, 2013, p. 195-196).

Além disso, evidencia outros importantes fatores de restrição para a vida das mulheres brasileiras que dificultam ainda mais sua emancipação: raça e etnia. A mulher na sociedade capitalista é a força de trabalho mais barata e, dependendo de sua raça e de sua etnia, o valor de sua força de trabalho pode ser ainda menor, de acordo com uma hierarquia construída historicamente que acaba por aumentar as diferenças de classes. Em outras palavras, o fim do modo de produção capitalista não seria o remédio para a desigualdade, pois a força de trabalho é diferenciada conforme o sexo, a raça e a etnia. A introdução das categorias raça e etnia junto à categoria sexo na análise é algo pioneiro. Raça, etnia e sexo na sociedade de classes encontram-se, pela primeira vez, relacionadas num tratado de sociologia no Brasil.4

Me identifico muito com alguns movimentos, me dou muito bem com as militantes do GELEDÉS e do Fala Preta, recebendo, muitas vezes, pedidos delas para eu escrever mais sobre racismo, porque dizem que sou a feminista que mais abordou esse problema, desde o início, porque, no primeiro livro, eu já abordava essa questão. (SAFFIOTI, 2011b, p. 155).

Os livros sobre a mesa do escritório de Heleieth

O que eu li? No Brasil não havia nada de interessante. Eu li O segundo sexo, da Simone; li um livro da Alva Myrdal e Viola Klein. Estes textos existiam ou em francês ou em inglês, em português nada. O segundo sexo, sim. Mas o da Alva Myrdal e Viola Klein, não. E o outro de uma francesa que era sobre operárias industriais, era em francês. O nome dela era Evelyne Sullerot. E havia aqueles textos clássicos da Kollontai, que eu não gosto; da Clara Zetkin, que é um pouco melhor, mas a meu ver tem mais ideologia do que ciência. Nem mesmo os textos marxistas me contentavam. (SAFFIOTI, 2011a, p. 75).

O que tinha Saffioti sobre sua escrivaninha enquanto preparava sua pesquisa? Dizia que, nos primeiros anos, principalmente nos cinco primeiros, sofria de literaturapenia, pelo difícil acesso a livros sobre os assuntos que lhe interessavam. Com sua ironia característica, cria uma palavra pospondo-lhe ‘penia’, tornando-a reconhecível pelas mulheres - como em osteopenia, enfermidade óssea que atinge sobretudo as mulheres. O neologismo designa também a falta de educação ampla, as necessidades emocionais e intelectuais e a penúria de opção na vida das mulheres.

Entre os livros sobre a mesa havia, além dos clássicos do materialismo histórico - Marx, Engels, Lukács -, autores brasileiros dessa tendência, como Florestan Fernandes e Caio Prado, entre outros, sem esquecer demais tendências, como os estudos de Weber, Wright Mills ou Mannheim. Em algumas das entrevistas que concedeu, indica livros prediletos na época: aqueles de que gostava, aqueles de que discordava e aqueles que releu depois de anos e que acabaram por reformular sua primeira impressão, como ocorreu com O segundo sexo, de Simone de Beauvoir. Saffioti conta que, em 1963, não utilizou o livro tanto quanto deveria por não se alinhar às ideias do existencialismo e por tê-lo considerado excessivamente culturalista. Ademais, percebia no trabalho de Betty Friedan (1974), em A mística feminina (publicado originalmente em 1963), mais semelhanças com seu pensamento:

Lamento até hoje que isso haja ocorrido. Perdi a oportunidade de beber da primeira mão e bebi da segunda. Com efeito, aprendi, em janeiro desse ano […], que B. Friedan plagiou não apenas ideias, mas também parágrafos inteiros de O segundo sexo. Reli este livro, porém não reli o de B. Friedan. Não tenho, todavia, nenhuma razão para duvidar do plágio. […] Sinto tristeza de não haver percebido o plágio e, em função disto, não haver atribuído a quem de direito o crédito merecido.

[…] aproveitei mal o livro de Beauvoir (SAFFIOTI, 1999, p. 161-163).

Se Saffioti lamentou ter aproveitado mal o livro de Beauvoir, o mesmo não se pode dizer das obras de Viola Klein: The feminine character: history of an ideology, de 1946, e Women’s two roles: home and work, de 1956 - este último escrito em conjunto com a ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 1962, Alva Myrdal. A análise feita por Saffioti em 1963, e que antecedeu em muito os estudos sobre a condição feminina característicos da terceira onda do feminismo, é tributária da leitura que fez das obras de Klein, teórica pouco discutida entre as estudiosas feministas contemporâneas, especialmente no Brasil, mas a quem algumas autoras atribuem, já em 1956, o desenvolvimento de ideias que desembocariam no conceito de gênero décadas depois.

Somente na década de 1970, novas ideias conceituais acerca de gênero, sexualidade e patriarcado tiveram um impacto relevante no âmbito da sociologia e das ciências sociais de maneira mais ampla; Simone de Beauvoir e Viola Klein desbravaram novos enfoques sobre essas questões, e suas ideias permearam a pesquisa posterior de autoras tão diversas como Shulamith Firestone, Ann Oakley, Dorothy Smith, Donna Haraway e Judith Butler (John SCOTT, 2010, p. 10).

