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Revista Estudos Feministas

versión impresa ISSN 0104-026Xversión On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.28 no.3 Florianópolis set./dic. 2020  Epub 01-Sep-2020

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2020v28n362026 

Artigos

Novos feminismos? Conexões e conflitos intergeracionais entre feministas

Renata Franco Saavedra1 
http://orcid.org/0000-0001-7566-255X

1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Comunicação, Grupo de pesquisa Coordenação Interdisciplinar de Estudos Contemporâneos (colaboradora), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


Resumo:

Neste artigo problematizamos a ideia de “novos feminismos”, noção cada vez mais corrente na mídia e em análises acadêmicas, apresentando o debate geracional tal como posto atualmente entre as ativistas feministas mais jovens e as mais experientes. Após essa contextualização, analisamos como esse debate é vivido por jovens artivistas - que utilizam a arte como principal forma de ativismo - e produtoras culturais feministas em atividade no Rio de Janeiro, explorando conexões e conflitos intergeracionais que permeiam os feminismos contemporâneos.

Palavras-chave: feminismos; artivistas; produção cultural; diálogos intergeracionais

Abstract:

In this article, we will discuss the idea of "new feminisms", an increasingly common idea in the media and in academic analysis, presenting the generational debate as it stands today between the youngest and the most experienced feminist activists. After this contextualization, we analyze how this debate is experienced by young artivists - activists who use art as the key means of activism - and feminist cultural producers in activity in Rio de Janeiro, exploring intergenerational connections and conflicts within contemporary feminisms.

Keywords: Feminisms; Artivists; Cultural production; Intergenerational dialogues

Conexões e conflitos intergeracionais entre feministas no Rio de Janeiro

Nosso ponto de partida neste artigo é a cena contemporânea de coletivos de jovens artistas e produtoras culturais cujos trabalhos divulgam ideias feministas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Grupos que se multiplicam e se articulam com ações como festivais, sessões de cineclube, shows, oficinas de grafite e outras intervenções urbanas, rodas de conversa e afins, marcando o ativismo feminista com muitas cores e sons.

É uma cena que nos permite explorar a interseção entre produção cultural, artes urbanas e militância feminista, assim como o espaço de tais expressões culturais e artísticas como estratégias comunicativas dentro do amplo universo dos feminismos contemporâneos, e que se insere em um contexto mais amplo de expansão dos feminismos - nas ruas, na internet, na mídia.

Todo esse movimento frequentemente é caracterizado como algo novo: o “novo feminismo” ou “novos feminismos”, geralmente em um tom celebratório, tanto na mídia quanto em algumas análises acadêmicas (Heloisa Buarque de HOLLANDA, 2018; Flávia BIROLI, 2019) e por algumas ativistas. Em que medida, no entanto, podemos falar de “novos feminismos”?

Para além de certo frisson midiático em torno de ativismos feministas jovens dos últimos anos, a ideia de “novos feminismos” se relaciona com um outro debate mais amplo e estruturante nos movimentos feministas que é o debate geracional sobre transmissão de conhecimento dentro do movimento, hierarquias e distribuição de poderes, autonomia e institucionalização, entre outros.

Neste artigo vamos problematizar essa noção corrente de “novos feminismos”, apresentar o debate geracional tal como posto atualmente entre as ativistas mais jovens e as mais experientes, para então analisar como esse debate é vivido por jovens artivistas (Paulo RAPOSO, 2015)1 e produtoras culturais feministas em atividade no Rio de Janeiro, explorando conexões e conflitos intergeracionais que permeiam os feminismos contemporâneos.

Inicialmente mostramos como há um discurso midiático contemporâneo que, embora à primeira vista possa vender uma imagem positiva dos feminismos, consiste em uma atualização do discurso antifeminista historicamente predominante na imprensa - inclusive a dita de esquerda (SOIHET, 2013). Em seguida situamos a ideia de “novos feminismos” no debate geracional mais amplo que marca os movimentos feministas, recorrendo a autoras como Eliane Gonçalves et al. (2013), Julia Zanetti (2011) e Karla Adrião e Ricardo Mello (2009), para então analisarmos tais questões a partir de eventos feministas, de depoimentos e trajetórias de jovens artivistas.

“Mais leve, plural e ‘pop’”

Quando foi capa da Revista O Globo, em abril de 2015 (Joana DALE, 2016), o “Novo feminismo” foi apresentado como “Mais leve, plural e ‘pop’”. A Revista IstoÉ (Natalia MARTINO; Rodrigo CARDOSO, 2012) já falava de um novo feminismo em 2012, referindo-se sobretudo à nudez como forma de protesto, dizendo que o feminismo “segue se reinventando na pele de jovens ativistas, que agora usam o corpo para se expressar - leia-se os seios à mostra”. “Essas mulheres têm como bandeira a liberdade e a diversidade e se arvoram para defender o direito das minorias, tudo com um toque de ousadia e irreverência, próprios de sua faixa etária”, seguia a reportagem.

Traço marcante do ideário neofeminista, a agenda que pauta essas ativistas é muito mais ampla do que as manifestações contra abusos em relação ao gênero. Elas têm se posicionado sobre modelos de desenvolvimento e questionam o capitalismo e as violações de direitos de comunidades indígenas femininas, entre outras questões. “Lutar pelos direitos em geral e não só ao que se refere às mulheres tem revitalizado o movimento feminista”, afirma a doutora em filosofia Carla Regina, da Universidade Federal Fluminense (UFF). A forma de protestar tem conferido irreverência ao movimento e tirado o ranço que o conservadorismo deu ao termo feminista. É o que pensa Margareth Rago, professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para ela, a caricatura feminista dos anos 70 e 80 era a de uma mulher séria, asséptica e nada erotizada. “As jovens que participam das Marchas das Vadias, por exemplo, entram com outras cores, brincam com seus corpos e questionam todas as convicções”, diz a pesquisadora na área de gênero e feminismo (MARTINO; CARDOSO, 2012).

A Revista ELLE (J. de FARIA, 2013) explicou para suas leitoras que “no novo feminismo, o importante é ter liberdade de escolha”, e que o “o ativismo dos novos tempos libera a mulher para ser fashion e sensual, casar virgem, pintar o cabelo, batalhar pelos seus direitos, rebolar ou não fazer nada disso”.

