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Revista Estudos Feministas

versión impresa ISSN 0104-026Xversión On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.28 no.3 Florianópolis set./dic. 2020  Epub 01-Sep-2020

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2020v28n363040 

Artigos

Lado a lado? Feminismos e Estado durante o ‘ciclo progressista’ latino-americano

Side by Side? Feminisms and State during the Latin American ‘Progressive Cycle’

Débora de Fina Gonzalez1 
http://orcid.org/0000-0003-3059-8819

1Universidad de Chile, Facultad de Ciencias Sociales, Departamento de Sociología, Santiago de Chile, Chile. 7800284 - departamento.sociologia@facso.cl


Resumo:

A partir de uma análise comparativa entre as experiências do Brasil e do Chile, este artigo analisa em que medida administrações de centro-esquerda constituíram uma oportunidade política para avançar na garantia de direitos para as mulheres por meio dos espaços institucionais. Para tanto, enfoca-se nas relações estabelecidas entre feminismos e Estado durante o chamado ‘ciclo progressista’ latino-americano, principalmente através das agências nacionais de políticas para as mulheres. Em ambos os contextos, governos de centro-esquerda contribuíram para o desenvolvimento de políticas para as mulheres na esfera nacional, porém de diferentes formas - no Brasil com um modelo participativo e a evidente aproximação entre feminismos e Estado e no Chile com um modelo tecnocrático, como parte de um processo de gender mainstreaming ou modernização do Estado, produzindo resultados igualmente distintos.

Palavras-chave: feminismos; Estado; políticas para mulheres; Brasil; Chile

Abstract:

Through a comparative perspective between the experiences of Brazil and Chile, this article analyzes to what extent center-left administrations constituted a political opportunity to advance in ensuring women’s rights through the institutional spaces. To this end, it focuses on the relations established between feminisms and State during the so-called ‘progressive cycle’ in Latin America, mainly through the national women’s policies agencies. In both contexts, center-left governments have contributed to develop policies for women at national level, but in different ways - in Brazil with a participatory model and the evident approximation between feminisms and the State and in Chile with a technocratic model, as part of a gender mainstreaming or State modernization process, engendering also different outcomes.

Keywords: Feminisms; State; Public policies for women; Brazil; Chile

Introdução

Ao longo das últimas décadas, os processos de institucionalização da perspectiva de gênero tornaram-se evidentes, impulsionando discursos e ações de organismos multinacionais e governos nacionais com o comprometimento da promoção de igualdade. Mediante caminhos não lineares, controversos, porém frutíferos, pautas relevantes relativas aos direitos das mulheres têm sido incorporadas aos contextos institucionais fomentando a construção e implementação de políticas públicas. Esses avanços ocorrem como consequência e a partir do crescente protagonismo dos movimentos feministas e de mulheres, que os impulsionam e se fazem presentes como interlocutoras nos espaços abertos.

No contexto latino-americano, a década de 1980 esteve marcada pela transição a regimes democráticos em grande parte dos países, que passaram por longos e obscuros períodos de ditadura militar. Esse novo ciclo significou o estabelecimento de novos acordos societários e uma renovada institucionalidade estatal, conquistados por meio de lutas e reivindicações sociais que incluíram a articulação de movimentos feministas e de mulheres em vários países da região. Tanto no Brasil como no Chile, a participação ativa desses movimentos nos processos de redemocratização garantiu, de distintas maneiras, o comprometimento formal do Estado com a inclusão das mulheres enquanto sujeitas de direitos: no Brasil estabelece-se, em 1985, o Conselho Nacional de Direitos das Mulheres (CNDM); e no Chile cria-se na estrutura estatal o Servicio Nacional de la Mujer (SERNAM), em 1991.

Os anos 1990 foram marcados, na região, por processos de institucionalização de práticas e discursos feministas, com a criação de organizações não governamentais (ONG), centros de estudos e a entrada em espaços governamentais. Sonia E. Alvarez (2014) pontua que esse processo de ‘ONGuização’ representou não apenas a proliferação do número de ONGs feministas, mas

implicou a promoção ativa e o sancionamento oficial pelo neoliberalismo nacional e global de determinados formatos de práticas organizativas entre organizações feministas e outros setores da sociedade civil. E foi a promoção, pelos Estados e instituições intergovernamentais, de práticas mais retoricamente contidas, politicamente colaborativas e tecnicamente proficientes. (ALVAREZ, 2014, p. 27).

Em um período de expansão do neoliberalismo, muitas ativistas e acadêmicas chamaram a atenção para a “confluência perversa” (Evelina DAGNINO; Alberto OLVERA; Aldo PANFICHI, 2006, p. 18) entre projetos feministas e neoliberais, atentando aos riscos de adequar propostas de caráter crítico e transformador a interesses hegemônicos que operam nas arenas institucionais. Ao analisar o contexto chileno, Liesl Haas (2006) questiona em que medida a democracia instaurada permitiu que fossem implementadas as transformações políticas e demandas desenvolvidas pelas feministas durante os anos anteriores. A autora indica que as estruturas institucionais resultantes da transição democrática contribuíram, na prática, para enfraquecer a participação das mulheres e limitar as possibilidades de reformas políticas de longo alcance.

No início dos anos 2000, a chegada da ‘maré rosa’, ‘giro à esquerda’ ou ‘ciclo progressista’ na América Latina desenha novos cenários para tais conflitos e relações entre feminismos e Estado. De acordo com Amy Mazur e Dorothy McBride (2010, p. 10),

governos formados por alianças entre partidos políticos de esquerda próximos aos movimentos são mais propensos a simpatizar com as demandas dos movimentos de mulheres e autorizar suas agências de políticas para as mulheres a promoverem tais interesses (tradução nossa).

Tanto no Brasil como no Chile, a chegada de governos de centro-esquerda à presidência provoca alterações relevantes nas estruturas institucionais e nas relações entre feminismos e Estado. Esses caminhos, porém, são trilhados por vias distintas, apresentando similitudes, características específicas e resultados diversos. No Brasil, uma agenda feminista logra ser introduzida no âmbito estatal, produzindo propostas e planos de políticas para as mulheres condizentes com demandas e reivindicações de movimentos sociais. Entretanto, apresenta dificuldades na articulação com outros setores do Estado e, por conseguinte, em sua implementação. No Chile, uma agenda de gênero é produzida como programa de governo, inserida em uma Agenda Global de Gênero (ALVAREZ, 2014) e claramente desvinculada das reivindicações dos movimentos sociais locais. Porém, em seus limites, encontra caminhos e ferramentas institucionais para ser implementada. O presente artigo propõe aproximar essas experiências identificando como determinados fatores operaram nessas conjunturas e quais foram os resultados alcançados.

Feminismos e Estado: enfoque analítico

Autoras ligadas à Research Network on Gender Politics and State (RNGS) utilizam uma perspectiva comparada para analisar como os Estados mudam suas políticas no sentido de promover relações de gênero mais igualitárias a partir de uma aliança entre movimentos feministas e de mulheres e agências estatais de políticas para as mulheres (APM). A questão central desses estudos é “se, como e por que organismos de políticas para as mulheres têm sido parceiros efetivos para os movimentos de mulheres e suas atoras em obter acesso a arenas de decisão política e influenciar os resultados políticos” (MAZUR; MCBRIDE, 2010, p. 3, tradução nossa).

