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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.29 no.2 Florianópolis maio/ago 2021  Epub 20-Maio-2021

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n279307 

Seção Temática Gênero, tecnologias e (novas) formas de subjetivação nas práticas esportivas

Da masculinidade hegemônica à masculinidade queer/cuir/kuir: disputas no esporte

From Hegemonic Masculinity to Queer/Cuir/Kuir Masculinity: Disputes in Sport

De la masculinidad hegemónica a la masculinidad queer/cuir/kuir: disputas en el deporte

Leandro Teofilo de Brito1 
http://orcid.org/0000-0002-9123-5280

1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 21941-599 - gabinete.direcao@gmail.com


Resumo:

Este ensaio discute as disputas sociais de sentidos sobre a masculinidade no esporte brasileiro, problematizando questões contemporâneas que tensionaram os significados do masculino nesse contexto. Para subsidiar a discussão, é realizada uma crítica pós-fundacional à noção de masculinidade hegemônica de Raewyn Connell, com base nos estudos de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, e recorrendo às perspectivas pós-estruturalistas por Jacques Derrida e Judith Butler, além de incorporar a crítica decolonial às teorias do Norte Global, propondo o construto teórico masculinidade queer/cuir/kuir para interpretação de significações do masculino no contexto contemporâneo do esporte brasileiro.

Palavras-chave: esporte; masculinidade; queer/cuir/kuir

Abstract:

This essay discusses the social disputes of meanings about masculinity in Brazilian sport, discussing contemporary issues that have tensioned the meanings of the masculine in this context. To support this discussion, a post-foundational critique of Raewyn Connell's notion of hegemonic masculinity is carried out, based on the studies of Ernesto Laclau and Chantal Mouffe, and resorting to the post-structuralist perspectives by Jacques Derrida and Judith Butler, in addition to incorporating the decolonial criticism of the theories of the Global North, proposing the theoretical construct of queer/cuir/kuir masculinity to interpret meanings of the masculine in the contemporary context of Brazilian Sport.

Keywords: Sport; Masculinity; Queer/Cuir/Kuir

Resumen:

Este ensayo analiza las disputas sociales sobre los significados sobre la masculinidad en el deporte brasileño, discutiendo temas contemporáneos que han tensado los significados de lo masculino en este contexto. Para apoyar esta discusión, es realizada una crítica posfundacional de la noción de masculinidad hegemónica de Raewyn Connell, basada en los estudios de Ernesto Laclau y Chantal Mouffe, y recurriendo a las perspectivas postestructuralistas de Jacques Derrida y Judith Butler, además de incorporar las crítica decolonial de las teorías del Norte Global, proponiendo el constructo teórico de la masculinidad queer/cuir/kuir para interpretar los significados de lo masculino en el contexto contemporáneo del deporte brasileño.

Palabras clave: deporte; masculinidad; queer/cuir/kuir

Introdução

Queria crer na multiplicidade de vozes sexualmente marcadas, neste número indeterminável de vozes entrelaçadas, neste móbil de marcas sexuais não identificadas cuja coreografia pode arrastar o corpo de cada “indivíduo”, atravessá-lo, dividi-lo, multiplicá-lo, quer seja ele classificado como “homem” ou “mulher”. (Jacques DERRIDA, 2019, p. 9).

As demandas sociais contemporâneas têm colocado em xeque as diversas formas de opressão que historicamente se fizeram presentes de forma naturalizada nas sociedades ocidentais, entre as quais pode-se elencar, além da tradicional opressão de classe, o racismo, o (cis)sexismo e a LGBTIfobia. Nesse contexto, uma identidade que se destaca entre os/as protagonistas desses processos de segregação social está o homem branco, de classe média, heterossexual e cisgênero.

Vivemos atualmente a contestação da chamada masculinidade tóxica, uma forma muito tradicional de ‘ser homem’, recorrentemente imposta na formação de meninos e jovens e que hoje, mais do que nunca, sabe-se que gera violência e desordem emocional tanto para mulheres como para os próprios homens (Susana de CASTRO, 2018). Faz-se aqui uma analogia com o filósofo Paul B. Preciado (2018) que, em sua experiência de ingestão de testosterona fora de um protocolo médico, reconhece-se submetido a uma ‘autointoxicação’ que o direciona a uma cadeia de significantes que toma a masculinidade como ficção política e produzida socialmente por preceitos de um poder patriarcal soberano. Desse modo, a masculinidade tóxica se mostra maléfica para homens hetero, homo, cis, trans, pretos, pardos, brancos, deficientes, jovens, idosos e de diferentes classes sociais, entre inúmeras outras identificações possíveis.

Nessa discussão sobre a masculinidade tóxica, o campo do esporte ganha centralidade, pois este é um espaço-tempo que, historicamente, construiu seus sentidos pela legitimação de virilidade, força, agressividade, vigor, coragem e distância de qualquer aspecto do que se reconhece como feminino. Assim, o esporte como reserva e domínio masculino contribuiu para a manutenção e funcionamento das estruturas patriarcais, uma vez que distorceu fortemente as relações de poder a favor dos homens (Eric DUNNING, 2014), sustentando formas mais extremadas de uma identidade masculinista.

Todavia, o esporte também é suscetível a mudanças e, na contemporaneidade, passa a ser afetado pelas demandas que emergem contingencialmente na sociedade, uma vez que sentidos de masculinidade alternativos entre seus praticantes são cada vez mais presentes nos contextos esportivos. Como exemplo dessa afirmação, o antropólogo Wagner Xavier de Camargo (2018) destaca que o ‘armário’ da sexualidade no mundo esportivo, sobretudo entre homens atletas, com regulações, rupturas, avanços e recuos, vem sendo paulatinamente aberto e a possibilidade de visibilidade de sexualidades dissidentes estão postas como novos paradigmas no contexto contemporâneo do esporte. Concordando com o autor e complementando sua colocação, afirmo que identificações inumeráveis1 do masculino, interseccionadas não apenas à orientação sexual, mas também à raça, classe, geração, deficiência, entre outras, vêm buscando com força afirmação e visibilidade no atual espaço das práticas esportivas vivenciadas por sujeitos que se identificam como homens.

