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Revista Estudos Feministas

versión impresa ISSN 0104-026Xversión On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.28 no.3 Florianópolis set./dic. 2020  Epub 01-Sep-2020

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2020v28n363035 

Artigos

Feminismos criminológicos e “tecnopolíticas”: novos ‘quadros’ para violência de gênero

Criminological Feminisms and Technopolitics: New Frames for Gender Based Violence

1Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. 90619-900 - ppgccrim@pucrs.br


Resumo:

Este artigo baseia-se em algumas questões que levam a repensar os debates da ‘criminologia feminista’ no Brasil e propor formulações criativas para pensar outras formas de enfrentamento da violência de gênero, incluindo movimentos sociais compartilhados que utilizam recursos tecnológicos como estratégias de resistência. Propõe-se o uso de hashtags como ferramentas feministas de análise para compreender os fenômenos da violência localizada. Para tanto, serão utilizadas as hashtags #meuprimeiroassedio, #chegadefiufiu e #meuamigosecreto para analisar novos significados de justiça promovidos pelos movimentos feministas, que aparentemente não priorizam o uso do poder punitivo. Da mesma forma, busca-se, por meio do movimento #EleNão, reconhecido como tecnopolítica democrática feminista, reformular as possibilidades de analisar o campo criminológico e enfrentar a violência de gênero a partir de uma perspectiva micro e macropolítica.

Palavras-chave: criminologia feminista; tecnopolíticas; feminismos transnacionais; racionalidade punitiva

Abstract:

This article is based on some questions that seek to rethink the debates of ‘feminist criminology’ in Brazil and propose creative formulations to think about other forms of coping with gender violence, including shared social movements that use technological resources such as strategies of resistance . It is proposed to use hashtags as feminist tools of analysis to understand the phenomena of localized violence. In order to do so, it will use the hashtags #meuprimeiroassedio, #chegadefiufiu, and #mysecretfriend to analyze new meanings of justice promoted by the feminist movements, which apparently do not prioritize the use of punitive power. In the same way, one seeks from the #EleNão movement, recognized as feminist democratic technopolitics, to reformulate the possibilities of analyzing the criminological field and confronting gender violence from a micro and macro political perspective.

Keywords: Feminist Criminology; Technopolitics; Transnational Feminisms; Punitive Reason

1 Introdução

Este artigo tem como base de apoio algumas interrogações que visam repensar os debates da ‘criminologia feminista’ no Brasil e propor formulações criativas para pensar outras formas de enfrentamento à violência de gênero, incluindo movimentos sociais compartilhados que utilizam recursos tecnológicos como estratégias de resistência.

Há centralmente duas questões que suscitam análises sobre o tema, as quais consistem em: a) Como o poder punitivo está enfrentando a violência de gênero e a violência contra as mulheres no Brasil? b) Como as ferramentas digitais estão sendo usadas como elementos estratégicos contra as violências de gênero? c) Como é que o ‘ativismo hashtag’ é responsável pela criação de laços entre as mulheres, construindo redes de apoio mútuo e reforçando a consciência dos direitos sociais e legais?

Inicialmente proponho trabalhar com duas frentes de investigação para pensar as questões aqui mencionadas. A primeira é identificar como as novas tecnologias, especialmente as mídias sociais, estão promovendo um confronto transnacional por meio das ferramentas feministas de análise para entender aos fenômenos da violência localizada. Para tanto, utilizarei as hashtags #meuprimeiroassedio, #chegadefiufiu e #meuamigosecreto para analisar novos sentidos de justiça promovidos pelos movimentos feministas, que aparentemente não priorizam o uso do poder punitivo.

A segunda proposta é identificar como e se há certa racionalidade punitiva na exposição da violência pelas mídias sociais e de que maneira é possível ampliar a leitura desses instrumentos como mecanismos de novas proposições políticas. Nesse sentido, invisto na tentativa de entender o #EleNão, movimento brasileiro desenvolvido como uma tecnopolítica democrática feminista, para reformular os desejos de novos mundos possíveis.

Essas duas abordagens desempenham um papel na busca para reformular as questões da ‘criminologia feminista’, entendendo que a interseccionalidade é o nó radical de uma tecnologia contrassexual (Paul B. PRECIADO, 2017) de resistência à violência de gênero e ao neoliberalismo (Verónica GAGO, 2014), assinalada pelo conservadorismo patriarcal da supremacia branca colonial.

2 Notas contextuais desde o Brasil

No Brasil os debates sobre violência de gênero que atravessam os estudos criminológicos têm sido construídos especialmente por uma produção reativa aos processos de criminalização de violência doméstica e violência sexual contra as mulheres, enfoque direcionado às relações interpessoais.

Outro elemento de aproximação entre a criminologia e os ‘problemas de gênero’ (Judith BUTLER, 2009) está na produção crítica sobre o encarceramento de mulheres, desdobramento de um crescimento alargado do aprisionamento feminino de 670% (Thandara SANTOS, 2018) nos últimos 13 anos, implicado na política de drogas brasileira e atravessado pela política genocida do Estado brasileiro forjado desde um racismo misógino (Priscila Duarte REIS, 2019).

A partir do saber autoanunciado ‘criminologia feminista’, movimento de construção de uma criminologia crítica preocupada com as violências de gênero, o que se tem desenvolvido nas discussões brasileiras sobre a inclusão estratégica das teorias feministas nas pesquisas da criminologia se traduz ainda em um encontro de baixa intensidade reflexiva em termos de gênero. A produção crítica vista como fruto de contaminações por problemáticas ‘extrajurídicas’ das teorias feministas está, em regra, reduzida a questões jurídico-penais. Trata-se de uma espécie de tradução simplificadora das complexidades dos saberes de gênero, consubstancialmente capturadas pela discussão da estratégia penal como legítima contra a ‘violência de gênero’, reduzida à identidade ‘mulher’ - não necessariamente vinculada aos significados biológicos da expressão.

Pode-se também afirmar que a ‘criminologia feminista’ - operada tradicionalmente na esfera do poder punitivo - surge desde o interior dos saberes criminológicos. Daí a preocupação, em geral, apenas com a crítica às políticas legislativas ou com a operacionalidade judiciária da violência contra as mulheres (Marilia MONTENEGRO, 2015; Soraia da Rosa MENDES, 2014; Luanna Tomaz de SOUZA, 2016; Carmen Hein de CAMPOS, 1998; 2003; 2013; Ela Wiecko Volkmer de CASTILHO, 2016; Mariana Barrêto Nóbrega de LUCENA, 2016; Isabella Miranda da SILVA, 2015; Elisa Girotti CELMER, 2008; Carla Marrone ALIMENA, 2010; Guita G. DEBERT; Maria Filomena GREGORI; Adriana PISCITELLI, 2006). Essa constatação permite inclusive compreender por que o debate criminológico sobre violência contra mulher permaneceu de forma quase hegemônica restrito às violências de âmbito doméstico e sexuais, haja vista sua emergência ter ocorrido desde o avanço das novas propostas estatais criminalizadoras.1

Essa captura de sentido das práticas feministas desde o objeto criminológico como violência de gênero configura-se profundamente representativa das leituras produzidas até recentemente, as quais, em resumo, materializam-se nas figuras da mulher vítima ou autora.

Inclusive, esse movimento da ‘criminologia feminista’, enquanto reação aos processos de políticas legislativas criminalizantes, permite também compreender o porquê dos debates feministas sobre encarceramento de mulheres terem se tornado uma preocupação mais urgente nos últimos anos, mas ainda assim não ocuparem posição ‘de destaque’ dentro das reflexões, mantendo-se como uma expressão autônoma (‘mulheres encarceradas’).