Ao focar principalmente nas relações entre essas agências e os movimentos feministas e de mulheres, as teorias sobre ‘feminismo estatal’ (state feminism) diferenciam estrutura e processos, ressaltando que a existência de um organismo no Estado por si só não significa necessariamente a introdução de uma perspectiva de gênero nas políticas públicas, apesar de essas agências serem consideradas um eixo central para o gender mainstreaming.

Segundo as autoras, o grau de sucesso dessas agências em inserir uma perspectiva de gênero nas arenas estatais e garantir que as demandas dos movimentos de mulheres sejam contempladas por meio da implementação de políticas públicas pode ser impactado por diversos fatores, entre os quais: “as qualidades de liderança das ‘femocratas’, o grau de profissionalismo das APM, a relação destas últimas com o movimento de mulheres, e o grau de abertura do sistema político em termos do acesso de atores da sociedade civil às arenas decisórias estatais” (LOVENDUSKI, 2005a; MAZUR, 2001; MCBRIDE STETSON; MAZUR, 1995; OUTSHOORN, 2004; MCBRIDE STETSON, 2001 apud Simone BOHN, 2010, p. 84).

Nesse sentido, Mazur e McBride (2010) desenvolvem uma tipologia referente aos tipos de alianças estabelecidas e às possibilidades a partir delas construídas: se as APM logram inserir uma perspectiva de gênero nos debates ao interior da estrutura estatal e esse microframe coincide com os dos movimentos feministas e de mulheres, então essa agência (ou aliança) pode ser considerada insider; se coincidem os microframes, mas não logram incluir essa perspectiva nos debates ao interior do Estado, é tida como marginal; se a APM consegue inserir uma perspectiva de gênero nos debates sobre políticas públicas, porém os microframes não coincidem, é classificada como antimovimento; por fim, se não há coincidência entre os microframes nem o sucesso em inserir uma perspectiva de gênero no Estado, é considerada apenas simbólica (MAZUR; MCBRIDE, 2010).

Tomando essa ferramenta analítica, interessa analisar em que medida e sob quais condições estabeleceram-se alianças entre movimentos e APM e como foi possível incorporar uma perspectiva de gênero nas políticas públicas durante os governos progressistas no Chile e no Brasil. Cabe considerar, não obstante, que avanços referentes aos direitos das mulheres via políticas públicas apresentam variações de acordo com os temas e questões envolvidos. Como apontam Mala Htun e S. Laurel Weldon (2018), as APM têm sido mais exitosas em incluir mudanças políticas relacionadas a alguns direitos (como combate à violência) que a outros (sexuais e reprodutivos, por exemplo). Nesse sentido, as autoras afirmam que “um Estado pode ser simultaneamente progressivo e regressivo: pode estender maiores direitos e liberdades a mulheres e homens com uma mão, enquanto os tira com a outra” (HTUN; WELDON, 2018, p. 2, tradução nossa).

Considerando esses matizes, a partir dos aportes fornecidos pela literatura e das características e relações específicas encontradas nos estudos de caso, identificamos alguns fatores considerados chave para definir e analisar os processos de institucionalização das demandas das mulheres no interior dos Estados: i) orientação político-partidária da gestão governamental; ii) grau de institucionalidade dos organismos de políticas para as mulheres; iii) mecanismos de transversalização da perspectiva de gênero no Estado; iv) presença de feministas dentro das instituições; v) relações/interfaces (de colaboração e conflito) entre sociedade civil e Estado; e vi) articulação e poder de pressão dos movimentos feministas e de mulheres. Esses fatores apresentam-se resumidos no Quadro 1 e servirão como fio condutor para a análise comparativa.

Orientação político-partidária da gestão

No período compreendido pela análise, governos de centro-esquerda tiveram um evidente protagonismo na região. No Brasil, o Partido dos Trabalhadores (PT) foi central para a expansão dos espaços participativos e criação de novas ‘maquinarias’ burocráticas e políticas sociais relevantes, aparecendo como um ator-chave para entender o desenvolvimento das formas de fazer políticas públicas para as mulheres em nível nacional. Criado na década de 1980 como oposição ao regime ditatorial e com fortes bases nos movimentos sociais populares, entre os quais os movimentos de mulheres, o PT destaca-se por possuir em sua estrutura, desde o início, uma secretaria de mulheres que se esforçou constantemente para incorporar a proposta de políticas para as mulheres e direitos igualitários ao projeto político do partido, consolidando-se na década de 1990 como o partido que “de maneira mais consistente, adotava e promovia a agenda feminista” (Fiona MACAULAY, 2006, p. 36, tradução nossa), ao desenvolver experiências de políticas para as mulheres em nível municipal e estadual.

A chegada do partido ao governo federal em 2002 implicou uma maior presença de ativistas dos movimentos sociais dentro do aparato estatal e a criação e expansão de arenas participativas em diversas áreas (Rebecca ABERS; Lizandra SERAFIM; Luciana TATAGIBA, 2014). Nesse processo, é criada em 2003 a Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM) e rearticulado o Conselho Nacional de Direitos das Mulheres (CNDM), instâncias fortemente permeadas pela presença de feministas militantes vinculadas ao partido.

Nesse caso, o estabelecimento de um aparato institucional no poder executivo se dá concomitantemente ao aprofundamento das relações entre movimentos e Estado, impulsionado principalmente por militantes feministas vinculadas ao partido e pela abertura de processos participativos. A SPM pode ser tomada, nesse sentido, como um mecanismo inovador no interior da estrutura institucional a ser mobilizado para pressionar e interferir “feministamente” (DAGNINO; OLVERA; PANFICHI, 2006, p. 87) na definição de políticas públicas e nas agendas dos partidos e dos governos.

Em sua agenda programática, o PT traz propostas em duas importantes direções: diminuição da pobreza e das desigualdades, mediante políticas sociais, e incentivo à participação social nos processos políticos, que se traduz na criação de ministérios, secretarias e na abertura de espaços participativos, como conferências, conselhos e fóruns em diversas áreas (ABERS; SERAFIM; TATAGIBA, 2014).

Paralelamente a importantes medidas e políticas sociais1, em nome da ‘governabilidade’ o partido teceu acordos, no âmbito macroeconômico, que permitiram a continuidade e manutenção de privilégios econômicos, sociais e políticos a grupos de pressão com expressiva influência nos processos políticos. Cabe, nesse sentido, considerar a amplitude e complexidade das coligações pluripartidárias tecidas para aceder e manter-se na presidência, que envolveram um amplo, heterogêneo, e muitas vezes contraditório, espectro político, ideológico e programático, requerendo acordos, concessões e adequações. Assim, a governabilidade se dá não somente em consonância com o/a(s) que historicamente compõem os programas e ideais partidários, mas também orientada por negociações e restrições que conformam um complexo jogo político.

Essas coligações e acordos significaram a coexistência de estruturas e orientações políticas diametralmente contraditórias a propostas e ideias feministas que demandam transformações sociais profundas. Limitações e contradições, portanto, impuseram-se como precondições para governar, adequando-se a uma democracia em muitos aspectos problemática.