O feminismo hoje se apresenta de diferentes formas, inclusive em cima de um palco, vestido de Givenchy decotado [referência à cantora Beyoncé, alçada ao posto de ícone dos ditos novos feminismos]. Sua versão moderna visa ampliar as escolhas das mulheres e respeitar os desejos de cada uma, em contraponto à militância do passado, que reprimia tudo que pudesse parecer resultado da opressão machista.

Já segundo o jornal português Expresso (Carolina REIS, 2016), o novo feminismo “cresce nas redes sociais em vez de estar centrado na academia. É menos político e mais comunitário. E aceita todo o tipo de mulheres”. Com isso, “o feminismo normaliza-se, perde a conotação negativa. E nem os mais poderosos chefes de Estado têm medo de usar a palavra”. Menos categórico, o Correio Braziliense (2015) diz: “Especialista admite surgimento de ‘novo feminismo’, com ajuda da internet”:

A facilidade da comunicação pela internet fez surgir “um novo feminismo”, explica a historiadora e pró-reitora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Joana Maria Pedro. Ela ressalta como as ativistas de hoje “têm menos reservas, são mais diversificadas” e usam as redes sociais como meio de conscientização. “Muitas meninas nem chamam de feminismo, mas têm a clareza de seus direitos”, observa.

Supostamente leve, pop, ousado, irreverente, aberto, o dito novo feminismo é, nos termos vistos nas expressões midiáticas mais comuns, uma atualização do discurso antifeminista que reduz as ativistas que lutaram pelos direitos das mulheres ao longo dos séculos XIX e XX a um estereótipo absolutamente negativo. O novo feminismo parece tão positivo porque se diferenciaria do feminismo anterior - ou seja, de toda a luta feminista ao longo da história -, praticado e defendido por mulheres “feias”, “radicais”, “impositivas”, “agressivas”.

A ampla utilização da zombaria como arma antifeminista foi tema de pesquisas fundamentais de Rachel Soihet (2013), que registra desde a obra do cartunista francês Honoré Daumier, que em 1844 tratava de ridicularizar mulheres que buscassem atuar fora do ambiente doméstico, “mulheres que não querem resignar-se a ser mulheres”; aos discursos misóginos veiculados n’O Pasquim, importante periódico contracultural de oposição ao regime militar brasileiro.

Contra essas mulheres, as temidas “feministas”, lançavam seus dardos inúmeros articulistas de O Pasquim. Antigos estereótipos são restaurados, entre outros, a feiúra, a menor inteligência ou, inversamente, o perigo da presença desse atributo, a inconsequência, a tendência à transgressão, a masculinidade com vista a identificar negativamente aquelas que postulavam papéis considerados privativos dos homens. Não poucas matérias registram tais ‘qualidades’ das feministas, o que aproxima os libertários desse jornal do momento da contracultura dos misóginos de outras épocas. Na verdade, lançar o descrédito sobre aquelas que ousavam ameaçar a ordem tradicional dos gêneros era o objetivo de sempre (SOIHET, 2013, p. 170-171).

A maior parte de notícias e reportagens que pipocam nos últimos anos sobre os novos feminismos, portanto, reforça, ainda que indiretamente, esses antigos e famosos estereótipos.

Juventude como categoria e agente de disputa

Para além das armadilhas antifeministas que podem estar presentes nos discursos “neofeministas”, a ideia de “novos feminismos” está relacionada a um longo e polêmico debate geracional dentro do movimento feminista - um debate que está especialmente aquecido no atual contexto de ampliação e diversificação da luta feminista.

Eliane GONÇALVES e Joana PINTO (2011) se apresentam como “estudiosas e ativistas feministas, enfrentando o problema da passagem do tempo e do esvaziamento do ‘ninho’ de nossas organizações e grupos” e destacam que “enquanto um movimento político coletivo, cujas demandas por reconhecimento e legitimação pressupõem estratégias de formação contínuas, o feminismo enfrenta, de tempos em tempos, impasses que estão relacionados à sua existência no presente e continuidade no futuro” (p. 27).

Essa dimensão do feminismo, que podemos assinalar como “geracional”, tem sido provocada no interior do movimento pela intervenção de alguns segmentos jovens que reivindicam voz e presença nos espaços constituídos. No entanto, o fato de se insinuar uma nova força política denominada “jovens feministas” não é suficiente para compreender se, e como, o movimento feminista brasileiro está sendo bem sucedido em sua ambição de continuidade, se é que se pode pensar a importância, para qualquer movimento social, de se ter estratégias de “transmissão” de seu ideário, incluindo-se suas formas de ação ou metodologias (GONÇALVES; PINTO, 2011, p. 28).

Sempre houve jovens nos movimentos feministas, mas apenas nos anos 2000 as jovens passaram a se articular como uma “categoria”, como agentes que reivindicam reconhecimento, espaço próprio e voz específica no interior do movimento. Julia Zanetti (2011) compara esse processo com o que foi feito pelas feministas negras e lésbicas a partir dos anos 1980 e principalmente 1990 - questionando a generalização das experiências das mulheres brancas, heterossexuais e de classe média dentro do movimento, negras e lésbicas passaram a reivindicar a afirmação de outras identidades: feministas negras, feministas lésbicas, e a criar espaços de fortalecimento dessas identidades. “E, assim como aconteceu em boa parte da América Latina, estimular o reconhecimento da diferença e do conflito na prática política do movimento, reconhecer o exercício do poder no seu interior e admiti-lo como recurso de transformação se tornaram novos desafios para o feminismo” (ZANETTI, 2011, p. 49).

