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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.29 no.2 Florianópolis maio/ago 2021  Epub 01-Maio-2021

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n264987 

Ponto de Vista

Ética do Cuidado e a experiência da deficiência: entrevista com Eva Feder Kittay

1Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Psicologia, Florianópolis, SC, Brasil. 88040-900 - psicologia@contato.ufsc.br

2Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. 90040-060


Encontramos Eva Kittay em um café na cidade de Nova Iorque para realizarmos esta entrevista, onde ela, generosamente, falou por quase duas horas sobre seu trabalho, a Ética do Cuidado, a deficiência e sua experiência enquanto mãe de Sesha. Recentemente aposentada como professora de filosofia da Universidade de Stony Brook, em Nova Iorque, Kittay é uma das principais figuras nos campos da Filosofia Feminista e da Filosofia da Deficiência. Sua obra também contribuiu vastamente para os campos da teoria política e social e da ética. Kittay, junto com outras teóricas feministas como Joan Tronto e Virginia Held, foi uma das pioneiras em propor uma teoria alternativa à ética da justiça e que, por sua vez, não fosse centrada em princípios normativos, gerais e universais, mas sim em relações interpessoais, na responsividade a necessidades específicas e nas relações de dependência e interdependência. U ma Ética do Cuidado. Seu trabalho como filósofa está conectado à sua trajetória como mãe de Sesha, tendo construído sua carreira de modo pouco comum dentro da filosofia: escrevendo a partir da experiência de sua vida pessoal.

Kittay foi uma das primeiras teóricas a abordar as temáticas do cuidado e da deficiência - com especial atenção para a deficiência cognitiva - no campo da filosofia. Ao longo de sua carreira, publicou mais de oitenta artigos, livros e capítulos de livros sobre a temática da dependência, o self relacional, a relação entre cuidado e justiça, a assimetria inerente às relações de cuidado, justiça social, políticas do cuidado e deficiência. Em 1999, publicou o livro Love’s Labor: Essays on Women, Equality and Dependence (Eva KITTAY, 1999). Nessa coletânea de textos, apresentou uma crítica feminista à Teoria da Justiça de John Raws e formulou uma concepção alternativa de equidade, a qual leva em conta relações de cuidado e dependência, bem como considera central o papel dos trabalhadores da dependência (dependence workers). Defende, portanto, que o cuidado seja reconhecido como um bem primário. Desde então, sua obra tem a importante contribuição de trazer para o centro das discussões sobre justiça social temas até então pensados como secundários - ou até mesmo desconsiderados dentro desses debates - como a dependência, a interdependência e o cuidado. Assim, segundo ela, uma melhor distribuição do trabalho do cuidado, que não perpasse questões de gênero, raça ou classe, mas sim se baseie em habilidades e inclinações, é questão de justiça social e requer a valorização dessas atividades como um trabalho.

Também no campo dos estudos sobre a deficiência, Kittay ocupa um lugar proeminente. A partir do trabalho fundamentado na Ética do Cuidado, ela, entre outras coisas, refuta filósofos e outros estudiosos que consideram pessoas com deficiência intelectual moralmente inferiores em razão de uma suposta falta de racionalidade. E o faz por meio de discussões sobre a dignidade das pessoas com deficiência, condição de pessoa (personhood), justiça, o papel do cuidado e da racionalidade e, também, a garantia de direitos e acesso à saúde para essa população. Kittay foi coeditora, com Licia Carlson (KITTAY; CARLSON, 2010), do livro Cognitive Disability and its Challenge to Moral Philosophy, e seu mais recente livro, Learning from My Daughter: The Value and Care of Disabled Minds (KITTAY, 2019) foi publicado em abril.

Marivete Gesser (MG) e Helena Fietz (HF): Nós gostaríamos de começar esta entrevista perguntando como sua história com Sesha influenciou seu trabalho como filósofa e, do mesmo modo, como sua abordagem teórica e filosófica pode ter influenciado sua vida como mãe de Sesha.

Eva Kittay (EK): Eu posso começar com a segunda pergunta: como minha abordagem teórica e filosófica influenciou minha vida como mãe de Sesha. E eu posso dizer: não muito. Porque isso tem sido primário. O meu problema com a filosofia é que ela não considera pessoas como Sesha. Se eu abordasse Sesha sob um ponto de vista filosófico, um ponto de vista filosófico tradicional, eu teria que a compreender como um tipo de não pessoa e isto seria exatamente o oposto de como qualquer mãe se relacionaria com sua filha. Eu não diria que minha vida teórica e filosófica influenciou o tratamento que dei à Sesha como mãe. Mas, ao contrário, minha vida com Sesha teve profunda influência em meu trabalho teórico e filosófico. Quando eu tive Sesha e nós soubemos que ela tinha deficiências significativas, meu primeiro instinto foi o de tentar me proteger dos efeitos devastadores daquela informação inicial e a filosofia foi um modo de evitar pensar sobre essas coisas, sobre esses tipos de dificuldades. Em alguns de meus trabalhos, eu cito Adrienne Rich quando diz que, na sua poesia e enquanto escreve sua poesia, ela não é a mãe de ninguém e afirma que precisava desse espaço em que não era a mãe de ninguém. Por um longo período a filosofia, para mim, foi esse espaço em que eu não era a mãe de ninguém. Mas desde o início era evidente que a vida de Sesha com deficiência intelectual era um desafio para mim enquanto alguém que atribuiu tanta importância ao pensar, ao discurso racional. Ela me apresentou um desafio desde o princípio, mas por um tempo eu não o aceitei. Pensei em escrever sobre isso diversas vezes, mas eu ainda não sabia como fazê-lo. Não havia espaço na filosofia para escrever sobre essas questões. O campo da Filosofia da Deficiência não existia quando comecei. Mal havia espaço para questões sobre feminismo ou raça quando iniciei. Mas foram questões relacionadas ao feminismo e sobre os impactos da experiência de ser mulher tanto no modo como a filosofia é produzida quanto nos temas por ela abordados que começaram a abrir espaço para outras considerações.

MG e HF: E como foi que você passou a incorporar sua experiência como mãe de Sesha no seu trabalho como filósofa?

