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Revista Estudos Feministas

versión impresa ISSN 0104-026Xversión On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.28 no.3 Florianópolis set./dic. 2020  Epub 01-Sep-2020

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2020v28n360992 

Artigos

Abuso e exploração sexual em operações de paz: o caso da MINUSTAH

1Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil. 38408-244 - ie@ufu.br


Resumo:

Neste artigo discutimos as condicionantes que contribuíram para a ocorrência de casos de abuso e exploração sexual feminina praticada por peacekeepers durante a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH). No trabalho, buscamos compreender a conjuntura a partir de uma perspectiva feminista, considerando a influência da masculinidade militarizada e das condições socioeconômicas do país para a perpetuação da violência contra meninas e mulheres durante o período de vigência da missão.

Palavras-chave: patriarcado; masculinidade militarizada; exploração sexual feminina; operações de paz; MINUSTAH

Abstract:

The article discusses the conditions that contributed to the occurrence of cases involving the abuse and sexual exploitation of females committed by peacekeepers during the United Nations Stabilization Mission in Haiti (MINUSTAH). The paper seeks to understand this context through a feminist perspective, considering the influence of militarized masculinity and the socioeconomic conditions in the country that perpetuated violence against women and girls during the course of the mission.

Keywords: Patriarchy; Militarized masculinity; Female sexual exploitation; Peace operations; MINUSTAH

Introdução

Abuso e violência sexual em contextos de guerras e conflitos civis não é algo incomum no cenário internacional. Segundo dados compilados, 20.000 mulheres foram estupradas durante a guerra na Bósnia e 250.000 durante o conflito em Ruanda (Donna PANKHURST, 2010). O que também não é incomum são abusos durante operações de paz. Conforme estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU) publicadas em 2018, ao longo dos últimos 5 anos a organização reconheceu acusações de 612 mulheres e crianças (Lucy JOHNSTON, 2018). Dessas, 131 vítimas disseram ter engravidado após os ataques, com algumas sendo menores de idade à época dos abusos. A despeito de resoluções do Conselho de Segurança sobre o tema, como a 1325, publicada em 2000 e que defende a presença de mulheres em esforços de construção da paz, e a 1820, publicada em 2008, que reconhece a violência sexual como tática de guerra, a promoção de uma política de igualdade de gênero em operações de paz ainda é de difícil implementação (Laura SHEPHERD, 2018).

No presente artigo pretendemos contribuir com este debate ao realizar um estudo de caso sobre casos de abuso e violência em contextos de operações de paz. Nosso objeto é a Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH). Iniciada em 2004 e encerrada em 2017, a MINUSTAH foi umas das missões de paz que mais recebeu atenção nos últimos anos. Alguns estudos privilegiaram análises centradas nos desafios de segurança e governança apresentados à missão. Nessa linha, podemos destacar as discussões sobre as reformas da segurança pública no país, e particularmente os esforços para reformular a polícia nacional, porém negligenciando o fato político de que historicamente as forças de segurança eram mais ameaças do que garantidoras da segurança da população (Timothy DONAIS, 2007).

Outros trabalhos exploraram o contexto socioeconômico e político do país a partir da perspectiva de fragilidade estatal e como determinados choques prejudicaram a recuperação do país. O argumento central seria que as instituições haitianas teriam vulnerabilidades históricas e que uma vez frente a desafios internos, como as revoltas iniciadas em 2000 após a eleição de Jean-Bertrand Aristide e o terremoto de 2010, e eventos externos, como a inflação do preço mundial de alimentos, em 2008, e o furacão Matthew, em 2016, não tiveram capacidade para resistir (Amelie GAUTHIER; Madalena MOITA, 2007; Yasmine SHAMSIE; Andrew THOMPSON, 2007).

No Brasil, o principal fio condutor das análises foi a participação de tropas brasileiras. Nessa seara, temos trabalhos que colocaram a MINUSTAH dentro de uma perspectiva histórica sobre a participação brasileira em operações de paz (Lucas REZENDE, 2012), além de estudos que exploraram a cooperação de países sul-americanos no âmbito da missão (Danilo SOUZA NETO, 2009) e daqueles que discutiram a sinergia entre a estabilização do Haiti e a segurança pública no Brasil (Christopher HARIG, 2015).

Ademais, surgiram debates sobre um incipiente modelo brasileiro de peacekeeping (Eduarda HAMMAN, 2012), o qual não prosperou, mas que teria potencial para capacitar o Brasil a participar de forma mais efetiva do sistema de segurança coletiva. A indicação do General Carlos Alberto dos Santos Cruz1 para o posto de Force Commander da Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO) (UNITED NATIONS, 2013), assim como o convite para o país participar da missão na República Centro-Africana (NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2017), seria indicador de que o Brasil poderia ser um player de peso relativo em questões de estabilização de países saídos de conflitos.

Como se vê, a discussão sobre abuso e violência sexual não foi central. Apesar do compromisso com a proteção aos cidadãos assumido no mandato, a partir de 2004 surgiram várias acusações acerca de abusos cometidos contra meninas e mulheres. À guisa de exemplificação, segundo informações levantadas por Paisley Dodds (2017), ao menos 150 alegações de abuso e violência sexual por parte de peacekeepers foram reportadas entre 2004 e 2016. Há, por exemplo, o caso dos 134 soldados do Sri Lanka acusados de traficar sexualmente nove crianças. Desse total, 114 foram mandados de volta para casa, porém nenhum foi condenado (DODDS, 2017). Recentemente, acusações foram levantadas contra a equipe da organização de caridade britânica OXFAM, que teria contratado prostitutas quando atuava no Haiti (Daniel KHALILI-TARI, 2018).

Com isso, lançamos a seguinte questão: quais condições possibilitaram a emergência de casos de abuso e violência sexual durante a vigência da MINUSTAH? Partimos da hipótese de que fatores sociais e econômicos decorrentes da crise política e seu agravamento, com o terremoto de 2010, inseriram mulheres em uma condição de extrema vulnerabilidade, obrigando-as a recorrer à prostituição forçada para garantir a própria subsistência e a da família. Além, tem-se a subjugação feminina reproduzida por peacekeepers mediante concepções machistas e sexistas que são reforçadas pelas instituições militares.