Os processos de criminalização e aprisionamento de mulheres, majoritariamente negras, decorrentes da Lei 11.343, de 2006 (BRASIL, 2006), projetaram uma necessidade de reanálise sobre os discursos criminológicos contaminados pelas teorias feministas ao encarar os efeitos agudos intensificados pelo cárcere sobre os corpos das mulheres aprisionadas e na sistematização da vida das mulheres afetadas pelo encarceramento (Dina ALVES, 2017, p. 97-120), as quais se tornaram responsáveis pela manutenção do sistema carcerário (Rafael GODOI, 2016, p. 1-18; Juliana BORGES, 2018) ampliado após o aumento exponencial das prisões vinculadas à política de drogas.

As discussões estabelecidas pelos debates entre ‘mulheres e prisão’ são aquelas que têm contribuído mais substancialmente para um alargamento e para uma qualificação dos debates de gênero, constituídos pelos recortes de racialidade que envolvem a produção criminológica.

Esse movimento exposto dialoga com o que já vem sendo produzido e investigado, mas aqui busca consolidar novos direcionamentos para os debates da violência de gênero no Brasil. Conforme expõe Camila Prando (2018, p. 74), as disputas pelos discursos criminológicos, atravessadas pelos debates de gênero desde os anos 90 no Brasil, com novas identidades, novos olhares, maior alcance e com certa modificação dos sentidos dessa criminologia feminista compreendida até então, fazem parte da chamada terceira onda das apropriações da Criminologia Crítica no Brasil (Eduarda GINDRI, 2018; Paula G. ALVES, 2018).2

Essas lutas que permeiam as narrativas da criminologia brasileira refletem o que Alves (2018) categoriza como movimentos de ‘retornar’, construindo, “a partir do que não foi realizado”, um voltar ao passado, e ‘ressignificar’, propondo “novos horizontes e visões pouco exploradas pelos campos da criminologia, sobretudo outros significados, incorporar pautas de gênero, raça, população trans [...]” (2018, p. 236).

Nesse sentido, as investigações mais recentes, pautadas por uma proposta de produção de conhecimento abertamente militante sobre o encarceramento e sobre as interrogações do funcionamento racista do sistema de justiça criminal, produzidas desde um olhar ‘interseccional’ (Kimberlé CRENSHAW, 1991), vão apontar para a urgência de um alargamento das percepções e preocupações do saber criminológico, considerando a imbricação radical entre violência doméstica contra a mulher e violências estatais e estruturais, entrecruzadas pela racialidade e suas nuances da ordem neoliberal. O debate sobre o racismo, relações de trabalho, precarização econômica, feminização da pobreza, intervenções militarizadas sobre as favelas, processos de gentrificação, projetos de acesso à moradia popular etc., não raro, constitui problemática apontada como pouco presentes na discussão da dita criminologia feminista brasileira.

Este elemento de reconfiguração das pesquisas e lutas feministas aproximadas aos saberes da criminologia crítica foi especialmente marcado pelas novas políticas de acesso às universidades brasileiras (PORTAL GELEDÉS, 2018). Não só as políticas de cotas às universidades públicas introduzidas pelos governos PT no início dos anos 2000 foram substancialmente importantes, mas também as políticas promovidas pelo capitalismo de Estado (Vladimir SAFATLE, 2017; Augusto Jobim do AMARAL, 2018, p. 129-146) que marcou esse período pela facilitação de crédito aceleraram o ingresso de novos grupos sociais às instituições privadas de ensino superior. Essa ampliação do acesso ao ensino superior permitiu pluralizar espaços hegemônicos e homogêneos, públicos ou privados, que até então se estabeleciam enquanto redoma reprodutora de privilégios e que realimentavam suas produções como manutenção do domínio na produção do saber (Michel FOUCAULT, 1996).

Nesse sentido, essas políticas de inclusão foram responsáveis de forma bastante radical pela ampliação dos debates políticos na academia, posicionados enquanto via de conhecimento forjado desde uma nuance ‘ativista’, cujo reconhecimento das desigualdades e da distribuição desigual de oportunidades no Brasil se tornou elemento central de análise desde outros olhares antes invisibilizados. Tais contornos impactam o cenário da crítica produzida que confrontam toda uma produção de saber acadêmico até então estabelecido “sobre o ‘outro’” (Sueli CARNEIRO, 2005; Ana Luiza Pinheiro FLAUZINA, 2008; Gayatri Chakravorty SPIVAK, 1997), deslocando para a construção de um saber político produzido “por nós e para nós” (bell hooks, 2000).

A centralidade das realidades sociais, desde uma interlocução com os movimentos sociais - organizados ou/e autônomos -, revelou nas produções acadêmicas uma fissura dramática nas interrogações prioritárias de pesquisa e ensino. É por meio desses novos reajustes que a própria aproximação entre violência de gênero e poder punitivo vai ser tomada por novas possibilidades de análise.

Entre esses elementos de redistribuição econômica também se encontra outro aspecto importante para a produção de novas interrogações e novos desafios aos movimentos feministas e sua consequente reflexão. O acesso à internet, especialmente com o uso de celulares e com a possibilidade de aquisição (Fernando S. MEIRELLES, 2018) de aparelhos eletrônicos com a utilização de crédito facilitado trouxe novas modalidades de produção de conhecimento e disputas pelos discursos políticos antes compartimentados em espaços assinalados pela artificial neutralidade em que conhecimento se produzia na universidade e política se fazia nas ruas.

Aqui não me proponho a desenvolver, sequer enumerar, todos os contornos que fomentaram as propulsões de insurreições ocorridas nos últimos anos no Brasil. Esses pontos trazidos são ‘nós’ simbólicos de um reajuste material que permite essa análise hoje.

3 Feminismos criminológicos: new frames

Dessa forma, reconhecendo as novas perspectivas que redirecionam os debates, assinalados, inclusive, pela reformulação de perguntas e estratégias de enfrentamento aos problemas sociais, aqui violência de gênero e efeitos de poder punitivo, busca-se promover um novo enquadramento (BUTLER, 2015a) para traçar horizontes distintos em que as pulsões vitais sejam tomadas como potência germinal de uma frente feminista transnacional antirracista e antipunitivista (Julia SUDBURY, 2002, p. 57-74).

Para tanto, investe-se inicialmente no deslocamento da ‘criminologia feminista’ ao conceito de ‘feminismos criminológicos’ propostos a partir de três pontos centrais: 1) Escuta das denúncias do movimento feminista negro tocadas pelos diálogos abolicionistas (Angela DAVIS, 2009; 2017; SUDBURY, 2002, p. 57-74; 2004, p. 09-30; ALVES, 2015; BORGES, 2017); 2) Enfrentamento dos problemas de violência de gênero permeados pelas contaminações estratégicas macropolíticas - de se lutar contra a opressão - e as micropolíticas - como corte radical de produção de subjetividades ao se lutar pela vida (Félix GUATTARI; Suely ROLNIK, 1996); e 3) Desde um feminismo transnacional em que gênero seja delineado como uma ‘tecnologia contrassexual’ (PRECIADO, 2017), que rompa com as tradicionais ferramentas (Audre LORDE, 2013) disponíveis na direção da produção de subjetividades subversivas que resistam e existam para além das linhas de força punitivas, aqui exploradas nas hashtags.

Importante apontar que é a partir de narrativas não adjetivadas que se insiste numa mudança de linguagem da ‘criminologia feminista’ para ‘feminismos criminológicos’, não só porque a pluralidade se coloca anunciada resguardando singularidades, identidades distintas, estratégias teóricas e posicionalidades diversas, mas também porque releva uma implicação radical de gênero na busca pela compreensão dos problemas político-sociais (e os debates criminológicos como um deles) expostos pelas realidades compartilhadas pelos efeitos do neoliberalismo criminalizador.

Conforme expõe Alves (2015), a sua perspectiva enquanto “estratégia teórica é formulada desde uma teoria feminista negra como alternativa para localizar e interpretar a distribuição da punição no sistema de justiça penal paulista” (ALVES, 2017, p. 101). Essa posição anterior revela uma narrativa política que toma o sistema de justiça como um dos efeitos das relações de poder das agências coloniais e da distribuição de violência imposta como foco de análise, que no caso de sua pesquisa “Rés negras, judiciário branco: uma análise da interseccionalidade de gênero, raça e classe na produção da punição em uma prisão paulistana”, recorta o sistema de justiça penal da cidade de São Paulo/BR como dispositivo “patriarcal-punitivo” e racista.