EK: Eu participei de um congresso no início dos anos 1980 sobre “retardo mental” - como era chamado na época. Foi interessante, mas eu senti que poucas pessoas lá tinham uma boa compreensão do tema. Talvez elas fossem simpáticos à ideia de pensar sobre isso, mas havia coisas que eu, por viver tão intimamente com alguém com este tipo de deficiência, sabia e às quais elas simplesmente não tinham acesso. Foi então que decidi que escreveria sobre isso em algum momento. As portas se abriram para o debate quando Sarah Ruddick escreveu um livro maravilhoso, chamado Maternal Thinking (Sara RUDDICK, 1989), no qual mostrou que maternar, como uma atividade, envolve o pensamento por completo. Isso porque ela o escreveu da perspectiva de uma mulher branca de classe média e sem filhos com deficiência. Ela foi criticada pelo que alguns entenderam como uma perspectiva limitada de classe e raça - bem como por presunções heterossexuais. Embora entendesse que muitas dessas críticas eram injustas, ela reconheceu que não poderia falar com propriedade sobre experiências diferentes da sua e trabalhou para ser mais inclusiva, conversando extensivamente com mães com diferentes trajetórias. Mas houve uma omissão que ela prontamente reconheceu: ela não pensou sobre a deficiência. Após a publicação de Maternal Thinking, ela organizou uma coleção chamada Mother Troubles (Julia HANIGSBERG; RUDDICK, 1999), onde pretendeu incluir situações em que as condições do maternar fossem mais difíceis. Ela então pediu que eu escrevesse sobre ser mãe de Sesha. Aquela foi a primeira vez que escrevi algo sobre Sesha e muitas questões vieram à tona, tantas perguntas. Na mesma época, eu fui convidada a participar de uma conferência sobre diagnóstico pré-natal e aborto seletivo. Pensar sobre esse assunto sob aquele prisma não era algo que eu gostaria de fazer. De qualquer modo, essas foram as duas ocasiões em que eu comecei a pensar sobre minha vida com Sesha e sobre como Sesha desafia concepções como a primazia da racionalidade, o papel que a linguagem desempenha no modo como nós pensamos sobre ser humano, as noções do que envolve a justiça, e daí por diante. Se você começa a pensar sobre esses temas a partir da perspectiva da deficiência - e, especialmente, da deficiência cognitiva (porque você poderia encaixar pessoas com deficiência física nessas teorias mais facilmente do que pessoas com deficiências mentais) -, você é obrigado a questionar teorias proeminentes. Como digo em meu novo livro Learning from My Daughter, eu não podia colocar o gênio de volta na lâmpada. Foi muito forte escrever e pensar sobre as questões que emergiram. Cada vez mais, isso começou a se sobrepor aos meus interesses. Ao mesmo tempo, as questões feministas pelas quais eu me interessava foram relevantes - foi nesse período que a ética do cuidado estava se desenvolvendo. A ética feminista do cuidado se encaixou muito bem com o tipo de cuidado de que Sesha, com sua dependência extrema, necessitava.

MG e HF: Então o seu primeiro artigo sobre este tema foi “Not my way, Sesha. Your way. Slowly”?

EK: Eu não sei qual foi publicado antes, “Not My Way, Sesha” ou o artigo do Hastings Center sobre diagnóstico pré-natal e aborto seletivo, “The expressivist Objection: Conversations with my Son”. Eles foram publicados quase juntos. Mas certamente “Not My Way, Sesha” foi o primeiro que escrevi. Por ser um volume interdisciplinar, eu não me senti presa tendo que escrever um artigo filosófico. Eu apenas escrevi o que estava guardado em minha cabeça, mas eu não sabia como começar a filosofar sobre minha vida com Sesha. Mais do que qualquer coisa, o artigo saiu de mim quase que de uma vez só. Eu disse à Sara Ruddick: “Eu não acho que este seja um texto filosófico. Eu não o escrevi como sendo”. E ela respondeu: “Eva, você sente filosoficamente”. Sesha tinha 21 anos quando escrevi esse artigo, então foram 20 anos de pensamento e sentimento derramados naquelas páginas.

MG e HF: Em seu livro Love’s Labor: Essays on Women, Equality and Dependency (KITTAY, 1999) e no seu trabalho subsequente, você fala extensivamente sobre o “trabalho da dependência” (dependency work) e apresenta o cuidado como uma relação de poder sem que seja, necessariamente, uma relação de opressão. Nós gostaríamos de ouvir um pouco mais sobre como as desigualdades de raça, de gênero e de contextos socioeconômicos afetam e são afetadas por relações de cuidado e dependência.

EK: Bem, essas questões foram um dos primeiros caminhos para que eu explorasse como a dependência de Sesha importava filosoficamente e, ao mesmo tempo, a conectava com meu interesse em questões éticas e políticas. Eu fui privilegiada por poder contratar pessoas para me ajudarem com Sesha. Eu estava completamente ciente de que a maioria das pessoas com filhas e filhos com deficiência não tinham esse privilégio. Muitas mulheres largam seus empregos para poderem cuidar de seus filhos. Mas era muito importante, para mim, seguir com o meu trabalho - psicologicamente era muito importante para mim - e eu tive a sorte de poder arcar com os custos da ajuda que eu precisava para fazê-lo. Essa posição privilegiada me deu uma ideia do que seria possível se recursos estivessem disponíveis para todos os que precisam de assistência. Então eu senti a obrigação de falar sobre o que é possível quando há vontade política e social de tornar os recursos disponíveis. Meu privilégio também me tornou consciente das diferenças de classe e raça envolvidas no cuidar. Ao mesmo tempo que ter a possibilidade de contratar uma cuidadora me permitiu trabalhar e ser uma mãe para ambos - Sesha e meu outro filho, Leo -, essa era também uma situação desconfortável. Além disso, eu fui ainda mais privilegiada por ter contratado uma pessoa, Peggy, que ficou com Sesha por tanto tempo (mais de 25 anos) sem nunca comprar a ideia de que, ao cuidar de minha filha, ela se tornaria “parte da família”. Peggy resistiu a essa associação e eu tenho grande apreço por isto. Ela sempre foi sua própria pessoa. Ela teve sua própria família. Sesha era muito importante para ela, mas ela fazia isso como um trabalho - o qual ela exercia incrivelmente -, não como um membro da família.

A ética do cuidado deve ser sempre uma política e uma ética. As relações de poder entre aquele que cuida, aquele que é cuidado, a pessoa responsável por contratar o cuidador, estão todas imbricadas em dinâmicas de poder. É óbvio que o cuidador tem poder sobre aquele de quem cuida. O cuidador tem poder em virtude das incapacidades, das vulnerabilidades particulares e das dependências da pessoa que necessita de cuidados, presumindo que a pessoa que recebe o cuidado precisa de cuidado e não o está recebendo apenas por estar em uma posição de privilégio em que possa exigir ser cuidado por alguém. Esse poder está lá para servir aquele que recebe o cuidado. Por essa razão, parece-me que as desigualdades de poder enquanto tais não são inerentes e nem sempre perniciosas. As questões políticas que devem ser abordadas emergem quando o poder é usado para oprimir e dominar. Nós vemos essa dominação mais facilmente no modo como o cuidador é tratado - embora cuidadores, certamente, possam abusar do poder que possuem sobre aqueles de quem cuidam. Ainda assim, é comum que seja o cuidador que esteja sujeito aos opressivos abusos que advêm das desigualdades de poder. Em face da economia do cuidar - como ela se dá no aqui e agora -, acabamos tendo relações de dominação do cuidador por aqueles que não realizam o ato de cuidar, mas que querem vê-lo ser realizado. Isto não é inevitável. É apenas o modo como é feito. Afinal de contas, a maior parte do cuidado é feita de graça. Não realmente de graça, mas à custa das mulheres, certo? Essa tem sido a tradição, então, quando ele é remunerado, recebe o mais baixo salário possível porque, em teoria, poderia estar sendo feito de graça. Não é que o cuidado pode ser feito de graça em teoria. De fato, você pode tê-lo de graça na prática. Então por que você deveria pagar alguém? E se pagar, deve pagar uma ninharia.