Em termos teóricos, ancoramo-nos nas contribuições das abordagens feministas de Relações Internacionais, com particular ênfase em trabalhos que discutem mediante uma perspectiva de gênero segurança internacional e operações de paz (e.g., Sandra WHITWORTH, 2004; SHEPHERD, 2008; 2018). Metodologicamente, optamos pela realização de um estudo de caso informado teoricamente pela perspectiva teórica supracitada e empiricamente baseado em dados coletados junto a fontes oficiais, relatórios de ONGs e reportagens publicadas na imprensa2. Para a análise, seguimos Annica Kronsell (2006) quando sugere que escutemos as vozes das mulheres envolvidas nas situações. Reproduzimos assim os testemunhos das pessoas, cotejando tais narrativas com análises da conjuntura na qual estavam inseridas. Logo, entendemos que o artigo contribui para o debate tanto em termos teóricos quanto empíricos. Ao recorrermos ao feminismo, contribuímos para o adensamento de trabalhos teoricamente informados na Academia Brasileira de Relações Internacionais. Empiricamente, destacamos uma discussão importante em operações de paz, porém pouco explorada no país.

O texto está dividido em quatro seções. A primeira apresenta o arcabouço analítico feminista, sobretudo aquele desenvolvido em Relações Internacionais. Em seguida, sintetizamos o contexto histórico contemporâneo do país, destacando particularmente as consequências advindas do terremoto de 2010 e um breve debate sobre a posição social da mulher haitiana. Tal seção, além de ilustrar o contexto haitiano, apresenta as condicionantes estruturais que colocam mulheres e meninas em uma posição de fragilidade social. Posteriormente, analisamos casos de exploração sexual no país praticados pelos pacificadores mediante prostituição formal, de sobrevivência e de relacionamentos transacionais. Por fim, lançamos nossas considerações finais.

Feminismo(s) e Relações Internacionais

Tomando Bananas, Beaches and Bases (Cynthia ENLOE, 1990) como referência, temos quase 30 anos de contribuições feministas na área de Relações Internacionais. À luz do acumulado produzido nas Ciências Humanas, certamente são desenvolvimentos recentes, porém nada desprezíveis. Há toda uma produção plural que procurou em boa medida desenvolver a pergunta lançada nos anos 1990 por Enloe: onde estão as mulheres? Ao analisar o funcionamento de bases militares estadunidenses, Enloe sustentou que papéis desempenhados por mulheres - como esposas, prostitutas, camareiras, dentre tantos outros - e considerados marginais seriam constitutivos da realidade internacional.

Analiticamente, é central para os trabalhos feministas a distinção entre sexo e gênero. Se o sexo biológico seria responsável pelo dimorfismo sexual da espécie humana, traços relativos ao comportamento e temperamento comumente associados às mulheres seriam do registro do gênero. Uma definição bastante conhecida é a proporcionada por Joan Scott (2008, p. 14), quando aponta que o gênero seria “a organização social da diferença sexual”. Aqui não se trata de dizer que gênero reflete ou mesmo instaura diferenças físicas naturais entre homens e mulheres. O que o argumento expressa é que características de gênero são social e culturalmente construídas e associadas aos seres humanos de forma dicotômica, isto é, um polo é remetido aos homens e o outro às mulheres.

Uma das principais inquietações do feminismo em Relações Internacionais é interrogar a organização do que usualmente designamos como “o internacional” tendo como ponto de partida as desigualdades de gênero. Para tanto, os trabalhos da área tomam alguns pressupostos de partida. Primeiramente, a divisão entre teoria e prática seria inócua, posto que intervenções acadêmicas são intervenções políticas. Em segundo lugar, da mesma forma que toda a tradição de trabalhos feministas que a antecede, a grande questão que informa parcela significativa das produções na área pode ser apresentada mediante os termos propostos por J. Ann Tickner (2001): o que explica a subordinação feminina ou injustificada assimetria entre homens e mulheres em posições sociais, políticas e econômicas? Ademais, como subverter determinados status quo de desigualdade entre homens e mulheres?

É com base nesse pano de fundo que podemos dizer que existem “feminismos”, e não uma tradição feminista coesa e coerente, tanto nas Ciências Humanas como um todo, como em Relações Internacionais em particular. Seguindo Tickner (2001), correntes distintas proporcionam diagnósticos e propostas diferenciadas de superação das situações de desigualdade, estabelecendo um mosaico teórico-normativo bastante heterogêneo. À guisa de ilustração,3 teríamos o “feminismo liberal”, que, grosso modo, argumenta que desigualdades de gênero se devem a preconceitos institucionalizados formalmente na sociedade e que a meta seria isonomia legal entre homens e mulheres.

O “feminismo radical” defende que a subordinação ou injustificada assimetria entre homens e mulheres jaz no patriarcado enquanto forma de organização social, que privilegiaria a experiência masculina em detrimento do feminino. Entretanto, a solução seria mais do que mera isonomia legal. Deveríamos celebrar as virtudes do que seria a experiência do feminino, pois a igualdade que se buscaria alcançar estaria fundada na experiência do masculino.

Há de se destacar igualmente a contribuição do “feminismo socialista”. Em alguma medida reagindo ao essencialismo de uma determinada visão sobre a mulher aventada pelo feminismo radical e a uma indiferenciada noção de patriarcado (TICKNER, 2001, p. 16), as feministas socialistas propõem a ideia de que as diferenças entre homens e mulheres - e a própria sustentação do patriarcado - possuem bases materiais que, em primeira ou última instância, podem ser retrocedidas ao controle que os homens possuem sobre o corpo e o trabalho da mulher.

Teríamos também a “corrente feminista pós-estruturalista”. Inspirada pelas contribuições de autores e autoras como Michel Foucault e Judith Butler, tal corrente ancora-se no argumento de que qualquer definição ou perspectiva que se propõe universal nada mais é do que um posicionamento particular que nada tem de natural e que, portanto, deve ser desconstruído. Desconstrução implica, além de questionar uma suposta natureza essencial de dada perspectiva, examinar seus impactos em nossas capacidades de ação no mundo (Jill STEANS, 1998).

Tais ideias tiveram impacto profundo na área de Relações Internacionais, informando trabalhos que discutem desde direitos humanos até economia política internacional. No que tange a temas de segurança internacional, a contribuição feminista tem ocorrido por meio de análises e reformulações de conceitos centrais como Estado, paz e guerra, assim como o incentivo para se tratar assuntos novos e/ou até então negligenciados (Laura SJOBERG, 2009).