Outro elemento que se coloca nas leituras provocadas pelas estratégias teóricas do feminismo negro está em desassociar a posição das mulheres, em qualquer substrato contextual, do discurso da fragilidade feminina e das demandas de proteção hierárquica.

Desde a posição de denúncia de Sojourner Truth (2012) e da sua clássica interrogação sobre “ser mulher”, o local das identidades das mulheres negras aponta para espectros distintos de compreensão do ‘feminino’. Essa é uma posição que produz sentido diverso à figura impotente localizada na vítima, inúmeras vezes reafirmada pelo feminismo branco liberal nos pleitos por demandas de punição como mecanismos de proteção às mulheres (Catharine MacKINNON, 1983).

Davis (2009), em sua obra Democracia de abolição, afirma que o “desafio não é reivindicar oportunidades iguais para participar da maquinaria de opressão, e sim identificar e ‘desmantelar’ aquelas estruturas nas quais racismo e misoginia continuam a ser firmados”. Isso implica compreender que a posição de vítima reivindicada por meio do sistema de justiça criminal, profundamente vinculada ao status da “incapacidade” de resistência, opera como mais um elemento de reforço às estruturas de morte que marcam o funcionamento desse sistema.

Assim, pensar esse deslocamento de narratividade política desde as categorias vitimizantes a novos percursos de simbolismos e criação vital de alternativas é “desestabilizar e criar fissuras e tensionamentos a fim de fazer emergir não somente um contra discurso, mas ser contra hegemônico tendo como norte aquilo que se impõe” (Djamila RIBEIRO, 2017, p. 90).

Sueli Carneiro (2005), ao analisar “a construção do outro como não-ser”, constitui um percurso genealógico a partir do dispositivo da sexualidade proposto por Foucault, como elemento central para elaborar o conceito de “dispositivo de racialidade”. Esse dispositivo é lido enquanto estratégia de poder que produz efeitos em subjetividades conformadas que “consolidam hegemonias e subalternidades segundo o pertencimento racial” (CARNEIRO, 2005, p. 323). Nesse viés, a autora aponta de maneira radical como esses dispositivos são estratégicos nas relações de poder, afirmando que a partir da mesma confluência de forças em que se produzem subjetividades subalternas também se corporificam possibilidades constantes de se produzir resistência aos pontos de vulnerabilidade implicados nessas relações - ponto central que impede o projeto genocida contra a população negra de seu sucesso por concreto.

Essa perspectiva abre uma fratura na posição de desejo de tutela, inclusive, porque a própria perspectiva micropolítica, utilizada por Carneiro a partir de Foucault e Deleuze, aposta no desejo como potência subversiva.

É a partir da compreensão de que a subjetividade não pode ser capturada por inteiro pelas formulações de “corpos dóceis” da disciplina que o travestimento das relações que atravessam os corpos é local molecular das possibilidades de se pensar, viver e lutar por outros mundos possíveis em que as vidas das mulheres não estejam submetidas ao extermínio (Rita Laura SEGATO, 2017) ou ao silenciamento (SPIVAK, 2010). É o desejo que, para além do ‘empoderamento’ do sujeito, traduz a potencialização das vidas (ROLNIK, 2018); desejo por novos instrumentos democráticos que sejam pensados para “abolir as prisões”, superando a ideia de uma “cidadania subalternizada” (DAVIS, 2009), através da “liberdade constituída como ação e não como estado” (Wendy BROWN, 1995) fixo de direitos, tensionada sempre pelo ‘por vir’.

Desde duas linhas de análise e de compreensão sobre os sentidos de violência, buscando mudanças aos quadros de enfrentamento da violência de gênero no Brasil enquanto políticas de resistência possíveis, proponho aqui as seguintes estratégias: a primeira a partir da estratégia macropolítica, em que se atua através de uma ação por negação (ROLNIK, 2018), conhecimento desenvolvido pela aproximação às ações dos movimentos sociais, redefinindo o modo como se constroem políticas contra as opressões. No que Rolnik (2018) chama de “por negação” a estratégia macro “opera a insurreição” nas práticas que visam “combater [contra] os opressores e as leis que sustentam seu poder em todas suas manifestações na vida individual e coletiva” (p. 134).

A outra estratégia indissociável, e com efeitos mais profundos, é a micropolítica. Esse movimento do desejo se articula em “lançar-se num processo de experimentação” de reapropriação da “força vital em sua potência criadora”, em que o modo de operação seja pela afirmação, num “combate pela vida em sua essência germinativa” (ROLNIK, 2018, p. 132-135).

Esse segundo ponto dialoga profundamente com as propulsões de subjetividades que não sejam planificadas pelo cenário da ‘realidade’ e pelas ‘alternativas’ disponíveis, mas que se provoquem “ações afirmativas de um devir-outro dos personagens das relações de poder” (ROLNIK, 2018, p. 138).

É nesse sentido que as respostas reativas aos processos de criminalização operam num contorno de empobrecimento das possibilidades de criação. A reatividade é sempre direcionada pelas estratégias que ordenam corpos e vidas, portanto, realocar o debate nas vulnerabilidades forçadas pela distribuição desigual da força política enquanto bússola ética é caminho para buscar novos destinos a navegar.

O deslocamento da linguagem em torno dos “problemas de gênero” (BUTLER, 2009) e da “questão criminal” (Eugenio Raúl ZAFFARONI, 2013) também se coloca como indissociável para redefinir sentido às resistências. Utilizar-se a categoria “gênero” como “contratecnologia”, ou seja, como aposta na produção de outras formas de resistência ingovernáveis pelo poder punitivo através de estratégias compartilhadas que invistam na “democracia por vir” de “corpos em aliança” (BUTLER, 2017) é tarefa radical.

Posição aqui em que buscamos “um transfeminismo que nos permita pensar para além dos limites de nossas opções é dizer, num contexto determinado e opressor, que devemos criar instrumentos teóricos e práticos que nos ajudem a traçar estratégias [...]”. Em conclusão, “se não há outra opção, que essa não nos mate, senão que mediante nossa insurreição cotidiana nos ressignifique” (Valencia SAYAK, 2010, p. 11-12).

Por meio dessa brecha da proposta é possível pensarmos em estratégias de alianças que reformulem os sentidos de ‘justiça’, como, por exemplo, os propostos por coletivos como o Ni una menos (2019), e pelas hashtags produzidas local e globalmente por movimentos feministas, apontando novas direções para expor situações de extrema vulnerabilidade.

Nesse sentido, a partir da expressão de Paul Preciado (2017), um feminismo criminológico poderia ser delineado como uma “tecnologia contrassexual” que rompa com as tradicionais ferramentas disponíveis na direção da produção de subjetividades subversivas que resistam e existam para além das linhas de força punitivas.

4 “Tecnopolítica” como “tecnologia contrassexual”

Partindo das linhas já delineadas por inúmeras feministas, a urgência em se utilizar de instrumentos diversos para pesquisar questões que envolvem as performatividades de gênero é convocação para se reposicionar as interrogações e, por consequência, as possibilidades de respostas outras, que não as já preestabelecidas.

Se a ‘vulnerabilidade’ é estar “exposto à linguagem antes de qualquer possibilidade de formar ou formular um ato discursivo” (BUTLER, 2009), aqui se entendendo o feminismo, ao menos em parte, como “um termo político, um questionamento do poder e da possibilidade de mudança, e não somente [como] uma questão de técnica” (Morag SHIACH, 1989, p. 205), instrumentalizar os sentidos tecnológicos, hoje dispostos nas redes sociais, para interrogar os processos de linguagem por elas acessáveis, é estratégia de confronto às hierarquias naturalizadas.