São sempre as pessoas com menos meios econômicos e status que são chamadas para realizar o trabalho do cuidado. Nos Estados Unidos, são, em sua maioria mulheres pobres e não brancas, como o é no Brasil. Mulheres afro-americanas costumavam realizar a maior parte do trabalho doméstico remunerado nos Estados Unidos. Atualmente, mulheres afro-americanas são menos propensas a realizar esse trabalho - o trabalho que foi a elas designado -, pois conseguiram conquistar outras oportunidades para si. Mas esse é ainda o trabalho que muitas mulheres não brancas são destinadas a realizar: mulheres latino-americanas, mulheres asiáticas e mulheres de ascendência afro-caribenha. Cor, raça e classe definem quem faz o trabalho remunerado do cuidado.

Como se começa a lidar com essas desigualdades? Bem, no livro Love’s Labor eu argumento que todo ato de cuidar deve ser remunerado. Não há cuidado de graça. Claro que, a esta altura, essa é uma ideia utópica. Mas não inteiramente utópica. Alguns países europeus, especialmente os nórdicos, têm uma espécie de benefício para mães - ou para o pai que provê o cuidado -, ou eles podem receber licença remunerada de seu emprego. Esses incentivos monetários podem ser concedidos pelas razões erradas. Algumas vezes, o motivo é incentivar as mães a terem filhos por razões nacionalistas - aumentar o número de pessoas que sejam etnicamente semelhantes - ou a intenção pode ser manter as mulheres em casa, sedimentando, assim, os papéis tradicionalmente femininos. Mas tais benefícios e compensações podem ser um reconhecimento de que cuidar é um trabalho - e, como qualquer outro trabalho, deve ser remunerado.

Diversas coisas são necessárias se quisermos ver mudanças. Considere o que é necessário para que esse trabalho seja reconhecido como algo que pode conferir status e prover uma renda compatível com o quão difícil é realizá-lo, e realizá-lo bem. Primeiro, isto requer que reconheçamos que o ato de cuidar é trabalho. Ele deve ser desgenerificado e desnaturalizado. Ao invés disto, devemos tratar o ato de cuidar como uma habilidade a ser cultivada, que leva a uma carreira com degraus a serem percorridos. Cuidar não pode ser um trabalho sem perspectiva de crescimento. Enquanto nós falharmos em dar ao cuidado o que lhe é de direito, ambos - os cuidadores e aqueles que recebem o cuidado - perdem.

Em razão de uma pretensa escassez de recursos - os quais nem sempre são escassos -, aqueles que provêm o cuidado e aqueles que o recebem são colocados uns contra os outros. As pessoas que precisam contratar cuidadores (seja para elas mesmas ou para um pai ou filho) são contrárias a cuidadores receberem um salário mínimo e os benefícios que outros trabalhadores recebem. Isso precisa mudar. Nós precisamos de solidariedade, precisamos formar coalizões entre os cuidadores e as pessoas que precisam de cuidado. Além disso, devemos combater o argumento de que não podemos suportar o aumento do custo do cuidado, combater a desculpa da escassez. Porque, na verdade, em países como os Estados Unidos, a resistência em pagar mais aos cuidadores não se dá em razão da escassez. Há dinheiro suficiente na sociedade para pagar bem o cuidado. É uma questão de vontade política, não uma questão de escassez. Em alguns lugares, a questão é a escassez de recursos, mas, nesses países, normalmente os salários são menores e o trabalho é menos escasso. Há diferentes questões, mas elas não devem necessariamente manter a exploração com que nós estruturamos o cuidado (ou dependency work, como eu chamo o cuidado aqui apresentado). Algo que eu tenho defendido atualmente é que precisamos que a comunidade de pessoas com deficiência (que desenvolveu uma voz política) e os cuidadores se unam, que formem uma coalizão, ao invés de entender a necessidade de mais assistência para pessoas com deficiência e a necessidade de maiores salários para os cuidadores como coisas que se anulam.

MG e HF: Você poderia nos falar um pouco mais sobre como o seu trabalho e o de outras teóricas feministas do cuidado impactaram a produção de conhecimento nos Estados Unidos?

EK: Muitos livros. Mais reconhecimento na academia. Atualmente, a Ética do Cuidado é ensinada junto com teorias éticas tradicionais, algumas vezes. Mas ainda não é predominante (mainstream). Mas, como eu gosto de salientar, a Ética da Virtude existe desde Aristóteles. A Ética Deontológica desde antes de Kant. O Utilitarismo desde Hume. Nós só tivemos trinta e poucos anos. Não é surpreendente que nós tenhamos tido trinta anos e ainda não sejamos predominantes. Para que um ideal ético ou uma teoria ética se firme, é necessário um longo processo. Eu não sei o impacto sobre outras disciplinas. É difícil, para mim, avaliar. Tenho a impressão de que a sociologia se apropriou bastante da teoria do cuidado, e a antropologia também, em alguma medida. Certamente, departamentos de enfermagem ensinam a ética do cuidado. Mas a teoria do cuidado ainda não é uma teoria completamente desenvolvida. Ainda assim, ela tem tido algum impacto sobre o conhecimento. Teve um impacto nas políticas? Não tanto. Embora haja mais grupos militantes lutando por melhores benefícios para cuidadores, melhores redes de cuidado para crianças e idosos, o movimento social das pessoas com deficiência estava ativamente buscando mais acesso ao cuidado e à assistência pessoal. É na área das políticas públicas que queremos um impacto mais rápido. Nós não podemos esperar duzentos anos.

MG e HF: Estudiosas feministas como você, Joan Tronto, Virginia Held e Carol Gilligan vêm trabalhando com a ética do cuidado já há algum tempo. O que é a ética do cuidado para você e qual a importância dela em seu trabalho?