Considerando tais afirmações, discuto neste ensaio disputas sociais de sentidos sobre a masculinidade no contexto do esporte brasileiro, problematizando questões contemporâneas que tensionaram os significados do masculino nesse contexto. Para subsidiar a discussão, realizo uma crítica pós-fundacional à noção de masculinidade hegemônica de Raewyn Connell, com base nos estudos de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe, e recorro às perspectivas pós-estruturalistas por Jacques Derrida e Judith Butler, além de incorporar uma discussão sobre a crítica decolonial às teorias do Norte Global, propondo o construto teórico masculinidade queer/cuir/kuir para interpretação de significações do masculino no contexto contemporâneo do esporte brasileiro.

A hegemonia do masculino em disputa

Inicio a escrita deste texto levando-me por um movimento derridiano nomeado “rastros”, uma aposta na impossibilidade de existência de um conceito original, reconhecendo que aquilo que está sendo significado passa a ser então o próprio rastro de rastros anteriores de sentidos, pois “não existe, em toda parte, a não ser diferenças e rastros de rastros” (DERRIDA, 2001, p. 32). Os rastros dizem respeito a sentidos que se constituem ao carregar vestígios de sentidos anteriores e que se situam num jogo infinito de repetições/deslocamentos na produção de novas significações.

A cientista social australiana Raewyn Connell (2003) buscou ir além da teoria dos papéis sexuais, muito discutida entre os anos de 1950 e 1970 e que secundarizavam as questões de poder existentes no contexto das relações entre homens e mulheres, para nomear como masculinidade hegemônica a dinâmica cultural por meio da qual parte dos homens exige e mantém uma posição de liderança nas sociedades ocidentais, graças à legitimação do patriarcado, à submissão das mulheres e, sobretudo, à hierarquização de masculinidades tidas como subalternas.

Apoiando-se na noção de hegemonia de Antonio Gramsci, Connell (2003) afirma que grupos de homens lutam por uma posição dominante, por meio da definição social da masculinidade, buscando assim obter vantagens materiais e psicológicas na ordem estrutural da hierarquia das relações de gênero. A teórica australiana considera a relação historicamente móvel entre as classes sociais na noção de hegemonia para fazer esse paralelo em sua abordagem sobre a masculinidade. A hegemonia das classes dominantes acontece, segundo Gramsci (1982), num primeiro momento, por consenso espontâneo, seja pela força (o que se define como domínio), seja pela direção, que se desenvolve pela organização desse consenso social, que também é ideológico. Dadas a complexidade e a abrangência da teoria da hegemonia em Gramsci, opto por destacar apenas esse aspecto de suas obras, que corresponde, em síntese, à fundamentação da proposição da hierarquia de masculinidades na formulação da teorização de Raewyn Connell.

Ao articular a masculinidade com o campo do esporte, a autora destaca que esta é uma prática social segregada pelo gênero e dominada por homens heterossexuais que alia tanto um local de camaradagem masculina, uma espécie de fonte de construção da identidade para os homens, como uma arena de competição na qual os mais fortes e mais aptos gozam de algum prestígio nos contextos sociais (CONNELL, 2000). O sucesso nos esportes, para a socióloga australiana, é quase tão importante para os homens quanto o exercício da sexualidade. Em suas palavras: “De fato, práticas corporais, como o encontro sexual e o esporte organizado, se tornam meios importantes de diferenciação entre meninos e jovens e espaços de produção das masculinidades hegemônicas e subordinadas” (CONNELL, 2016, p. 144).

O futebol no Brasil é, certamente, o esporte que mais se aproxima dos sentidos afirmados pela teorização da masculinidade hegemônica. Os cânticos e xingamentos misóginos, homofóbicos, elitistas e racistas entre as torcidas (Gustavo BANDEIRA, 2019), majoritariamente compostas por homens, são um dos aspectos centrais dessa afirmação, assim como a violência física entre estas nos estádios. Também destaco os recorrentes posicionamentos preconceituosos de seus atletas e até mesmo de dirigentes em relação à homossexualidade (CAMARGO, 2020a). O caso do jogador Richarlyson Barbosa Felisbino, atualmente jogador do Guarani F. C., de Campinas, é emblemático nesse contexto, uma vez que, desde 2005, especulações sobre sua suposta orientação não heterossexual são levantadas por torcedores, dirigentes e pela mídia (CAMARGO, 2018). Ser homem no contexto brasileiro do futebol reitera a exigência de enquadramento numa masculinidade heterossexual e cisgênera, e tal espaço coloca-se, frequentemente, como hostil à presença de manifestações da diferença nesse ambiente.

Tecendo reflexões sobre esses pontos, Bandeira (2019) postula que os significados do masculino produzidos nos estádios de futebol legitimam-se, reiteradamente, pela afirmação da masculinidade hegemônica como a principal representação no contexto do futebol, limitando quaisquer outras possibilidades de vivência do gênero para os homens. O autor aponta o esporte como uma das instituições mais generificadas e androcêntricas da nossa cultura e complementa: “A masculinidade é constantemente ‘solicitada’ na cultura do futebol, o que acaba reforçando esse espaço como local privilegiado de comportamentos que remetam a um tipo de masculinidade específica” (BANDEIRA, 2019, p. 115).

O esporte no Brasil, de maneira geral, pode ser considerado uma instituição falogocêntrica. A noção derridiana nomeada como falogocentrismo articula as unidades do logocentrismo - elemento básico sobre o qual se construiu o pensamento ocidental centrado em uma suposição metafísica da superioridade do logos platônico, isto é, da razão - e falocentrismo, termo proposto pelo psicanalista Jacques Lacan para designar o simbolismo greco-freudiano e o privilégio do Phallus (representação do pênis) como libido (energia sexual) de essência masculina (DERRIDA; Elisabeth ROUDINESCO, 2004). Derrida (2004, p. 349) destaca ainda que “importa reconhecer o poderoso fundamento falogocêntrico que condiciona quase toda nossa herança cultural”. Nesse sentido, as estruturas sociais, interpretadas pelo filósofo como falogocêntricas, consideram o significante masculino como ponto de referência e centro da racionalidade que se sustentam pela ideologia patriarcal e sexista de exclusão do feminino, enfatizando o poder hierárquico do sujeito masculino falante, presente, senhor de sua própria razão e que tem o poder de dizer o que é o mundo (Carla RODRIGUES, 2015).