À luz dos objetivos do artigo, entre os assuntos tratados pelo feminismo na arena da segurança internacional está a crítica à participação de militares em operações de paz e sua relação com as violações ocorridas contra civis em países em conflito ou pós-conflito. Por esse viés, um conceito importante é o de militarismo. Para Enloe (2014), militarismo é um “pacote de ideias”, ou seja, um compilado de suposições, valores e crenças estruturado de acordo com os seguintes princípios:

a) a força armada é a melhor maneira de resolver tensões; b) a natureza humana é propensa ao conflito; c) ter inimigos é uma condição natural; d) as relações hierárquicas produzem ação efetiva; e) um Estado sem um exército é ingênuo, pouco moderno e ilegítimo; f) em tempos de crise aqueles que são femininos precisam de proteção armada; e g) em tempos de crise qualquer homem que se recuse a praticar ações violentas está comprometendo seu próprio status como um homem viril (ENLOE, 2014, p. 7 [tradução nossa]).

O treinamento militar envolve a preparação de soldados para reagir rapidamente em circunstâncias altamente agressivas e violentas. Ao longo desse processo, a masculinidade de muitos homens muda, criando uma identidade particular chamada de “masculinidade militarizada”, uma combinação de traços e atitudes hipermasculinas (ENLOE, 2000; WHITWORTH, 2004). De todos os locais em que a masculinidade é construída, a guerra e as forças armadas são umas das instâncias mais diretas e eficazes. E, mesmo com as mudanças sociais e políticas, o guerreiro ainda continua sendo um símbolo da masculinidade por meio da promessa de se “fazer homens sair dos soldados”, sugerindo que as pessoas consideram que as forças armadas são capazes de ensinar a masculinidade, enquanto o próprio soldado vem secundariamente (WHITWORTH, 2004).

Essa virilidade é usada para a criação do guerreiro forte e sem emoção, disposto a envolver-se na violência quando ordenado. Alguns teóricos que estudaram tanto o militarismo quanto a masculinidade sugerem que existe uma forte conexão entre organizações militares e representações hegemônicas da masculinidade. Algumas dessas reproduções envolvem desumanizar o inimigo a fim de tornar os combatentes emocionalmente preparados para eliminar a oposição em tempos de guerra (Hayley LOPES, 2011).

Whitworth (2004) argumenta que, para desumanizar o inimigo, é preciso eliminar o “outro” de si e alimentar um ideal exagerado de masculinidade, ou seja, depreciar tudo que é marcado pela diferença, como mulheres, pessoas de cor e homossexuais. No treinamento militar, por exemplo, os recrutas são incentivados a se tornar “homens reais”, provando que não são mulheres, sendo utilizadas humilhações de gênero cada vez que um soldado demonstra fraqueza ou algum tipo de sentimento. Tal fato implica, portanto, a desumanização da feminilidade, transformando a mulher no “outro” que não deve ser respeitado, pois possui características consideradas inferiores (Claire DUNCANSON, 2007).

Esses atributos sociais definidos para homens e mulheres fortalecem os estereótipos de protegido e protetor, em que homens estariam sempre na “linha de fogo” e as mulheres, em casa (Claudia SANTOS, 2015). Logo, os militares masculinos são sempre descritos como o “soldado herói” que protege os indivíduos indefesos, em sua grande maioria crianças e mulheres, que são colocadas em uma posição de fragilidade e vulnerabilidade em relação aos homens, pois não detêm características “fortes” para se defender. A identificação do homem como protetor e a mulher como a protegida e, portanto, pacífica e vulnerável, negligencia a capacidade de agência feminina. Consequentemente, são necessárias características “masculinas” para adentrar em um espaço tão perigoso como a guerra (DUNCANSON, 2007), impedindo que as mulheres ingressem e/ou se tornem combatentes nas forças armadas ou mesmo tornando sua representação muito menor do que a dos homens (SANTOS, 2015).

Nessa linha, a possibilidade de ataques sexuais decorre da desumanização do feminino que naturaliza a concepção de que as mulheres devem estar sempre disponíveis sexualmente para os homens e na crença de que eles têm o direito de usufruir do corpo feminino mesmo sem consentimento. Assim, o modelo hegemônico masculino de poder e força tende a se reproduzir mediante a violência contra a mulher. Tal situação pode ser exacerbada em contextos de operações de paz, considerando-se a desigualdade de gênero e a fragilidade econômica de muitas mulheres, que tornam seus corpos moeda de troca, reforçando o poder que um pacificador do sexo masculino tem sobre o corpo e a vida de uma menina ou mulher.

Sobre isso, convém justamente acrescentar a contribuição de Shepherd (2018). Consoante a autora, a visão esposada pela ONU tende a localizar o indivíduo mulher como um ser vulnerável, criando, portanto, uma representação binária em que a mulher - sensível e indefesa - seria o oposto do homem - o qual pode ser entendido como figura forte e responsável pela sua proteção. Tal situação cria uma hierarquia social entre peacekeepers e civis, o que pode contribuir para facilitar os ataques sexuais. Ademais, Shepherd (2018) argumentou que muitas das estratégias de promoção de perspectivas de gênero dentro da ONU seriam exercícios de box-ticking, visto que estas estratégias, ao invés de verificarem se as relações de poder com base no gênero foram alteradas, restringem-se a avaliar quais foram os impactos em homens e mulheres individualmente.

A conjuntura sociopolítica do Haiti

Apresentado nosso cabedal teórico, o segundo passo necessário é uma contextualização da conjuntura haitiana. Tal contextualização é de suma importância, pois ela nos ajudará a compreender as condicionantes estruturais que culminaram em uma situação de vulnerabilidade feminina no país, a qual antecede a própria MINUSTAH.

A disputa pelo poder tornou a próspera ex-colônia francesa um dos países mais pobres da América Latina (Vanessa MATIJASCIC, 2014). O regime ditatorial Duvalierista teve início em 1957, quando, por meio de um plebiscito manipulado, François Duvalier, conhecido como Papa Doc,4 foi proclamado presidente vitalício do Haiti. Sua estabilidade política foi mantida por meio dos assassinatos de seus rivais políticos e de líderes populares, executados por uma polícia repressora que também torturava e matava cidadãos. Com a morte de François Duvalier em 1971, seu filho, Jean-Claude Duvalier, designado Baby Doc,5 assumiu o poder, concedendo-se o título de presidente vitalício e dando continuidade à política autoritária de violência e terror (Anelise KAMINSKI, 2011).