O 10º Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe (EFLAC), de outubro de 2005, que aconteceu na cidade de São Paulo, é considerado um marco nessa afirmação de uma identidade feminista jovem. O EFLAC nasceu em 1981, em Bogotá, e é o maior encontro feminista da região. Na edição paulista, mais de 100 jovens se reuniram e lançaram o Manifesto das Mulheres Jovens da América Latina e Caribe, lido na plenária final do Encontro:

Reconhecemos que neste Encontro se abriu um primeiro espaço de reflexão e intercâmbio, incluindo o tema das jovens como um debate de interesse dentro do movimento. Da mesma forma, queremos reconhecer que contamos neste espaço com o apoio de adultas aliadas para o impulso deste debate. Falar da radicalização da democracia implica repensar as relações de poder e superar o adultocentrismo no interior do movimento feminista [aplausos fervorosos], o que significa compreender e reconhecer que falar das jovens é colocar no debate político as relações desiguais de poder em razão das diferenças geracionais.

As mulheres jovens, pertencentes às diversas expressões feministas, consideramos que compartilhamos uma agenda comum como feministas e estamos contribuindo na construção do movimento feminista ao visibilizar a condição geracional, inter-racial e de orientação sexual como uma questão complexa, com especificidades e dinâmicas próprias, em que aparecem novas interseções e desafios para o movimento feminista.

A juventude feminista negra exige garantir o debate inter-racial e o enfrentamento do racismo, da lesbofobia, das questões de classe e território dentro dos feminismos. E a garantia do protagonismo de novas lideranças negras na política feminista [...].2

Sob mais aplausos fervorosos, as jovens ativistas seguiram reivindicando que os comitês organizadores dos Encontros Feministas Latino-Americanos e do Caribe a partir de então garantissem “diálogos intergeracionais que superem as visões que nos fragmentam e que impedem de fortalecer nosso compromisso como feministas”.

Karla Adrião e Ricardo Mello (2009) entrevistaram jovens ativistas em 2005 e concluíram que

elas não encontravam espaço de constituição autônoma nem no movimento feminista, tampouco nos movimentos juvenis. No primeiro, aquelas que se aproximaram ficaram por muito tempo sem ocupar espaços de liderança, pois mesmo que por vezes fossem percebidas como “herdeiras” das conquistas do feminismo, terminavam sendo consideradas como inexperientes, condição esta que só seria alterada se as “feministas históricas” não estivessem ocupando a liderança no movimento. Com relação aos movimentos juvenis a crítica que as jovens pesquisadas fizeram é a de que elas eram destinadas a exercerem funções “na base” ou no trabalho operacional, tendo poucas possibilidades de chegar a ocupar lugares de liderança e poder (ADRIÃO; MELLO, 2009, p. 3).

Da mobilização que se deu no 10º EFLAC nasceu o Encontro Nacional de Jovens Feministas, que aconteceu em março de 2008, em Fortaleza, e depois o 1º Encontro Nacional de Negras Jovens Feministas, em 2009, em Salvador, reunindo aproximadamente 100 jovens. O 2º Encontro Nacional de Negras Jovens Feministas foi realizado entre 6 e 10 de setembro de 2017, em São Paulo, reunindo feministas negras entre 15 e 35 anos com o “objetivo de fortalecer as ações de negras jovens feministas [...] com foco na relação intergeracional, para elaboração de estratégias de atuação capazes de promover o bem viver da população negra no contexto do pós-Marcha das Mulheres Negras”,3 que foi uma ampla - e histórica - mobilização nacional que levou mais de 50 mil mulheres para Brasília em novembro de 2015. Cabe destacar que os encontros feministas, sejam nacionais ou latino-americanos, são importantes espaços de construção e fortalecimento do movimento feminista, lugares onde se forjam e exercitam modos de ser feminista e de fazer feminismo (Sonia ALVAREZ et al., 2003).

Merece destaque também que as jovens negras feministas estejam em um crescente e bem-sucedido processo de articulação, afirmando-se primeiramente “negras” e promovendo ainda marchas do “orgulho crespo” em diversos estados pelo país.

Nos discursos e pautas dessas jovens, é cada vez mais difícil que a questão de gênero seja pensada isoladamente - ou, se for, não tardará para surgir uma crítica que pontue a necessidade de pensar o gênero em articulação com outros marcadores sociais de diferença, sobretudo a raça, no caso do Brasil. Elas estão trazendo para a moda, nos últimos anos, as noções de feminismo interseccional e de interseccionalidade - que englobam tanto uma postura política quanto um paradigma teórico e metodológico.

O conceito de interseccionalidade foi proposto pela advogada e professora Kimberlé Crenshaw (2002) no fim da década de 1980 para abordar os aspectos de gênero da discriminação racial e os aspectos raciais da discriminação de gênero, que, como afirmou então a autora, “não são totalmente apreendidos pelos discursos dos direitos humanos”.

Há um reconhecimento crescente de que o tratamento simultâneo das várias diferenças que caracterizam os problemas e dificuldades de diferentes grupos de mulheres pode operar no sentido de obscurecer ou de negar a proteção aos direitos humanos que todas as mulheres deveriam ter. Assim como é verdadeiro o fato de que todas as mulheres estão, de algum modo, sujeitas ao peso da discriminação de gênero, também é verdade que outros fatores relacionados a suas identidades sociais, tais como classe, casta, raça, cor, etnia, religião, origem nacional e orientação sexual, são ‘diferenças que fazem diferença’ na forma como vários grupos de mulheres vivenciam a discriminação. Tais elementos diferenciais podem criar problemas e vulnerabilidades exclusivos de subgrupos específicos de mulheres, ou que afetem desproporcionalmente apenas algumas mulheres. Do mesmo modo que as vulnerabilidades especificamente ligadas a gênero não podem mais ser usadas como justificativa para negar a proteção dos direitos humanos das mulheres em geral, não se pode também permitir que as diferenças entre mulheres marginalizem alguns problemas de direitos humanos das mulheres, nem que lhes sejam negados cuidado e preocupação iguais sob o regime predominante dos direitos humanos. Tanto a lógica da incorporação do gênero quanto o foco atual no racismo e em formas de intolerância correlatas refletem a necessidade de integrar a raça e outras diferenças ao trabalho com enfoque de gênero das instituições de direitos humanos (CRENSHAW, 2012, p. 173).

Sublinha-se, dessa forma, a necessidade de se pensar sistemas múltiplos e complexos de subordinação e opressão de maneira associada, articulando gênero, raça, classe, orientação sexual, território, idade, e outros marcadores.