Outro aspecto não menor a destacar é a composição, nesse mesmo período do ‘ciclo progressista’, de um congresso e senado nacionais por forças conservadoras que avançaram de forma concomitante e contundente ao longo das duas últimas décadas no Brasil, representando quiçá a maior barreira para avançar em muitas propostas relativas aos direitos das mulheres, com destaque para os direitos sexuais e reprodutivos e educação não sexista. Mais que impor barreiras desde o poder legislativo, articularam-se em movimentos e comissões de maneira a ameaçar conquistas já estabelecidas, não apenas impedindo avançar, mas sim impondo a necessidade de defesa de pautas anteriormente conquistadas2.

Podemos concluir, portanto, que a chegada do PT à presidência - primeiro governo de centro-esquerda após a redemocratização - foi um fator que incidiu positivamente para criar condições para a construção de políticas púbicas para as mulheres no país, a partir do estabelecimento de aparatos estatais e da abertura de espaços de interlocução e diálogo. Entretanto, contradições político-ideológicas ao interior da coligação e acordos políticos compuseram um campo de oposição interna e externa crescentes, complicando os cenários para o desenvolvimento de políticas de igualdade e promoção de direitos.

No Chile, apesar de a coligação de centro-esquerda, Concertación3, ter governado o país desde o começo da década de 1990, é somente a partir do início deste século que o Partido Socialista (PS), que representa o espectro político-ideológico mais ‘esquerdista’ da coligação, encabeça as chapas e chega à presidência com Ricardo Lagos (2000-2006) seguido por Michelle Bachelet (2006-2010 e 2014-2018).

Apesar de já durante o processo de transição ter sido criado o Servicio Nacional de la Mujer (SERNAM), este possuía baixo nível hierárquico, reduzidos recursos e capacidade propositiva. A partir do primeiro governo dirigido pelo PS passam a ser criadas outras estruturas burocrático-institucionais com o intuito de ampliar sua capacidade e incidência política. Com suas restrições e debilidades, essas ferramentas permitiram expandir o campo de ação do SERNAM, conferindo a este maiores possibilidades e legitimidade no interior do governo.

Em 2006, no primeiro governo de Michelle Bachelet, primeira (e única) mulher a presidir o país, a proposta de igualdade de gênero aparece com destaque inédito no programa presidencial. Em seu segundo mandato (2014-2018), vinda diretamente da presidência da ONU-Mulheres, Bachelet inclui em seu programa a criação de um ministério e a proposição de uma lei que regulamenta o aborto em três casos - estupro, risco de vida e anencefalia fetal -, apresentada pelo novo ministério e aprovada ainda durante seu mandato.

No Chile, portanto, um caráter mais progressista e promotor de direitos das mulheres é impulsionado por administrações de centro-esquerda, a partir da expansão de aparatos institucionais e, mais especificamente nos governos Bachelet, da abertura a novos caminhos e perspectivas para a construção e implementação de medidas estatais para a promoção dos direitos das mulheres, tais como a aprovação de projetos de lei do divórcio e da pílula ‘do dia seguinte’, em 2007, a lei de cotas em 2015 e a lei de aborto nos três casos referidos, em 2017.

Análises críticas (Verónica SCHILD, 2016; Nicole FORTENZER, 2017), entretanto, indicam que os governos de centro-esquerda no Chile mantiveram igualmente um caráter assistencialista nas ações voltadas às mulheres, sustentando um modelo de Estado neoliberal e subsidiário que perdura como herança do período ditatorial. Não obstante, cabe ressaltar a abertura, mesmo que limitada ou restrita, a novas perspectivas e iniciativas sobre os direitos das mulheres que passam a ser debatidas e viabilizadas nos contextos institucionais apenas a partir da liderança de partidos ligados ao campo político de centro-esquerda.

Em ambos os contextos, portanto, criaram-se ou expandiram-se mecanismos institucionais de políticas para as mulheres durante o ‘ciclo progressista’. Nos dois casos, com distintos matizes, constituíram-se oposições dentro e fora das coligações governantes, levando a acordos e negociações que limitaram as possibilidades. Nessas coalizões, a influência religiosa na política adquire forte peso contrário a avanços. A necessidade de negociar com esses setores interfere diretamente nas perspectivas orientadoras das políticas públicas, permitindo o diálogo sobre algumas pautas, como combate à violência, por exemplo, mas reduzindo as possibilidades de avançar em outras, como questões relativas aos direitos sexuais e reprodutivos.

Grau de institucionalidade

O grau de institucionalidade de uma APM é relevante na medida em que afere as condições concretas (materiais e institucionais) a partir das quais podem ser viabilizadas negociações e ações. A garantia de uma estrutura formal não representa em si um compromisso com a concretização de políticas, porém, associada a demais fatores, torna-se um elemento que pode facilitar ou (in)viabilizar a concretização de planos e ações.

No Brasil, a SPM é criada em 2003 como uma secretaria especial com status de ministério ligada à Presidência da República; em 2011 transforma-se em ministério, alcançando o mais alto nível na estrutura estatal. Somente a partir daí são garantidas estruturas como contratação de funcionárias próprias via concurso público, maior orçamento e inclusão do Plano Nacional de Política para as Mulheres (PNPM) no Plano Plurianual (PPA) do governo. Esse fortalecimento viabiliza a concretização de ações e expande a capacidade de monitoramento e articulação da SPM. Entretanto, poucos anos mais tarde, essa estrutura começa a ser ameaçada e perder espaço e força no aparato estatal.

Em 2015, devido a pressões políticas, integra-se aos ministérios de Igualdade Racial e Direitos Humanos; em 2016, é subalocada como uma secretaria ligada ao Ministério da Justiça e Cidadania, com o mais baixo nível hierárquico. Em 2018, vincula-se ao Ministério dos Direitos Humanos, permanecendo com possibilidades de atuação reduzidas4. Em 2019, com a chegada da extrema-direita à presidência, o projeto neoliberal de redução do Estado e a pouca importância atribuída ao papel social deste levaram à extinção de parte dos ministérios e à transformação da SPM em ‘Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos’, dirigido por uma pastora evangélica que possui um histórico notável de declarações e opiniões diametralmente contraditórias às perspectivas de igualdade de gênero, direitos e autonomia das mulheres.

A instabilidade das APM na estrutura estatal demonstrou-se um ponto débil frente às fortes pressões políticas5. Desde 2013, a SPM passa a ser alvo de tentativas de desarticulação, sob o pretexto da necessidade de redução do Estado e da crise econômica. As mudanças abruptas no cenário político levam a um processo de desmonte da SPM e paralisação de suas ações, revelando o quão incômodos este e outros espaços se tornaram para setores conservadores na sociedade civil e política.

No Chile, o SERNAM estabelece-se em 1991, subordinado ao Ministerio de Planificación y Cooperación, ocupando o mais baixo nível hierárquico na estrutura estatal. Permanece com esse status por 25 anos e, em 2015, alcança um maior nível hierárquico com a criação do Ministerio de la Mujer y Equidad de Género (Lei nº 20.820/2015).