Todavia, as medidas liberalizantes de Baby Doc não agradaram a base conservadora, e tal fato permitiu a formação da oposição, que exigia o fim da ditadura. Logo, em 1986, a população iniciou manifestações pedindo a saída de Jean-Claude Duvalier. A fragilização do Estado, o desmantelamento das instituições, a perda de apoio dos militares e dos conservadores, juntamente com os protestos populares violentos, não permitiram a continuidade do regime da família Duvalier. Assim, o então presidente deixou o governo e refugiou-se na França.

O Exército assumiu o comando e formou uma junta civil-militar para governar o país durante um período de transição democrática, que durou dois anos (KAMINSKI, 2011). Em fevereiro de 1991, Jean-Bertrand Aristide foi eleito e transformou-se na esperança da população para a resolução dos problemas do Haiti. Entretanto, em outubro de 1991, Aristide sofreu um golpe de Estado arquitetado por militares haitianos. Após se exilar nos Estados Unidos, o ex-presidente liderou uma ação para compelir a sociedade internacional a intervir.

A primeira missão na ilha, em 1994, teve como objetivo realocar Jean-Bertrand Aristide no poder, mesmo sem o apoio do setor militar. Aristide retomou a presidência naquele mesmo ano, sendo então substituído em 1996 por René Préval. Nesse ano, foi enviada a Missão Suporte das Nações Unidas no Haiti (UNSMH), que buscou reconciliar e recuperar economicamente o país. Devido às dificuldades da UNSMH em cumprir seu mandato, a missão foi substituída pela Missão de Transição das Nações Unidas do Haiti (UNTMIH), que permaneceu no país até o final de 1997. Em seguida, com os mesmos objetivos da operação anterior, foi crida a Missão da Polícia Civil das Nações Unidas do Haiti (MIPONUH), presente na ilha até 2000.

Em 2000, Jean-Bertrand Aristide retornou ao poder em uma votação considerada fraudulenta. Criou-se, assim, uma oposição constituída pela sociedade civil, por empresas, partidos políticos e atores externos, que pediam a renúncia do presidente considerado ilegítimo e incapaz de conter a corrupção e melhorar a economia do país (Mariana COBERLLINI, 2009). A Comunidade do Caribe (CARICOM) apresentou uma proposta em que o presidente poderia continuar seu mandato até o fim, mas o plano não teve êxito, o que agravou a situação no país e levou ao ressurgimento da violência, ao colapso das instituições e à ineficácia da segurança pública. Em fevereiro de 2004, iniciaram-se conflitos armados na cidade de Gonaives, que se espalharam, após alguns dias, para o restante da ilha. O ápice da onda de violência ocorreu em 28 de fevereiro, quando moradores saquearam depósitos e as forças do governo de Aristide iniciaram ataques contra a população, deixando o Haiti à beira de uma guerra civil. Após pressões da comunidade internacional, Aristide saiu do país e buscou refúgio na África do Sul.

Boniface Alexandre6 assumiu, então, a presidência interina, solicitando auxílio à ONU para conter a crise. Depois de uma reunião extraordinária, foi aprovada a resolução 1529, de 2004, que fundou a Força Multinacional Provisória (FMP) para encerrar o conflito, apoiar o governo interino e preparar o Haiti para o estabelecimento da MINUSTAH (UN, 2004). Em abril de 2004, o Conselho de Segurança aprovou a resolução 1542, de 30 de abril de 2004, que instituiu a Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (MINUSTAH). A função da MINUSTAH era manter um ambiente estável e seguro e apoiar o governo de transição para reestruturar as instituições do país com o apoio das autoridades locais (CORBELLINI, 2009). Especificamente, o objetivo era:

Auxiliar na reestruturação e na reforma da Polícia Nacional Haitiana (PNH); no estabelecimento de um programa de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR); na restauração e manutenção do estado de direito (rule of law), da segurança e da ordem públicas; além de proteger o pessoal, instalações e equipamentos da ONU e de garantir a segurança dos civis “sob iminente ameaça de violência física”. Tais ações, dentro das capacidades e áreas de atuação da Missão, estavam e continuam amparadas pelo Capítulo VII da Carta da Organização (Fernando CALVALCANTE, 2009, p. 58-59).

Diversas ações foram efetuadas com o intuito de conter a violência pelo país. Destacam-se, por exemplo, o patrulhamento extensivo nas favelas, ações para a detenção de líderes das principais gangues, criação de checkpoints nas entradas e saídas das favelas, ações antissequestro e treinamento de novos policiais (CAVALCANTE, 2019), que ajudaram a restituir a confiança da sociedade no sistema público de segurança.

Contudo, em janeiro de 2010, o país foi marcado por uma tragédia. Um terremoto de magnitude 7,0 na escala Richter devastou a região oeste do Haiti, a cerca de 30 km da capital, Porto Príncipe. O então primeiro-ministro do Haiti, Jean-Max Bellerive, estimou a morte de 316 mil pessoas, além de 350 mil feridos (CBC NEWS, 2011). Três anos após o desastre, as consequências ainda eram visíveis: 357.785 haitianos continuavam em 496 acampamentos e, até início de 2014, os desabrigados eram estimados em mais de 200.000 pessoas (Franck SEGUY, 2014). Em 2015, o país carecia de assistência básica, como coleta de lixo, e as pessoas estavam abrigadas em barracas de lona para não ficarem expostas ao sol e à chuva. Cerca de 80% da população estava vivendo na pobreza, e o desemprego atingia 30% dos haitianos, apesar do envolvimento da população em muitos projetos que geram milhares de postos de trabalho relacionados à reconstrução do país (Ana AGUIAR, 2015).

No ano seguinte, outro desastre ambiental abateu o país. Dessa vez, houve a passagem do furacão Matthew sobre a ilha, com ventos de até 230 km/h, o que provocou a morte de 842 pessoas (THE GUARDIAN, 2016), deixando cerca de 61.500 desabrigados (FOLHA DE SÃO PAULO, 2016). Nessa ocasião, as autoridades do país informaram que 90% do sul do Haiti foram destruídos (BBC, 2016). A maioria da população dessa região vivia da pesca e de pequenas plantações, e a taxa de pobreza estava em cerca de 60% a 70% (THE WORLD, 2016).