Retomando a questão da idade como marcador social e político, anos depois de as ativistas jovens reivindicarem, no 10º EFLAC, que o movimento feminista na América Latina reavaliasse “relações desiguais de poder em razão das diferenças geracionais”, a pauta segue presente, gerando debates e conflitos, como pude observar em um grande encontro feminista realizado em janeiro de 2017 no Rio de Janeiro.

O encontro a que me refiro foi o I Diálogo Mulheres em Movimento: Direitos e Novos Rumos, promovido pelo Fundo ELAS, que reuniu mais de 120 ativistas feministas do Brasil e de outros países da América Latina. O encontro debateu o contexto político das lutas feministas e por democracia no Brasil, buscando unir as ativistas na resistência à onda conservadora e antidireitos em curso atualmente. Buscou ainda desenvolver uma agenda de ação feminista que servisse de base para a segunda atividade do programa: um edital de financiamento da ação feminista no Brasil, que foi lançado em julho de 2017.

Atuei na produção do encontro, que foi transmitido ao vivo e disponibilizado on-line, e me coloco como parte das redes feministas tecidas nesse texto. Como uma pesquisadora feminista orgânica e engajada, busco uma perspectiva polifônica e dialógica, compreendendo que “o que a pesquisa etnográfica tem de mais forte como método-pensamento é que ali se evidenciam com nitidez as marcas de uma produção coletiva” (Janice CAIAFA, 2007, p. 150). Esse processo de produção coletiva não tem um ponto de partida ou de chegada estáveis, e sim conexões, um agenciamento - no sentido deleuziano de um arranjo de heterogêneos em que me incluo como mais um elemento.

O Diálogo Mulheres em Movimento contou com a participação de organizações de mulheres negras, indígenas, LGBT, jovens, trabalhadoras domésticas, estudantes, secundaristas, blogueiras, ativistas que foram às ruas na Primavera Feminista, ativistas das mídias sociais, lideranças comunitárias e, ainda, de especialistas e convidadas estratégicas das áreas de comunicação, mobilidade, gestoras públicas, acadêmicas, intelectuais e artistas.

A questão geracional foi mencionada em diversos momentos, como quando Juliana,4 blogueira de 25 anos, disse que os espaços tradicionais de organização política feminista não são espaços convidativos para as jovens:

O que eu tenho notado desde que comecei um ativismo tanto na rua, em espaços mais... os organizados, os tradicionais, quanto na internet. As meninas jovens não estão chegando nesses espaços, e vocês sabem disso. Nos espaços tradicionais organizados. A gente não está chegando, sabe por quê? Porque não são espaços convidativos. Sacou? No sentido de que quando você vai a alguma reunião, a alguma marcha, é sempre uma hierarquia pré-determinada, que você nunca sabe onde você vai se colocar ali. E a minha única experiência enquanto uma jovem que ficou em uma organização foi uma experiência tão ruim que depois daquilo eu fiquei com medo de adentrar os espaços, fiquei com receio. Porque eu passei um ano correndo atrás de mulheres organizadas que só me viam para fazer segurança numa marcha, pra entregar panfleto, agora quando eu dava o meu parecer político a respeito do conteúdo, a respeito de ideologias, eu não era ouvida.5

Ela segue convocando as mulheres mais experientes que fazem parte das organizações mais antigas a integrarem as jovens, não apenas oferecendo cursos de formação política, mas envolvendo as jovens na construção política de suas organizações, e reivindica que as mais experientes “larguem o osso”. Diz que as jovens que estão militando na internet não sabem que essas organizações existem e que muitos dos coletivos de jovens que estão surgindo não são legitimados pelo movimento.

A fala de Juliana gerou um clima de desconforto no encontro, e várias participantes reagiram a ela ao longo do evento, tanto jovens quanto mais velhas. Amanda, 18 anos, do Coletivo Feminismo de –, de alunas do Colégio Pedro II, destacando seu respeito pelo tempo de vida e de militância das mulheres presentes, falou que é preciso conversar sobre “a questão do etarismo, que é a ideia de que a sabedoria aumenta conforme os anos de vida, o que não é necessariamente verdade. Essa hierarquia dentro do movimento, que determina a sabedoria de acordo com o tempo de vida, é muito complicada e precisa ser pensada”. Marcela, da Universidade Livre Feminista, disse que “a internet precisa ser ocupada por todas as nossas vozes diversas e geracionais”.

Luciana, colaboradora do Fundo Frida, um fundo global que financia iniciativas de jovens feministas, reforçou a crítica ao adultocentrismo dentro dos movimentos feministas:

É importante pensar idade dentro do feminismo. Existe um histórico de movimentos de jovens feministas na América Latina e Caribe muito forte, mas que acabam não compartilhando muito entre si, o que colabora para uma tese eurocêntrica de que nos anos 90 e 2000 as mulheres jovens perderam o interesse pelo feminismo, o que não é uma realidade regional. Existe um histórico de agendas e reivindicações próprias do movimento feminista no encontro latino-americano e caribenho feminista. No Brasil há um histórico de participação nas conferências de políticas para mulheres, onde se tenta pautar transversalmente as questões das mulheres jovens. O movimento estudantil também é uma realidade das mulheres jovens. Tenta-se desestabilizar a ideia de juventude como um sujeito masculino, hétero e branco, mas dentro do movimento feminista é preciso também desconstruir o adultocentrismo, um tema que não tem tido visibilidade. A idade das mulheres importa e é uma realidade. Precisamos pensar os efeitos do tempo no nosso corpo e no nosso psicológico, na nossa vida e na nossa sexualidade. [...] Em relação aos recursos, é preciso pensar em formas de garantir a autonomia das jovens nas organizações feministas, que têm a capacidade e o desejo de conceber seus próprios projetos e também gerir o dinheiro desses projetos. [...] A idade é ainda um dos eixos de dominação do patriarcado. O patriarca domina as mulheres e também as pessoas jovens e crianças da família.