Apesar do baixo nível hierárquico, apresenta continuidade e estabilidade ao longo de todos os governos, independentemente da orientação ideológica ou programática. A criação do ministério, além de expandir a estrutura e orçamento anteriores auferidos ao SERNAM6, representou maior legitimidade tanto nas relações intergovernamentais como frente aos organismos e acordos internacionais. Essa nova estrutura viabilizou, por exemplo, a apresentação do projeto de lei de aborto em três casos via executivo durante o ano de 2017, conferindo-lhe força e caráter de urgência para ser votado em um prazo relativamente curto.

A garantia de estabilidade é um fator a ser valorizado por permitir a continuidade de ações e projetos; apesar do baixo nível hierárquico impor limites às possibilidades de ações, no Chile, a APM não tem sido ameaçada frente às mudanças políticas. Na atual gestão centro-direitista, por exemplo, Ministerio e SERNAMEG mantiveram seu orçamento, pessoal e status político. Podem alterar-se, certamente, discursos, gramáticas ou orientações dos programas e políticas, entretanto, não há uma ameaça à estrutura institucional constituída nem à viabilidade de suas ações.

Na realidade brasileira, diante da complexidade do espectro político nacional e o preocupante avanço de forças conservadoras, os mecanismos criados para pensar e articular políticas para as mulheres tornaram-se alvos frágeis em um contexto de democracia instável. Nesse sentido, a estratégia de ‘transversalização vertical’ levada a cabo pela SPM, que consistiu no incentivo à criação de APM locais, demonstrou-se relevante para viabilizar a continuidade de algumas das propostas, apesar do contexto nacional.

Mecanismos de transversalização

Tomando em conta o princípio da transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas e o papel central de articuladoras conferido às APM, considera-se essencial tanto a estrutura das agências criadas (status, recursos humanos e financeiros) como a existência de mecanismos para viabilizar o acesso e tornar efetiva a proposta de promover os direitos das mulheres a partir do Estado de maneira transversal. Uma vez que esses organismos são criados como articuladores e que a execução da maior parte das políticas para as mulheres será de responsabilidade dos demais ministérios, torna-se imperioso que, enquanto responsáveis pela implementação, tais ministérios incluam em sua estrutura um mecanismo capaz de estabelecer esse laço funcional às políticas transversais.

Essa proposta pressupõe o comprometimento de todas as áreas envolvidas, e a instalação de um núcleo que esteja a cargo do cumprimento desses compromissos é um fator chave para a viabilização das propostas. Para funcionarem como articuladoras, as APM necessitam desses ‘tentáculos’ firmados em cada área, que possam responder acerca de suas especialidades, capacidades e orçamentos.

No Brasil, o estabelecimento formal de mecanismos se dá principalmente mediante a instalação do Comitê de Articulação e Monitoramento do PNPM, em 2005, composto por 30 órgãos governamentais e três representações do CNDM, com o objetivo de acompanhar ações e propostas previstas no PNPM, sensibilizar os demais ministérios a inserir informações acerca de suas ações declarando o viés de gênero e estimular a criação de mecanismos no interior dos ministérios. De acordo com a SPM, em 2015 totalizavam-se 15 ministérios com mecanismos de gênero (BRASIL, 2016).

Apesar dos relevantes esforços, os processos de transversalização apresentaram, na prática, expressivas nuances a depender da área de negociação com a qual a SPM encontrava maior ou menor abertura ao diálogo. Nesse sentido, a inclusão da perspectiva de gênero nas políticas setoriais esteve condicionada a acordos e negociações político-pessoais entre ministras/os e ao histórico de comprometimento de cada ministério em impulsionar a igualdade de gênero.

Destacam-se as políticas implementadas por meio da Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais (DPMR) do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) em parceria com a SPM entre 2004 e 2014, como a de documentação para as mulheres rurais, acesso a titulação de terras entre outras (Lia Zanotta MACHADO, 2016). Na área de combate à violência - única em que a SPM tinha autonomia para implementar ações e, portanto, recebia e centralizava recursos para tal -, a coordenação com o Ministério da Justiça e demais organismos envolvidos funcionava de forma contínua e permanente por meio de comitês e do envolvimento e comprometimento de cada área nos processos e ações coordenados e levados a cabo pela secretaria. Por outro lado, nos casos em que houve pouca abertura - como os ministérios do Trabalho e da Educação, por exemplo -, não foi possível estabelecer alianças para viabilizar projetos pensados no âmbito da secretaria.

No Chile, no marco do segundo Plano Nacional de Igualdade de Oportunidades entre Homens e Mulheres (2000-2010) cria-se o Consejo de Ministros por la Igualdad de Oportunidades com o objetivo de assegurar que as políticas para igualdade de gênero sejam incorporadas ao programa político de cada ministério através dos Compromisos Ministeriales de Género. A partir da criação do ministério, esse Comité passa a ser instituído por lei, congregando 13 dos 22 ministérios.

Além dessa instância, a partir de 2006, cada ministério deve também contar com uma ‘assessoria ministerial de gênero’ que, a depender do nível de incorporação da proposta por parte do ministério, forma uma equipe ou uma unidade de gênero institucional responsável por cumprir com os compromissos assumidos. Esses núcleos de gênero, bem como o trabalho por eles desenvolvido, variam de acordo com a vontade política das autoridades (ministras/os e secretárias/os) presentes. Além desses mecanismos, a inclusão do indicador de gênero no Programa de Mejoramiento de Gestión (PMG) desde 2002 permite a produção de informações e dados desagregados por sexo, por ministério, viabilizando o monitoramento por parte do SERNAMEG das ações que incluem a promoção de direitos das mulheres.

No caso chileno, o estabelecimento de uma arquitetura institucional de transversalização se dá de maneira muito mais formalizada e estável, estabelecida por decretos presidenciais e leis. Nesse sentido, são produzidos relatórios e informações relativas aos compromissos e planos de trabalho assumidos setorialmente. Entretanto, não são estabelecidos orçamentos específicos e as metas e compromissos são definidos pelos próprios ministérios.

Existe, portanto, um aparato burocrático que viabiliza tecnicamente a transversalidade da perspectiva de gênero nas políticas públicas, porém, com limitações evidentes quanto ao que supõe tal transversalidade: em alguns casos, resume-se à produção de dados desagregados por sexo e muitas vezes não implicam em repensar a forma com a qual são conduzidas as políticas para permitir maior igualdade de oportunidades.

No Brasil, os casos em que a transversalidade funcionou efetivamente estiveram condicionados a dois fatores, principalmente: na área de combate à violência, na qual a SPM era articuladora e executora das ações e tinha orçamento e autonomia frente às demais; e nos casos em que havia um histórico de relações entre as demandas das mulheres e Estado (como saúde e mulheres rurais) e a SPM aparece como articuladora para somar forças a esses processos. Percebe-se, portanto, uma abertura seletiva e um aparato institucional que não logra incorporar efetivamente a proposta de transversalidade de gênero nas políticas de Estado.