Com a conjuntura histórica brevemente sintetizada, que aponta uma situação de fragilidade socioeconômica no país como um todo, cabe-nos agora destacar em particular a situação feminina, e como tal conjuntura a vulnerabiliza. As mulheres haitianas sofrem, há um longo período, violências físicas e psicológicas decorrentes de um Estado não democrático e opressivo. Segundo Renata Giannini (2015, p. 70-71), as mulheres são subjugadas e “sofreram tanto senão mais que os homens durante as violentas ditaduras que se instauraram no país desde a independência em 1804”. O estupro no país foi e é utilizado como ferramenta de opressão para inferiorizar as mulheres: “Os seus corpos fazem parte do campo de batalha. Quando as mulheres representam a honra de uma comunidade, a sua violação e gravidez forçada são formas de atingir e destruir essa comunidade” (Rita PERDIGÃO, 2010, p. 17).

Tal situação é preocupante, pois meninas são coagidas a se casarem ainda jovens com homens mais velhos, impedindo que elas tenham acesso integral à educação. Estima-se que 60% das mulheres haitianas sejam analfabetas, e, mesmo quando se tem educação, ganham salários menores que os dos homens para realizar o mesmo trabalho (Ana Maria PEREIRA, 2015). Ademais, a impossibilidade de uma educação acessível e de qualidade aumenta o desconhecimento sobre o uso de preservativo e sua importância para o combate às DSTs e à prevenção de gravidez indesejada. Cerca de 40% das famílias haitianas são sustentadas por mulheres, em uma cultura onde os homens podem se casar com várias mulheres não assumindo, na maioria das vezes, a responsabilidade pelo cuidado dos filhos (Odete CRISTINA, 2015).

Outro dilema decorrente da desigualdade de gênero é a subordinação feminina à figura masculina, que naturaliza os casos de violência doméstica e justifica as violências sexuais cometidas contra mulheres. Aponta-se que 35 mil mulheres foram abusadas no país, incluindo 32 mil casos de estupro cometidos por membros da polícia haitiana, por outras forças de segurança e grupos armados anti-Aristide entre 2004 e 2006 (BBC BRASIL, 2006). Somente em 2005 foi ratificada a lei que criminaliza o estupro, e, mesmo assim, as punições para esse crime dificilmente ocorriam, seja pela dificuldade de levar os casos à Justiça, seja por descaso da sociedade (GIANNINI, 2015).

Em 2010, iniciaram-se atividades para proteger as mulheres contra todo o tipo de violência mediante planejamentos e ações de proteção e empoderamento. Todavia, a dissolução do parlamento, em 2015, impediu o progresso em projetos de leis que protegessem as vítimas de violência doméstica, assédio sexual e outras formas de violência (HUMAN RIGHTS WATCH, 2016), tornando meninas e mulheres suscetíveis a ataques pela falta de leis que criminalizassem as violações.

Abuso e exploração sexual durante a MINUSTAH

A violência sexual pode ser definida como um fenômeno que inclui variados atos de violência não consentidos relacionados à sexualidade humana, tais como prostituição forçada, escravidão sexual, mutilação genital, exposição ou participação forçada em pornografia (SKJELSBÆK, 2001 apud Natalia FONTOURA, 2009). De forma geral, o conceito de “abuso sexual” está ligado diretamente ao maior ato de violência sexual cometido sob coerção: o estupro (FONTOURA, 2009). Há, ainda, o caso da exploração sexual, uma violência sexual que se apropria comercialmente do corpo como mercadoria para auferir lucro, “o ato de lucrar monetária, social ou politicamente de alguém. Esta exploração pode se dar por meio de redes de prostituição, pornografia, tráfico humano e turismo sexual” (FONTOURA, 2009, p. 22).

Tradicionalmente, abuso e exploração sexual são relacionados, respectivamente, ao estupro e à exploração de prostitutas. Contudo, a violência sexual em operações de paz esconde inúmeras outras relações entre militares e mulheres locais que navegam entre o consentido e o não consentido, e que para os envolvidos vão, muitas vezes, além do sexo. Assim, a ONU utiliza definições mais abrangentes para os relacionamentos entre pacificadores e locais, pois essas relações são permeadas por assimetrias de poder e de recursos, e estabelecem prejuízos a médio e em longo prazo às mulheres e meninas locais (FONTOURA, 2009). Desse modo, a organização define abuso sexual como “qualquer abuso ou tentativa real que se comete tendo como fundamento uma posição de vulnerabilidade, diferença de poder ou situação de confiança entre as pessoas, para se obter vantagens sexuais. Isto inclui, porém não se limita a, benefícios monetários, sociais ou políticos da exploração sexual de uma pessoa” (ONU, 2003 [tradução nossa]). Já o abuso sexual é “o ato ou a ameaça de agressão mediante intrusão física de natureza sexual, seja pela força ou devido a condições de desigualdade ou coercitivas” (UNHCR, 2003 [tradução nossa]).

À luz do conceito adotado, a má-conduta sexual refere-se não apenas às relações sexuais forçadas, mas à prostituição e ao uso, por parte do peacekeeper, de sua posição de poder para obter favores sexuais. A troca de sexo por comida, roupas, dinheiro, presentes ou qualquer outro bem de consumo é considerada conduta inadequada, pois, diante da assimetria de poder existente entre o staff da instituição e a população, tira-se da mulher sua capacidade de consentir livremente, de modo que quaisquer categorias de relacionamento entre agentes e moradoras locais são fortemente desencorajadas (FONTOURA, 2009).

Ainda que tenha ocorrido o avanço das políticas que buscam proteger as mulheres, como a política de tolerância zero para casos de abusos e exploração sexual, desde a chegada da MINUSTAH no Haiti, em 2004, houve diversos relatos, acusações e denúncias de estupro, prostituição forçada, escravidão sexual, assédio e pedofilia praticados por capacetes azuis.

O primeiro caso de abuso sexual foi denunciado em fevereiro de 2005, no qual uma mulher haitiana afirmou ter sido estuprada por três militares paquistaneses. A investigação preliminar realizada pela ONU declarou que, na realidade, era um caso de prostituição. Entretanto, a jovem relatou que “os policiais pediram para uma mulher levá-la a uma plantação de banana com a promessa de lhe dar roupas novas, mas, ao invés disso, [...] a agarraram, abaixaram suas calças, deitaram-na no chão e a estupraram” (TERRA, 2005). Houve também o relato de um suposto estupro cometido por um soldado brasileiro em 2004. Apesar de três investigações feitas em 2005, nenhuma prova concreta foi encontrada, porém o soldado acusado foi enviado de volta para o Brasil (FONTOURA, 2009).