Hilda, 73 anos, afirmou a importância da troca de experiências entre mulheres de diferentes gerações:

Não temos que seguir a hierarquia europeia onde o mais velho “dá a última palavra”, mas sim a nossa tradição do terreiro onde jovens, adultos e crianças estão juntos trocando ideias. Não é o caso de se passar a vida toda batalhando em uma instituição e morrer no mesmo lugar; passa-se a ocupar um outro lugar e essa trilha precisa ser reconhecida, servir de exemplo. Passamos por uma série de coisas que podem ser puladas pelos jovens de agora. A troca de experiência e o diálogo entre as gerações são bons para todas e é o que deve ser feito neste evento. É preciso acabar com o preconceito geracional.

Maria também falou sobre a importância de criar junto com as jovens:

No alto dos meus 61 anos, acho que vivemos a pior crise que a gente já viveu até agora no Brasil e na América Latina, regionalmente e no mundo [...] Resistir é criar e os feminismos jovens, com a nova maneira de ser, nova linguagem, nova agenda fazem isso. Resistir é criar novas formas de luta, teorias que deem conta das desigualdades de raça, gênero e geração.

Algumas organizações tradicionais do movimento feminista no Rio de Janeiro têm buscado integrar as jovens. A CAMTRA - Casa da Mulher Trabalhadora, fundada em 1997, criou, em 2001, um Núcleo de Mulheres Jovens, “a partir da demanda de jovens que já atuavam na instituição por ações específicas para esse segmento”. Desde 2012, o Núcleo é um órgão previsto no estatuto da organização, composto por mulheres entre 14 e 29 anos que têm a função de avaliar e opinar sobre “assuntos referentes à gestão e execução de programas e projetos da CAMTRA referentes às mulheres jovens”.6

A Cepia, criada em 1990, também segue nesse sentido, como explicou no Diálogo Mulheres em Movimento a jovem que representava a organização:

A juventude é criativa, flexível, se ocupa de muitas coisas durante o dia e possui capacidade de se organizar e promover coisas novas, por isso é importante absorver os coletivos jovens e “dar uma cara” de renovação. A Cepia é um exemplo de renovação. É uma organização que muito tem trabalhado com os direitos das mulheres e que tem buscado investir na juventude. No ano de 2015 foi criada uma metodologia participativa e foi desenvolvido um aplicativo chamado “Partiu Papo Reto”, construído com jovens da periferia, da Baixada, visando divulgar informações sobre direitos sexuais e reprodutivos para adolescentes.

Para uma rapper e cineasta presente, “a questão agora não é abrir a organização para a entrada de jovens ou jovens pedirem para entrar em organizações antigas, mas sim realizar parcerias”.

O conhecimento de uma militante histórica e o conhecimento das jovens que estão fazendo ciberativismo são diferentes e têm que se complementar [...]. Enquanto as jovens dominam a tecnologia, as mais velhas dominam o conhecimento e deve haver uma troca de saberes entre esses grupos. Essa genialidade precisa se misturar, compartilhar entre si e se respeitar.

Outras importantes ativistas históricas do movimento no Rio de Janeiro também defenderam uma maior articulação entre jovens e mais velhas. Janaína, com mais de 60 anos, defendeu a ampliação do diálogo e uma articulação mais intensa com coletivos feministas de mulheres jovens, “portadoras de uma energia vital para os movimentos feministas do presente e do futuro, com destaque para a capacidade comunicacional das jovens pelas mídias sociais e manifestações públicas, trazendo vitalidade ao espaço público”. Outra feminista experiente disse que ainda “é necessária uma conversa séria e franca sobre a questão geracional envolvendo a polaridade entre militantes mais antigas e as mais novas, principalmente quando a crítica vem de feministas negras ditas jovens”.

Certa tensão e polêmica se repetem nos espaços feministas em que o debate geracional vem à tona. Na última edição do Seminário Internacional Fazendo Gênero, em agosto de 2017, um diálogo no Simpósio Temático “Juventudes, gênero, feminismos e direitos humanos: interlocuções a partir dos deslocamentos, rupturas ou recorrências nas transições geracionais” foi particularmente representativo nesse sentido. Ao apresentar seu trabalho intitulado “Juventude e Feminismo: Diálogos sobre rupturas políticas e geracionais”, a jovem Keli Rodrigues (2017), de São Paulo, argumentou que o período do Governo Lula trouxe um “arrefecimento das lutas sociais através de um processo de institucionalização dessas lutas, por meio de Conferências, por exemplo”, o que nomeou como uma “domesticação” do movimento feminista tradicional. Segundo Rodrigues, no âmbito dessa tensão entre autonomia e institucionalização do movimento, são as jovens que confrontam velhas formas de organização das lutas, buscando formatos mais horizontais de organização por não se sentirem representadas por partidos, sindicatos, conselhos etc. Enquanto ativista e pesquisadora, ela observa a constituição de um sujeito juvenil feminista e defende que é necessário “retomar o princípio de autonomia do movimento frente aos desafios trazidos pela institucionalização”.

Na ocasião, Ismália Afonso, do CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria, ONG fundada em 1989 que atuou em sua história sobretudo com articulação e mobilização, advocacy e controle social, apresentou-se como uma feminista “jurássica” (termo usado dentro do movimento para se referir às militantes mais experientes) e discordou da análise feita pela jovem.

Há uma tentativa de narrativa de separar “velho” e “novo”, mas essa ebulição feminista que está acontecendo hoje só é possível porque o feminismo se constituiu historicamente como o principal fator de luta por direitos das mulheres. Não é nada “domesticado” nosso processo de luta, mesmo em diálogo com o Estado. Não é nada domesticado o processo de criação da Lei Maria da Penha. Separar essas coisas não é válido nem estratégico. Não fomos domesticadas.