EK: Bem, a ética do cuidado é central para o meu trabalho. Eu vejo a ética do cuidado como sendo importante para os estudos sobre a deficiência - este é um argumento que eu enfatizo, porque muito da teoria da deficiência é hostil (eu não penso ser muito forte usar o termo hostil) à noção de cuidado. Ao menos há certas vertentes que são hostis ao cuidado. A ética do cuidado, como mencionei anteriormente, está na fase inicial de seu desenvolvimento, ainda que não esteja mais em sua infância. E não há apenas uma ética do cuidado neste momento. Há diversas versões diferentes. Eu penso que todas nós, Joan Tronto, Virginia Held, Carol Gilligan, Nel Noddings e muitas outras nunca consideraram a ética do cuidado como sendo apenas uma ética de relações interpessoais. As articulações de uma ética do cuidado podem começar ali, mas eu acredito que nenhuma de nós pense que acaba ali. Então, eu penso que, ao desenvolver uma ética do cuidado, o que todas nós buscamos fazer de modos distintos foi demonstrar como e onde uma ética do cuidado é importante para além das relações interpessoais. Eu não tenho certeza da visão de Gilligan sobre essa questão atualmente, a maioria de nós não aceita mais a justaposição, a oposição entre cuidado e justiça, certamente para Held, Tronto, para mim e para outras. Nós todas ponderamos a relação entre cuidado e justiça. A maneira atual como penso sobre isso - e eu não tenho certeza se está correta, é algo que venho testando e experimentando - é que, ao passo que a ética é sobre o interpessoal, a justiça (partindo da formulação de Rawls) é primeiramente uma virtude das instituições. Se esse é o caso, então o cuidado e a justiça não são opostos um ao outro, mas operam em diferentes planos. Eu considero que a maioria das teorias da justiça possui um entendimento tácito sobre o que uma ética é. De tal modo que, por exemplo, o conceito de justiça de Aristóteles é baseado em uma ética da virtude. O fundamento da Polis é permitir o cultivo da pessoa que pode alcançar a felicidade, ou aquilo que Aristóteles chamava de atividade da alma de acordo com a virtude. Dando um salto para o presente, uma teoria da justiça como a de Rawls é baseada na Ética Kantiana. O fundamento do estado é permitir que as pessoas desenvolvam o autorrespeito, o qual, a partir de uma perspectiva kantiana, é o mais essencial: ser capaz de agir como uma pessoa respeitável, agindo a partir da boa vontade. Em uma ética kantiana, a ação correta, que leva ao autorrespeito, tem prioridade sobre a felicidade. Como fica uma teoria da justiça em que a ética do cuidado é a perspectiva ética central? Os direitos que reivindicamos ou que outros consideram necessários não teriam exatamente a mesma importância que têm na teoria da justiça. Ao invés disso, a importância de agir de acordo com os nossos direitos ou com os direitos do outro deve conciliar com a necessidade de honrar com nossas responsabilidades - em especial as responsabilidades que temos em relação aos dependentes. Essa teoria da justiça deveria ter a dependência ao invés da (ou em conjunto com a) independência no centro de nosso pensamento sobre que tipo de instituições sociais queremos ter. E assim por diante. Eu tenho pensado sobre como conceberíamos uma teoria da justiça se tivéssemos uma ética do cuidado como a perspectiva ética em uma sociedade justa.

Um outro contexto no qual eu gostaria de introduzir a ética do cuidado é o das instituições. Há certas instituições cujo objetivo é cuidar das pessoas, como os sistemas de bem-estar social, por exemplo. Mas mesmo esses sistemas podem não prover o cuidado. Não é tão fácil perceber como uma ética do cuidado que lida com a particularidade do indivíduo - o outro concreto - pode ser a virtude central de instituições que lidam com um outro generalizado. Tampouco é fácil perceber como as necessidades particulares que temos como indivíduos são verdadeiramente satisfeitas ao serem incorporadas em um conjunto de necessidades gerais enfrentadas de acordo com regras que não consideram as situações singulares de cada indivíduo. Ainda assim, o quão bem você consegue atender às necessidades de pessoas em particular vai ser a diferença entre um cuidado bem-sucedido e o fracasso do cuidado. Além disso, as instituições que devem atender às necessidades nem sempre consideram se as estão atendendo do modo correto. Por exemplo, não é suficiente dar às pessoas algo para comer se você não se preocupa em saber se as está alimentando com algo que elas consideram intragável. Do mesmo modo, acabar com a fome de alguém não é o mesmo que cuidar, se a comida é servida de modo a humilhá-lo. Essas coisas são importantes em uma ética do cuidado e dependem de situações, necessidades e desejos particulares dos indivíduos. Conciliar a ênfase da ética do cuidado na particularidade com as generalizações das regras das estruturas institucionais é um desafio. Desafio esse que tem importância teórica e prática. Todas essas questões, eu acredito, precisam ser desenvolvidas para termos uma sólida ética do cuidado. Uma que não apenas descreva o que certas práticas são, mas que nos diga ao mesmo tempo o que o cuidado deveria ser e o quão amplamente uma ética do cuidado pode ser utilizada.

MG e HF: É possível afirmar que o cuidado é mais percebido como uma questão pública hoje em dia do que quando você iniciou o seu trabalho?

EK: Quem me dera. Mas eu tenho pensado que, à medida que mais pessoas envelhecerem, porque o mundo está envelhecendo e há menos pessoas que possam cuidar dessas pessoas (especialmente em se tratando do envelhecimento daqueles a quem amamos), o cuidado vai se tornar mais uma questão pública. O que é especialmente verdadeiro se as mulheres continuarem participando da esfera pública e se continuar sendo esperado que elas contribuam com a renda familiar. Se as mulheres continuarem buscando a igualdade no mercado de trabalho ao mesmo tempo que a necessidade do cuidado aumenta, nós necessariamente veremos o cuidado se tornar mais uma questão pública. É isto que eu espero. Minha esperança é que - apesar dos tantos modos em que temos andado para trás - essas mudanças em nossa demografia forcem mudanças positivas. Isto significa que temos que estar preparados com teorias e ideias sobre como fazer essas coisas bem, ou seja, fazê-las de modo justo e cuidadoso. De certo modo, é assim que tenho pensado sobre meu trabalho no momento. Que estamos fazendo um trabalho de base. Esperando pelo momento certo para que essas ideias venham à tona.

MG e HF: Ao se trabalhar com o conceito de cuidado, é comum ouvirmos críticas sobre o quão amplo esse conceito pode ser. Você se deparou com críticas nesse sentido? Como responder a elas?

EK: Por isso que eu digo que a Ética do Cuidado ainda precisa de muito trabalho. E nós precisamos decidir se vamos nos limitar a teorizar o cuidado como é feito atualmente, o que tem se baseado na injusta divisão sexual do trabalho. Porque a divisão sexual do trabalho, tal como a temos, é um sistema injusto. O cuidado é comumente realizado de um modo inadequado e nem tudo que chamamos de cuidado é de fato cuidado. É feito de forma boa o suficiente para termos sobrevivido - e até mesmo prosperado como espécie -, mas certamente há certas coisas que devem ser feitas de um jeito melhor. Por mais bem-sucedidos que tenhamos sido sob um ponto de vista evolucionista, nós temos um longo caminho a percorrer para que sejamos bem-sucedidos sob um ponto de vista moral. Nós precisamos de um sentido normativo mais forte de cuidado. Ou seja, precisamos pensar mais sobre o que o cuidado deveria ser e sobre quais são os tipos de pretensos cuidados que, de fato, não o são. Claro, cuidado como um valor e um conceito pode ser muito amplo. Mas, ainda assim, precisamos saber sobre o que estamos falando quando pensamos normativamente sobre o cuidado. Deve ser algo mais do que apenas um sentimento. Algo importante, reiterado pelas conceituações feministas de cuidado é que o cuidado é tanto um trabalho quanto uma atitude e um estado emocional. Deve ser algo enaltecedor; deve ser algo bom. Mas ter a intenção de fazer o bem, no caso do cuidado, não é suficiente enquanto cuidado: ele deve envolver o trabalho e deve alcançar o seu objetivo. Ele deve satisfazer de modo suficiente as necessidades e os desejos das pessoas, especialmente quando as pessoas envolvidas não podem alcançá-los sozinhas.