Como antes exposto, busca-se aqui abandonar a posição vitimizadora implicada nas estratégias punitivas às mulheres em situação de vulnerabilidade. Nesse sentido, disputar os sentidos da linguagem que as expõem a inúmeros sentidos de violência passa por formular termos políticos atravessados pelo cotidiano das tecnologias enquanto ferramenta de reivindicação emancipatória, inclusive dentro dos próprios movimentos feministas.

É neste contexto em que se compreende que falar ‘com’ e ‘através’ do debate feminista torna-se sempre um processo de “deslocamento” (sofrido pelos agentes ao longo da história) ou de “resistência subversiva” (BUTLER, 2009) às concepções, aos papéis e às atribuições de mulheres na construção da sociedade como possibilidade de ‘novos percursos’.

Nesse sentido, apoiando-se na (não tão) metafórica (Donna HARAWAY, 2002) expressão ‘feminista ciborgue’ (HARAWAY, 2002) - entendida como um agir de resistência atravessada pela relação corpo-máquina em que as concepções do natural determinado pelo falogocentrismo (Jacques DERRIDA, 2013) e pelo dualismo sempre presente nas definições de ‘Homem’ e ‘Violência’, subordinado à construção de um pensamento racionalizado pelo homem branco, colonialista e burguês -, aproximar-se dos debates virtuais para questionar as materialidades é metodologia tecnofeminista (Judy WAJCMAN, 2006) estratégica.

Dessa forma, pensar as narrativas a partir daquilo que nos é mais material, corpo (não dócil) tocado pelas histórias daquela/es que sequer podemos dizer para aquela/es que sequer podemos prever (BUTLER, 2015b), é reconstruir a possibilidade de reconhecermos todas as vidas como vidas dignas de serem vividas (BUTLER, 2015a); é afastar a ‘consciência da exclusão’ (HARAWAY, 2002, p. 232) presente no pensamento binário disposto pelo virtual ou real, aproximando distâncias e realidades diversas como um embrião compartilhado que são as práticas “transfeministas” também forjadas inorganicamente com o uso das tecnologias, mas sempre produzidas por encontros de corpos.

Nessa fusão ciborgue em que a escrita e a fala são ferramentas subversivas que nos permitem ‘sobreviver’, o “mundo ciborgue pode ter a ver com as realidades sociais e corporais realmente vividas, um mundo onde as pessoas não têm medo da sua afinidade e ligação com os animais e as máquinas, da sua identidade permanentemente parcial nem das posições contraditórias” (HARAWAY, 2002, p. 231).

A mobilização coletiva que percorre as redes e formula movimentos de corpos em aliança também passa pelo sentido emocional. Dessa forma, se em tempos de avanços conservadores e neofundamentalistas a posição tomada por esses grupos tem sido revigorada e intensificada pela manipulação de emoções, especialmente de ressentimentos coletivos (Eliane BRUM, 2019),3 a disputa por compreender o cyberespaço e utilizá-lo como ressonância de cumplicidade, autonomia e fortalecimento político de solidariedade feminista é compromisso inadiável do ‘agora’ (COMITÉ INVISIBLE, 2017). Por isso, apostar nessa estratégia como circuito de afetos (SAFATLE, 2015) para compreender o poder punitivo trata-se de investigar se os processos de comoção gerados pelas hashtags vinculados às estratégias feministas estão acompanhados da consciência da pluralidade desse espaço e de uma agenda de resistência contra a intervenção estatal penal e os seus aparentes motivos.

4.1 #MeuPrimeiroAssédio

No final do segundo semestre de 2015, as ruas brasileiras foram tomadas por diversas investidas de movimentos feministas, o que levou esse período a ser conhecido como ‘primavera feminista’. As mobilizações foram orquestradas a partir de diversos fatores que atravessaram políticas legislativas, elementos da grande mídia nacional e uma articulação engajada pelas redes digitais.

Entre os episódios que mobilizaram os levantes à época, a hashtag #MeuPrimeiroAssedio foi um dos desdobramentos cuja importância esteve estreitamente vinculada às ações políticas daquele contexto. O lançamento da hashtag foi proposto pelo coletivo Think Olga (2013a)4 após inúmeros comentários no twitter sobre uma menina de 12 anos, participante do programa de televisão MasterChef Júnior.5 Após a estreia do programa em rede aberta nacional, uma das participantes virou assunto nas redes sociais pela sua beleza, seu corpo e, especialmente, sua sexualidade.

Esse episódio levantou alguns debates, dois especialmente foram articulados com a ação digital. O primeiro sobre pedofilia, cuja discussão atravessou abusos infantis e as investidas de assédio naturalizados, e o segundo, diretamente conectado ao primeiro, sobre os olhares que são direcionados aos corpos e sexualidade de meninas e adolescentes.

Um dos comentários que circulou na rede que levantou esse debate foi o questionamento: “Se tiver consenso é pedofilia?”. Essa interrogação, entre outras afirmações, alavancou um processo coletivo de repúdio especialmente pela naturalidade com que se propôs essa pergunta num espaço aberto como o espaço digital, evidenciando as sombras de normalidade que se dispõem sobre o cotidiano também fora das redes. Não fosse suficiente somente o teor, o que também gerou indignação foi a quantidade de outras “postagens” que seguiam a mesma toada, ao ampliar uma ferida aberta às quais meninas, adolescentes e mulheres estão expostas no Brasil, “o assédio”, mas, particularmente, agravado pelas práticas de violência na infância.

A investida, portanto, da hashtag #MeuPrimeiroAssédio, estimulava as mulheres a relembrar e relatar, pelas redes, qual era a sua lembrança mais antiga de assédio moral ou sexual, que envolvesse sua condição de mulher. De acordo com a ONG, as mulheres foram “convidadas a compartilhar suas histórias [...]”; mesmo compreendendo que não seria uma “missão simples, indolor, fácil”, afirmavam que “se apoderar da própria história seria importante, de forma que a vítima assim se reconhecesse como vítima” (THINK OLGA, 2015).

Os resultados apresentados partiram de uma coleta de 82 mil compartilhamentos da hashtag somente no twitter, em que se analisou um grupo de 3.111 histórias, as quais apontaram que “a idade média do primeiro assédio é de 9,7 anos - e grande parte dos crimes, 65%, é cometida por conhecidos” (THINK OLGA, 2015).

A página da ONG, ao publicar os detalhes sobre a campanha, relata a experiência pessoal de Juliana de Faria, fundadora da organização, como motivo do engajamento, e descreve que o silêncio sobre as experiências de abuso está assinalado pelo machismo, em que esse processo gera culpabilização das vítimas e acobertamento dos homens. Ainda, expõe que “esconder” o assunto ou negá-lo socialmente funciona para “manter as vítimas em silêncio” e que isso provoca reações diante de quaisquer reclamações, considerando-as “um exagero” ou “vitimismo”. Portanto, “descobrir-se vítima”, segundo a página, ao se reapoderar da sua história, é “muito poderoso”, pois, ao confrontá-la publicamente, a “vítima”

começa a se despir das mordaças: entende que o que aconteceu é errado, que o suporte que não recebeu ou teve medo de buscar na época são [sic] também frutos do machismo, bem como qualquer noção de que tivesse provocado ou permitido que o fato acontecesse. Descobrem-se, enfim, vítimas de assédio sexual, ainda na infância. E, finalmente, podem enxergar com clareza que existe um culpado, e que não é ela.

O discurso de justificativa da hashtag é altamente tecido pela linguagem penal. Isso estabelece que o discurso punitivo envolveu a proposta enquanto matriz de articulação. Contudo, relatar a si mesma (BUTLER, 2015b) é sempre um processo de reapropriação da vida, das narrativas ‘outras’, desviando o próprio olhar diante dos ‘restos’ do seu passado, como potência para novas trajetórias. A experiência do relatar a si é incontornável e move o destino desde os deslocamentos que se faz. Esse movimento ingovernável está também disposto nas estratégias punitivas, experiência concretizada pelas agências estatais no Brasil no caso das reivindicações da criminalização do assédio.