Se Ismália Afonso chama atenção para a importância de observar as continuidades dentro do movimento e entre gerações, a pesquisadora Flávia Biroli, da UnB, observa uma desconexão entre organizações tradicionais e o que chama de “feminismos de novo tipo”. Ainda no Fazendo Gênero 2017, na mesa-redonda “Feminismos históricos e contemporâneos”, que contou também com Eva Alterman Blay (USP), a ativista Analba Brazão Teixeira (AMB/SOS Corpo), Montserrat Sagot (Universidad de Costa Rica) e Jules Falquet (CEDREF U. Paris Diderot) - nenhuma jovem -, Biroli (2017) afirmou que “existe um fosso” entre os novos coletivos e os movimentos feministas caracterizados por ações no âmbito estatal nas últimas décadas:

Tenho tido essa experiência no diálogo com mulheres que são protagonistas dos feminismos de novo tipo hoje no Brasil. Não vou citar exemplos mas situações em que, por exemplo, pessoas que têm protagonizado campanhas importantes dos anos recentes não conheciam a Articulação de Mulheres Brasileiras, não tinham referência de que organização era essa. E não necessariamente existe um contato com o tipo de atuação que se estabeleceu já a partir da Constituinte mas, sobretudo, a partir de 2003 no âmbito estatal. [...] Essa potência [dos novos coletivos] é uma potência que precisa ser registrada em um limite - que entendo que nós precisamos lidar com ele - que é o fato de que existe um fosso, uma distância relativamente às experiências de ação no campo estatal de outros segmentos dos movimentos feministas nessas décadas recentes. Essa ação no campo estatal foi ajustada e limitada, mas, por outro lado, se é compreensível que parte desses coletivos, desse movimento de novo tipo, vire as costas para os partidos políticos e para a alternativa de atuar no campo estatal, uma vez que essa democracia despolitizada e desidratada é cada vez mais impermeável às nossas agendas, então é compreensível, por outro lado fica uma questão de qual serão as possibilidades de ação uma vez que não vemos um diálogo nem com muitos dos movimentos que ganharam experiência na atuação estatal e nem com outras instituições e organizações que se adensaram dessas experiências recentes e de seus efeitos.

Fica claro, portanto, que o debate geracional não se esgotou nem se resolveu dentro dos movimentos feministas e que a tensão “novo x velho” perpassa todo o movimento. É um debate que segue mobilizando afetos e divergências em relação a hierarquias internas e métodos e espaços de ação. O tema é cada vez mais discutido, tanto no nível acadêmico quanto nas trincheiras do movimento social, mas continua sendo uma pauta “espinhosa”.

Entre o novo e o velho, conflitos e conexões

Em trabalho de campo junto a coletivos culturais de mulheres artivistas atuantes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, observei que é preciso romper dicotomias no que se refere aos embates entre “novo x velho” e “autonomia x institucionalização”, oposições que reduzem a atuação e a expressividade política tanto dos grupos novos quanto dos antigos e que, por vezes, dificulta o diálogo, em vez de estimulá-lo. Nesse sentido concordamos com Ismália Afonso quando ela afirma que essa oposição não é válida nem estratégica.

O que pude observar é que, embora se reconheçam diferenças marcantes entre as militâncias contemporâneas e as de décadas anteriores, e se referencie esse debate geracional, por vezes conflituoso e tenso, existe sim um diálogo entre os coletivos culturais que analisamos nesse trabalho e organizações feministas ditas tradicionais.

Se esses grupos não buscam atuar no âmbito estatal, nem mesmo se integram ao “movimento feminista” no sentido de participar de atos e marchas ao lado de organizações tradicionais, e produzem uma arte e cultura engajadas, mas dentro do seu nicho cultural; ao mesmo tempo, buscam reconhecer lideranças tradicionais do movimento e estabelecer intercâmbios com as feministas históricas.

É o que faz o coletivo Roque Pense quando, por exemplo, convida Schuma Schumaher, feminista atuante desde a década de 1970 e criadora da REDEH - Rede de Desenvolvimento Humano, ONG criada em 1990, para a roda de conversa de abertura de seu festival, ou quando inicia um ciclo de formação em produção cultural antissexista com uma conversa com Amalia Fischer, fundadora e coordenadora do Fundo ELAS, com o tema “Pensando o Feminismo”. O Roque Pense é um coletivo de cultura antissexista que usa música, skate, grafite, cinema e outras linguagens para combater as desigualdades de gênero na Baixada Fluminense. O grupo atua principalmente contra a discriminação no universo da música e da cultura urbana. Algumas jovens do coletivo já participaram de atividades de formação política na Cepia, outra ONG tradicional fundada e liderada por feministas históricas no Rio de Janeiro.

Referências feministas da Baixada Fluminense e ícones da história mundial do feminismo também são referenciadas e homenageadas pelo Roque Pense, como me disse Giordana Moreira em uma entrevista:

É meio que para a gente colocar a história da luta das mulheres hoje em dia, que continua, e continua de outras formas, inclusive com o rock’n’roll. Então ela [Rosa Luxemburgo] foi a primeira pessoa, figura que a gente homenageou [...] Já no segundo a gente parou para pensar quem a gente iria homenagear, e aí na conversa a Lidi trouxe a Armanda [Álvaro Alberto], a gente mesmo não conhecia, a Dani sim e tal, que ela é de [Duque de] Caxias, tem a história do [cineclube] Mate com Angu, a escola e tal, mas a gente não conhecia a fundo a história dela. E quando ela trouxe e tal, a gente viu o livro, a história dela, ela fez festival de música com mulheres, a escola dela tinha um transmissor de rádio, foi a primeira biblioteca da região, ela tinha uma atuação com cultura, com feminismo, e na Baixada Fluminense. Para a gente ela é uma das maiores feministas brasileiras, e não é muito conhecida. [...] E assim, a gente tem várias mulheres que são nossa referência, mulheres companheiras de luta, a Marlúcia Santos que é uma historiadora aqui de Duque de Caxias que trabalha a história da Baixada de uma forma que a gente sempre admirou, outras mulheres que são próximas da gente que a gente tem como referência, eu estou tentando lembrar algumas aqui, mas assim, a Armanda e a Rosa elas vêm de uma história, porque a gente quer associar a luta da mulher que hoje também é feita com rock’n’roll, que é o nosso caso, a gente usa o rock’n’roll para isso, e que dá no mesmo objetivo que elas (SAAVEDRA, 27/08/2014).

Para além desse interesse e esforço no sentido de associar suas ações com uma luta histórica, algumas das artivistas estabelecem relações bastante diretas com ONGs feministas.

Embora a internet seja um espaço central de expressão e articulação dessas artivistas, por onde alcançam a maioria das jovens que participa de suas ações, muitas das nossas interlocutoras chegaram ao movimento feminista por meio de organizações tradicionais.