Presença de feministas nas instituições

Na América Latina, tem sido relevante a presença de gestoras feministas nesses organismos estatais. A partir desse lugar e de suas experiências prévias na defesa e promoção de direitos das mulheres, passam a incidir nos processos de construção e execução de políticas públicas de dentro do Estado. Esse é um dos pontos nevrálgicos de intersecção entre ação feminista e estatal, a partir do qual se estabelecem e se aprofundam trânsitos de discursos e corpos entre ativismo social e gestão estatal. Trânsitos estes certamente condicionados e determinados por relações prévias, majoritariamente partidárias no caso específico do poder executivo, uma vez que aquelas que ocupam esses espaços são indicadas diretamente pela/o presidenta/e, aos chamados ‘cargos comissionados’.

Como mencionado, tanto na experiência brasileira como na chilena, os processos de redemocratização foram momentos relevantes para a inserção de demandas nas arenas estatais. No Brasil, a criação de partidos políticos com ampla participação de movimentos sociais, como foi o caso do PT na década de 1980, facilitou esses trânsitos, intensificados nos anos 2000 com a chegada do partido à presidência, a criação da SPM e a manutenção do CNDM.

A SPM esteve composta majoritariamente por mulheres feministas ligadas, direta ou indiretamente, à militância partidária. Ao mesmo tempo, muitas entre as que ocuparam cargos de secretárias e ministras eram conhecidas e reconhecidas pelos movimentos sociais de mulheres por suas trajetórias coerentes com propostas e perspectivas feministas. Em sua maioria, trajetórias acadêmicas, de participação em ONGs feministas em alguns casos e, em menor medida, ativistas de movimentos sociais de mulheres. Uma vez gestoras, contribuíram tanto para levar discursos e propostas feministas para essa arena institucional como para estreitar os laços entre Estado e movimentos sociais ao aproximar esses campos discursivos e de ação. Como ministras, também presidiram o CNDM, estabelecendo relações diretas e determinantes nos processos de diálogos e negociações.

Como uma arena para o que podemos nomear “ativismo [feminista] institucional” (ABERS; TATAGIBA, 2015), a SPM potencializou a ação dessas mulheres que viabilizaram caminhos para iniciativas como a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), aprovada em 2006 e seguida pelo Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência, incentivaram projetos como o de despenalização total do aborto7, entre outros, que respondiam a demandas e traziam em seu desenho e em sua proposta a perspectiva e a gramática forjadas no âmbito dos movimentos feministas e com a participação ativa destes últimos.

Os PNPMs construídos durante as conferências realizadas em 2004, 2007, 2011 e 2016, refletem explicitamente as pretensões de confluir discursos e perspectivas feministas e governamentais, ao anunciarem a construção de uma ‘Plataforma Política Feminista’. A presença de feministas8 nesses espaços trouxe como consequência a aproximação entre movimentos e Estado, abrindo possibilidades de diálogo e colaboração.

No contexto chileno, caracterizado por uma institucionalidade e formalidade muito mais rígidas e por uma marcada centralização estatal, o circuito aberto pelo SERNAM demonstrou-se mais restrito em termos da amplitude das trocas e negociações entre movimentos feministas e Estado. Os espaços e possibilidades para pensar e administrar as políticas para as mulheres a partir dessa arena foram abertos exclusivamente via partidos políticos, ao menos no que se refere aos cargos diretivos, e o envolvimento anterior com propostas ou ações de promoção dos direitos das mulheres não foi um pré-requisito para assumirem esses espaços nos governos.

Nesse sentido, na ausência de lideranças que representassem uma ponte (bridge) (Adrian LAVALLE, 2011) entre movimentos feministas e essa arena estatal, como observado no caso brasileiro, discursos e práticas políticas foram sendo construídos por meio de consultorias ou colaborações pontuais, ao que Nicole Forstenzer (2017) se refere como um “advocacy feminista” e Marisa Matamala9 como uma “ditadura da expertise”, mais que por uma tentativa de aproximação orgânica entre projetos e objetivos. Esse distanciamento reflete-se em uma linguagem e em ações que pouco se associam a demandas ou às gramáticas que compõem o campo feminista chileno, identificando-se majoritariamente com uma Agenda Global de Gênero próxima aos discursos, metas e objetivos disseminados e estabelecidos por agências e organismos internacionais, destacadamente a ONU. O que, por sua vez, não significa necessariamente que não promovam os direitos das mulheres, mas denota uma clara distância entre discursos de governo e da sociedade civil, e um baixo nível de integração com demandas locais, decorrente da marcada centralização institucional.

No Chile, portanto, constata-se uma reduzida presença de ativistas feministas como gestoras estatais. Tampouco há a existência de espaços de diálogo com a sociedade civil, o que contribui para manter uma separação e afastamento entre políticas de governo e necessidades/demandas das mulheres. Prevalecem discursos, nas Agendas de Governo, e práticas, nos programas e ações desenvolvidos, que buscam promover maior igualdade de gênero e direitos das mulheres a partir de uma gramática mais técnica, burocrática e institucional e de perspectivas não necessariamente transformadoras das relações de gênero.

Nesse aspecto há um contraste entre as duas experiências em que, no caso brasileiro, a presença de feministas (somada à abertura de espaços participativos) fundamenta a construção de planos e propostas que levam em si demandas e gramáticas feministas e de mulheres organizadas, incluindo vozes e reivindicações que buscam contemplar a diversidade das necessidades das mulheres que devem ter acesso às políticas públicas.

A diferença, portanto, refere-se aos termos e bases a partir das quais se identificam os problemas referentes às desigualdades de gênero - no Brasil mais ampla e próxima aos movimentos sociais e no Chile mais profissionalizada e institucional. Ou seja, os pontos de partida para pensar as possibilidades de promover os direitos das mulheres a partir das APM são distintos, e essa diferença se reflete nos conteúdos e gramáticas das propostas e ações, embora, em ambos os casos, devido a fatores e disputas político-ideológicas, muitas reivindicações e demandas feministas tenham sido excluídas ou modificadas/enquadradas no decorrer das negociações e processos institucionais.

Relações entre feminismos e Estado

Como destacam Sofia Donoso e Marisa von Bülow (2017), as estratégias dos movimentos sociais latino-americanos para influenciar as arenas políticas caracterizam-se, historicamente, pela coexistência de relações de colaboração e conflito com o Estado, relações estas que não se excluem mutuamente, tampouco são contraditórias entre si, mas que compõem “repertórios de interação” entre movimentos sociais e Estado. As autoras sugerem que há um continuum entre políticas institucionais e não institucionais, além da coexistência de estratégias insider e outsider, que compõem os repertórios dos movimentos sociais na busca por influenciar as arenas políticas, as quais incluem estratégias de caráter mais contencioso (protestos, marchas, greves etc.) e estratégias mais colaborativas e participativas, como complementares e não contraditórias ou opostas entre si.

No Brasil, a instalação do CNDM em 1985, com participação expressiva de feministas, e o contundente envolvimento nos processos de realização de conferências internacionais ao longo da década de 1990, constituíram-se antecedentes relevantes para construção de políticas para as mulheres no país. Ao longo dos anos 1990, parte importante dos movimentos feministas brasileiros ‘institucionaliza-se’ por meio da criação de ONGs, articulando-se no sentido de negociar, demandar e colaborar com os governos locais na construção de políticas públicas, por meio de conselhos e outros aparatos institucionais locais10.