MG e HF: No seu trabalho, você questiona conceitos filosóficos contemporâneos que discutem acerca do conceito de condição de pessoa (personhood) e o que é ser um humano. Podemos lembrar, aqui, de uma discussão bastante acalorada que você teve com o filósofo Peter Singer sobre moralidade e condição de pessoa. Você poderia nos falar um pouco mais sobre a condição de pessoa com base em suas posições anteriores e atuais sobre o tema?

EK: Bem, eu aderi à virada relacional. Eu penso que a condição de pessoa é relacional. Vocês me perguntaram antes sobre “filho de alguma mãe” (some mother’s child). Quando eu estava pensando sobre igualdade em Love’s Labor, eu estava perguntando: O que todos os seres humanos têm em comum? E o que nós temos em comum é que todos somos filhos de alguma mãe. Com isso, eu não quero dizer apenas que nascemos do corpo de uma mulher, mas que temos que ser cuidados (nurtured) por alguém - independente do gênero da pessoa ou pessoas que cuidam (nurture). Eu não penso que exista algum traço inerente que faça com que sejamos todos iguais. Eu acredito que não há algum traço inerente que nos faça sermos uma pessoa; não há um conjunto de condições necessárias e suficientes que precisamos ter para que a condição de pessoa seja satisfeita, quer dizer, se pensamos essas condições como propriedades intrínsecas. Nós somos pessoas porque participamos da comunidade humana. Bem, talvez seja importante voltarmos um pouco aqui. Na filosofia, a noção de condição de pessoa é diferente de nossa humanidade. Talvez os filósofos sejam as únicas pessoas para quem ser humano não é o suficiente para ser moralmente significante/ou moralmente igual. Mas eu acredito que ser humano é suficiente para ser moralmente igual. Na verdade, quando você é maltratado de um modo significativo, o que você diz? Você diz “como você pode me tratar assim? Eu sou um ser humano”. Não diz: eu sou uma pessoa. Você pode dizer isso, mas a maioria das vezes dizemos “eu sou um ser humano”. Pessoas como Peter Singer não acreditam que ser um ser humano é moralmente significativo. A noção de condição de pessoa remonta a Locke. Locke afirmou que havia o homem e o homem moral. Apenas o último é equivalente à condição de pessoa - possuindo a mesma importância moral de todas as outras pessoas. A noção de condição de pessoa pode ser útil se você quiser incluir não humanos na categoria daqueles que têm um status moral completo. É possível incluir certos animais, ao menos para determinados fins. Talvez, algum dia, alienígenas aterrissem neste planeta e poderemos dizer que eles também são pessoas. Mas o que eu quero dizer é que não importa a forma como se defina o que é a condição de pessoa, ela deve incluir todos os seres humanos, independente da sua capacidade racional (ou qualquer outra capacidade em particular). Primeiramente, eu quero dizer que uma condição suficiente - ainda que não necessária - para ser uma pessoa é ter nascido de pais humanos. Para mim, isso é o suficiente, é tudo que eu preciso para, por exemplo, argumentar que alguém deve receber o mesmo tipo de tratamento médico que outra pessoa. Esse é o tipo de ser que não comemos. Esse é o tipo de ser que não usamos apenas para alcançar um fim. Esses são exemplos do tipo de exigências morais rigorosas que se aplicam a qualquer pessoa que nasce de pais humanos. Ter nascido de pais humanos é isso, isso é tudo. Agora, você poderia dizer que há outras coisas que não devemos comer ou outras coisas que não devemos tratar apenas como meios para atingir nossos fins. Em princípio, eu não tenho qualquer objeção a essas colocações. Mas o modo como vemos outros seres como possuidores de significado moral resulta de sua semelhança com os aspectos de ser humano aos quais acreditamos que devemos responder moralmente. Este é um argumento que apresento em um dos meus artigos mais recentes: “The Moral Significance of Being Human” (KITTAY, 2017). Se encontramos um ser em que não reconhecemos nada daquilo que consideramos que devemos responder a um ser humano em termos morais, então não temos ideia do que significa tratá-lo moralmente. Nesse sentido, seres humanos são a medida de todas as coisas morais (utilizando-me de Protágoras, o filósofo da Antiguidade que afirmou que “o homem é a medida de todas as coisas”). Algumas pessoas argumentam que isso é muito antropocêntrico. Eu diria que nós não temos escolha.

Pessoas como Peter Singer querem dizer que o status moral tem a ver com alguns tipos de capacidades. Racionalidade e outras capacidades psicológicas contam para o status moral completo que atribuímos aos humanos e é em razão desses que devemos atribuir status semelhante a não humanos. É a racionalidade que conta para o status moral, não a humanidade. Eu acredito que essa visão é não menos antropocêntrica do que a que apresentei. Mas, do modo como vejo, a valorização da racionalidade e outros estados psicológicos considerados mais elevados não é o que nós,como humanos, valorizamos primeiramente. Quando temos um bebê, uma criança, nós não conhecemos as características que aquele bebê vai ter. Mas temos a obrigação de cuidar dele. Não porque ele terá esta ou aquela capacidade, porque não as conhecemos ao certo. Nós não sabemos quais são as características e capacidades que esse indivíduo vai desenvolver. Mas nós temos a obrigação de cuidar desse bebê porque ele nasceu humano. Essa criança nasceu para nós, seja nascida em nossa família ou a tenhamos encontrado em uma cesta em meio ao junco (como a filha do Faraó que encontrou Moisés) - e isso é suficiente para exigir que cuidemos dessa criança. Cada ser humano nasce em uma família de humanos. Como tal, temos uma obrigação básica semelhante para com cada ser humano - uma que só pode ser violada caso outro ser humano represente uma grave ameaça para nós. À medida que a criança cresce, podemos reconhecer talentos e capacidades que devem ser cultivados, necessidades emocionais e físicas que devem ser atendidas e as diversas maneiras como devemos responder e tratar aquele indivíduo. Tudo isso é secundário ao compromisso fundamental que temos com ele como um igual moral - como pessoa. É isto que eu quero dizer sobre condição de pessoa. Que não tem nada a ver com racionalidade. Não tem nada a ver com qualquer outra coisa, a não ser ter nascido humano.

MG e HF: Seguindo neste tema, o que significa considerar a relacionalidade e não a racionalidade como elemento central do que constitui um humano?

EK: Bem, é basicamente isto. É a relacionalidade de humanos para com humanos. É isso que significa ser o filho de alguma mãe. O que não quer dizer que não podemos nos relacionar com não humanos. Nós temos todos os tipos de obrigações morais para com não humanos. Certamente, para com qualquer não humano que tornamos dependentes de nós. Eu tenho a obrigação de não colocar meu cachorro para fora de casa e deixá-lo se virar sozinho. Eu tenho a obrigação de alimentar meu cachorro porque eu estabeleci uma relação com ele. Porque eu o trouxe para minha casa, ele se tornou dependente de mim, e isso faz com que eu seja obrigada a atender às demandas dessa relação de dependência. Isso é verdade sendo um ser humano ou não humano. Mas é sempre verdade para os humanos - exceto se eles estão tentando te destruir. É assim que eu compreendo uma obrigação moral rigorosa: a obrigação para com estranhos a qual, em nosso país (os Estados Unidos da América), estamos violando completamente. Não permitir que quem não conhecemos entre ou então expulsá-lo - a não ser que represente uma ameaça genuína - é inconcebível. É uma violação da relacionalidade que deveríamos reconhecer e que se aplica a todos os humanos. A ideia de que apenas deveríamos permitir a entrada de imigrantes que sejam qualificados é a consequência lógica da ideia de que temos obrigações para com outros seres humanos baseadas apenas em suas capacidades.