4.2 #Chegadefiufiu

A investida do #MeuPrimeiroAssedio foi promovida pela mesma ONG que antes já havia lançado outra campanha política contra as importunações sexuais, a “Chega de fiu fiu”, em 24 de julho 2013.

A “Chega de fiu fiu”, explica a página da organização, foi “uma campanha de combate ao assédio sexual em espaços públicos”, que inicialmente publicou “ilustrações com mensagens de repúdio a esse tipo de violência” cujos compartilhamentos atingiram milhares de pessoas nas redes sociais (THINK OLGA, 2014; 2015; 2013b). Em continuidade, devido ao impacto gerado, a “jornalista Karin Hueck elaborou um estudo online, lançado pelo Think Olga para averiguar de perto a opinião das mulheres em relação às cantadas de rua”.

O resultado apresentado após duas semanas, com a participação de “quase 8 mil participantes”, revelou que 98% das mulheres que responderam à pesquisa já haviam sofrido assédio, 83% não achavam legal, 90% já trocaram de roupa antes de sair de casa pensando onde iam por causa de assédio e 81% já haviam deixado de fazer algo (ir a algum lugar, passar na frente de uma obra, sair a pé) por esse motivo”.

O questionário inicia interrogando “onde você já recebeu cantada?” e depois estabelece a palavra ‘assédio’ como sinônimo ‘natural’ para a expressão ‘cantada’ - ambas as expressões são utilizadas ao longo do questionário sem qualquer tratamento específico que modifique ou diferencie sentidos uma da outra (THINK OLGA, 2015).

Entre os desdobramentos da campanha se elaborou um projeto intitulado “Mapa Chega de fiu fiu” (THINK OLGA, 2014), o qual é identificado pela organização como “uma ferramenta para tornar as cidades mais seguras para as mulheres ao relacionar geograficamente os locais e motivos que aumentam a incidência de casos de assédio em determinadas áreas em busca de soluções que mudem essa realidade”. O aplicativo apresenta um mapa do Brasil em que se tem três opções de ações: 1) Buscar pelo nome da cidade, verificar as regiões de experiências relatadas e visualizar os relatos apresentados pela tag de localização. Os relatos são geralmente anônimos, apontando somente local, horário. 2) Outra opção é para compartilhar sua própria história na página - “Compartilhe sua história” - e a última 3) é para realizar uma denúncia sobre “o que viu”, ou seja, relatar uma situação que presenciou, mas que não tenha ela mesma sofrido - “Denuncie o que viu”.

As ferramentas 2 e 3 dispõem de espaços para preencher “tipo de assédio” - com opções fornecidas pela própria página -, data, período do dia, renda, escolaridade, idade, cor, nome, e-mail, descrição e uma opção para publicar anonimamente. Frisa-se que esses elementos dispostos pelo site para apresentar testemunhos online possuem os mesmos critérios de preenchimento de um Boletim de Ocorrência em caso de relatos às agências policiais, com a diferença de que há a possibilidade de manter anonimato ou escolher a opção “prefiro não dizer” disponível em alguns dos itens.

O outro resultado da campanha foi o documentário longa-metragem Chega de fiu-fiu, desenvolvido por inspiração na pesquisa de mesmo nome realizada pelo Think Olga (2018), e lançado em maio de 2018. Para as diretoras Amanda Kamanchek Lemos e Fernanda Frazão (2018), a pergunta que movimenta a produção é “as cidades foram feitas para as mulheres?”.

O filme tem como prioridade, de acordo com as diretoras, “explicar quais são os tipos de assédio e como a lei enxerga esses crimes”, sob o argumento de que “a ideia é fazer com que as mulheres entendam quais são os dispositivos legais. Porque se você chega hoje (05/2018) em uma delegacia e fala que sofreu assédio, na verdade, você tem pouco respaldo. É importante conhecer a Lei”, completam. Ainda, afirmam que “o filme serve para cutucar as pessoas. Ele não é só feito para explicar a realidade. Ele também é feito para cutucar o pensamento, refletir, questionar as verdades que estão postas” (Andréa MARTINELLI, 2018).

Esses três processos vinculados à mesma campanha compartilham a leitura punitiva implicada nas demandas de ‘segurança’ das mulheres. Inclusive, as narrativas de todas essas experiências atravessam a exigência (1) de caracterização da conduta ‘crime’, reverberada por expressões como ‘denúncia’; (2) da equiparação entre ‘cantada’ e ‘assédio’; (3) do conhecimento da ‘lei’ penal; (4) do combate à subnotificação das ocorrências ao sistema de justiça criminal; e (5) de possibilitar que as “vítimas” compreendam que não estão sozinhas e que o que ocorre não é somente com elas.

O que se faz importante para compreender essa linguagem e as demandas de punição nela implicadas é que, até final de 2018, o comportamento ‘assédio’ não era previsto criminalmente sob tal semântica. Contudo, a partir de movimentos recentes de demandas de tipificação específica, o crime de importunação sexual foi incluído na legislação penal a partir da alteração do Código Penal (Lei 13.718, de 24 de setembro de 2018) (BRASIL, 2018), o qual passou a prever também a conduta de “divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia”, e as causas de aumento de pena nos casos de ‘estupro coletivo’ e ‘estupro corretivo’.

Essa alteração ainda modificou a forma de se instaurar o procedimento penal pelas autoridades responsáveis. Até então era exigido que, nos casos de “crimes contra a liberdade sexual”, a vítima representasse contra o autor, ou seja, era indispensável a intenção manifestamente expressa - por parte da vítima - em processar o agressor. Contudo, desde a referida modificação, o procedimento processual penal deverá ser iniciado mesmo sem desejo expresso e seu prosseguimento deverá ser realizado mesmo quando a vítima não queira acompanhar seu desdobramento.

4.3 #MeuAmigoSecreto

Outro movimento das redes que foi profundamente tocado pelo contexto que compartilhou narrativas aos corpos que ocuparam as ruas da ‘primavera feminista’ no Brasil foi a hashtag #MeuAmigoSecreto, iniciada no twitter.

A investida digital espontânea aparentemente teve seu início na comunidade feminista online ‘Não me Kahlo’ (Márcio PADRÃO, 2015). A ação se produziu enquanto aproximação irônica a uma brincadeira típica brasileira de festas de fim de ano em que, ao se reunirem familiares e amigos para troca de presentes, se dá dicas sobre características da pessoa para que os demais descubram quem será presenteado.

De forma bastante distinta da ação tecnológica promovida pelo #MeuPrimeiroAssédio, o #MeuAmigoSecreto revelou uma série de depoimentos curtos sobre comportamentos opressores naturalizados, ou melhor dizendo, hipocrisias, expondo o cotidiano das mulheres em suas relações interpessoais através de práticas que estão radicalmente presentes nos circuitos diários. Não se tratou de apontar condutas que estariam relacionadas estreitamente com materialidades reconhecidas como violentas, passíveis de qualquer debate penal, e sim de identificar uma série de comportamentos incoerentes praticada entre as pessoas de sua convivência, as quais muitas vezes não se reconhecem no local de hierarquia e de reprodução das violências sistemáticas produzidas pelo preconceito racial, sexual etc.

De acordo com um portal online, as primeiras ‘postagens’ foram desdobradas do seguinte comentário: “Meu amigo secreto diz que aborto é assassinato mas pediu pra namorada abortar quando ela engravidou” (PADRÃO, 2015). Como hashtag o mesmo portal indica o seguinte tweet precursor: “Meu amigo secreto diz que não é machista, mas acha chato meus posts falando sobre feminismo. #MeuAmigoSecreto”.

Entre os comentários era esse o tom que se dava: não se indicava o nome, a relação que havia entre as pessoas ou qualquer outro detalhe que levasse a identificar o sujeito. O que se propunha era apontar como havia inúmeras contradições presentes na vida das mulheres, especialmente sobre a liberdade de seus corpos, de sua sexualidade, de suas posições políticas e profissionais.