Como destacado, a criação da SPM de forma simultânea à expansão de um projeto de abertura à participação foi significativa e determinante para a construção de políticas para as mulheres na esfera nacional. Os processos participativos - reuniões entre conselho e secretaria, organização e preparação de conferências municipais, estaduais e nacionais, sistematização das propostas na construção do PNPM e monitoramento das ações, entre outros - foram constitutivos da história e construção das políticas para as mulheres no Brasil. Aqui, a participação não aparece como uma proposta que é incorporada ao desenvolvimento das políticas para as mulheres, mas sim como o ponto de partida para viabilizar esses processos.

O CNDM assume um papel fundamental nos processos das conferências e constitui-se, durante o período de 2003 a 2015, em um canal de diálogo permanente entre representantes institucionais e sociais. A regularidade e amplitude das conferências e o papel de referência dos planos aí estabelecidos para as ações e negociações da SPM conferem à participação um lugar de destaque para pensar as políticas para as mulheres ao longo desse período. Entretanto, assim como ocorre em outras áreas, por não possuírem caráter deliberativo, a concretização dos planos e acordos estabelecidos conjuntamente nesses espaços não se efetiva de maneira satisfatória nas ações e negociações levadas a cabo posteriormente com outras arenas estatais (IPEA, 2011).

Os processos participativos, nesse sentido, apresentam um alcance efetivo em influenciar a composição dos planos e em impulsionar a circulação de discursos de gênero nos patamares burocráticos e institucionais por meio principalmente da proposta de transversalidade a partir da qual são pensadas tais políticas. A viabilidade desses fluxos, ainda que não altere ou transforme diretamente as rígidas estruturas institucionais, permite uma certa ‘legitimação’ ou ‘aceitação’ de reivindicações - sempre de maneira seletiva - trazidas pelos movimentos sociais que em outros contextos eram repelidas, impensáveis ou simplesmente desconsideradas nos jogos e negociações políticas. A entrada nessas arenas acarreta, contudo, fortes reações conservadoras que ameaçam ou inviabilizam tais propostas, tanto de diálogo como de construção de políticas para as mulheres.

Definitivamente, no caso brasileiro a participação e as relações estabelecidas entre sociedade civil e Estado foram fundamentais para pensar os processos de construção de políticas para as mulheres. Esses esforços, porém, encontraram barreiras burocráticas, institucionais, financeiras e até mesmo ‘morais’ ao interior da própria estrutura estatal (incluídos aí os três poderes que a compõem) para uma efetivação concreta. Tais barreiras relacionam-se diretamente com a manutenção de uma estrutura burocrático-institucional que se contradiz e, portanto, impede a implementação de políticas integrais e transversais, como demandam as políticas para as mulheres e, ainda, com os pactos e acordos políticos firmados durante esse período, que permitiram o desenvolvimento de políticas de inclusão social, porém com a premissa da manutenção de um projeto de desenvolvimento que atendia amplamente a interesses capitalistas e neoliberais11, manutenção de formas de fazer política baseadas em interesses e negociações muitas vezes corruptas e altamente nocivas à construção de uma sociedade menos desigual, como proposto inicialmente em seus projetos políticos.

A sobreposição desses acordos e negociações em detrimento das possibilidades pensadas/almejadas/criadas durante os processos participativos, produz efeitos diretos na implementação de políticas para as mulheres e na legitimidade desses espaços, uma vez que propostas acordadas em colaboração perdem força frente a interesses hegemônicos nos jogos de poder que predominam no cenário político.

É inegável que, durante esse período, ações governamentais de extrema relevância foram postas em prática no sentido de promover a autonomia das mulheres e maior participação política, coordenadas pela SPM em colaboração com outros ministérios e governos locais. Não obstante, em um nível macro, a maioria das ações governamentais foram orientadas ao combate à violência e estiveram mais fortemente marcadas por uma orientação assistencialista (viabilizando acesso a direitos básicos) e neoliberal (como promotoras de uma cidadania individualizada) do que pela concretização de projetos promotores de autonomia, esboçados nos PNPMs, construídos conjuntamente, porém não priorizados nas ações governamentais.

No Chile, a questão da participação, apesar de ter se desenvolvido a partir dos anos 2000, constitui-se de maneira muito mais formal/institucional, top down, menos orgânica e ampla como podemos encontrar no caso brasileiro. Nesse caso, a criação de mecanismos participativos formais teve impacto reduzido, mantendo um distanciamento da institucionalidade em si, ou dos processos de tomada de decisões constituindo, no geral, espaços consultivos a partir dos quais não se criam documentos ou medidas que sejam diretamente vinculantes ou comprometam autoridades (em qualquer nível político) com o que é produzido nesses espaços.

No caso específico do SERNAM, agora ministério, percebe-se que os processos de construção de políticas para as mulheres têm sido, ao longo das últimas décadas, invariavelmente pensados no âmbito político institucional, desenhados previamente como parte dos programas de governo, entre militantes partidárias em colaboração com consultoras ‘especializadas’ contratadas, geralmente identificadas como feministas acadêmicas ou de ONGs. Produzidas fundamentalmente nos âmbitos institucionais, as Agendas de Género identificam-se amplamente com um gender mainstreaming no sentido de abordar as temáticas referentes à promoção da igualdade de gênero e dos direitos das mulheres a partir de uma ótica mais institucional do que ‘movimentista’.

Nesse sentido, parecem atender mais diretamente às expectativas e proposições de modernização do Estado propostas por agências multinacionais do que se aproximar das reivindicações dos movimentos sociais feministas e de mulheres do Chile. Isso não significa, entretanto, que não promovam melhorias efetivas nas condições de vida das mulheres ou que suas ações não contribuam para avançar em pautas históricas dos movimentos, porém, denota limites claros, estabelecidos previamente, quanto às possibilidades e esforços desses mecanismos em promover avanços nos direitos das mulheres.

A Ley de Aborto en 3 causales é um exemplo claro de uma proposta política advinda do programa de governo do segundo mandato de Bachelet, impulsionada pelo recém-criado Ministerio de la Mujer e que, apesar de não resultar de processos de participação social (a não ser de interações restritas, basicamente entre ministério e ONGs feministas), avança indiscutivelmente em temas essenciais das agendas dos movimentos sociais de mulheres ao promover acesso legal ao aborto em caso de anencefalia fetal, risco de vida para a mulher ou estupro. Entretanto, carrega em si os limites argumentativos em termos de direito ao corpo ou autonomia feminina, posto que advoga pelo exercício de direitos de maneira intrinsecamente restritiva, ao reconhecer, e de certa forma legitimar, a possibilidade de decisão e intervenção do Estado em todos os demais casos em detrimento da capacidade e de possibilidades de determinação das mulheres sobre seus corpos. Avançam, porém, dentro de possibilidades restritas que, certamente, tencionam e colocam em xeque disputas no âmbito social e político, mas com evidentes limites que a tornam anacrônica e contestada pelo próprio campo político feminista chileno ainda no calor de sua aprovação12.