A grafiteira J. Lo Borges, por exemplo, primeiro conheceu a CAMTRA - Casa da Mulher Trabalhadora, a partir daí chegou à Rede NAMI, para então depois criar a Coletiva Visibilidade Lésbica. Ela me contou que chegou à CAMTRA por causa de sua mãe: “Na época eu ainda morava com ela, e aí tudo que a minha mãe via de feminismo, ela me avisava. E aí teve um dia que ela abriu o e-mail dela da escola e aí tinha a propaganda do curso da CAMTRA, “por uma educação não sexista”. Quando perguntei se, além dessas duas ONGs, ela já havia tido alguma relação com outras organizações feministas, ela me explicou que as mantém em sua rede de contatos, embora não “faça parte”:

Então, eu tenho os contatos, eu não faço parte. Faço trabalhos com, entendeu? Eu ajudo no que for possível e tal, quando eu acho que são instituições que são sérias e tal. Com a construção do 8 de março acabei tendo contato com as meninas da Marcha Mundial das Mulheres, que estão querendo que eu dê uma oficina de grafite, e aí dependendo de quando for e tudo mais, eu faço tranquilão (SAAVEDRA, 06/08/2015).

Da mesma maneira, a artivista Lidi de Oliveira, fundadora do grupo Pagufunk, também menciona uma ONG tradicional, o Cfemea, quando fala de sua entrada no feminismo, e diz que passou por espaços institucionalizados de militância antes de criar um coletivo informal. Ela conta que, estimulada por uma professora de História a fazer uma pesquisa sobre feminismo na internet, encontrou o site do Cfemea - anos depois se aproximaria da organização, participando de algumas atividades. Ela chegou a colaborar com a CAMTRA também.

Quando a Pagufunk ainda estava nascendo, ainda estava ganhando forma, aí eu rompo [com as organizações tradicionais] e eu acho que com a Pagufunk foi quando eu tive a minha maior liberdade, maior liberdade de criação, dessa não hierarquização... Eram organizações hierarquizadas, das quais você tinha que passar por tais pessoas pra aquilo acontecer, e não podia ser algo tão espontâneo. “Ah, vamos cantar ali, vamos conversar?” tipo, isso era algo que eu queria (SAAVEDRA, 15/07/015).

Por parte das mais experientes, vimos que há amplo entendimento da necessidade de “passar o bastão”, embora, na prática, o processo de redistribuição de poderes dentro do movimento não se mostre tão simples.

Há sobretudo o reconhecimento da potência comunicacional dos grupos e coletivos de jovens feministas que se multiplicam especialmente desde 2010. Em várias das falas que trouxemos aqui essa dimensão é destacada: são recorrentes depoimentos que destacam a importância de novas linguagens e do uso da internet como ferramenta para ampliar as vozes feministas - e aqui incluo também as práticas e saberes das artivistas dos coletivos culturais que observamos, que, para além da internet, constroem redes comunicativas, artísticas e culturais muito caras a esse processo de expansão e diversificação dos feminismos contemporâneos.

É cada vez maior o reconhecimento de que a luta se dá também e fundamentalmente pelo campo da cultura e das formas de comunicação, assim como pela tomada para si do direito à fala, à expressão e à significação (Ana Lucia ENNE; Lia RIBEIRO, 2014, p. 3). Essa luta no âmbito da produção cultural e artística, travada por esses coletivos a partir de um viés de gênero, configura-se hoje como

um importante centro de disputas em torno dos direitos, e entendemos que os sujeitos históricos que vivem e atuam em regiões desqualificadas por sistemas valorativos excludentes, como as favelas e as periferias, estão buscando se apropriar, cada vez mais, de recursos tecnológicos que possibilitem e facilitem sua entrada e permanência nas esferas da produção dos sentidos, criando brechas para que se empoderem como protagonistas na luta contra-hegemônica frente aos poderes historicamente constituídos que sistematicamente os renegam a condições de subalternidade e exploração (ENNE; RIBEIRO, 2014, p. 2).

Tratamos aqui de redes comunicacionais que “são ferramentas fundamentais para a constituição de novos formatos para os movimentos sociais e produção de subjetividades, permitindo novas formas de conexão, inserção e expressão” (ENNE; RIBEIRO, 2014, p. 1).

É dessas redes comunicacionais e de estratégias culturais plurais que bebem os feminismos “novos” (ou não tão novos assim) para tratar de pautas tão antigas quanto a violência de gênero e a legalização do aborto.

Entre as jovens feministas e as ativistas “históricas” há ainda muitos desafios a serem enfrentados, como frisou Analba Brazão Teixeira (2017), da ONG SOS Corpo, também no Seminário Fazendo Gênero, no dia seguinte ao seu aniversário de 57 anos:

Estamos vivendo um momento de transição do feminismo, com o crescimento, tanto no Brasil, como em vários países, de coletivos feministas diversos que trazem releituras, novas formas de fazer a luta feminista mas trazem para a roda também princípios caros ao feminismo como autonomia, horizontalidade, auto-organização. Mas nessa transição acho que tem um grande desafio, que se mostra cada vez mais, de que faltou uma transmissão desse feminismo que a gente está chamando de feminismo histórico para esse feminismo que está pulsando no Brasil e em vários outros lugares. Acho que isso é um desafio [...] E também o desafio de que vêm várias e várias lutas, novas lutas, e como isso, nós mulheres, feministas que estamos há mais tempo, como isso é acolhido, como é que a gente agrega as novas lutas com as lutas que começamos lá atrás e que ainda permanecem presentes, como por exemplo a luta pela legalização do aborto. [...] Há muito tempo atrás, nós feministas mais velhas no Brasil tínhamos uma grande preocupação constante que era renovar o feminismo [...] hoje vemos que há essa renovação, com [novos] formatos.

Em meio a tantos desafios, gostaria de chamar atenção para o potencial construtivo do conflito, recorrendo a Georg Simmel (1955), que afirma que o conflito deve ser visto como uma forma de sociação, não apenas lócus de construção da sociedade, mas como a própria razão de existência do grupo social. A ausência do conflito, diz o sociólogo alemão, não é a paz, a harmonia, e sim a indiferença. O conflito pode atuar, dentro dos movimentos feministas, como uma importante força integradora.