Derrida (1989) também menciona que o falogocentrismo pode englobar opressões que vão além de questões sobre as mulheres e o feminino, e ao ser alvo da crítica feminista dentro de uma radicalidade maior, permite um olhar mais atento e minucioso para outras formas de opressões, como a homofobia. O domínio do masculino nas estruturas tradicionais do pensamento se processa por meio da presença, autoridade e verdade advindas da racionalidade discursiva masculina em negação aos sentidos que se aproximam do feminino e, nesse contexto, facilmente pode-se aproximar a homossexualidade dessa intepretação. Para Derrida (1989), valores como cultura, literatura, política e artes são atravessados pelas estruturas falogocêntricas e, nesse contexto, incluo também o esporte.

Contudo, a dominância da masculinidade hegemônica no contexto futebolístico e sua interpretação como uma das principais modalidades que estruturam as instituições esportivas como falogocêntricas não se materializa sem resistência. O surgimento das torcidas LGBTI+, também nomeadas por torcidas livre e/ou queer (Mauricio Rodrigues PINTO, 2014), além das torcidas femininas organizadas (Carolina Farias MORAES; Aira Fernandes BONFIM, 2016) dão significado a manifestações da diferença que vem ocupando o espaço do futebol, pela inserção de torcedoras/es mulheres e LGBTI+ como uma forma de aliança de grupos excluídos que contestam tal dominância masculinista. Como coloca Rodrigues (2015), o discurso falogocêntrico do homem, branco, europeu, heterossexual e senhor de sua própria razão desconsidera mulheres, negros/as, crianças, animais, orientais, e todos/as aqueles/as que são subalternizados na categoria de outro. Desse modo, pensar a subalternidade como fundamento contingente e a formação de alianças entre grupos excluídos (RODRIGUES, 2015), tais como a união das torcidas livres/queer e as organizadas femininas no futebol, a meu ver, parece ser um caminho político potente, já em andamento, de descentramento do poder da masculinidade hegemônica no contexto futebolístico.

Além disso, nessa mesma direção, os movimentos antifascistas também ganham visibilidade entre as torcidas organizadas, fortalecendo princípios democráticos de popularização das arquibancadas e de paz entre as torcidas. Recentemente, os movimentos antifascistas das torcidas organizadas - em sua maior parte composta por homens - protagonizaram manifestações em várias partes do país em apoio à democracia e contrários à expansão da extrema-direita. Túlio Velho Barreto (2020) aponta que as tradicionais torcidas organizadas não são homogêneas e que esses segmentos antifascistas, presentes no interior dessas torcidas e envolvidos nos recentes protestos e manifestações pela democracia, ou seja, setores mais politizados das torcidas organizadas, não são iniciativas recentes. Em alguma medida, essa masculinidade produzida pelas torcidas antifascistas pode ser compreendia num processo de ressignificação frente à masculinidade hegemônica.

Entre os jogadores de futebol, Igor Julião, lateral-direito do Fluminense, vem se consolidando como uma voz de resistência, colocando-se contrário à homofobia naturalizada no futebol brasileiro, além de posicionamentos políticos mais progressistas sobre diversos temas (Luiza SÁ, 2018). O jogador diferencia-se e destaca-se entre homens atletas de futebol no que diz respeito às lutas políticas contra as opressões. Assim, também concordo com Bandeira (2019, p. 99) ao afirmar que, ainda que a masculinidade hegemônica seja a forma mais legitimada de “ser homem” no futebol, também “não é possível entender que o futebol ou as torcidas nos estádios produzam ou veiculem um único modelo de masculinidade”.

Outro deslocamento importante da masculinidade no contexto mais amplo do futebol vem de seus praticantes. Equipes amadoras compostas por homens que não se identificam como heterossexuais vem sendo criadas em diferentes partes do país, possibilitando não apenas a prática do futebol por sujeitos tidos como dissidentes, como também a realização de campeonatos específicos para tais equipes. A LiGay Nacional de Futebol (LGNF) foi criada em 2017, inicialmente com oito equipes amadoras; em novembro de 2019 ocorreu a quinta edição da Champions LiGay, em Belo Horizonte, com a participação de 25 equipes. Além disso, a LGNF possui 28 equipes registradas no país disputando campeonatos nacionais e regionais amadores, com um total de 60 clubes cadastrados (Leonardo BARRETO, 2020).

Para Diego Santos Vieira de Jesus (2018), a criação da LGNF contribuiu para a desestabilização de concepções excludentes em torno do futebol, como um espaço quase que exclusivo de atuação de homens heterossexuais e motivou laços de solidariedade e identificação entre sujeitos que compartilham experiências de opressão e discriminação. Já a Champions LiGay foi modelada a partir de eventos internacionais que reúnem atletas LGBTI+, como os OutGames e os World Gay Games, dando maior visibilidade a homens não heterossexuais que praticam futebol e gostam do esporte. Todavia, Jesus (2018, p. 332) não nega que esses sujeitos que participam da Champions LiGay também possam se aproximar dos sentidos afirmados pela masculinidade hegemônica, tendo em vista que eles podem incorporar “elementos estéticos e valorativos que sinalizam a centralidade da masculinidade hegemônica associada a um estereótipo ideal do atleta, como o perfil de corpo másculo e viril e o ethos guerreiro durante as competições.” Nesse contexto, não há como negar que, embora a criação da LGNF trabalhe na ressignificação do ambiente do futebol, a proximidade da masculinidade hegemônica com a cisgeneridade ainda é predominante nesse espaço.

Entretanto, a recente presença de homens trans praticantes de futebol também recria novos sentidos. As equipes Meninos Bom de Bola, de São Paulo, a BigTBoys F. C., do Rio de Janeiro, entre outras que emergem em diferentes localidades do país (CAMARGO, 2020b), além da visibilização pública do jogador Marcelo Nascimento Leandro, ex-atleta de futsal e futebol feminino de campo, hoje se reconhecendo como homem (PINTO, 2020), colocam em xeque o regime cis-heteronormativo do esporte. A noção de heteronormatividade diz respeito à normatização da ordem social, por um conjunto de dispositivos de controle - discursos, valores e práticas - que se apoia no pressuposto de que a heterossexualidade é o único modelo de orientação sexual possível de ser incorporado pelos sujeitos, assim como na imposição de padrões de comportamentos atrelados ao binarismo de gênero (Michael WARNER, 1991). Amplia-se seu sentido com uso do prefixo cis, referente à identificação cisgênero, visibilizando sujeitos que não se identificam como heterossexuais e que produzem masculinidades e feminilidades em desconformidade com a identificação de gênero atribuída no momento do nascimento. A cis-heteronormatividade diz respeito às normas político-sociais que impõem práticas e códigos cisgêneros e heterossexuais a todas as pessoas (Juliana JARDIM, 2020). O termo permite maior complexidade de interpretação para a presença de homens trans no espaço do futebol, como mais uma categoria de ruptura das regulações sociais impostas e regidas pela masculinidade hegemônica, ainda que a visibilidade desses sujeitos não seja tão marcante em representatividade dentro do mundo futebolístico, até mesmo no contexto esportivo LGBTI+ (CAMARGO, 2020b).