MG e HG: Dependência e interdependência são conceitos fundamentais em seu trabalho. Dentre pesquisadores do campo dos estudos sobre a deficiência e os movimentos sociais da deficiência, no entanto, esses são conceitos bastante controversos. Baseada nessa controvérsia, você poderia falar um pouco mais sobre o que você entende por dependência e interdependência?

EK: Bem, eu acabei de ter uma conversa adorável com um jovem com significativa paralisia cerebral que eu conheci na Coreia do Sul. Ele me perguntou sobre o mito da independência sobre o qual falei e pediu que falasse mais sobre essa questão. Assim que eu terminei de esclarecer o que eu queria dizer com aquilo, perguntei: “então, no que você está pensando?”. E ele respondeu: “Eu estou pensando que você está dizendo que nós precisamos de um equilíbrio entre a independência e a dependência”. E eu respondi: “Ok, pode ser isso”. Eu respondo ao argumento apresentado por muitos estudiosos da deficiência de que a dependência é uma construção: “Não, a dependência de minha filha não é uma construção. Ela morreria se não tivesse alguém lá atendendo às suas necessidades. E não há nada construído nisto. Mas a independência é uma construção”. Uma construção que é uma abstração de todas as diversas dependências que decidimos tornar invisíveis. Como outras construções, tem sua utilidade. E certamente muitas vezes dizemos coisas como “não me ajude, eu posso fazer sozinho”. Tudo bem. Eu considero esse impulso menos em termos de independência e mais como a expressão de um desejo de ser eficiente, de deixar uma marca no mundo. Em alguma medida, todos nós queremos isso.

Eu e vocês estivemos no mesmo evento sobre deficiência, independência e inclusão, no qual havia uma mesa com três jovens com deficiência e seus pais. Eu fiquei muito interessada no que aquelas pessoas tinham a dizer quando perguntadas sobre o que é independência. Apenas um dos três falou sobre autossuficiência. Os outros dois falaram sobre “conhecer a si mesmo; saber o que você quer, do que você precisa”. Se é isso que compreendemos como sendo independência, eu aceito que tem grande valor. Sabendo que isto não se dá buscando a autodeterminação e, muito menos, a autossuficiência (autodeterminação e autossuficiência são dois aspectos separáveis da independência). Ao invés disso, é sobre saber quem se é - com o que você se preocupa ou o que você precisa, ou, como eu tenho dito, você deve se sentir bem no mundo. Tal sensação não precisa ser sequer um pensamento que se possa articular. Você apenas sabe: isto não faz com que me sinta bem; isto não é o que eu quero sentir neste mundo; ou, alternativamente, assim é como eu quero me sentir neste mundo. Se isso é o que você chama de independência, então eu não tenho nenhum problema com independência. Mas não é isso que entendemos como independência. Independência deveria envolver andar com as próprias pernas. Nenhum de nós anda com as próprias pernas. Nós somos ou dependentes ou interdependentes. Algumas vezes nós podemos ter uma independência relativa. Então, se você quer dizer que a visão que eu defendo é a de que precisamos de um equilíbrio entre dependência e independência, eu concordo com tal formulação.

Eu tive uma experiência muito comovente na última primavera, em Malta. Uma jovem maravilhosa, bastante segura de si e que usava cadeira de rodas (não sei quais eram suas deficiências) veio até mim e disse: “Sabe, eu queria te agradecer por falar sobre dependência, porque ouvimos todo o tempo sobre independência, independência, independência. E eu digo para meu namorado que não quero que ele me ajude com isso. Não. Não”. E então ela disse: “Isso não é certo. Tudo bem se ele me ajudar”. Eu acredito que algumas pessoas com deficiência para quem o mantra tem sido “independência, independência, independência” podem gostar de algum “equilíbrio entre independência e dependência”.

O que eu venho defendendo no momento é o que chamo de dependência gerenciada (managed dependency). A ideia, aqui, é que você se permita ser dependente em alguns aspectos para que possa ter a força, o tempo ou a energia para fazer as coisas que são mais significativas para você. Digamos que você precisa de ajuda. Talvez você tenha dificuldade para subir, e fica exausto subindo aqueles degraus a mais, em vez de permitir que alguém lhe ajude. Do mesmo modo, você poderia ficar um tempo colocando o casaco ou qualquer outra tarefa que você pensa que deva “fazer sozinho”, mas isso fará com que você tenha menos energia e menos tempo para fazer as coisas que são importantes para você. Eu acho que o bom cuidado pode fornecer um modo para nós gerenciarmos a dependência - quer dizer, receber a ajuda de que precisamos para que tenhamos o tempo, energia e confiança para fazer as coisas que consideramos significativas ou que nos permitam ser a pessoa que desejamos ser. Dave Hingsburger, um escritor incrível que trabalha com pessoas com deficiência intelectual profunda, fala sobre o quão estúpido é tentar fazer as pessoas amarrarem os cadarços dos sapatos. Por que usar o tempo ensinando as pessoas a amarrar o cadarço quando existe o velcro? Elas poderiam fazer outras coisas com o seu tempo - isso é a dependência gerenciada, e me parece ser o melhor caminho a seguir. Todos nós, mesmo pessoas não deficientes, fazemos isso no nosso dia a dia. Nós aproveitamos as ajudas e os apoios para que possamos fazer as coisas que são importantes para nós, certo? Então por que deveríamos ter qualquer expectativa diferente em relação às pessoas com deficiência?

Eu também penso que interdependência é crucial. (Não usei muito o termo interdependência em Love’s Labor porque acredito que as pessoas querem ir muito rápido para a interdependência e pular a dependência por completo. Eu não acredito que pulemos a dependência porque há vezes em que nós somos simplesmente dependentes e não apenas interdependentes.) Agora eu uso o termo inextricavelmente dependente (inextricably interdependent). Com isso, quero dizer que, mesmo que possamos nos libertar de todas as relações das quais somos interdependentes, nós nunca podemos nos libertar de toda interdependência. Por essa razão, somos todos inextricavelmente dependentes. Por isso, em vez de focar na independência, deveríamos pensar sobre como gerenciar nossas dependências e sobre quais são as interdependências fundamentais para que sejamos quem somos.

MG e HF: E como essa conversa está relacionada à ideia de autonomia?