Assim, se no caso brasileiro logra-se inserir demandas e construir uma agenda de políticas para as mulheres politicamente mais alinhada com as reivindicações de movimentos sociais que participam desses espaços de diálogo e colaboração abertos pelo Estado, no Chile a construção de uma agenda de políticas para as mulheres prescinde da participação dos movimentos e, portanto, pouco reflete a diversidade e complexidade das demandas acunhadas nesses âmbitos; reflete, antes, um programa de governo com influência não apenas partidária, mas também da primeira mulher a presidir o país e, alternadamente, a ONU-Mulheres.

Uma aproximação comparativa permite estabelecer uma distinção clara entre os dois países em torno do tema da participação e das relações entre sociedade civil e Estado: no Brasil desenvolve-se uma ampla e profunda experiência entre os anos 2003 a 2015 e, no Chile, nunca chega a ultrapassar as vias formais estabelecidas para tanto. Identificado esse aspecto, um reflexo direto pode ser percebido no âmbito da produção e do desenho dos planos de políticas para as mulheres ou agendas de gênero, que apresentam características distintas quanto à sua composição e às prioridades definidas.

Como consequência, os PNPMs construídos ao longo desse período, mediante amplos processos participativos, foram capazes de incluir reivindicações e discursos feministas em suas propostas e planos de ação, o que reflete a concreta intersecção entre ação feminista e estatal proporcionada no período das administrações de centro-esquerda. Entretanto, tais propostas são incluídas apenas de forma marginal nas agendas de governo, devido principalmente à necessidade de negociações políticas constantes e à uma estrutura institucional débil que não contribuiu para a concretização de ações e propostas previstas nos planos.

No Chile, as Agendas de Género estabelecem-se a partir de estratégias de caráter mais centralizado, tecnocrático e institucional, refletindo discursos e propostas de igualdade de gênero a partir de uma gramática institucionalizada (gender mainstream), com interações pontuais entre movimentos feministas (no geral com ONGs feministas mediante prestação de serviços) e agências estatais. Nesse contexto, as perspectivas de promoção dos direitos das mulheres contidas nas agendas de gênero apresentam-se marcadamente distintas/distantes daquelas construídas a partir dos movimentos feministas e de mulheres. Não obstante, com seus limites intrínsecos, tais agendas formam parte de um programa de governo sendo, portanto, incluídas de alguma forma em distintas áreas e priorizadas nos programas de gestão, concretizando-se em medidas, ações, campanhas e leis com maior frequência que no caso brasileiro.

Fonte: elaborado pela autora

#PraTodoMundoVer o quadro traz um resumo da análise comparativa entre Brasil e Chile com os fatores considerados determinantes para a construção e implementação de políticas para as mulheres no período analisado. Com relação ao primeiro fator, Orientação político-partidária, ambos os países se caracterizam como de centro-esquerda, com posturas políticas ideologicamente contraditórias; já o segundo fator, Grau de institucionalidade, apresenta maior variação no caso do Brasil - Médio (2003-2010), Alto (2011-2015), Baixo (2015-2017) - e maior estabilidade no Chile - Baixo (1991-2014) e Alto (2015-2017) -; no que se refere aos Mecanismos de transversalização, no Brasil estes se caracterizam como Intermitentes e Dependentes de acordos político-pessoais, e no Chile como Estabelecidos institucionalmente; a presença de Feministas nas instituições no Brasil é Alta - ligadas a partidos políticos (PT) - e, no Chile, Baixa; a Relação sociedade civil-Estado no Brasil é Ampla (conferências, conselhos, fóruns), e no Chile é considerada Fraca, uma vez que as Mulheres aparecem como beneficiárias e as ONGs como parceiras; com relação aos Discursos de gênero no contexto institucional, no Brasil apresenta-se o PNPM (participativo) e com pautas dos movimentos (disputas políticas, seletividade), e no Chile há a Agenda de governo (tecnocrático), Construída ‘de cima para baixo’ (agenda internacional); e o último fator refere-se às Alianças entre Feminismos e Estado caracterizadas, no Brasil, como Marginal, que absorve questões pautadas pelos movimentos de mulheres nos processos políticos, mas não obtém sucesso em inserir uma perspectiva feminista nas políticas públicas e, no Chile, como Entre insider e antimovimento, que considera questões pautadas pelos movimentos sociais, mas a partir de um gender mainstreaming, havendo, portanto, uma incorporação seletiva e reinterpretação

Quadro 1 Feminismos e Estado no Brasil e no Chile 

Considerações finais

De acordo com Ana Laura Gustá, Nancy Madera e Mariana Caminotti (2017), “a princípio, poderíamos esperar uma relação entre governos de esquerda e maquinarias de gênero consolidadas”. Entretanto, “a literatura comparativa demonstra relações não lineares entre governos de esquerda e agências de políticas para as mulheres efetivas”. Portanto, “não há uma associação clara entre a ideologia do governo e os modelos de governança”, sendo necessário um enquadramento (framework) que considere a interação entre distintos determinantes (GUSTÁ; MADERA; CAMINOTTI, 2017, p. 453-454, tradução nossa).

A análise comparativa entre as experiências do Brasil e do Chile revela o contraste entre formas e estratégias possíveis adotadas por governos nacionais de centro-esquerda para promover mais e melhores políticas públicas para as mulheres. Demonstrou-se, neste artigo, que uma maior interação entre feminismos e Estado, percebida no Brasil, logra inserir demandas dos movimentos na arena estatal; porém, carece de ferramentas institucionais para levar a cabo a concretização das propostas em ações. No Chile, por sua vez, evidenciam-se relações pontuais entre feminismos e Estado, de caráter fortemente institucional, que produzem relatórios e propostas dentro de uma lógica tecnocrática; enquadradas por/nessa política formal, a promoção de direitos das mulheres aparece como agenda de governo e, assim, estabelecem-se estratégias e compromissos políticos para que sejam cumpridas, sempre de forma limitada.

A diferença essencial, portanto, refere-se a quem e como se definem essas agendas ou, em outras palavras, o que pode ser considerado como ‘direitos das mulheres’ e como são de fato executadas, ou seja, se existem mecanismos institucionais para que essas propostas se convertam em ações concretas.

Nesse sentido, pode-se concluir que as condições, possibilidades e limites para a inclusão de uma perspectiva de gênero nas políticas públicas relacionam-se, por um lado, às dinâmicas estabelecidas entre as agências de políticas para as mulheres e os governos (burocracia estatal, arenas decisórias) e, por outro, às relações entre APM e sociedade civil, destacadamente os movimentos feministas e de mulheres.

Um ponto fundamental a se considerar quando tratamos de governos de centro-esquerda são as coligações partidárias estabelecidas para que partidos do campo progressista chegassem às presidências. Nos casos do Brasil e do Chile, a partir de um presidencialismo de coalizão, forças conservadoras - e até fundamentalistas -, formaram parte de negociações e acordos prévios, não somente enquanto oposição, mas também como partes/estruturas internamente constitutivas desses governos, em ambos os países, em diferentes níveis. Por isso um ‘ciclo progressista’, entre aspas, em que as disputas pelo poder ou pelas orientações de políticas estatais estiveram marcadas por sua distinção em áreas sociais, especialmente no Brasil, porém não deixaram de atender a interesses de setores capitalistas, neoliberais e religiosos, confrontando diretamente agendas propostas pelos campos feministas.