Luiz Henrique Toledo e Wagner Camargo (2018, p. 96) problematizam a enunciação “futebóis dissonantes” como crítica aos binarismos impostos no contexto competitivo e profissional do futebol e a uma masculinidade que, naturalizada e monolítica, hegemonizou-se nesse espaço negando a existência da diferença, mas que hoje é tensionada por ela. É com base nessas proposições que questiono tal poder da masculinidade hegemônica no contexto mais amplo do futebol praticado por homens no Brasil. A força da masculinidade hegemônica, pelos elementos apresentados, parece perder seu vigor pelas demandas que emergem e disputam sentidos sobre o masculino na contemporaneidade do futebol brasileiro.

Cabe afirmar que a teorização da masculinidade hegemônica sofreu duras críticas ao longo dos anos de desenvolvimento de sua apropriação nas pesquisas em âmbito internacional e foi revisitada com o intuito de repensar algumas posições (CONNELL; James MESSERSCHMIDT, 2013). Um pesquisador brasileiro que teceu críticas à noção de masculinidade hegemônica foi Fabrício Mendes Fialho, no artigo intitulado “Uma crítica ao conceito de masculinidade hegemônica”, publicado em 2006. A síntese da crítica do autor reside na problemática da incorporação do conceito de hegemonia para discussão específica das questões de gênero e masculinidades, pois a noção de hegemonia articulada à masculinidade levaria em consideração que grupos subalternizados - mulheres e masculinidades inferiorizadas na estrutura hierárquica das relações de gênero - buscariam tornar-se dominantes (hegemônicos), invertendo a relação, já que esse ponto está indissoluvelmente ligado à teorização da hegemonia gramsciana. Além disso, o autor aponta como um problema teórico para os estudos de gênero a relação dicotômica afirmada por Raewyn Connell entre os modelos de masculinidades, criando assim um novo binarismo: “Entretanto, nos parece que o modelo de Connell pode ser reduzido, para certos efeitos e sem grandes perdas, a um modelo binário, em que teríamos masculinidades hegemônicas e não hegemônicas” (FIALHO, 2006, p. 4).

Ampliando as críticas de Fialho (2006), trago para esta discussão o pensamento pós-fundacional de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. O autor e a autora vinculam-se às perspectivas pós-estruturalistas, sobretudo às noções derridianas que contemplam a contingência, a precariedade, a indeterminação e o paradoxo como dimensões ontológicas do social (Daniel de MENDONÇA; Léo Peixoto RODRIGUES, 2014), para uma releitura da noção gramsciana de hegemonia e assim defender que “a hegemonia supõe o caráter aberto e incompleto do social” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 213). Nessa perspectiva, assumem em suas análises que uma superfície discursiva ao conceito de hegemonia possibilita um conjunto de transformações frente ao racionalismo estrutural do marxismo clássico, que apresentava a história e a sociedade como totalidades inteligíveis constituídas em leis conceitualmente explicáveis e fixas, permitindo nessa nova leitura “uma operação complementar e contingente, exigida em razão de desequilíbrios conjunturais no interior de um paradigma evolucionista cuja validade essencial ou ‘morfológica’ não era, nem por um momento, posta em questão” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 53).

Retomando as proposições de Raewyn Connell sobre a masculinidade hegemônica, a autora, mesmo após a revisitação do conceito, defende em sua abordagem que a totalidade de estruturas como as do Estado, da economia e do trabalho se mostram importantes e produtivas nas discussões sobre a masculinidade, e ela então se posiciona contrariamente às perspectivas pós-estruturalistas. Nesse contexto, Connell e Rebecca Pearse (2015, p. 178) defendem a posição de que os estudos de gênero pós-estruturalistas apresentam limites nas abordagens que enfatizam a linguagem como um aspecto de mudança social: “enxergar as mudanças nas relações de gênero como resultado de uma instabilidade generalizada não é muito convincente”. Também afirmam que o gênero pode ser modificável ou ter o sentido de transitoriedade, mas não pela linguagem, pelo simbólico e/ou apenas pela cultura, mas sim, efetivamente, pelo seu reconhecimento em estruturas sociais que, ao longo do tempo, podem desenvolver tendências de crise e forçar tais estruturas a mudanças.

Discordando dessas posições epistemológicas assumidas por Raewyn Connell e apostando na potencialidade das perspectivas pós-estruturalistas, apoio-me em Laclau e Mouffe (2015) no argumento de que, ao trazer o sentido de hegemonia para a Teoria do Discurso, a contestação de um paradigma essencialista é central e torna-se da maior importância para a elaboração de uma concepção do social que possibilite uma leitura mais complexa da contemporaneidade. Por esse caminho, o autor e a autora não desconsideram o caráter material para pensar as categorias sociais pelo discurso, conforme apontou Raewyn Connell em suas críticas aos estudos pós-estruturalistas. Laclau e Mouffe (2015) postulam que a materialidade do discurso é importante, mas não pode ser restrita à experiência ou à consciência de um sujeito fundante, pois diversas posições de sujeitos aparecem dispersas numa formação discursiva, além de que as articulações linguísticas, como fixação/deslocamento de um sistema de diferenças, devem “atravessar toda a densidade material da multiplicidade de instituições, rituais e práticas através das quais uma formação discursiva é estruturada” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 182-183).