EK: Ok. Todo mundo quer saber sobre autonomia. E é algo que eu sempre tento evitar. Bem, como eu disse, eu acredito que todos temos um modo como queremos estar no mundo. Algumas coisas parecem certas e outras erradas e elas variam de indivíduo para indivíduo. E eu também acredito que todos temos agência em algum nível e que queremos causar um impacto em nosso mundo, por mais efêmero que seja. Se você quer chamar essas coisas de autonomia, então tudo bem. Mas isso não é o “governo de si”, que é como eu penso sobre a compreensão filosófica do que é autonomia. O tipo de autonomia sobre o qual eu acredito ser mais útil pensar é o que as feministas chamaram de autonomia relacional. A autonomia relacional é apresentada como alternativa a um conceito de autonomia que se refere ao indivíduo compreendido como aquele que se basta, possuindo algum tipo de self autêntico que é cultivado sem a influência de outros. A autonomia relacional sustenta que quem nos tornamos como indivíduos sempre foi influenciado pelas relações das quais fizemos parte e é sempre afetado pelas relações que temos no momento. Quer dizer, somos constituídos por aqueles com quem tivemos e temos uma relação.

Ainda assim, eu evito falar de autonomia como um objetivo ou um bem maior - um que todo mundo busca alcançar -, em grande medida, porque eu não tenho certeza se posso falar sequer de autonomia relacional vis-à-vis minha filha. Eu não sei se as pessoas com o tipo de deficiência tão significativa como a que ela apresenta podem ter autonomia ou serem autônomas. Mas eu acredito que tenho que respeitar seu sentido de agência e que devo respeitar o que ela sente que é correto e o que não é. Aquela autonomia mais rígida sobre a qual os filósofos comumente gostam de falar, um tipo de capacidade racional para o governo de si em questões morais é, eu acredito, importante e provavelmente deva ser um valor a ser acolhido de modo geral - se você tem a capacidade para este tipo de autonomia. Mas nem todos têm essas capacidades. É algo que contribui para uma vida próspera, de novo, para aqueles que apresentam essas capacidades. Mas não é algo que é equivalente a uma vida próspera. Então é um bem se você tem as capacidades, mas não um tudo ou nada para todas as pessoas.

MG e HF: Em um de seus artigos, você fala sobre a importância de não tornar as pessoas mais dependentes do que elas precisam ser, pois as pessoas têm capacidades diferentes e devemos dar o suporte necessário, mas não mais do que necessitam para prosperar.

EK: Há todos os tipos de dependências perniciosas. É possível tornar as pessoas dependentes em modos muito negativos. A dependência não é necessariamente um bem. Mas não é necessariamente um mal. A questão é permitir que as pessoas prosperem qualquer que seja o modo que possam prosperar. Esse sempre é o fim desejado. Não importa se isso implica gerenciar alguns tipos de dependências ou se implica evitar certos tipos de dependências (perniciosas). Uma pessoa deve vir a compreender o que ela precisa para prosperar.

MG e HF: E você poderia nos falar um pouco mais sobre como esse diálogo entre independência, dependência, teorias do cuidado e deficiência pode ser possível?

EK: Todos os movimentos sociais buscam a liberdade. Algumas vezes, isso é chamado de independência. E o movimento social das pessoas com deficiência não é diferente. Certamente, quando as pessoas se tornam dependentes em razão de ambientes que não são construídos para elas, quando as pessoas se tornam dependentes porque a elas não são fornecidos os tipos de serviços e equipamentos dos quais precisam, quando elas são deixadas em casa e se tornam dependentes de quem quer que seja que venha para lhes dar assistência, essas são amarras terríveis contra as quais vale a pena lutar. Mas a retórica da independência é usada de modos tão destrutivos pelo nosso sistema econômico - levando pessoas a agir de modo a tornar suas vidas menos boas e fazendo com que se sintam inferiores por ser este um ideal impossível de ser alcançado. Logo, eu gostaria que o movimento das pessoas com deficiência não fizesse da independência algo tão central para o movimento. A remoção das barreiras certamente é um modo válido de falar sobre muitas das coisas contra as quais as pessoas com deficiência precisam lutar, assim como é falar sobre os modos como deficientes podem ser empoderados por meio da assistência adequada. Igualmente, importante é reconhecer as conexões significativas que são possibilitadas por meio da dependência e o reconhecimento de que algumas vezes as dependências podem ser uma coisa boa, algo que torna a vida rica. Muitas vezes, a dependência não é nem boa nem ruim, é apenas um fato indiferente em nossas vidas que temos que reconhecer para que nossa vida transcorra bem. A retórica da vida independente, no entanto, também trouxe muitas coisas boas. Mas nós devemos estar cientes do quão limitada a noção é em algumas situações. Usando minha filha como exemplo novamente. Ela gosta de segurar a xícara enquanto bebe. É possível compreender por que alguém não quer que despejem o líquido na sua boca e é difícil comunicar o quanto você quer e quando a pessoa que está lhe ajudando deve parar. Desse modo, a habilidade de controlar a xícara é muito útil. Mas, apesar de conseguir controlar a xícara, levando-a até a boca e a retirando quando deseja, eu preciso manter a minha mão na xícara, pois ela nunca aprendeu a colocá-la sobre a mesa. Então, devemos dizer que, quando ela bebe, o faz de modo independente? Bem, ela depende de mim para conseguir beber em seu copo de modo independente. Você percebe o que quero dizer quando falo sobre o modo limitador com que usamos a linguagem da independência algumas vezes? O que importa aqui não é a independência em si mesma, mas alguma medida de controle ao levar e tirar o copo da boca - não para ter controle, mas para poder beber bem.

MG e HF: Seguindo neste tema e considerando o modo como o mito neoliberal da independência constitui nosso modo de pensar sobre o sujeito, como é possível desenvolver estratégias para promover o cuidado de pessoas com deficiência baseado em nossas dependências inevitáveis e interdependência inextricável?

EK: Bem, é aí que o uso do conceito de independência de fato se torna lesivo. Dizer que todo mundo deve estar trabalhando, por exemplo. Por quê? E por que chamar de “independência” ter um emprego qualquer, estúpido e repetitivo, quando alguém poderia estar sentado, pintando ou escutando música ou na piscina, atividades que poderiam trazer muito mais riqueza à vida do indivíduo do que o “trabalho independente” sem sentido (e, em sua maioria, não produtivo ou minimamente produtivo)?

MG e HF: E essa é a dificuldade: desmistificar a independência como esse bem supremo e a ideia do que é ser independente. Como se só fossemos valorizados se formos...

EK: Produtivos. Mas você sabe que Adam Smith, o pai do capitalismo, exaltou a virtude e a produtividade da divisão industrial do trabalho precisamente porque viu que a eficiência do sistema significava que seria produzida riqueza o suficiente para que nem todos precisassem trabalhar. Ele afirmava que pelo menos crianças e idosos não precisariam mais ter que trabalhar. Era isso que ele via como o bem do capitalismo. E aqui estamos, em 2019, no país mais rico da história do mundo - capitalista por excelência - e os governos estatais nos Estados Unidos insistem que pessoas pobres e doentes demais para arcar com os custos de um seguro de saúde privado devem trabalhar e contribuir com o pagamento de impostos para poderem receber o Medicare, que é subsidiado pelo governo. Isto é realmente escandaloso.