Viola Klein e o desenvolvimento da sociologia de gênero

Nascida em 1908 na antiga Tchecoslováquia, filha de uma família judaica progressista, Viola Klein estudou na Universidade Sorbonne e na Universidade de Viena, cidade onde ficou até que o clima político ali predominante a forçou a retornar ao seu país. Embora sua formação inicial fosse em Psicologia e Filosofia, sua pesquisa mais importante lidou com os papéis sociais desempenhados pelas mulheres e como estes foram se transformando com o desenvolvimento do capitalismo. Ela foi uma das primeiras estudiosas a fornecer evidências quantitativas sobre o contexto socioeconômico em que viviam as mulheres nas sociedades capitalistas. Sua pesquisa não apenas esclareceu os papéis que as mulheres desempenham nesse tipo de cultura, como também analisou as mudanças sociais e políticas concretas que facilitaram a construção de tais papéis.

Em sua primeira tese de doutorado, realizada em 1932 sobre o estilo linguístico utilizado no livro Viagem ao fim da noite por Louis-Ferdinand Céline, ela tratou da “natureza social do uso e das construções linguísticas” e das maneiras pelas quais “as realidades opressivas vividas são ideologicamente construídas como um discurso científico e político oportunista” (E. Stina LYON, 2007, p. 831). A análise de Klein, embora salientasse a natureza inovadora da prosa de Céline diante do classicismo francês, sublinhou como o autor tinha deliberadamente usado as construções linguísticas pejorativas para representar os pobres e os oprimidos, ou seja, mostrou o poder da linguagem como uma forma de abuso político. Nessa época já estava interessada no que vinha sendo denominado “a questão das mulheres”. Depois de uma viagem feita à então União Soviética, no final dos anos 1930, escreveu vários artigos sobre a condição das mulheres naquela região (LYON, 2007). Pouco antes da invasão alemã, em 1938, Klein emigrou para a Inglaterra.

Embora já tivesse uma carreira estabilizada em seu país, Klein teve grandes problemas para encontrar uma colocação. Depois de grandes vicissitudes, conseguiu uma bolsa de estudos para fazer um segundo doutorado, na London School of Economics, sob a orientação de Karl Mannheim. Sua tese foi posteriormente publicada com o título O caráter feminino: história de uma ideologia (1946), que foi muito criticada por conta de seu feminismo ostensivamente militante, que se afastava das visões e valores tradicionais relacionados às mulheres.

Em 1950 obteve um cargo na Universidade de Reading, onde permaneceu até sua morte em 1973. Durante esse período, publicou, entre outras coisas, o trabalho feito com Alva Myrdal: Women’s two roles: home and work. (1956), Working wives: the money (1963) e Britain’s married women workers (1965) (LYON, 2007).

Klein concebeu seu trabalho como a aplicação da sociologia do conhecimento ao estudo de um caso particular, a saber: os traços psicológicos ligados ao sexo. Afirmou algo que hoje pode ser considerado lugar-comum, mas na época não o era, em absoluto:

O conhecimento científico, especialmente nas Ciências Sociais, não existe em completo isolamento, mas é uma parte orgânica de um sistema cultural coerente. […] Enquanto a ideia de que o conhecimento, particularmente no que diz respeito ao homem e à sociedade, pode ser colocado fora do desenvolvimento social e cultural geral de seu tempo é atualmente compartilhada por um número cada vez menor de pessoas, ainda encontramos com frequência muitas vezes quem considere a ‘atitude científica’ como um ato mental completamente separado e autônomo, como se de fato fosse um contato imediato e objetivo com os fatos (KLEIN, 1951, p. 2, tradução nossa).

Para Klein, o objeto de interesse científico e a forma como ele é apresentado dependem, em parte, de fatores sociais e históricos e, em parte, do nível geral de desenvolvimento científico, além de estarem impregnados da personalidade individual do pesquisador, seu estilo, suas experiências pessoais, seu caráter e temperamento, ou seja, mostram que a sociedade e a cultura em que a ciência é produzida a influenciam, e vice-versa e, nesse sentido, a autora apresenta uma crítica muito interessante da ciência concebida como autônoma e livre de valores.

Considerando a data em que o livro de Klein foi publicado, a tese em seu livro deveria merecer, pelo menos, uma referência na literatura especializada. No entanto, as ideias de Klein foram, em alguns casos, incompreendidas e, em outros, o alcance e a importância delas foram subestimados. Pior, apesar de inúmeras recuperações e reavaliações por filósofos e sociólogos da ciência de muitos de seus antecessores, apesar da busca genealógica por pensadoras feministas, ninguém parece ter feito justiça a Viola Klein. (Eulalia PÉREZ SEDEÑO, 2012, p. 115, tradução nossa).

O trabalho de Klein é marcadamente crítico e vindicativo e, embora muitas das teorias que examina em O caráter feminino estejam desatualizadas, ela propõe questões que ainda hoje são utilizadas por teóricas feministas: Quais foram os efeitos da posição social inferior de uma mulher em sua personalidade? Que características têm em comum com outros grupos que foram subjugados ou minoritários? - para ficarmos em apenas duas reflexões que ainda ocupam as pesquisas sobre mulheres.