Nessa perspectiva, a hegemonia é um processo contingente e precário, no qual um particular assume temporariamente a representação de uma totalidade ou um determinado sentido de verdade. A realidade social é tida como um campo discursivo em que o social consiste no jogo infinito das diferenças, ou seja, é um espaço no qual as identidades lutam agonicamente para conseguir se estabelecer. Quando uma dessas identificações consegue fixar-se, emergem outras articulações discursivas que a desestabiliza, num jogo de infinitas disputas antagônicas que constituem o social (LACLAU; MOUFFE, 2015). Pensando a masculinidade nessa proposição discursiva de hegemonia, um sentido do masculino para se hegemonizar necessitaria, de forma precária e contingente, representar sentidos antagônicos a partir de relações de diferença e equivalência, buscando que uma particularidade entre esses sentidos da masculinidade assumisse uma representação de universalidade tida como incomensurável. Tal representação de universalidade seria provisória e reversível, pois participaria desse jogo de disputas, que para Laclau e Mouffe (2015) é infindável na ordem social.

Nesse jogo de disputas, os autores propõem pensar a relação hegemônica, em termos derridianos, como indecidível: “o campo que havia sido previamente visto como governado pela determinação estrutural é permeado por indecidíveis, pode-se ver a hegemonia como uma teoria da decisão tomada num terreno indecidível” (LACLAU; MOUFFE, 2015, p. 38). Jacques Derrida chama de indecidíveis2 sentidos que jamais se estabilizam e que não podem ser compreendidos numa oposição binária - nem/nem - que, entretanto, também a habitam, mas opondo-lhe resistência e desorganizando-a (DERRIDA, 2001).

Desse modo, também reconheço a produtividade de se pensar a masculinidade como um indecidível, e, nessa discussão que proponho sobre as disputas de sentidos do masculino na focalização do futebol, a teorização de Raewyn Connell apresenta limites, sobretudo quando não considera os inumeráveis e incontroláveis processos de identificação da masculinidade que emergem contingencialmente e de maneira imprevisível no social. A masculinidade como um indecidível permite que se atribua um viés antiessencialista a seus sentidos, um movimento de deslocamento permanente, que não estabelece um lugar único e fixo para o masculino. Um deslizamento radical das solidificações e sedimentações de sentidos sobre a masculinidade. Desse modo, mergulhando na radicalidade das perspectivas pós-estruturalistas, proponho um horizonte a ser alcançado para o reconhecimento da masculinidade por um viés alteritário,3 ainda que concebido num contexto de disputas e que o campo mais amplo do esporte parece se mostrar potencialmente aberto na contemporaneidade.

Um horizonte queer/cuir/kuir para a masculinidade

Destacando-se nas disputas travadas sobre a masculinidade no esporte, homens atletas de outras modalidades no Brasil vêm protagonizando importantes rupturas que contribuem para um movimento de desestruturação das instituições esportivas como falogocêntricas. A participação dos homens no nado artístico, modalidade que já foi nomeada de balé aquático e mais recentemente na história do esporte como nado sincronizado, pode ser considerada um deslocamento importante nesta discussão.

Restrito à participação específica de mulheres, desde sua entrada no programa olímpico oficial (Jogos de Los Angeles, em 1984), o nado artístico teve suas regras revistas em 2014 pela Federação Internacional de Natação (FINA), para que no campeonato mundial de Kazan em 2015 ocorresse a participação de homens nas provas que contemplam duetos mistos (William KREMER, 2015). Ainda não há participação dos duetos mistos nos jogos olímpicos (apenas nos campeonatos continentais e mundiais), mas a discussão está aberta pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) para os Jogos Olímpicos de 2024, que preveem sua realização em Paris, diferentemente das provas em equipes, cuja inserção chegou a ser também cogitada em campeonatos continentais, mundiais e olimpíadas, mas que acabou, pelo menos momentaneamente, perdendo força na FINA e no COI. Ainda há um número restrito de homens atletas vinculados à modalidade no Brasil, embora os mundiais de 2015, 2017 e 2019 tenham tido representantes brasileiros nos duetos mistos. O campeonato carioca de nado artístico de 2018 também apresentou o primeiro conjunto composto por homens da América do Sul competindo entre as mulheres (Alexandre PUSSIELDI, 2018).

Esse número restrito de homens praticantes do nado artístico pode ser significado pelas normatizações que constituíram historicamente o esporte e que, em alguma medida, continuam a produzir efeitos regulatórios. Homens cujos corpos se produzem em práticas esportivas que não se legitimam como masculinas e cujas valências físicas desenvolvidas não dão significados a aspectos viris possivelmente serão tidos nos espaços esportivos como dissidentes. Todavia, Georges Vigarello (2013, p. 285) aponta que na contemporaneidade os modelos físicos se misturam com a multiplicidade das práticas e modalidades, distanciando-se da univocidade dos estereótipos que forjaram a masculinidade na história do esporte: “Os perfis de esportistas perdem-se na variedade, o que impõe a presença do singular. As posturas valorizadas, quaisquer que sejam, alongam-se, tornam-se mais leves, afinam-se em relação aos velhos modelos de força bruta.”

É inegável reconhecer que, nesse contexto de disputas, os corpos se constituem pela linguagem. Para a teórica e filósofa feminista Judith Butler, a produção dos corpos se dá pelos processos discursivos reiterados forçosamente e com o intuito de materializá-los por normas regulatórias. Entretanto, o sentido dessa reiteração da linguagem aponta para a insuficiência de materialização desses corpos, que nunca cumprem completamente as normas impostas por tais processos (BUTLER, 2019). É nessa discussão, que Judith Butler e, anteriormente, Jacques Derrida realizaram leitura desconstrutora da teoria dos atos de fala do também filósofo John Austin. Nessas leituras, Derrida (1991) e Butler (2009) postulam que os atos de fala têm o poder de produzir efeitos de realidade pela repetição dos enunciados linguísticos, que participam da criação dos diversos sentidos que circulam socialmente. Em acordo com o autor e a autora, a linguagem como texto falado e escrito é performativa, pois “nos permite fazer algo através da própria palavra” (DERRIDA, 1991, p. 26), e a performatividade diz respeito à característica dos atos linguísticos que, no momento da enunciação, faz alguma coisa acontecer ou traz algum fenômeno à existência, produzindo uma nova situação ou acionando um conjunto de efeitos (BUTLER, 2009).

Ainda é bastante restrito que homens atletas brasileiros de alto rendimento enunciem publicamente a orientação não heterossexual. Nos jogos olímpicos realizados no Rio de Janeiro em 2016, entre oito esportistas brasileiros/as gays e lésbicas, apenas um homem aparecia na lista informada pelo site Outsports (2016): Yan Mattos, atleta da modalidade saltos ornamentais. Três anos depois, em 2019, o hoje ex-ginasta Diego Hypolito (2019), também participante dos jogos do Rio e medalhista de prata na competição, afirmou sua orientação homossexual publicamente, em narrativa que denunciou o espaço da ginástica artística como ambiente de intolerância à presença de atletas homens cujos corpos não produzam uma masculinidade normalizadora.