Isso, no entanto, não implica uma estagnação no campo dos direitos das mulheres, mas, de certa forma, circunscreve as possibilidades de avanços que, durante o período considerado pela análise, variaram de acordo com as áreas de interesses. Como concluem Merike Blofield, Christina Ewig e Jennifer Piscopo (2017), “a esquerda foi reativa durante a maré-rosa, respondendo a demandas e circunstâncias, no entanto, progressos importantes ocorreram […]. Feministas tiveram melhores possibilidades para exercer influência dentro de governos de esquerda de partidos institucionalizados” (p. 362, tradução nossa), como foram os casos do Brasil, Chile e Uruguai.

Uma perspectiva atual deixa ainda mais clara essa constatação. Parece evidente que todas as críticas/avaliações que possam direcionar-se às APM e seus limites referem-se em um primeiro plano a críticas aos governos de turno, às formas de governar e às escolhas e negociações políticas dos partidos progressistas que chegaram ao poder/à presidência. Se criticamos a política de consensos ou os acordos que se sobrepõem aos conflitos e acabam por modelar ou modificar certas demandas, estes se inserem nas correlações de forças políticas de uma determinada conjuntura.

Nos casos analisados, administrações de centro-esquerda permitiram a ampliação de espaços e estratégias políticas a partir do poder executivo estatal. Entretanto, questões de gênero mantiveram-se em um lugar de não poder na estrutura estatal, sendo permitidas apenas sob a condição de não se constituírem ameaças aos poderes estabelecidos.

Atualmente, com o fim do ‘ciclo progressista’ latino-americano e a ascensão de governos de direita, novos desafios se apresentam. A arena executiva deixa de ser um instrumento da/para a política feminista e evidencia-se, tanto no Brasil como no Chile, uma pulverização desses esforços, com a maior ocupação de espaços para enfrentamento e disputa tanto no campo da política formal, destacando-se os espaços legislativos, como informal, com o fortalecimento da articulação das lutas das mulheres com outros movimentos, lutas e demandas sociais

Agradecimentos

Este artigo apresenta parte dos resultados da tese de doutorado intitulada Quando feminismos e Estado se encontram(?): Brasil e Chile no ‘ciclo progressista’, defendida em 2019 na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Agradeço a Márcia de Paula Leite e Sonia Elena Alvarez, minhas queridas orientadoras, pelos diálogos e debates estimulantes ao longo da pesquisa

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1Entre as quais se destacam os programas Bolsa Família, Fome Zero, Luz para Todos, Minha Casa Minha Vida, a valorização sustentada do salário mínimo, entre outros.

2São exemplos de ameaças aos direitos já conquistados iniciativas como o PL nº 478/2007, conhecido como Estatuto do Nascituro, que ameaçava direitos de acesso ao aborto em casos de estupro, previstos em lei; e o PL nº 7180/2014, o Projeto Escola sem Partido (ainda em tramitação) que, entre outras propostas, proíbe o uso da palavra ‘gênero’ nas instituições educacionais além de excluir a educação sexual.

3A Concertación de Partidos por la Democracia forma-se em 1988 para a disputa eleitoral propiciada pelo plebiscito de 1988 que marcou o fim da ditadura militar. Como uma coalizão de centro-esquerda, cujos principais partidos políticos são o Partido Demócrata Cristiano (DC) e o Partido Socialista (PS), assume o primeiro governo democrático em 1990 mantendo-se como bloco governista até 2010 quando a aliança centro-direita alcança a presidência. Para as eleições de 2014, constitui-se a Nueva Mayoría, e uma das principais mudanças é a inclusão do Partido Comunista (PC).

4No caso brasileiro, esse debilitamento não é um problema especificamente relacionado às políticas para as mulheres, senão a um complexo e turbulento processo político que tem ameaçado não apenas as políticas públicas, principalmente aquelas de caráter social e inclusivo, mas também a própria democracia, que envolveu um controverso processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016.

5Cabe mencionar que na década de 1990 o CNDM passa igualmente por momentos de enfraquecimento frente a pressões e vontades políticas nos processos de transição de governos, e chega a ser desvinculado e desativado, reestruturando-se apenas mediante uma nova troca de governo.

6Com a criação do ministério, passa a denominar-se Servicio Nacional de la Mujer y Equidad de Género (SERNAMEG) e torna-se responsável pela aplicação das ações definidas e previstas no âmbito ministerial.

7Proposto durante a gestão de Nilcéa Freire (2004 a 2011) e barrado por acordos e negociações políticas.

8Como demonstrado por Marlise Matos e Sonia Alvarez (2018), na investigação Quem são as mulheres das políticas para as mulheres?, as feministas que têm acesso a essas arenas estatais possuem um perfil similar: brancas, de classe média, escolarizadas e ligadas ao PT, representando certamente um setor específico dentro do amplo, heterogêneo e complexo campo político feminista brasileiro.

9Em sua fala durante o seminário internacional Actualidad política de los feminismos latinoamericanos, realizado na Universidad de Chile, nos dias 2 e 3 de agosto de 2018.

10Destaque para a conformação dos Conselhos Estaduais em Minas Gerais e São Paulo (1982 e 1983), a criação de Delegacias de Defesa da Mulher, em São Paulo, em 1985, e a importante articulação de mulheres em torno do tema de saúde que levaram à constituição do Programa de Assistência Integral à Saúde Mulher (PAISM).

11Como com os grandes projetos de construção da usina de Belo Monte, a priorização da ampliação do agronegócio em detrimento da demarcação de terras indígenas, entre outros.

12A Lei nº 21.030, Ley de Interrupción Voluntaria del Embarazo, foi aprovada em setembro de 2017, no entanto, algumas normativas seguem sendo debatidas, principalmente em torno da possibilidade de ‘objeção de consciência institucional’ por instituições subsidiadas pelo Estado, por meio da qual as instituições hospitalares como um todo declaram a impossibilidade de realização do procedimento no estabelecimento, mesmo nos casos previstos por lei. Simultaneamente a esses processos, o amplo debate sobre aborto livre promovido na Argentina faz com que essa demanda e a campanha por aborto livre, seguro e gratuito se instale também no Chile ainda enquanto são debatidos os termos de aplicação prática da lei.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: GONZALEZ, Débora de Fina. “Lado a lado? Feminismos e Estado durante o ‘ciclo progressista’ latino-americano”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 3, e63040, 2020.

Financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Processo 2014/15354-5

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 08 de Abril de 2019; Revisado: 16 de Agosto de 2019; Aceito: 05 de Novembro de 2019

deboradefina@facso.cl

Débora de Fina Gonzalez (deboradefina@facso.cl) é pesquisadora pós-doutoranda do Núcleo de Investigación en Género y Sociedad Julieta Kirkwood, da Facultad de Ciencias Sociales, Departamento de Sociología, Universidad de Chile. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Seus principais temas de pesquisa são: políticas públicas para as mulheres, interação entre feminismos e Estado, participação política, igualdade de gênero e movimentos feministas na América Latina.

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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