O método utilizado por Klein ao longo de seu trabalho é o método de pesquisa integrativa fundamentado no trabalho de Karl Mannheim, seu orientador. Esse método combina diferentes aspectos do mesmo problema:

Pelos métodos de biologia, filosofia, psicanálise, psicologia experimental, psicometria, história, história literária, antropologia ou sociologia, mas reunindo o conhecimento que tem sido adquirido em cada um dos campos e coordenando essas descobertas em seus vários aspectos (MANNHEIM, 1951, p. 7, tradução nossa).

Heleieth Saffioti reflete sobre o pensamento de Klein e o cita inúmeras vezes em seu trabalho: utiliza seus números sobre o trabalho feminino fabril e agrícola na Europa entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial; comenta o absenteísmo feminino ao trabalho em comparação ao masculino, a diferença salarial entre homens e mulheres, o desenvolvimento das ideias feministas. É a Klein que Saffioti recorre também para se referir à luta pelo direito das mulheres trabalhadoras casadas na Inglaterra, tema de pelo menos dois livros daquela autora. É importante lembrar a pertinência dessa discussão dentro do livro de Saffioti, pois foi somente com a criação do Estatuto da Mulher Casada, em 1962, que as mulheres brasileiras, entre outras coisas, não precisaram mais de autorização do marido para trabalhar, receber herança e, em caso de separação, poderiam requerer a guarda dos filhos.

Vale ressaltar também a reflexão que faz Saffioti sobre o pensamento de Klein em relação aos preconceitos tanto de homens quanto de parte das mulheres em relação às análises desenvolvidas por escritoras e pesquisadoras sobre a condição feminina: “Viola Klein aponta o dilema diante do qual as mulheres, sobretudo as das gerações mais jovens, foram colocadas: lutar pelos seus direitos e se transformar num ser puramente racional ou permanecer na imanência, mas como um ser rico de vida emocional” (SAFFIOTI, 2013, p. 171). Nesse ponto, Saffioti relembra Mary Wollstonecraft, feminista inglesa do século XVIII, e tantas outras feministas que consideraram suas necessidades afetivas tão pertinentes quanto as intelectivas.

Mesmo que Klein não seja citada tantas vezes em seus textos posteriores, tendo em vista o desenvolvimento de outras investigações, principalmente as ligadas à violência contra as mulheres, Saffioti soube desenvolver de maneira magistral todos os temas de primeira hora da sociologia feminista quando esta ainda mal existia não apenas no Brasil, mas na sociedade ocidental como um todo.

O conceito de gênero no pensamento de Klein e Saffioti

Observando que cada indivíduo na sociedade ocupa várias posições sociais, Klein escreveu que cada posição inclui padrões particulares de papéis e comportamentos. De acordo com a autora, o processo de se tornar adulto é a ação de aprendizagem de padrões de papéis adequados, como o papel da mãe, o da professora e outros, e dentro de cada sociedade particular esses padrões são compreendidos de forma diferente (Shira TARRANT, 2006.) Com base em estereótipos sobre feminilidade e preconceito sexual, Klein explicou que o quadro que se desenvolve e que compõe a forma como as pessoas se adaptam é cheio de crenças comuns, opiniões sociais e tradições.

Acredita-se que os papéis masculinos e femininos sejam os novos membros do grupo social de inúmeras e sutis maneiras quase desde o nascimento. São reforçadas pela experiência, exemplo, insinuações e outros meios pelos quais o controle social é exercido (KLEIN, 1951, p. 136, tradução nossa).

Muito antes de o conceito de gênero ser desenvolvido pelo psicólogo social Robert J. Stoller (1968) e passar a ser utilizado pelas teóricas feministas a partir da leitura que a antropóloga Gayle Rubin (1975) fez de Stoller, Viola Klein considerou a teoria dos papéis em sua pesquisa sobre o feminino e considerou o conceito de papel de forma ampla.

Ainda que a introdução do conceito de gênero tenha se constituído como via de acesso dos estudos sobre mulheres nas universidades estadunidenses e europeias e com isso tenha redefinido muitos dos grandes temas das Ciências Humanas, a construção de tal conceito também gerou discussões e conflitos entre as teóricas feministas, entre elas Saffioti, que tinha muitas ressalvas em relação a esse conceito tal como ele se desenvolveu nos anos posteriores ao seu primeiro livro.

Embora parecesse indicar seriedade e rigor, tornou-se uma espécie de ‘folha de parreira’, que ocultava muito mais do que mostrava, como uma caixa de costureira, onde cabe quase tudo. O novo sujeito engendrado, que já veio permeado pelo conceito de gênero, também se manifestou muitas vezes como uma ficção unitária, que encobria, ao não considerar, outras dimensões da construção da identidade individual e social.