Cabe colocar nesta discussão que Diego Hypolito anunciou, no final do ano de 2019, o encerramento de sua carreira. Afirmar-se como homem atleta que não se identifica como heterossexual no meio esportivo geral ainda é um estigma no Brasil, pois muitos atletas ainda temem possíveis retaliações da sociedade, que se materializariam em prejuízos às suas carreiras, como a perda de patrocínio esportivo ou uma não convocação para a seleção brasileira, por exemplo. No entanto, posicionar-se publicamente como sujeito não heterossexual no esporte também pode provocar ressignificações importantes, pois se abrem possibilidades de discussão sobre o tema e de desmistificação da suposição de não existência de diferentes orientações sexuais no meio esportivo, particularmente entre os homens.

Nessa discussão, retomo Judith Butler, que problematiza as reivindicações políticas que recorrem às categorias de identidade para permitir o ato de nomear-se e para determinar as condições com as quais os sujeitos têm poder para a autonomeação. A teórica feminista destaca o reconhecimento da historicidade dos processos identitários que, simultaneamente, contestam qualquer presentismo no ato como pretensão de autonomia plena dos sujeitos participantes em tais processos e o enquadramento em qualquer identidade fixa e essencial. Desse modo, propõe que a autonomeação pública como sujeito LGBTI+, pelo seu sentido contingente e como lugar de luta coletiva, deva ser repensada por objetivos políticos de expansão e de ações políticas e intervenções mais efetivas do que apenas como defesa da identidade (BUTLER, 2019). Desse modo, a enunciação de Diego Hypolito de ‘sair do armário’ é potente se significada como um ato político que reivindique o espaço do esporte como mais alteritário para homens que não produzem masculinidades em conformidade com as normas e que não se identificam como heterossexuais, ainda que o atleta, inicialmente, possa não ter tido esse objetivo na enunciação pública de sua orientação sexual.

Por esse sentido, a linguagem ao ser enunciada não se repete de maneira plena, produzindo ressignificações em seus sentidos. Tanto Derrida (1991) quanto Butler (2009) articulam à teorização da performatividade linguística/textual a noção de iterabilidade, que diz respeito a significações que se constroem pela repetição da linguagem, que, no entanto, são impossíveis em plenitude, uma vez que há possibilidades de deslocamentos nos enunciados proferidos, ainda que com maior ou menor relevância política. A ideia de iterabilidade, sobretudo para a performatividade, é crucial para se compreender que nas dinâmicas sociais de construção de sentidos pela linguagem as normas não atuam de maneira determinística (BUTLER, 2009), pela possibilidade constante de ruptura, à medida que se altera a contingência de sua enunciação, que inclui a alteridade e os jogos de poder.

Recentemente, dois jovens jogadores atuais da seleção brasileira de voleibol assumiram-se publicamente como homossexuais: o ponteiro Douglas Souza (Daniel CASTRO, 2018), também presente na Rio 2016, sendo campeão olímpico na ocasião e, dois anos depois, vice-campeão mundial (premiado como um dos dois melhores atacantes de ponta da competição); e o líbero Maique Reis (Roberto WAGNER, 2019), também presente no mundial. Os atletas seguiram os passos de jogadores de vôlei de gerações anteriores, Lilico e Michael, que, embora atletas de bastante prestígio na história do cenário nacional brasileiro, não chegaram a ser convocados para a seleção adulta de voleibol, participando apenas das seleções de base. Lilico, hoje falecido, denunciou no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 que sua não convocação à seleção brasileira de voleibol seria uma consequência sofrida pelo fato de ter se assumido publicamente como homossexual.

Sabe-se que o vôlei no Brasil é o principal esporte em que se colocam questões quanto aos sentidos mais normalizadores da masculinidade heterossexual, seja pelo fato de seus atletas profissionais e com as carreiras em andamento serem pioneiros em ‘sair do armário’ publicamente, seja também por tradicionais torneios amadores específicos para homens que não se identificam como heterossexuais ocorrerem há bastante tempo em território nacional. A Liga Gay de Vôlei Amazonense é o campeonato mais antigo no país; existe desde o período da ditadura de 1964 e, por sua visibilidade, impulsionou outros eventos direcionados a praticantes não heterossexuais, como o Grand Prix LGBT, Copa Sul de Vôlei LGBT e GayPrix, que vêm sendo realizados em vários estados do país (BRITO, 2018).

Na minha tese de doutorado problematizei a forte aproximação de jovens atletas que se identificavam como homossexuais e bissexuais nas categorias de base de clubes de voleibol localizados no estado do Rio de Janeiro (Leandro BRITO, 2018). Em linhas gerais, a pesquisa apontou tanto a condição de precarização como a resistência no âmbito das possibilidades de agência desses jovens atletas, que contestavam os processos regulatórios de enquadramento numa masculinidade normalizadora naqueles espaços. Os clubes de voleibol em que se desenvolviam como atletas, por meio da interpelação de seus treinadores, exigiam que os jovens, além de evitar falar publicamente sobre suas orientações homo e bissexuais, deveriam, sobretudo, eliminar qualquer aspecto relacionado ao feminino em sua corporalidade. Não podiam de maneira alguma ‘dar pinta’, mantendo-se nos treinos e jogos ‘durinhos’, enunciações muito presentes na produção das narrativas na pesquisa.

Nesse sentido, para Butler (2019), o gênero é performativo: a reiteração das normas por meio de processos linguísticos que atuam na materialidade dos corpos em seus atos, gestos e atuações busca regular os sujeitos em modelos binários, coerentes e inteligíveis com a premissa sexo-gênero-desejo. Todavia, a capacidade da linguagem de produzir masculinidades e feminilidades em conformidade com as regulações sociais, cabe destacar, é precária e passível de fracasso. Reconheço, desse modo, que as performatizações da masculinidade dão significados aos incalculáveis e complexos processos de identificações do masculino, imbricados num jogo relacional de disputas, que abarca repetições/deslocamentos de sentidos. Pensar as significações da masculinidade por essa multifacetada leitura torna mais claras as ubíquas disputas de sentidos do social, em que também se inclui o campo do esporte.