Sabe, não é preciso ter um doutorado, não é preciso ser um filósofo que passa seu tempo pensando sobre essas coisas, para dizer muitas das coisas que eu disse. Um dos capítulos em meu novo livro Learning from My Daughter (KITTAY, 2019) é sobre normalidade e a boa vida. Eu falo sobre a habilidade de apenas poder ser. Apenas poder apreciar as dádivas de ser. E devo dizer que eu fiquei satisfeita comigo mesma por trazer à tona esse componente de uma boa vida. Eu conheci recentemente uma ativista pelos direitos das pessoas com deficiência e das crianças que sofreram abusos que trabalha em um hospital. Ela me falou sobre uma mulher que ia ao hospital com frequência porque a criança que adotou tinha deficiências significativas e muitas condições médicas graves que necessitavam de um monitoramento constante. A mãe, ela disse, não era uma mulher com educação formal, mas alguém que foi mãe de acolhimento para muitas crianças com deficiência. A criança em questão era, de todas as suas crianças, a mais seriamente afetada. A mãe adotiva cuidou lindamente dela. Ao falar com a ativista, a mãe disse: “as pessoas sempre me perguntam: ‘o que ele faz?’. Por que as pessoas sempre me perguntam ‘o que ele faz?’. Ele é! Ele é!”. Ela compreendeu aquilo que eu entendo como sendo uma questão extremamente profunda sobre o valor de outro ser humano: não é o que ele faz. Ele apenas é. Ele apenas está aqui. E nesse caso, isto é suficiente.

MG e HF: Nossa última questão é sobre agência e gostaríamos que você comentasse sobre isso.

EK: Bem, eu acho que eu já falei sobre agência. Eu penso que a maioria das pessoas quer ter algum tipo de agência sobre sua vida e promover sua agência, sua habilidade de fazer as coisas no mundo bem como ser. É ótimo. É algo bom. Minha filha certamente possui sua agência e definitivamente há coisas que ela prefere. Tem coisas que a gente pede para ela fazer e que ela não tem nenhum interesse em fazer - e isso é igualmente parte de sua agência. Todos temos algum nível de agência. Ainda que seja apenas ser. Novamente, é sobre ter uma vida que você valoriza, que você encontre razão para valorizar, e agência é parte disto. Mas muitas coisas são parte disso - agência é um entre um número de bens possíveis -, talvez um bem particularmente importante. Ademais, é importante reconhecer a agência das pessoas que talvez não a manifestem do modo que seja mais aparente para nós. É urgente que não passemos por cima dessa agência. É especialmente importante não pensar que, por alguém ter deficiência mental, ele ou ela não possuem agência e que, por isso, podemos fazer com eles o que bem entendermos. Não! E, infelizmente, é isso que acontece, porque onde as pessoas não enxergam qualquer autonomia manifesta, elas presumem uma falta de agência e competência, o que, por sua vez, lhes confere licença para ignorar o que aquela pessoa pode querer. Este é um problema real. Na verdade, isto foi algo que apareceu durante a sabatina do juiz Kavanaugh para a Suprema Corte. Enquanto atuava como juiz, Kavanaugh decidiu que, no caso de a pessoa ser considerada incapaz (sem capacidade para tomar decisões importantes sobre questões médicas ou financeiras), o hospital ou seus curadores poderiam tomar todas as decisões independente do desejo, preferência ou preocupação do paciente. Baseadas nesta decisão de Kavanaugh, muitas pessoas da comunidade das pessoas com deficiência foram contrárias à sua nomeação para a Suprema Corte. Eles acreditavam, e com razão, que considerar uma pessoa incapaz para uma (ou várias) esfera(s) de atividades não significa que é correto desconsiderar as preferências que essa pessoa indique ter.

MG e HF: E para finalizar: quantos anos tem a Sesha hoje?

EK: Quarenta e oito. Ela vai fazer quarenta e nove em algumas semanas. O tempo voa. Ela amadureceu muito. E ela é sua própria pessoa. Ela não fala. Ela não pode fazer nada. Mas ela é sua própria pessoa

Agradecimentos

Agradecemos a contribuição de Livia Barbosa Pereira e Cassandra Evans no processo de construção do roteiro da entrevista por meio da indicação de possíveis temas a serem investigados

REFERÊNCIAS

HANIGSBERG, Julia; RUDDICK, Sara. Mother Troubles: Rethinking Contemporary Maternal Dilemmas. Boston: Beacon Press, 1999. [ Links ]

KITTAY, Eva Feder. Learning from My Daughter: The Value and Care of Disabled Minds. New York: Oxford UP, 2019. [ Links ]

KITTAY, Eva F. “The Moral Significance of Being Human”. Proceedings and Addresses of the American Philosophical Association, 2017. [ Links ]

KITTAY, Eva F.; CARLSON, Licia. “Introduction: Rethinking Philosophical Presumptions in Light of Cognitive Disability”. In: KITTAY, Eva F.; CARLSON, Licia (Eds.). Cognitive Disability and Its Challenge to Moral Philosophy. Chichester: Wiley-Blackwell, 2010. p. 1-25. [ Links ]

KITTAY, Eva F. Love’s Labor: Essays on Women, Equality and Dependency. New York: Routledge, 1999. [ Links ]

RUDDICK, Sara. Maternal Thinking: Towards a Politics of Peace. Boston: Beacon Press, 1989 [ Links ]

Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: GESSER, Marivete; FIETZ, Helena. “Ética do Cuidado e a experiência da deficiência: uma entrevista com Eva Feder Kittay”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 2, e64987, 2021.

Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), Programa Professor Visitante no Exterior, processo n. 88881.169887/2018-01, e Programa Doutorado Sanduíche no Exterior, processo n. 88881.190257/2018-01.

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica.

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica.

Recebido: 03 de Maio de 2019; Aceito: 28 de Fevereiro de 2020

marivete.gesser@ufsc.br

helenafietz@gmail.com

Marivete Gesser (marivete.gesser@ufsc.br) é doutora em Psicologia (UFSC), Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Deficiência. Estuda as interseções de gênero, sexualidade, raça, pobreza e deficiência no Brasil; políticas públicas e direitos humanos; deficiência e justiça; e educação inclusiva.

Helena Fietz (helenafietz@gmail.com) é doutora em Antropologia Social pela UFRGS. É pesquisadora vinculada ao Grupo de Estudos em Antropologia e Deficiência (GEAD/UFRGS), ao Grupo de Pesquisa Ciências na Vida e ao Núcleo de Antropologia e Cidadania (NACi). Suas pesquisas se dão na área da Antropologia Médica em diálogo com Estudos sobre Deficiência, Teorias Feministas do Cuidado e Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Atualmente, atua como professora (lecturer) na Rice University

Contribuição de autoria: Marivete Gesser contatou a entrevistada e, em colaboração com a segunda autora, elaborou as questões, conduziu e transcreveu a entrevista. Helena Fietz colaborou no desenvolvimento das perguntas e na condução e transcrição da entrevista.

Conflito de interesses: Não se aplica

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