É possível afirmar que a instauração da missão estimulou o surgimento de “Economias de Peacekeeping” (Peacekeeping Economies), definidas como atividades econômicas que não aconteceriam ou ocorreriam em uma escala menor sem a presença internacional (Kathleen JENNINGS; Morten BOAS, 2015). Algumas dessas atividades são comuns, como o aumento do preço de aluguéis e alimentação, devido à maior demanda e aos pagamentos em moeda estrangeira recebido pelos membros. Outras consequências são problemáticas. A missão e a presença dos pacificadores tendem a aumentar a indústria sexual nesses locais, e uma vez que onde há demanda interna para prostituição, haverá uma expansão nos índices de tráfico sexual de pessoas (Charles SMITH; Heather SMITH, 2010).

De acordo com Smith e Smith (2010), antes da MINUSTAH não havia relatórios sobre o tráfico de pessoas no Haiti. Denúncias e relatórios surgiram a partir de 2004, o que sugere que a implantação da MINUSTAH ocorreu ao mesmo tempo em que a violência contra as mulheres começou a aumentar no Haiti. Seguindo essa hipótese, entendemos que a presença de um grande número de soldados impulsionou o surgimento de uma “Economia de Peacekeeping” contribuindo para o fortalecimento da indústria sexual, a criação de bordéis e o tráfico de pessoas para suprir a demanda recém-criada (FONTOURA, 2009), somada com o aumento da “oferta” de meninas e mulheres na prostituição devido ao contexto socioeconômico dessas vítimas. Logo, a “Economia de Peacekeeping” é tanto uma consequência da instituição da missão como uma causa do aumento dos casos de exploração sexual.

Ademais, o Haiti não possuía uma indústria sexual consolidada para atender à nova demanda, levando os traficantes a recorrerem à República Dominicana para supri-la. Muitas mulheres foram para o Haiti com a promessa de trabalhar como garçonetes, empregadas domésticas ou diaristas, porém a maioria teve que se prostituir em boates e bordéis gerenciados por redes internacionais de tráfico humano (Kathleen JENNINGS; Vesna NIKOLIć-RISTANOVIć, 2009).

Umas das vítimas relatou que foi para o Haiti para trabalhar como garçonete em um bar, mas, após ser enganada, tornou-se prostituta. Conforme a jovem, mesmo não “gostando de trabalhar no país”, ela não tem escolha, já que os passaportes das mulheres são retidos pelos empregadores (Jessica DESVARIEUX, 2010). Outra mulher aponta que deixou a República Dominicana com a pretensão de ganhar muito dinheiro. Contudo, os lucros são baixos (cerca de $150 por noite), e são divididos com o dono da boate, enquanto o restante é para pagamento das despesas de onde mora e para enviar para o filho que vive com a avó no seu país de origem (Kyle MUNZENRIEDER, 2010).

O governo haitiano e ONGs encontraram vários casos de tráfico infantil que ocorrem em domicílios que recebiam crianças órfãs. Eram cerca de 230 mil moradias e inúmeras denúncias de abusos sexuais, espancamentos e escravidão por membros da família desses locais. Além disso, acredita-se que crianças de 4 a 12 anos de idade que conseguiam fugir dessas residências e viviam nas ruas eram sequestradas, obrigadas a trabalhar em bordéis e vendidas sexualmente para soldados da ONU e atores internacionais (UNCHR, 2010).

A conjuntura de pós-conflito do país é um dos principais fatores para a prevalência do abuso e da exploração sexual. As altas taxas de violência, corrupção, pobreza, fome e sua população em extrema vulnerabilidade social e econômica inseriram meninas e mulheres em uma posição de fragilidade, agravada pela perda de membros da família nos conflitos ou nos desastres naturais. Nesse contexto, elas são obrigadas a se tornar provedoras de seus lares ou se tornam órfãs.

Ademais, a falta de educação impossibilitou que elas conseguissem empregos formais, o que explica que muitas recorreram à prostituição como meio de sobrevivência (Robert RUBINSTEIN, 2003, p. 44). A presença internacional é considerada uma das únicas maneiras de se conseguir dinheiro, remédio e alimentos, ou como a última forma de se ascender socialmente e obter a oportunidade de um padrão de vida minimamente digno. Partes significativas dos cidadãos do país estão vivendo em condições de precariedade, em que as necessidades imediatas são urgentes e, às vezes, a sua única solução é a mercantilização do corpo. Assim, a pobreza é um fator significativo para compreender o envolvimento de meninas e mulheres na exploração sexual (Renata LEÃO; Joana MOURA, 2016).

Uma jovem relatou que, após não comer por três dias, pediu dinheiro para um homem que passava pela rua, que lhe respondeu que ela precisava “dar algo em troca”. Com fome e sem dinheiro, a garota decidiu fazer sexo com ele, iniciando sua vida na prostituição. Após essa inserção, ela alega que conseguiu comprar uma “barraca, roupas e um celular” (Lisa ARMSTRONG, 2017). Uma jovem de 15 anos descreveu que:

Estavam meus amigos e eu andando pelo Palácio Nacional quando encontramos uma dupla de Agentes humanitários. Os homens nos chamaram, nos mostraram seus pênis e nos ofereceram 100 “gourdes Haitianos” (USS $ 2,80) e chocolate para chuparmos eles. Eu disse não, mas algumas meninas fizeram isso e conseguiram o dinheiro (Corinna CSÁKY, 2008, p. 5 [tradução nossa]).

Em outro agrupamento estão as “garotas privadas” ou homegirls, que geralmente vivem com a família e envolvem-se em relações com pacificadores para melhorarem seu padrão de vida. Desse modo, conseguem meios para pagar por “cuidados dentários, consertos, mensalidades para irmãos ou filhos [...] bem como compra de utensílios domésticos e eletrodomésticos” (Athena KOLBE, 2015, p. 12 [tradução nossa]).