Mobilizado pelas noções de performatividade da linguagem/textual, iterabilidade e performatividade de gênero para pensar essas disputas sobre a masculinidade no contexto esportivo, mergulhei também nas noções derridianas de desconstrução e différance. A rejeição do caráter fixo, permanente e restritivo da oposição binária, que se expressa nas dicotomias homem/mulher, masculino/feminino e heterossexual/homossexual, entre outras, dá sentido ao pensamento da desconstrução, desenvolvido pelo filósofo franco-argelino. Derrida (1991) busca promover com o pensamento da desconstrução o que chama de duplo gesto, que ocorre por meio de dois momentos constituintes da atividade desconstrutiva: a inversão e o deslocamento. No primeiro momento, a inversão busca colocar em destaque o que foi reprimido, marginalizado, para no movimento de deslocamento, o segundo e importante momento, ir além das dicotomias e dos binarismos, rompendo com qualquer nova hierarquização. A noção proposta pelo filósofo é potente, dentro de uma crítica pós-estruturalista à noção de identidade, pois a assume sem qualquer fundamento estável e essencialista.

Com o pensamento da desconstrução, Jacques Derrida tensiona um movimento permanente de inversão e deslocamento, que escapa às oposições binárias e que busca promover as diferenças, desde que não se instituam novas oposições, mas sim um permanente deslocar-se e diferir-se nomeado como différance. Segundo Rodrigues (2009, p. 43), a différance deriva do verbo différer - diferir -, que significa retardar, adiar, protelar, prorrogar, ou seja, poder-se-ia afirmar que a différance significa um constante processo de busca e que “está no jogo de remetimentos com o outro, jogo a partir do qual as referências são constituídas, num devir permanente em que a identidade fixa é substituída pelos efeitos de um processo contínuo de deslocamento”, um movimento de diferenciação permanente e infinito, que produz diferenças e que questiona uma estrutura binária de oposições. Para Derrida,

o movimento da différance, na medida em que produz os diferentes, na medida em que diferencia, é, pois, a raiz comum de todas as oposições de conceitos que escondem nossa linguagem, tais como, para não tomar mais do que alguns exemplos: sensível/inteligível, intuição/significação, natureza/cultura, etc. (DERRIDA, 2001, p. 15).

A différance não é uma distinção, uma essência ou uma oposição, mas um movimento de espaçamento, um “devir-espaço” do tempo, um “devir-tempo” do espaço, uma referência à alteridade, a uma heterogeneidade que não é primordialmente oposicional (DERRIDA; ROUDINESCO, 2004, p. 34).

Os rastros de sentidos dessas noções constituem alguns dos principais fundamentos epistemológicos da teoria queer, uma perspectiva que busca problematizar a instabilidade radical de sentidos para as identificações de sexo, gênero e desejo e que aposto em sua potencialidade para interpretar as demandas contemporâneas da masculinidade no esporte. A teoria queer emergiu de uma aliança entre teorias feministas, pós-estruturalistas e psicanalíticas, aliança esta, por vezes incômoda, que buscava investigar (e desconstruir) a categoria sujeito, pouco se importando com termos como definição, fixidez e estabilidade para discutir os processos de identificação e significação do sexo, do gênero e do desejo (Sara SALIH, 2012). Como uma nova política de gênero, a teoria queer dá sentido à centralidade da dissonância entre gênero e sexualidade, demonstrando possibilidades para que a sexualidade não seja constrangida pelo gênero, de modo a romper a causalidade reducionista de argumentos que vinculam as duas categorias e mostrar possibilidades para o gênero que não estejam predeterminadas por uma matriz heterossexual (BUTLER, 2012).

A teoria queer sofreu críticas em suas apropriações nas pesquisas da América Latina (Diego Falconí TRÁVEZ; Santiago CASTELLANOS; María Amelia VITERI, 2014) incluindo críticas no cenário acadêmico brasileiro (Hija de PERRA, 2014; Pedro Paulo Gomes PEREIRA, 2015; Larissa PELÚCIO, 2016; Jota MOMBAÇA, 2016; Dilton Ribeiro COUTO JUNIOR; Fernando Altair POCAHY, 2017). De uma maneira geral, as críticas residem na problemática de que a teoria queer necessitaria ser pensada no contexto específico latino-americano, baseada em experiências e realidades locais, distanciando-se das proposições iniciais, advindas restritamente do Norte Global, em particular, no desafio de abarcar a articulação com marcadores como classe, raça e etnia, identificações diretamente ligadas às desigualdades sociais presentes na América Latina. Tais críticas trazem o suporte do pensamento decolonial, que vem denunciando a utilização das teorias importadas em nossas pesquisas, localizadas em uma geopolítica que transforma uns em fornecedores de experiências - o Sul Global - e outros em exportadores de teorias a serem aplicadas e reafirmadas - o Norte Global (PEREIRA, 2015).

A decolonialidade, conforme Catherine Walsh (2009), é uma perspectiva teórica que se aciona como ferramenta para visibilizar dispositivos de poder que trabalham para a exclusão, a negação e a subalternização ontológica e epistêmico-cognitiva dos grupos e sujeitos subalternizados por marcadores de raça e classe. Para também contestar as práticas de desumanização e de subordinação de conhecimentos, que privilegiam alguns sobre outros, naturalizando tal processo e ocultando as desigualdades, mas também se preocupando “com os seres de resistência, insurgência e oposição, os que persistem, apesar da desumanização e subordinação” (WALSH, 2009, p. 23). A teoria feminista decolonial amplia esse olhar para os processos de subalternização que interseccionam raça/classe/sexualidade/gênero, denunciando as diversas afetações imbricadas pelos sistemas heteronormativos, capitalistas e de classificação racial (Maria LUGONES, 2020).