A ativista histórica uruguaia Lilian Celiberti (2009) argumenta nesse sentido quando diz que “as relações entre adultos e jovens sempre pressupõem certo grau de conflito, mas o conflito não é, de modo algum, o lugar indesejável que nos ensinaram; ao contrário, é um espaço de trocas, de renovação do olhar, de reformulações e revisões”. Celiberti (2009) segue:

O feminismo abriu a possibilidade de que nós, mulheres, construamo-nos como sujeitos políticos, construtoras de nossa própria trajetória e, dessa perspectiva, abriu também o campo para a diversidade e a pluralidade. Contudo, a gestão dessas diversidades, muitas vezes, colocou o movimento como um elemento paralisante, ou ao menos infecundo, no sentido de motivar o debate de ideias, a confrontação intelectual, o enriquecimento teórico e político.

Ao discutir com uma jovem, corro o risco de ser acusada de adultocêntrica; se uma jovem discorda de mim, talvez não consiga me separar do todo e coloque todas as “velhas” feministas no mesmo saco. Então, aqueles caminhos, que abrimos e que representaram rupturas epistemológicas significativas, voltam a fechar-se em nossa prática política. A diversidade não é o espaço despolitizado para que cada um seja como quiser neste mundo consumista e mercantilista. Mas também não é a caça às bruxas do politicamente correto.

Reconhecer a singularidade de cada uma - jovem, negra, lésbica, trabalhadora rural, operária e todas as infinitas combinações possíveis entre qualquer uma destas categorias nômades - significa, para mim, saber que cada uma vai me desafiar a olhar por um ângulo que eu não vejo e que, ao considerar esse ponto de vista, mudo totalmente a minha perspectiva. Mas é claro que também espero e desejo reciprocidade nesse intercâmbio (p. 153).

Concluímos, portanto, que é preciso romper dicotomias e reconhecer que os embates geracionais que integram os movimentos feministas são processos de reconhecimento mútuo, em que diálogos e conexões entre feministas mais jovens e mais experientes se sobrepõem a diferenças de idade e de práticas.

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1“Artivismo” é uma expressão cada vez mais utilizada para indicar a produção artística que se origina do desejo de provocar ou explicitar uma causa, assim como ações sociais e políticas que se valem de estratégias artísticas, estéticas ou simbólicas, e que vêm sendo particularmente fomentadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Segundo Raposo, a expressão entra no contexto acadêmico em 2008, com um artigo de Chela Sandoval e Gisela Latorre sobre ativismo digital chicano (RAPOSO, Paulo. “‘Artivismo’: articulando dissidências, criando insurgências”. Cadernos de Arte e Antropologia, v. 4, n. 2, p. 3-12, 2015. Disponível em https://doi.org/10.4000/cadernosaa.909. Acesso em 19/11/2018).

2Um vídeo registrando esse momento está disponível no YouTube, no link https://bit.ly/2HmlV2o.

3Chamada para o evento disponível em https://www.facebook.com/events/casa-das-pretas/2%C2%AA-pr%C3%A9-do-rio-2%C2%BA-encontro-nacional-de-negras-jovens-feministas/1754018528231473/.

4Nome fictício, assim como os próximos.

5O Diálogo Mulheres em Movimento foi transmitido on-line e encontra-se disponível no canal do Fundo ELAS, no YouTube.

6Disponível em https://www.camtra.org.br/index.php/noticias/acoes-recentes/item/49-primeiro-encontro-de-formacao-do-nucleo-de-mulheres-jovens-da-camtra.

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: SAAVEDRA, Renata Franco. “Novos feminismos? Conexões e conflitos intergeracionais entre feministas”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 3, e62026, 2020.

Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica.

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica.

7“Artivism” is an expression increasingly used to indicate artistic production that originates from the desire to provoke or explain a cause, as well as social and political actions that employ artistic, aesthetic or symbolic strategies, and which has been particularly boosted by new information and communication technologies. According to Raposo, the expression entered the academic context in 2008, appearing in an article by Chela Sandoval and Gisela Latorre about chicano digital activism (RAPOSO, Paulo. “‘Artivismo’: articulando dissidências, criando insurgências”. Cadernos de Arte e Antropologia, v. 4, n. 2, p. 3-12, 2015. Available at https://doi.org/10.4000/cadernosaa.909. Accessed on 19/11/2018).

8A video recording of this moment is available on YouTube at https://bit.ly/2HmlV2o.

9Call for the event available at https://www.facebook.com/events/casa-das-pretas/2%C2%AA-pr%C3%A9-do-rio-2%C2%BA-encontro-nacional-de-negras-jovens-feministas/1754018528231473/.

10Fictitious name, as are the ones that follow.

11The Diálogo Mulheres em Movimento was transmitted on-line and is available on the Fundo ELAS YouTube channel.

12Available at https://www.camtra.org.br/index.php/noticias/acoes-recentes/item/49-primeiro-encontro-de-formacao-do-nucleo-de-mulheres-jovens-da-camtra.

How to cite this article according to the journal’s norms: SAAVEDRA, Renata Franco. “Novos feminismos? Conexões e conflitos intergeracionais entre feministas”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 28, n. 3, e62026, 2020.

Funding: This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001.

Consent to use image: Not applicable.

Approval of research ethics committee: Not applicable.

Recebido: 14 de Março de 2019; Revisado: 05 de Novembro de 2019; Aceito: 29 de Novembro de 2019

refsaavedra@gmail.com

Renata Franco Saavedra (refsaavedra@gmail.com) é doutora em Comunicação e Cultura (PPGCOM/UFRJ), mestre em História (PPGH/UNIRIO), graduada em História (UNIRIO) e em Comunicação Social - Jornalismo (ECO/UFRJ). Pós-graduada em Sociologia Urbana (UERJ). É também especialista em Gênero e Sexualidade (CLAM/IMS/UERJ). Além de pesquisadora, atua como jornalista e no campo da filantropia para a justiça social.

Contribuição de autoria: Não se aplica. Este artigo foi traduzido para o inglês por Tony O’Sullivan.

Conflito de interesses: Não se aplica

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