Como afirma Joan W. Scott (1990), o termo gênero passou a indicar a qualidade fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo e a ressaltar todos os aspectos relacionais das definições normativas da feminilidade. Assim, o uso do termo parecia situar quem o utilizava num dos lados dos debates e controvérsias que se pode sintetizar na pergunta: Deve-se entender o feminino em termos de construção social ou há que se falar de uma essência feminina definida biológica ou filosoficamente?

O feminismo liberal dos anos setenta acreditava que era possível definir uma categoria chamada ‘mulher’, e que as mulheres compartilhavam certas experiências e perspectivas trans-históricas e transculturais e que as práticas discursivas nos textos literários ou nas análises críticas procediam diretamente dessas experiências. Entretanto, já no final da década, as diferenças entre as mulheres passou a ocupar o primeiro plano do debate ao desvelar as fronteiras raciais e sexuais de um pensamento feminista que não conseguia transcender o indivíduo mulher - encarnado e codificado na anatomia -, reverberando a idealização da feminilidade produzida durante o século XIX dentro de organizações de mulheres, principalmente brancas, de classe média, do chamado Primeiro Mundo.

Para as críticas do conceito de gênero, este havia se convertido numa nova totalização excludente que marginalizava os relatos feministas das mulheres negras e lésbicas, que tinham sua história e cultura ignoradas. O termo ‘mulher’ frequentemente se referia à experiência das mulheres ocidentais, brancas, burguesas e heterossexuais como se fosse uma totalidade, ao que Hortense J. Spillers (1985) denominou uma “metonímia mortal”, que relegava ao silêncio a experiência individual e coletiva de muitas outras mulheres. Saffioti compartilha dessa crítica ao dizer, em 2011, que utilizava cada vez menos esse conceito,

porque gênero é um conceito a-político, a-histórico e bastante palatável. Tão palatável, que o Banco Mundial só financia projetos com recorte de gênero. Se fizermos referência à “ordem patriarcal de gênero”, os projetos, certamente, não serão contemplados com as verbas solicitadas. Mas o patriarcado está aí, presente em todas as relações humanas. Chegamos ao paradoxo de os homens sustentarem a existência do patriarcado e a maioria das feministas mulheres a negarem. […] que é coisa de rinoceronte ou de dinossauro. Não se trata de todas, obviamente, mas creio que de sua maioria. Eu tenho muito orgulho de ser um desses dinossauros. (SAFFIOTI, 2011b, p. 154).

Se, por um lado, a crítica feminista dessa época foi determinante na hora de desmascarar a razão patriarcal ao denunciar que as pretensões de neutralidade e objetividade se faziam às custas das mulheres e contra elas, mantendo como pilar do sistema patriarcal a exclusão das mulheres da esfera da razão transcendente, por outro, manteve alguns supostos essencialistas sobre a natureza dos seres humanos e as condições da vida social utilizando conceitos e teorias como se fossem ferramentas permanentes e invariáveis, o que as levou a compartilhar algumas noções essencialistas e a-históricas das metanarrativas.

O conceito de gênero, para Saffioti, não poderia se resumir a uma categoria de análise, pois é, também, uma categoria histórica na qual estão inseridos múltiplos elementos, como tempo e espaço, símbolos culturais, organizações e instituições sociais, a gramática sexual, as relações entre os sujeitos, entre outros fatores:

considero que, se existem diferentes naturezas de gênero para as mulheres, elas existem para os homens também, é óbvio. Sempre dou exemplos para os meus alunos, dizendo: vocês estão na sala de visitas da sua casa e, ao mesmo tempo, estão lá seus pais, sogros, filhos, netos, os amigos dos filhos e vocês não se dirigem da mesma maneira a cada um desses segmentos, vocês ocupam uma determinada matriz de gênero para se dirigir aos netos, aos filhos, aos amigos. Penso que o tempo não existe, é uma convenção, nós usamos um calendário, existem outros calendários. (SAFFIOTI, 2011b, p. 161).

Saffioti tecia muitas críticas ao pensamento de Teresa de Lauretis (1987) em relação ao conceito de gênero e às leituras que essa teórica fazia sobre a obra de Judith Butler (2003) quanto às desordens de gênero. Segundo Saffioti, Butler não trabalha em termos de gênero, mas com matrizes de inteligibilidade cultural do gênero e contratos sexuais.

Teresa de Lauretis fala em estágios, dentro e fora do tempo. Não concordo com isso, ela não soube lidar com tempo/espaço, ou espaço/tempo, porque nós estamos simultaneamente dentro e fora. […] Nós não temos como estar apenas fora do gênero, nem nós mulheres, nem os homens. Como ficar fora do gênero? Isso é impossível. O que nós podemos é lidar com todas as matrizes que nós conhecemos, simultaneamente. (SAFFIOTI, 2011b, p. 161).

Para Saffioti, a desordem de gênero descrita por Lauretis a partir de Butler a faz voltar às categorias durkheimianas de normal e patológico. É preciso, portanto, abandonar definitivamente as categorias binárias e considerar sempre as matrizes secundárias. Ressalta que é um conceito em aberto por haver pouco consenso, bem como afirma sua posição em articular gênero e patriarcado a fim de sinalizar o vetor da dominação, deixando evidente que: “[…] gênero é a construção social do masculino e do feminino […] e patriarcado uma categoria que […] não abrange apenas a família, mas atravessa a sociedade como um todo” (SAFFIOTI, 2015, p. 47).