Nesse sentido, usos do termo queer, tais como cuir e kuir (Diego FALCONÍ, 2014; Felipe SAN MARTIN, 2011; Pêdra COSTA, 2016; Tatiana NASCIMENTO, 2018) ocorrem em diversas pesquisas produzidas na América Latina, uma epistemologia local que busca desestabilizar a colonização do saber e atentar para a importância da articulação das instabilidades do gênero e da sexualidade às afetações de classe, raça, etnia e outras tantas que dão sentido às demandas específicas que as formas de dominação e resistência se materializaram nos diferentes países latinos. Butler (2017), em entrevista cedida a Sara Ahmed, afirmou que não deveríamos olhar com surpresa as direções que tomou o termo queer, pois ele tem viajado o mundo sofrendo mutações conforme os contextos. A filósofa também afirmou que se sente atraída pelo uso do termo queer nas possibilidades de alianças, não apenas lutando pelo direito a uma identidade, mas pensando no engajamento das lutas raciais, na busca por assistência médica, pela desmilitarização, contra a precariedade da vida e na crítica ao nacionalismo. Desse modo, ao buscar operar com a enunciação queer/cuir/kuir problematizo as iterações que apontam para a reapropriação do termo, ao mesmo tempo reconhecendo a contribuição de teóricos e teóricas do Norte Global, sem negar suas construções, mas a partir delas pensar em articulações que potencializem interpretações mais específicas sobre as nossas contingências locais, como pensar nas inumeráveis identificações do masculino que disputam sentidos no esporte brasileiro.

O sonho dos inumeráveis sexos, para Jacques Derrida, enuncia o desejo de desestabilização da oposição binária masculino/feminino e de sentidos que vão além da hetero/homo/bissexualidade: “Certamente, não é impossível que o desejo de uma sexualidade inumerável venha ainda nos proteger, como um sonho, contra um implacável destino que sela tudo à perpetuação do número dois.” (DERRIDA, 2019, p. 9). Reconheço, assim, como produtiva a abertura que Jacques Derrida proporcionou com o seu pensamento à contestação das noções essencialistas de identidade.

A noção de masculinidade que defendo é também uma iteração, em termos derridianos e butlerianos, dos sentidos presentes na teorização da masculinidade hegemônica. É pensar numa perspectiva que reconheça significações do masculino para além do essencialismo binário, heterossexual, cisgênero, racializado e classista, materializando essa performatização em corpos de sujeitos que se identificam como homens cis, trans, não binários, pretos, pardos, deficientes, de diferentes classes sociais, regionalidades, entre outras incalculáveis identificações. É reconhecer as contingências, a precariedade, a imprevisibilidade e a instabilidade com que a masculinidade é significada e materializada na contemporaneidade.

Proponho, então, o construto teórico masculinidade queer/cuir/kuir como o desejo de um horizonte alteritário a ser alcançado para a masculinidade nos contextos sociais e como uma interpretação potente para pensar as demandas contemporâneas e contingentes sobre sujeitos que se identificam como homens no esporte brasileiro. Chamo a atenção, inicialmente, para o fato de que a masculinidade queer/cuir/kuir não é um enquadramento identitário, o que seria contraditório ao que defendi até o momento neste texto. Tal construto dá sentido a uma busca e a um desejo permanentes de ruptura sobre as estabilizações de sentidos para o masculino, um devir que potencializa a radicalidade da diferença para o inumerável, para multidões de corpos que, interseccionados a marcadores da diferença como raça, classe, etnia, idade e deficiência, entre tantos outros, pudessem romper com as tentativas de normalizações arbitrárias que disputam os sentidos sociais da masculinidade.

Significada como um horizonte político, a masculinidade queer/cuir/kuir mira um abalo radical das opressões e desigualdades que as fixações identitárias promovem sobre os sentidos do masculino; um ideal que direciona-se para além da pluralidade e da multiplicidade - pensando no sonho dos inumeráveis sexos de Derrida -, radicalizando a abertura e o devir do desejo ao infinito, potencializando o reconhecimento positivo da diferença, uma diferença ativa como sentido da différance: como algo que posterga e adia, que desloca para o futuro sem previsão de se alcançar, como um processo de diferenciação permanente e contínuo de deslocamento e desestabilização da identidade fixa (RODRIGUES, 2009).

A masculinidade queer/cuir/kuir se traduz em um horizonte que nega as estabilizações sedimentadas e que são forçosamente impostas para o masculino. Enuncia performatizações que jamais se cristalizam, valendo-se dessa instabilidade radical para potencializar identificações inumeráveis do masculino, almejando a desidentificação como estratégia política potencializadora para afirmar a diferença sobre as significações da masculinidade. Considerando as disputas sociais de sentidos sobre a masculinidade, aposto nesse horizonte queer/cuir/kuir como leitura para as significações do masculino no contexto contemporâneo do esporte brasileiro, espaço-tempo historicamente segregador para a diferença, mas que pelas disputas que emergem na atualidade vem protagonizando mudanças significativas como contribuição à crítica das estruturas falogocêntricas.

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1O filósofo franco-argelino Jacques Derrida (2019), em entrevista concedida à feminista Christie V. McDonald, traduzida por Carla Rodrigues e Tatiana Grenha, enuncia o sonho dos inumeráveis sexos como forma de interrogar a diferença sexual binária, que está presa às formas dicotômicas homem/mulher. Ao longo deste ensaio, incorporo as proposições de Jacques Derrida advindas dessa entrevista para pensar nas inumeráveis identificações da masculinidade na contemporaneidade.

2No livro Esporas, Jacques Derrida propõe pensar a mulher como um indecidível, um deslocamento que não estabelece um sentido unitário ao feminino, buscando, assim, contestar as oposições binárias da diferença sexual e da fixidez identitária (RODRIGUES, 2009). Nesse mesmo caminho, arrisco-me na tentativa de pensar também a masculinidade como um indecidível ao abordar as contingências das identificações da masculinidade no esporte brasileiro.

3Jacques Derrida, ao trabalhar com os indecidíveis, articula nessa discussão a noção de alteridade, que traz para a compreensão do sujeito descentrado, o abalo do outro, do diferente, o estranho a si (e não o próprio de si). A alteridade, nessa significação derridiana, impede a formação de uma identidade estável pela qual o sujeito possa responder (RODRIGUES, 2009).

Como citar este artigo de acordo com as normas da revista: BRITO, Leandro Teofilo de. “Da masculinidade hegemônica à masculinidade queer/cuir/kuir: disputas no esporte”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 2, e79309, 2021.

Financiamento: Não se aplica

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 03 de Fevereiro de 2021; Aceito: 06 de Maio de 2021

teofilo.leandro@eefd.ufrj.br

Leandro Teofilo de Brito (teofilo.leandro@eefd.ufrj.br) é doutor em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com pós-doutorado realizado na mesma instituição. Licenciado em Educação Física e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Adjunto da Escola de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEFD-UFRJ).

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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