Nesses relacionamentos, existe um flerte antes do contato sexual, e as mulheres ganham presentes, como perfumes, roupas, celulares, computadores e joias. As vítimas descrevem a relação como um “namoro”, e essa classificação surge devido ao apoio financeiro e emocional que os pacificadores dão para as vítimas, que são, em sua maioria, jovens que frequentam a escola e precisam de alguém que pague os materiais escolares, uniformes e alimentos. Todos os dias há coisas que eu quero. Um novo telefone. Sapatos. Eu posso comprá-los ou posso pedir [um pacificador] para comprá-los para mim. Se eu parar [engajar-se em sexo transacional], não tenho [as coisas que quero]” (KOLBE, 2015, p. 12 [tradução nossa]).

Outras mulheres demonstram quais são suas motivações: “Uma mulher que [se envolve em sexo transacional] pode obter dinheiro para escola profissional. Ela pode pagar pela educação. Ela pode ter oportunidade” (KOLBE, 2015, p. 14 [tradução nossa]). Em outro relato:

Não vou mentir. Parte da minha motivação são as coisas que percebo que não preciso. Toda mulher quer ter coisas boas. Quando ele me dá dinheiro é como um pagamento. Mas quando ele me dá um colar ou um perfume, que diz que ele gosta de mim. Eu sei que ele é casado. Não tenho ilusões que isso vai durar. Mas por agora, eu gosto que ele goste de mim e que ele me dá presentes que eu gosto (KOLBE, 2015, p. 12 [tradução nossa]).

Todas as mulheres têm que escolher um homem. Eu escolhi os homens que me dão o que preciso. Dou-lhes o sexo... e eles me dão dinheiro. Dão-me comida. Eles pagam taxas da escola do meu filho [...] Para dizer a verdade, minhas amigas estão todas com inveja! Elas têm um homem que lhes deu apenas um bebê. Ele não pode comprar leite de que o bebê precisa. [...] eu tenho sorte e meus amigos sabem disso! Eu faço, pego o que recebo dele, e ele sai. Não tenho de cozinhar para ele ou lavar as roupas dele (KOLBE, 2015, p. 13 [tradução nossa]).

Ele paga as taxas da minha escola. Ele me leva para dançar. Ele compra um bom jantar. Se minha mãe está doente, ele compra a medicação de que ela precisa. [...] eu preciso ser romântica com ele, mesmo que eu não tenha esses sentimentos. Sou obrigada a fazer sexo com ele, mesmo se eu tenho uma dor de cabeça e não quero fazer sexo. Devo fazê-lo, porque, se não temos ninguém para pagar as coisas que preciso, vou ter que sair da escola (KOLBE, 2015, p. 9 [tradução nossa]).

Nesses casos em que as jovens se envolvem conscientemente com os pacificadores, mesmo que elas não se associem com a prostituição para garantir a subsistência, elas ainda estão inseridas em um país pobre e desigual. Tendo isto em perspectiva, podemos considerar que a imposição de padrões de consumo, elaborados pela ordem societária vigente, é um fator importante para apreendermos as determinações da exploração sexual nos tempos contemporâneos, tendo em vista que o desejo de “mudar de vida”, no caso expresso em poder de consumo, é cada vez mais visível nas crianças e adolescentes que estão imersas na exploração sexual. Assim, o poder de consumo representa uma espécie de mudança de vida (LEÃO; MOURA, 2016) para as meninas e mulheres que se envolvem no relacionamento transacional, pois essa é a única maneira de elas conseguirem ir a um restaurante, ao cinema, continuar na escola, ter um celular, roupas e outros bens materiais.

Há de se destacar também as diferentes posições nesses tipos de relacionamento. Nos exemplos relatados, a intimidação e coerção são comuns na maioria dessas relações, pois existe uma grande assimetria de poder entre um homem militar armado e funcionário da ONU e uma mulher negra e pobre de um país subdesenvolvido. Conforme um relato, “uma mulher que fala abertamente com seu homem, sendo sincera e direta, ela tem controle igual no relacionamento. Eu poderia nunca, nunca, jamais fazer isso com [um pacificador], porque então eu seria deixada sozinha” (KOLBE, 2015, p. 15 [tradução nossa]). Em outro caso, uma informante diz que “não foi estupro, mas também não foi exatamente consensual. Eu senti que não tinha escolha” (DODDS, 2017). Outra vítima enfatiza: “Não acho que você pode realmente ter [um pacificador] como um namorado ou marido. Com um namorado ou um marido você precisa ser capaz de dizer não. [...] Com [um pacificador] você não pode realmente dizer não” (KOLBE, 2015, p. 14 [tradução nossa]).

Além do sentimento de impotência, inferioridade e medo, os relacionamentos entre moradoras locais e soldados da paz deixam sequelas, como a disseminação de HIV/AIDS na comunidade. Geralmente, as mulheres não sabem a importância do uso do preservativo em todas as relações sexuais com os soldados para prevenir DSTs ou uma gravidez indesejada: “Eu apenas pergunto [ao pacificador] se ele precisa usar preservativo ou não. Eles têm médicos na base. Eu sei que eles os testam para doenças. Então, se ele não precisa usar, então não usamos” (KOLBE, 2015, p. 15 [tradução nossa]).

Outra jovem alega: “Pessoalmente, eu não sugiro preservativos, mas se ele traz um, eu o colocarei, depois de algumas vezes eles param de trazer os preservativos” (KOLBE, 2015, p. 16 [tradução nossa]). “Se você ainda estiver usando um preservativo após uns alguns meses, dirão ao homem que você não é uma garota confiável” (KOLBE, 2015 p. 16 [tradução nossa]). “Quando ele me liga e diz para ir encontrá-lo, eu sei precisamente o que ele quer, naquela hora ele está de bom humor e não quero irritá-lo, dizendo: ‘vamos usar um preservativo’” (KOLBE, 2015, p. 16 [tradução nossa]).

Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), a presença dos militares da ONU aumenta a proliferação da doença, colocando em risco a saúde da população (UNAIDS, 2003, p. 43). As mulheres são as mais vulneráveis ao contágio do HIV/AIDS, tanto pela questão de desigualdade de gênero, como pela impossibilidade de negociar o uso do preservativo com os agentes ou pelo desconhecimento sobre a contaminação de DSTs.