O trabalho das mulheres na história

Houve espaços/tempos em que a maioria das mulheres alcançava a transcendência e que em qualquer espaço/tempo sempre há mulheres que não se limitam à imanência. […] Como não havia historiadoras feministas na época, não se havia ainda revelado o papel das mulheres na História e, por conseguinte, enquanto SUJEITOS. (SAFFIOTI, 1999, p. 159, grifo da autora).

Pode-se dizer que Saffioti, em seu estudo, antecipa a análise que as historiadoras feministas passariam a fazer apenas em meados da década de 1970 e generifica a história do trabalho na sociedade ocidental. Antes dessa virada epistemológica da qual Saffioti é também pioneira, grande parte dos historiadores e historiadoras parecia ignorar que as sociedades estudadas estavam compostas por uma categoria de fundo que atravessa todas as demais (como as étnicas, as de classes, as religiosas, entre outras), que é o sexo. Essa exclusão estava determinada por uma concepção positivista do processo histórico, segundo a qual as mulheres não contribuíram de forma significativa na construção da cultura e da sociedade.

O estabelecimento de alguns princípios, como o caráter político do espaço privado ou o sexo como categoria social, levou as historiadoras feministas a discutirem e refletirem sobre a relevância de se considerar uma cultura feminina do trabalho que reconheça os significados simbólicos em que a subordinação das mulheres tem sido baseada em consonância com a sua experiência histórica (Michelle PERROT, 1984; Rossana ROSSANDA, 1984).

Estas historiadoras questionaram alguns pressupostos básicos da historiografia tradicional e deram um passo importante e fundamental para o desenvolvimento da teoria feminista contemporânea, e que caracteriza os Estudos da Mulher: a redefinição e a crítica ao pensamento universal a partir da perspectiva de gênero (Rosi BRAIDOTTI, 1991, p. 11, tradução nossa).

As historiadoras não pretendiam construir apenas a história feminina do trabalho, pois esta diz respeito tanto às mulheres quanto aos homens. Por essa razão, passaram a usar o conceito de gênero para se referir à organização social das relações entre os sexos, conscientes da necessidade de introduzir novas categorias analíticas e promover mudanças metodológicas que transformaram os paradigmas históricos tradicionais.

Desse modo, a história das mulheres e do gênero é história social, desde que não seja entendida de forma restrita como uma história da sociedade determinada pela estrutura de classe, mas não pode ser equiparada ou sujeita a ela. Porque, embora a história das mulheres também lide com as classes sociais, entende que estas não funcionam da mesma forma para os homens e mulheres e, portanto, sua experiência de classe é diferente. Ao mesmo tempo, a nova história das mulheres requer uma análise da relação não só entre a experiência masculina e feminina no passado, mas também a conexão entre a história passada e a prática histórica atual (SCOTT, 1990, p. 27, tradução nossa).

Saffioti, ao desenvolver a sua análise sobre a vida das mulheres na sociedade de classes, quebra, de saída, a ideia de que o capitalismo moderno é o responsável pela inserção das mulheres no mundo econômico e do trabalho:

Questiona-se, pois, a crença, presente quer na consciência afirmadora da ordem social competitiva, quer na consciência negadora dessa ordem, de que a mulher foi lançada no mundo econômico pelo capitalismo. Por isso, as referências às sociedades pré-capitalistas e socialistas se tornam necessárias. Estas referências, entretanto, objetivam tão somente ressaltar o caráter contrastante existente entre os papéis da mulher nessas formações sociais e na sociedade de classes (SAFFIOTI, 2013, p. 39).

Essa referência a que alude Saffioti, às sociedades anteriores ao modo de produção capitalista, é fundamental por variados motivos e cabe destacar alguns. As relações capitalistas de produção favorecem o patriarcado: além de impor o modelo nuclear de família, também propiciam narrativas próprias da história e, nesse modelo, não há espaço para a explicação da contribuição das mulheres na formação material e simbólica da cultura. Apagado da memória, o trabalho feminino é tratado como exceção à regra, nunca como uma constante. Não à toa, invariavelmente nos deparamos com textos indicando a entrada da mulher no mundo do trabalho como algo recente, quando, na verdade, desde que se tem notícia, o trabalho feminino era determinante para a manutenção e desenvolvimento dos núcleos familiares e de suas respectivas comunidades.

Uma parte importante dessas atividades tem se concentrado no ambiente doméstico, onde objetos e mantimentos são produzidos e onde a força de trabalho é reproduzida. Preparação de alimentos, fabricação de roupas e instrumentos de trabalho, transporte de água, coleta de lenha, cuidado com os animais, venda de produtos do campo ou por elas fabricados, a criação dos filhos, a preparação e administração de remédios, a limpeza do entorno etc. são tarefas produtivas sem as quais nem um grupo humano pode reproduzir ou prosperar.