Particularmente, uma das leituras que é possível fazer desse movimento é que os contornos de exposição revelavam tantas contaminações das estruturas que forjam as subjetividades no Brasil, que qualquer um/a poderia se reconhecer nas postagens de qualquer outro/a.

Essa experiência teve uma reação de críticas muito ostensiva, cujo fundamento estava em dizer que as redes estavam sendo utilizadas para ‘delatar’ pessoas por meio do ‘Tribunal da Internet’. De forma bastante distinta às respostas do #MeuPrimeiroAssedio, que foi positiva entre a maioria da mídia produzida pela esquerda e por homens, o #MeuAmigoSecreto causou um desconforto generalizado.

Um escritor brasileiro, a partir de seu comentário sobre o assunto, demonstra de forma bastante sintética como se produziu o debate contrário a essa investida:

#primeiroassédio foi fundamental. #agoraéquesaoelas foi lindo. Agora, esse #meuamigosecreto... Se você tem uma acusação séria, a Maria da Penha tá aí. Se você tem uma acusação menos séria, vai lá e briga com o cara. Mas ficar nessa delação velada, nesse clima de ‘A Lava Jato vai te pegar e você sabe que é de você que eu tô falando’...6 Meio esquisito, não é não? (Antônio PRATA, 2015).

Outros argumentos que ‘engrossaram’ a crítica ao movimento indicavam que a hashtag teria um tom de ‘fofoca’ ou de ‘escrachos’. Como qualquer proposta política articulada pelo cyberespaço produz sua própria dimensão e sentido, por óbvio, não se ignorou os limites da articulação, mas ela foi capaz de expressar, de forma diversa às configurações de uma prática de crime, os rastros de incoerência como terreno bastante arenoso às subjetividades atravessadas pelos relatos.

Nesse sentido, também a posicionalidade de vítima num contexto de ‘exposição virtual’ produz conforto à constituição simbólica do criminoso ‘outro’ em que estão implicadas as táticas do poder punitivo numa sociedade neoliberal (Isabell LOREY, 2015). A demanda pela responsabilidade individual, ao se recorrer ao Judiciário - ou “brigar com o cara” -, é um efeito das narrativas que compreendem que a responsabilidade pelos problemas da violência está destinada exclusivamente ao agressor, como se não houvesse nada para além da captura desse sujeito devidamente identificado e identificável.

A resposta punitiva ou, inclusive, jurídica, alimenta a ideia de que as violências de gênero são excepcionalidades, são ‘condutas’ criminalmente previstas que permitem detectar ‘autores’, estes sempre com comportamentos jamais aproximáveis à ‘normalidade’, às práticas do cotidiano, aos contextos compartilhados por experiências comuns. Nesse sentido, “o dispositivo legal encapsula em categorias normativas - violência, homicídio, feminicídio - fatos sociais” (Ileana ARDUINO, 2018, p. 55), através da estratégia punitiva que reforça as relações de apartação. Essa produção dicotômica entre os que são sujeitos violentos e todos os demais reafirma a pena como medida ao inimigo da vez.

A interpretação coletiva capturada pela linguagem penal assinala um local estável aos desdobramentos coletivos, os quais reforçam a naturalidade das práticas não assimiláveis por tal semântica. É notório que os reforços seletivos da punição produzem uma lógica compartilhada de que se aprisiona somente a ‘barbárie’ e que “na prisão, são identificados apenas os psicopatas, os estupradores em série que mutilam bucetas com cacos de vidro ou pedófilos que atacam meninas jovens. Porque eles condenam o estupro. Mas isso que eles praticam, isso é outra coisa, sempre” (Virginie DESPENTES, 2016, p. 30).

Sobre o aprisionamento da barbárie, o movimento feminista negro novamente opera como alicerce teórico para compreender as disposições racistas que envolvem a atuação do sistema de justiça criminal.

Ainda sobre o sentido da figura ‘vítima’, a passividade que configura o status e os desdobramentos punitivos que geram posições cômodas, percebo que a crítica que aponta a agressividade dos ‘escrachos’ gera um deslocamento sobre os sujeitos envolvidos nas esferas de anunciação. O estereótipo da agressividade (Patricia Hill COLLINS, 2016, p. 104), que envolve as reações promovidas ao se resistir às situações de violência, é também dispositivo fundamental das hierarquias naturalizadas. Portanto, a impotência e o silêncio de quem está posicionada enquanto vítima, a dor transferida ao discurso de vingança orquestrado pela ótica penal - instrumentalizada pelo reforço estatal -, desvirtuam-se subjetivamente quando se produz uma estratégia irônica ao desmascarar os detalhes mais invisíveis dispostos entre nós e desestabiliza as expectativas sobre a subalternidade.

Essa estratégia pelo reconhecimento (Nancy FRASER, 2000), não necessariamente por direitos, mas pelo que está disposto nas relações humanas das práticas cotidianas, é contorno comum que atravessa os movimentos das hashtags aqui discutidas. Todavia, a limitação dos discursos que envolvem as semânticas jurídicas penais, aqui pensada na reivindicação de se dizer ‘vítima’, não pode ignorar a distribuição desigual que é atribuída a essa expressão.

Se a contribuição da interseccionalidade envolve realmente compreender que raça, gênero e classe contaminam a exposição à vulnerabilidade (DAVIS, 2016), reivindicar essa linguagem é contribuir para que o sistema mais letal aos grupos vulneráveis de que dispomos, o sistema penal, seja reforçado pelas demandas de emancipação, profundamente capturada por uma narrativa de renúncia dos seus próprios agenciamentos, como se estes fossem descartáveis ou inexistentes na posição do subalterno (SPIVAK, 1997).

A “sexopolítica” é, de acordo com Beatriz Preciado (2011), “uma das formas dominantes da ação biopolítica no capitalismo contemporâneo. Com ela, o sexo (os órgãos chamados ‘sexuais’, as práticas sexuais e também os códigos de masculinidade e de feminilidade, as identidades sexuais normais e desviantes) entra no cálculo do poder, fazendo dos discursos sobre o sexo e das tecnologias de normalização das identidades sexuais um agente de controle da vida” (p. 11). Isso implica compreender que, se em alguma medida a biopolítica é governo dos corpos, dispondo sobre a vida e a morte (FOUCAULT, 1996) e sobre quais vidas são vidas matáveis e quais são vidas dignas de serem vividas (BUTLER, 2015), a própria definição de vítima é estratégia “sexopolítica” de produção de identidade pelas relações de poder, reduzidas a categorias reducionistas e fixas, as quais gênero tem a potencialidade de subverter a todo instante.

Nesse sentido, apesar da realidade política que envolve as táticas de afirmação de direitos, estratégia de que o feminismo não pode abrir mão, as interrogações são direcionadas a compreender quais as negociações estão sendo realizadas com o neoliberalismo punitivo que se revela constantemente como marca de extermínio colonial de mulheres e grupos vulneráveis, ou seja, da precariedade assinalada pela “sexopolítica” que direciona o cálculo do poder.

Esses desdobramentos, no entanto, reconhecidos os problemas envolvidos, foram essenciais para o levante feminista que ocupou as ruas do Brasil em 2015. A manifestação ocorrida no fim daquele ano contra o Projeto de Lei PL 5.069/2013 (BRASIL, 2013), que tinha como objetivo a proibição do uso da pílula do dia seguinte e a dificultar o acesso ao aborto por mulheres grávidas em decorrência da prática de estupro, foi intensificada pelas disputas de narrativas digitais.

Conforme afirma a historiadora Margareth Rago (2014), os movimentos feministas têm transformado

profundamente a cultura e a vida pública, no Brasil, a partir de lutas que se dirigem para frentes muito diversificadas, no âmbito da política, no da religião e especialmente no do pensamento. Lutar contra a violência que sofrem as mulheres significa, a meu ver, não apenas enfrentar situações palpáveis como o estupro, a violência doméstica, a inferiorização, a humilhação e a exclusão física das mulheres, mas enfrentá-las também no plano simbólico e do imaginário social, transformando as formas misóginas e sexistas de pensar que hierarquizam o mundo e produzem regimes de verdade autoritários e excludentes. Significa dissolver as narrativas históricas masculinas, universalistas e binárias [...].