Por fim, uma consequência importante dos abusos e exploração sexual no país é o nascimento dos peacekeeping babies, crianças que têm como pai os soldados, mas normalmente são abandonadas por eles após o fim da missão. É o caso, por exemplo, de uma jovem haitiana que, após descobrir a gravidez, teve de enfrentar acusações por parte de funcionários da ONU que alegavam estar mentindo sobre seu relacionamento com o pacificador. A vítima, então, há mais de uma década reivindica que o pai de sua filha assuma a paternidade para que possa apoiá-la economicamente (DODDS, 2017). Em outro caso, uma jovem de 16 anos relatou que foi levada para as residências das tropas brasileiras para receber alimentos, mas foi estuprada com uma arma apontada para sua cabeça. Ela engravidou e diz que chega a imaginar-se “estrangulando a filha”. Outra vítima revela que foi violentada também por um soldado brasileiro em 2008, engravidou, e o filho a acompanha pelas ruas para pedir comida (Jamil CHADE, 2017).

Essas mulheres são estigmatizadas pela comunidade por terem se envolvido com estrangeiros ou por serem mães solteiras. E tal situação causa, à criança, uma possível rejeição por parte de parentes ou da própria mãe, que terá de cuidar dela sozinha em um Estado frágil, que não consegue suprir as necessidades básicas dos seus cidadãos.

Considerações finais

Ao longo do presente artigo, procuramos apresentar potenciais fatores que contribuíram para a emergência de casos de abuso e violência sexual ocorridos durante a vigência da MINUSTAH. A partir disso, pode-se dizer que não existe apenas uma causa específica que criou as condições para os abusos, mas sim um conjunto de elementos que contribuíram para tão infeliz conjuntura.

Consideramos que a instituição da MINUSTAH estabeleceu uma “Economia de Peacekeeping” que contribuiu para o fortalecimento de uma indústria sexual e, consequentemente, o aumento da demanda por prostitutas, bem como a expansão do tráfico nacional e internacional de pessoas para suprir a demanda do mercado. Ademais, a conjuntura socioeconômica do país, marcada por altas taxas de pobreza e desemprego ocasionadas pelos conflitos políticos e desastres ambientais, inseriu a população em uma situação de extrema vulnerabilidade, obrigando meninas e mulheres que, em sua grande maioria, não tiveram acesso à educação e não possuíam experiências profissionais, a se prostituir por dinheiro ou itens básicos de sobrevivência.

Em outro agrupamento de vítimas, estavam as jovens que optaram por um relacionamento transacional com um pacificador para melhorarem seu padrão de vida e da família. Em busca de bens materiais, as mulheres haitianas envolveram-se em um namoro com um peacekeeper para que, além de dinheiro, alimentos e presentes, elas também se mantivessem em um “círculo de proteção” existente quando se “namora” um agente da paz. Com base no argumento desenvolvido, pode-se dizer que o abuso e a exploração sexual contribuem para perpetuar a dependência econômica da mulher haitiana em relação ao pacificador, pois sua inserção social em boa medida lhe apresenta como caminho mais fácil a prostituição. Mediante uma perspectiva feminista, reconhecemos como as relações de poder são fortalecidas por meio da dominação sexual e econômica sobre a mulher.

Tendo em perspectiva o cenário e as causas discutidas, cabe a questão: o que resta fazer para dirimir tais casos? Primeiramente, é importante reconhecer que a ONU e diversos países envidam esforços para promover ações relativas à igualdade de gênero no âmbito das missões de paz. No entanto, ainda há a necessidade de que tais ações sejam implementadas e que as denúncias e as acusações possam ser realizadas pelas vítimas sem constrangimento e de forma mais acessível, e, do mesmo modo, as investigações devem ser realizadas de forma mais eficiente.

Todavia, como pudemos ver, sobretudo a partir das contribuições feministas, muitos dos problemas não se resumem a aperfeiçoamento institucional. Pelo contrário, instituições embebidas em uma cultura sexista tendem a ser vetores de reprodução dessa mesma cultura. O desafio é mais profundo, demandando a desconstrução de um sistema que organiza as relações sociais com base em preconceitos de gênero. Logo, um aspecto importante é que se multipliquem trabalhos que procurem compreender temas de segurança internacional a partir de perspectivas feministas. Se tal caminho faz sentido, o presente artigo é nossa modesta contribuição.

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1General do exército brasileiro, o General Carlos Alberto dos Santos Cruz foi Force Commander da MINUSTAH entre 2007 e 2009, posteriormente servindo também na MONUSCO.

2Destacamos, além dos documentos oficiais da própria ONU, os relatórios da ONG Save the Children (CSÁKY, 2008), do Instituto Igarapé (HAMMAN, 2012), HUMAN RIGHTS WATCH (2016), assim como reportagens da imprensa mundial.

3A ideia não é esgotar e tampouco sugerir uma divisão definitiva sobre as diferentes correntes do feminismo. Para uma introdução à diversidade das teorias feministas, ver Luis Felipe MIGUEL e Flávia BIROLI. Teoria Política Feminista: textos centrais. Vinhedo: Horizonte, 2013.

4Médico de formação, François Duvalier foi presidente do Haiti entre 1957 e 1971.

5Advogado de formação, Jean-Claude Duvalier sucedeu seu pai e comandou o Haiti entre 1971 e 1986.

6Advogado de formação, Boniface Alexandre serviu como presidente interino do Haiti de 2004 a 2006, sendo posteriormente substituído por René Préval.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: TOLEDO, Aureo; BRAGA, Lorraine Morais. “Abuso e exploração sexual em operações de paz: o caso da MINUSTAH”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 3, e60992, 2020.

Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG - Projeto de Pesquisa APG-00605-17

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 09 de Janeiro de 2019; Revisado: 26 de Agosto de 2019; Aceito: 29 de Novembro de 2019

ie@ufu.br

aureotoledo@ufu.br

Aureo Toledo (aureotoledo@ufu.br) é professor da Universidade Federal de Uberlândia, atuando na Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da mesma instituição.

Lorraine Morais Braga (ie@ufu.br) é graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Uberlândia e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Relações Internacionais da mesma instituição.

Contribuição de autoria: Aureo Toledo: Responsável pelo enquadramento teórico, considerações finais e revisão do manuscrito à luz dos comentários das/os pareceristas. Lorraine Morais Braga: Coleta e análise dos dados empíricos. A versão original deste artigo foi traduzida para o inglês por Tony O’Sullivan.

Conflito de interesses: Não se aplica

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