A gestão e a direção estavam geralmente nas mãos de homens, por meio do vínculo conjugal, parental ou de dependência, reforçada pela posição pública e política dos homens. Nesse sentido, é importante ressaltar que a maioria das mulheres foi explorada, ao mesmo tempo, em seu trabalho e em sua capacidade de reprodução, e o produto de seu trabalho e corpo era controlado pelo marido, pai, guardião ou patrono. Além disso, suas tarefas na esfera doméstica não têm sido consideradas como um trabalho que requer habilidades específicas e treinamento, mas são vistas como parte fundamental dos atributos considerados naturais ao sexo feminino.

Assim, nas sociedades pré-capitalistas, embora jurídica, social e politicamente seja a mulher inferior ao homem, ela participa do sistema produtivo, desempenha, portanto, um relevante papel econômico. Este papel, entretanto, na medida em que é menos relevante que o do homem, se define como subsidiário no conjunto das funções econômicas da família. Enquanto a produtividade do trabalho é baixa (isto é, enquanto o processo de criação da riqueza social é extremamente lento), não se impõe à sociedade a necessidade de excluir as mulheres do sistema produtivo (SAFIOTTI, 2013, p. 64).

Para Saffioti, na passagem do feudalismo para o capitalismo, operam conjuntamente duas estruturas: além das imposições biológicas, uma estrutura típica da sociedade de classes. Assim, para que se possa compreender a especificidade do trabalho das mulheres na sociedade capitalista, é preciso fazer uma análise da totalidade dessa dupla estrutura que se utiliza de explicações ditas naturais para relegar as mulheres a condições precárias de existência e trabalho no processo de constituição do modo de produção capitalista. É nessa operação que o trabalho doméstico será invisibilizado pelo capitalismo, pois

é necessário desvendar, sob a aparência de trabalho inteiramente não remunerado e de trabalho inteiramente remunerado, um quantum de trabalho necessário e um quantum de trabalho excedente, há que se desnudarem: os status adquiridos que, nas sociedades pré-capitalistas, se ocultam sob a aparência de status atribuídos; os status atribuídos que, nas sociedades de classes, assumem a forma aparente de status adquiridos através do processo da competição. (SAFFIOTI, 2013, p. 59).

Algumas das principais consequências do processo de industrialização foram o desaparecimento da família como unidade de produção, a separação entre o trabalho reprodutivo e produtivo e o deslocamento do local de trabalho da casa para a oficina ou fábrica. O trabalho em troca de um salário, típico do novo sistema econômico, não mudou, porém, a participação de todos os familiares, adultos e crianças, homens e mulheres no processo produtivo, como era habitual nos séculos anteriores. Entretanto, a nova ordem econômica imediatamente gerou formas de segregação sexual na atividade de trabalho pela atribuição exclusivamente feminina às tarefas reprodutivas e pela alocação por sexo para atividades produtivas: as masculinas, com melhores salários e melhores postos; as femininas, com piores remunerações.

A identificação do trabalho das mulheres com determinados empregos e mão de obra barata é institucionalizada e formalizada ao longo do século XIX, graças aos discursos gerados por reformadores sociais, médicos e legisladores. Por meio deles se naturalizam as relações entre os sexos, sancionando a ordem social, à qual dão forma e significado (Louise A. TILLY; Joan W. SCOTT, 1987). Uma ordem que só se quebra, conjunturalmente, em situações de penúria da mão de obra masculina, como acontece em tempos de guerras.

A instauração de um novo modo de produção envolve um grande ônus para certos setores da população de uma sociedade. Na passagem do modo de produção feudal para o modo capitalista este ônus social pesará sobre os estamentos inferiores da antiga ordem que, progressivamente, se vão constituindo como classes sociais subprivilegiadas. (SAFFIOTI, 2013, p. 66).

Desse modo, os discursos apoiados por médicos, educadores e legisladores coincidem ao tratarem do lugar das mulheres no mundo do trabalho remunerado, quando afirmam que os salários dos homens devem ser suficientes para sustentar suas famílias, o que não só deu mais valor ao seu trabalho, mas também deu ao homem o status de criador de valor na família e responsável, em última instância, pela reprodução. As mulheres são reduzidas à categoria de esposas dependentes de seus maridos que trabalham; são consideradas menos produtivas e mão de obra barata. Compõem um ideal de mulher dona de casa, mãe e educadora de seus filhos, o que é extremamente útil num momento de expansão industrial: quando as taxas de natalidade e mortalidade infantil diminuíram, os salários dos trabalhadores aumentaram e o modelo de economia familiar de consumo foi imposto (TILLY; SCOTT, 1987).

No processo de industrialização, o trabalho remunerado das mulheres nas fábricas não experimentou crescimento paralelo ao dos homens, mas responde a ritmos que se repetem, apesar das diferenças nacionais: maior nos primeiros anos, na fase de transição da economia doméstica para industrial, diminui em tempos de expansão industrial, e aumenta novamente conforme o setor terciário se desenvolve.

A subalternização da mulher, seja no modo de produção feudal ou capitalista, é, portanto, uma operação de cunho patriarcal, porém, isso não significa que o processo e os resultados sejam semelhantes: no modo de produção capitalista, a força de trabalho do mercado, especialmente a feminina, é afastada.