Essa transformação não só avolumou os debates feministas nos últimos anos, como também, a partir da própria compreensão de limitação e desafios que os envolvem, produziu novas experiências assinaladas pelo desejo compartilhado de recusa ao que está disposto como realidade. Resistência radical enquanto excesso à intervenção patriarcal e capitalista que força uma “identidade estanque fechada em si mesma”, “trans-posição” que coloca em xeque o registro simbólico pré-determinado (Inês MAIA, 2019).

4.4 #EleNão

Novas experiências, portanto, estão sendo produzidas de forma concomitante entre todos os espaços possíveis de disputa. Não só institucionalmente, os movimentos feministas têm alargado os debates sobre violência, direitos, trabalho e precarização, tomando a concepção de política e de espaço público para si, sem descartar as implicações das relações domésticas que produzem o próprio sentido de “público”.

Entre esses movimentos de insurgências articulados entre corpos e tecnologia, o movimento #EleNão pode ser tomado por inúmeras análises e leituras de seus desdobramentos, contudo, o que ora proponho aqui explorar se estabelece na estratégia horizontal e plural que movimentos articulados por redes de solidariedade, fundamentalmente estabelecidos por meio de leituras feministas, como o Ni una menos (2019), está tomando posição central em práticas políticas.

No caso brasileiro, a promoção da hashtag #EleNão se deu a partir da criação da página de Facebook, fundada por Ludimilla Teixeira - mulher negra e nordestina - intitulada ‘Mulheres Unidas Contra Bolsonaro’ (MUCB). Tal grupo reuniu em poucos dias cerca de 4 milhões de mulheres, somando mulheres desconhecidas e advindas de todos os locais do extenso território brasileiro pela rejeição à candidatura de Jair Bolsonaro. O grupo substancialmente tinha como preocupação encontrar, para além de ações localizadas, mulheres que compartilhassem o desejo de discutir e agir em relação à possibilidade de eleição do candidato à época e aos seus pronunciamentos declaradamente misóginos.

O processo eleitoral brasileiro, em especial, o presidencial, em 2018, expressou abertamente características da política androcêntrica dos estratos do governo institucional. Não só pelos pronunciamentos, mas também pelas propostas políticas que se desdobravam nas candidaturas, tornou-se explícito o descontentamento das mulheres quanto ao cenário político que se colocava enquanto opção.7

Questionada sobre a ampla adesão ao grupo, a fundadora do grupo, Ludimilla Teixeira, afirmou que intuía que teria se dado pelos inúmeros comentários machistas pronunciados por Bolsonaro, não somente no processo eleitoral, mas em momentos anteriores (Hyury POTTER, 2018),8 “como quando disse à deputada federal Maria do Rosário que só não a estupraria porque ‘ela não merecia’” (Camila BRUNELLI, 2018).9 Outras manifestações de explícita violência proferidas pelo atual presidente do Brasil fazem parte de uma longa lista, mas uma que repercutiu profundamente foi a afirmação de que as mulheres devem receber salários inferiores aos homens, pois engravidam.

Esses elementos constituíram o retrato das eleições no Brasil, em que 52% dos 147 milhões de eleitores eram mulheres e a taxa de rejeição entre elas ao candidato, segundo o Datafolha (Ricardo BALTHAZAR, 2018) de 10 de setembro de 2018, era de 49%, as quais afirmavam que não votariam nele de jeito nenhum. Retrato esse que partiu profundamente relações interpessoais e afetivas de parcela significativa da sociedade brasileira.

É a partir desses contornos que o #EleNão promoveu as mobilizações ocorridas em 29 de setembro no Brasil e no mundo. Não houve coleta de dados oficiais sobre o número de cidades e participantes envolvidos, mas estimativas apontam que a mobilização reuniu mais de 1 milhão de manifestantes em centenas de cidades dos 26 estados brasileiros, em que o protagonismo das mulheres ficou evidente e se colocou como prioridade. Entre levantamentos nacionais, aponta-se que “os maiores números foram registrados na Cinelândia, no Rio de Janeiro, em que mais de 200 mil pessoas protestaram, e no Largo da Batata, em São Paulo, onde se concentraram mais 150 mil” (PORTAL CATARINAS, 2018).10 Já no espectro internacional, se tem notícia de que o ato contra Bolsonaro tenha ocorrido em 15 cidades distribuídas em 10 países, como Alemanha, Portugal, Argentina, Austrália, Canadá, Espanha, França, Holanda, Inglaterra e Estados Unidos.

Apesar das manifestações não terem impedido a eleição do atual presidente, o cenário colocado pelas mulheres brasileiras foi de significativo impacto para o contexto político-social nacional e, inclusive, para reanálises feministas. Esse episódio não só pode ser considerado um momento histórico em que os feminismos e as lutas por direitos das mulheres se colocaram enquanto signo materializado por corpos políticos em aliança (BUTLER, 2017), mobilizando pessoas, afetos e movimento de ruas, mas também pode ser reconhecido enquanto nervo exposto das demandas plurais que produzem ressignificações à democracia e aos próprios debates feministas.

O movimento #EleNão, importante ressaltar, apesar de ter sido um movimento levantado e protagonizado por mulheres, revela o substrato objetivo do que significam políticas “transfeministas” (SAYAK, 2010), visto que tomou enquanto pauta principal a rejeição ao candidato e a tudo que ele e suas prioridades de governo representa(va)m. Isso significa não só um desejo de ‘basta’ à realidade de violência às mulheres, mas também aos grupos LGBTQI+, aos povos indígenas, aos negros e a todos os demais corpos que são marcados pela vulnerabilidade das vidas precárias (BUTLER, 2015) do cenário de guerra em que se situa o Brasil.

Eis aqui, talvez, um dos elementos mais significativos desse movimento colocado enquanto desafio compartilhado pelas propostas de resistência: abandonar a planificação de sentidos atribuídos à categoria ‘mulher’ e às suas reivindicações; múltipla investida de desejos que rompe a fixidez da identidade e reconhece na pluralidade de demandas o combustível da ação política. Com o #EleNão expõe-se as profundas contaminações que se desdobram para além dos significados homogêneos da relação sexo/gênero, pulverizando gênero em investidas subversivas de resistências “desterritorializadas”.11

Considerações finais

Os movimentos que forjam as lutas feministas da América Latina têm, entre tantas características, um apelo coletivo transversal que dialoga com diversas outras demandas políticas por direito. Não à toa, no Brasil, os movimentos feministas estão consolidados por uma pluralidade de diálogos com outras questões específicas, como o movimento protagonizado por mulheres indígenas pelo direito à terra dos povos originários; o movimento das mulheres atingidas por barragem, que visa reivindicar as terras expropriadas pelo Estado para construção de grandes empreendimentos e as catástrofes que envolveram tais construções; e, ainda, o movimento de mulheres atingidas pelos megaeventos no Brasil, como a Copa do Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016), que reivindica moradia justa depois dos desalojamentos forçados para realização das reformas.

Entre tantas demandas, o que atravessa como contaminação dessas frentes de ação é que os corpos e vidas das mulheres, a cada nova ação produzida pelas racionalidades neoliberais (GAGO, 2014), são empurrados com maior intensidade à precariedade.

Isso implica dizer que a reivindicação de tutela via sistema penal para proteção contra a violência doméstica e sexual sofrida por meninas e mulheres é um dos elementos que forja a multiplicidade de sentidos das posicionalidades feministas enquanto estratégia de transformação político-social.

Nesse sentido, restringir a crítica criminológica, tomada pelos debates de gênero, à reação de políticas criminais, é esvaziar a potência envolvida na reflexão coletiva que permeia as possibilidades de construção de novas formas de pensar as práticas feministas como teorias impulsionadoras de uma criminologia realmente subversiva.