Algumas feministas, munidas das tabelas […], argumentam contra minha tese. Nunca se perguntam em que atividades trabalham mulheres. Mais de metade das trabalhadoras, no Brasil, estão em atividades pelas quais o MPC [modo de produção capitalista] não tem o menor interesse. Como é público e notório, o MPC procura, sempre, os setores mais rentáveis da economia. As atividades que mais empregam mulheres não se encaixam nesses setores. Embora não se possa afirmar que estes últimos não tenham nenhuma ligação com o capitalismo, pode-se, sim, asseverar que tais atividades, cuja absorção da força de trabalho feminina é expressiva, não foram organizadas em moldes capitalistas, ou seja, segundo os requisitos do MPC. (SAFFIOTI, 2011b, p. 153).

Portanto, se o afastamento das mulheres do mundo do trabalho capitalista é uma constante histórica, é também um caráter constante a luta das mulheres contra a sua exclusão do mundo do trabalho, bem como do mundo dos saberes.

A mulher em uma sociedade repleta de mitos

Os mitos sobre a mulher, como os mitos sobre o negro, por diferentes que possam ser, do ponto de vista de seus conteúdos, e, principalmente, de suas legitimações, desempenham a mesma função essencial: visam a eliminar possíveis competidores, sobretudo nas áreas de atividades mais valorizadas socialmente. Neste sentido, pois, a mística feminina constitui verdadeiro requisito funcional da sociedade de classes (SAFFIOTI, 2013, p. 415).

Ainda que em seu livro Saffioti analise a condição feminina dentro da perspectiva de classe, ela demonstra ao longo de boa parte do livro que a sexualidade constitui um campo no qual as relações de poder se manifestam de maneira contundente - e este é um diferencial fundamental em seu estudo: vislumbrar as múltiplas formas pelas quais o poder desenha as relações sociais entre os sexos.

Desse modo, ela questiona o caráter anacrônico dos discursos científicos e religiosos diante das práticas concretas das mulheres. No que se refere à sexualidade, por exemplo, chama a atenção para o papel das instituições no controle dos corpos femininos. Nesse sentido, a definição do sexo como parte inseparável da vida conjugal o regulamentava, ainda que não o proibisse.

A igreja Católica nunca deixou de ver a sexualidade como algo sujo e indigno, exceto quando submissa à única finalidade que ela reconhece no matrimônio: a procriação. “Mas nenhuma razão, diz Pio XI, sem dúvida embora gravíssima, pode tornar conforme com a natureza e honesto aquilo que intrinsecamente é contra a natureza. Sendo o ato conjugal, por sua própria natureza, destinado à geração da prole, aqueles que, exercendo-o, deliberadamente o destituem da sua força e da sua eficácia natural, procedem contra a natureza e praticam um ato torpe e intrinsecamente desonesto”. Ainda na Casti Connubii, Pio XI condena o controle da natalidade mesmo que haja indicação terapêutica e até como medida eugênica (SAFFIOTI, 2013, p. 48).

Para Saffioti, o conhecimento científico também produz a mística feminina, termo que ficou mundialmente conhecido a partir do pensamento de Friedan, mas que, com Saffioti, ganha conotação diferente, porque discorda da ausência do conceito de classe na autora americana:

Não se pode, entretanto, emprestar generalidade a este fato; a mística feminina não atinge a todas as camadas sociais nem as atinge no mesmo grau de intensidade e do mesmo modo. Grande contingente de mulheres mais intelectualizadas escapam a seus efeitos; numerosas assalariadas rompem, na prática, as recomendações da mística, impelidas que são pela necessidade econômica. Como ter um emprego não significa apenas perceber um salário, mas engajar-se numa situação de mercado, onde bens e serviços são oferecidos mais ou menos livremente, a mulher moderna, consciente ou inconscientemente, mas sempre através de sua atuação na vida cotidiana, está pondo em xeque a mística feminina e minando-lhe as possibilidades de persistência. Vez por outra, todavia, este conjunto de ideias falsas recebe vigorosas doses de reforço que lhe garantem a sobrevivência e, consequentemente, a persistência da própria ordem competitiva (SAFFIOTI, 2013, p. 414).

Saffioti tece uma crítica importante à psicanálise freudiana, que, em sua visão, tentou compreender as diferenciações entre os sexos a partir da biologia e da anatomia, o que levava a uma forma de ajustamento das mulheres ao modelo desejável de comportamento:

Neste sentido, a Psicanálise freudiana, fornecendo à mística feminina conteúdos e mecanismos que visavam a confinar a mulher ao lar, não desempenhou funções integradoras somente, mas ainda funções altamente desintegradoras. […] Na realidade, portanto, a mística feminina, enquanto nutrida pela Psicanálise ortodoxa, não representou solução adequada para a manipulação de problemas cujas consequências podem ser vistas em vários níveis (SAFFIOTI, 2013, p. 431).

Seu posicionamento em relação à sexualidade feminina estava inspirado na tentativa de compreender quais eram os mitos que, com o auxílio das instituições tradicionais, fechavam as condutas sexuais a um conjunto de leis que atendiam a moralidade da época. Porém, a libertação sexual não seria o único desafio a ser vencido, mas seu lugar no mundo do trabalho seria, para ela, fundamental no processo de emancipação. Sua condição de sujeito ativo só seria alcançada se passassem a ocupar novos espaços no mundo do trabalho.

Saffioti realiza, ao longo do livro, uma profunda análise da naturalização da divisão sexual do trabalho, já que para ela havia um vínculo entre o papel feminino, no mundo privado, e aquele que assumia na vida pública: “as funções que a mulher desempenha na família (sexualidade, reprodução e socialização dos filhos) se vinculam quer à sua condição de trabalhadora, quer à sua condição de inativa.” (SAFFIOTI, 2013, p. 53). Ou seja, a mulher não deixa de carregar o estereótipo que influencia suas oportunidades profissionais e salariais, entre outras circunstâncias.

Fatores de ordem natural tal como sexo e etnia, operam como válvulas de escape no sentido de um aliviamento simulado de tensões sociais geradas pelo modo de produção; no sentido, ainda, de desviar da estrutura de classes a atenção dos membros da sociedade, centrando-se nas características físicas que, involuntariamente, certas categorias sociais possuem (SAFFIOTI, 2013, p. 67).

É preciso ressaltar que, ao tornar central a questão do sexo como operador da organização de produção, Saffioti se distingue substancialmente das análises marxistas, que consideram a classe social o fator principal e estruturante da sociedade capitalista. A complexidade da questão das mulheres leva Saffioti a entender que a desmistificação de sua situação no mundo do trabalho era uma tarefa para ser resolvida também pelos homens:

Neste contexto ganha nova dimensão a asserção de Simone de Beauvoir de que ‘o problema da mulher sempre foi um problema dos homens’. Como um dos agentes do processo de mistificação da mulher, o homem, tanto o burguês quanto o proletário e, sobretudo, o pertencente aos estratos sociais médios prestam colossal auxílio à classe dominante e mistifica-se a si mesmo (SAFFIOTI, 2013, p. 41).

Considerações finais

Em 2008, em uma de suas últimas entrevistas, Heleieth diz que sua compreensão do materialismo histórico havia avançado: “encontrei, em leituras que eu fiz dos textos de Marx, apoio para não hierarquizar classe, sexismo e racismo. Descobri que o racismo e o sexismo são irmãos gêmeos” (SAFFIOTI, 2010, p. 289). Em várias ocasiões nesse período disse que continuava fiel ao seu livro:

Por outro lado, escreveria de outra maneira. Naquela época, era obrigatório usar uma linguagem hermética, que só era compreendida por iniciados. Hoje, eu o redigiria em linguagem simples, a fim de tornar o livro accessível a um segmento muito maior da população. Que ele fosse compreendido, pelo menos, por todas as mulheres. (SAFFIOTI, 2011b, p. 153).

Durante todo o tempo em que convivi com ela e fui sua aluna, ouvi Heleieth dizer inúmeras vezes que não é possível separar o pensamento da prática: deve haver sempre adequação entre o pensar e o fazer. Essa adequação entre o pensar e o fazer está explícita na epígrafe deste texto. O trabalho doméstico, penoso e desagradável, cobra da ciência, da física, uma instrumentalidade que suavize e que, ao mesmo tempo, possibilite a contemplação do espaço sideral.

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1De acordo com o currículo Lattes de Saffioti, ao todo foram 11 livros publicados e/ou organizados, 60 artigos, 45 capítulos de livros, 17 textos veiculados em jornais/revistas, 3 trabalhos apresentados em Anais de Congresso e 8 produções bibliográficas.

2Compôs a indicação coletiva de 1000 Mulheres para o Prêmio Nobel da Paz, realizada pela organização suíça Mulheres pela Paz ao Redor do Mundo, pelo reconhecimento do papel de mulheres que contribuíram para a construção de um mundo em paz. Entre as 1000 mulheres estavam 51 brasileiras.

3É preciso ressaltar que, para Saffioti, a comparação entre os dois tipos de feminismo “não é totalmente válida, porquanto o socialismo não atingiu ainda sua maturidade” (SAFIOTTI, 2013, p. 195).

4Em sua obra O poder do macho, publicada em 1987, a autora adensou a problemática da imbricação das relações de gênero, raça e classe ao desenvolver o debate sobre “patriarcado-racismo-capitalismo”, teoria apresentada nesse livro e chamada de “nó” pela autora, por conceber uma ideia de um sistema de dominação-exploração no qual essas três concepções se imbricam, sem hierarquia entre elas.

5Como citar este artigo de acordo com as normas da revista: GARCIA, Carla Cristina. “Notas sobre A mulher na sociedade de classes”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 1, e76731, 2021.

6Financiamento: Não se aplica

7Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

8Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 26 de Agosto de 2020; Aceito: 01 de Outubro de 2020

cgarcia@pucsp.br

Carla Cristina Garcia (cgarcia@pucsp.br) é mestre e doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo com pós-doutorado pelo Instituto José Maria Mora (México, DF). É professora da PUC/SP no Departamento de História e no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social e autora de diversos livros.

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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