É, desde aqui, que proponho redirecionar a criminologia feminista aos feminismos criminológicos, possibilitando um rearranjo das lutas políticas organizadas pelas mulheres e pelos direitos sociais de grupos ‘minoritários’ como nó radical da produção teórica e do enfrentamento real às demandas feministas compartilhadas por células de luta, alianças estratégicas de solidariedade.

Assim, ao analisar as hashtags aqui expostas, me permito não só questionar as racionalidades punitivas que envolvem a produção desses debates, mas como elas podem, a partir do reconhecimento de suas próprias limitações e dos conflitos inerentes a todas as formas de luta política, servirem de auxílio para compreender novas organizações e novas modalidades de produção de subjetividade. Ainda, através delas, buscar contaminações que tenham aproximado os debates antipunitivistas aos debates feministas, haja vista, a cada novo passo realizado pelo movimento, nova demonstração do reforço às constatações dos limites e dos problemas que envolvem o poder punitivo como emancipação.

As práticas aqui abordadas envolvem as dimensões micro e macropolíticas antes propostas, tendo em vista que, ao se produzir instrumentos reativos de se lutar contra o assédio, contra os preconceitos predispostos no cotidiano ou contra a possibilidade de eleição de um candidato à presidência, se percebem os contornos das narrativas de rejeição. Esse mecanismo de ‘combater contra’, ou de externalizar o ‘basta’, num sentido de reação aos mecanismos dispostos de sujeição, aponta o desejo de mudança das posições que os corpos ocupam socialmente.

A partir de denúncias coletivas, partilhadas pela implicação do ‘eu’ - especialmente a hashtag #MeuAmigoSecreto -, o deslocamento das denúncias individualizadas, marca dos espectros punitivos, é realocado às narrativas capilarmente espalhadas que, por motivos diversos, compartilham um emaranhado de reivindicações em comum por mudanças: de comportamentos, das leis e da política. Ainda, essas práticas disputam o imaginário, não só pelo reposicionamento, mas também pela possibilidade de se pensar para além das ‘alternativas disponíveis’.

A construção do #EleNão, ao personalizar em Bolsonaro o que não se quer, poliniza células que forjam a força vital da produção de novas vidas ao respeitar aquelas que são violadas pela figura representativa do ‘Estado’. Portanto, apontar os desafios implicados em tais categorias só se faz possível através de redes de solidariedade que buscam o objetivo de lutar pela vida - por todas as vidas -, questionando expressões naturalizadas como ‘democracia’, ‘liberdade’, ‘solidariedade’, ‘respeito’, ‘direito’, e a própria ideia de ‘vida’.

Os feminismos têm rearticulado profundamente como expor as limitações não só de um sujeito e sua representação, mas como, de maneira bem-sucedida, esses termos capturados por significados necropolíticos (Achille MBEMBE, 2011) podem ser subvertidos às potencialidades germinativas. Desta forma, reconhecer o que é passível de produzir subjetividades que não negociem com a precariedade de outros corpos, de outras vidas, é tarefa primeira para produzir uma análise das estratégias prioritárias nessa luta por outro mundo possível.

Nesse sentido, como expõe Rolnik (2018), não negociar o inegociável é afastar

tudo aquilo que obstaculiza a afirmação da vida, em sua essência de potência de criação. Aprender a distingui-lo do negociável: tudo aquilo que se poderia aceitar e reajustar porque não debilita a força vital instituinte mas, ao contrário, gera as condições objetivas para que se produza um acontecimento, cumprindo-se assim seu destino ético (p. 187).

Repensar as táticas de enfrentamento e refocar as lentes é tarefa permanente, não só para revelar os sentidos punitivos presentes, obstáculo primário de afirmação da vida nesses percursos, mas especialmente para compreender que os estereótipos de vítima e autor são efeitos de uma biopolítica que forja subjetividades de extermínio naturalizadas pela sua atuação.

Como propõe a chamada do coletivo argentino Ni Una Menos (2019) para a greve feminista global de 8 de março de 2019, “vivas, livres e sem dívidas nos queremos”. Traços que convocam para subversão desse mundo, em que distribuição de letalidade, aprisionamento e endividamento são articulados com estreita cumplicidade indissociável. A partir de novos significados em que não mais se aceite que o “discurso seja moderado”, mas que sempre seja remodulado pela urgência de novas ressonâncias (COLETIVO NI UNA MENOS, 2019), encontra-se anunciação às criminologias e ao pensamento crítico, desde antes feminista, comprometido pela radicalidade de criação.

Por fim, construir a crítica às táticas e às próprias concepções das denúncias de abuso - ou ‘assédio’ - é também multiplicar a exposição de que práticas de abuso são abusos de poder. Essa violência do cotidiano nas relações interpessoais, políticas, de trabalho, de estudo e assim por diante, devem ser transformadas pelas denúncias coletivas, assim, assinaladas pela pluralidade de pontos em que se encontram as hierarquias. Somente assim é possível se projetarmos possibilidades para além dos debates acadêmicos que se traduzam num transfeminismo abolicionista penal em diálogo com a realidade e articulado pelo inimaginável, afastando os pactos de silêncio e a tolerância às relações desiguais que atravessam sua construção.

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1 Serve também dizer que o avanço da chamada criminologia queer passa, ademais, pelos debates de criminalização que atravessam as práticas de preconceitos contra os grupos LGBTQI+. Uma outra semântica aglutinadora à criminologia como debate reativo aos processos de criminalização ou discussões atravessadas pela esfera penal legislativa.

2Os desdobramentos do campo criminológico ‘crítico’ em disputa são trabalhados com mais intensidade nas pesquisas de Eduarda Toscani Gindri (2018) e Paula Gonçalves Alves (2018).

3As eleições brasileiras foram amplamente tocadas pelas disputas discursivas das redes sociais, especialmente pelo WhatsApp e o Facebook. Não só o caso brasileiro, mas a eleição dos Estados Unidos e o caso do Brexit, no Reino Unido, apontam para as novas estratégias de “governamentalidade” que determinam os destinos políticos implicados nas lógicas neoliberais.

4“Think Olga” é um think thankque discute questões feministas, que se identifica como “uma ONG feminista criada em 2013, com o objetivo de empoderar mulheres por meio da informação. O projeto é um hub de conteúdo que aborda temas importantes para o público feminino de forma acessível”.

5Edição infantil do reality show de culinária MasterChef.

6Referência às delações produzidas na operação jurídica intitulada “Operação Lava Jato”, que levou à prisão do ex-presidente Lula.

7Sobre a figura de Bolsonaro, a sua eleição, os impactos da masculinidade sobre as políticas nacionais e o desmantelamento de políticas sociais a grupos vulneráveis, conferir Eliane Brum.

8Jair Bolsonaro está há 27 anos na política nacional. Para compreender a sua trajetória, conferir Hyury Potter.

9Sobre as manifestações, conferir Camila Brunelli.

10Sobre as manifestações, conferir Portal Catarinas.

11Os ‘novos contornos' das lutas feministas no Brasil não podem ser tomados como oriundos do processo de eleição de Bolsonaro e do movimento #EleNão. Eles já se apontavam de forma substancial no cenário brasileiro desde 2015, contudo, essa conexão entre a ocupação das ruas por corpos de mulheres e os novos sentidos de ação feminista tem indubitavelmente uma projeção alargada das micropolíticas que vinham operando diuturnamente no Brasil, revitalizando a urgência de novos olhares e de novas possibilidades de luta política compartilhada.

12Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: MARTINS, Fernanda. “Feminismos criminológicos e tecnopolíticas: novos ‘quadros’ para violência de gênero”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 3, e63035, 2020.

Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

14Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

15Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 08 de Abril de 2019; Revisado: 24 de Julho de 2019; Aceito: 30 de Julho de 2019

fernanda.ma@gmail.com

Fernanda Martins (fernanda.ma@gmail.com). Doutorado em andamento em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, mestre em Teoria, Filosofia e História do Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito - UFSC, bacharela e licenciada em História - UFSC, bacharela em Direito - UNIVALI. Bolsista CAPES.

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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