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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.29 no.2 Florianópolis maio/ago 2021  Epub 01-Maio-2021

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n280215 

Seção Temática Gênero, tecnologias e (novas) formas de subjetivação nas práticas esportivas

Deslocamentos políticos e de gênero no esporte

Political and Gender Displacements in Sports

1Universidade Federal de São Carlos, Centro de Educação e Ciências Humanas, São Carlos, SP, Brasil. 13565-905 - ppgas.coord@ufscar.br

2Universidade Estadual de São Paulo, Faculdade de Educação Física, Campinas, SP, Brasil. 13083-851 - fef@unicamp.br


O corpo é, de certa forma e até inevitavelmente, livre - no seu agir, na sua receptividade, na sua fala, no seu desejo e mobilidade. (Judith BUTLER, 2017, p. 46).

Gênero poderia resultar em uma tecnologia sofisticada que fabrica corpos sexuais. (Paul PRECIADO, 2014, p. 29).

Um ato da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em outubro de 2017, deflagrou uma situação nunca vista no âmbito futebolístico do país: com a demissão de Emily Lima, então técnica do selecionado de mulheres, várias atletas se desligaram da seleção nacional, dando origem a uma crise de representatividade e a uma série de críticas à gestão do órgão, que, segundo elas, omitia suas vozes. Por meio de discurso político de viés feminista e trazendo questões de gênero que afetam seus corpos no futebol, as jogadoras, não apenas se opuseram às determinações masculinistas institucionalizadas na modalidade, como também desafiaram diretrizes, regras e comandos ao denunciarem a opressão da estrutura patriarcal da CBF. Esse foi mais um fato entre tantos outros que habitam as sucessivas ‘crises’ vividas pelo futebol brasileiro nas últimas décadas (Fábio Luís BARBOSA, 2016; Ronaldo HELAL, César GORDON JR., 2002).

É preciso destacar que atletas mulheres lutam há anos para transformar o esporte (e, por conseguinte, o futebol) em lugares de reconhecimento e de real igualdade de gênero (Silvana GOELLNER, 2013). Não apenas colocam à disposição problemáticas sobre comparativos entre seus estilos de praticar/jogar em relação a homens, como sublinham que ‘ser mulher’ e ‘esportista’ envolve outro tipo de subjetivação ou de ser no mundo.

No entanto, entidades esportivas administrativas e de controle como a própria CBF, ou outras, como a Federação Internacional de Futebol (FIFA) e o Comitê Olímpico Internacional (COI), buscam a normalização de corpos de mulheres e homens como representantes ‘ideais’ do que consideram a ‘igualdade formal de chances’. A partir dessa antiga fórmula, tem-se um binarismo de gênero calcado no dimorfismo sexual, que se fossilizou na estrutura esportiva, impedindo reais avanços.

Podemos dizer, portanto, que, a partir de discursos de poder, investidos particularmente nas áreas médica e midiática, o corpo esportivo tido como ‘ideal’ representa características concernentes aos sexos de machos e fêmeas da espécie e é produzido via regulamentações estabelecidas para determinar o que deve, ou não, ser permitido nos espaços de práticas do esporte. Contudo, esse corpo não pode ser simplesmente entendido como superfície passiva sobre a qual operam discursos e práticas de gênero. Ele também é agência, como perceberemos em muitas pesquisas reunidas nesta seção temática. Se o esporte institucionalizado funciona como um modo de produção generificado por meio da divisão binária do sexo, corpos não normativos territorializam neles mesmos distinções físicas e identitárias, que tensionam as determinações das normas.

Em que pese estar dentro das regras do sistema capitalista e (ainda) sobreviver mesmo como parte de um todo maior em permanente reestruturação, o esporte moderno institucionalizado sofre questionamentos cotidianos constantes da ordem da tecnologia, das questões de gênero e mesmo de corpos não normativos. Pode ser que a instituição esportiva, como produto do regime de controle heteronormativo e patriarcal que domina o capitalismo contemporâneo (PRECIADO, 2021), também esteja com os dias contados - afinal, tem sido inquirida por novas subjetividades em ginásios, campos, tatames e pistas, como destacamos adiante.

Os Jogos Olímpicos do Rio 2016 nos proporcionaram um exemplo paradigmático dos ‘regimes de controle’ que ainda causam consternação em confederações do esporte espetáculo: a participação no atletismo da corredora sul-africana Caster Semenya, uma atleta que, diagnosticada com hiperandroginismo, apresentava parâmetros de testosterona encontrados em corpos de homens biológicos. Apesar de ter competido na categoria feminina, sua hipermasculinização, seu autorreconhecimento como ‘lésbica’ e a própria condição política de um corpo dissonante (em relação às outras mulheres) ilustram uma situação que suscita reflexão. Afinal, o hiperandroginismo fisiológico é apenas uma vantagem inata ou um tipo de doping ‘natural’ do corpo? Como se colocaria a condição política de ‘ser lésbica’ dentro de uma prova de mulheres supostamente ‘heterossexuais’? E se, subjetivamente, Semenya não desejasse competir pela categoria feminina nas provas do atletismo, mas sim na masculina, ela poderia? As fronteiras entre o que se entende por ‘feminino’ e ‘masculino’ parecem borradas, e mais do que nunca, talvez estejam em xeque no esporte.

Foi, também, a famigerada ‘igualdade de chances’ que permitiu, não sem certa resistência, que o corredor Oscar Pistorius, biamputado de membros inferiores, competisse com atletas sem deficiência nas provas de velocidade no atletismo, nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Sua participação inédita numa competição de alto nível, e de grande visibilidade midiática, trouxe questões não muito comuns ao campo esportivo: o atleta com deficiência e sua perna protética não poria em questão qual é o corpo ‘legítimo’ para provas de corrida, tão exaltado nos manuais de treinamento? Ou ainda, um potencial aumento de casos de corpos com deficiência participando de instâncias esportivas mainstream (convencionais) não colocaria em dúvida a existência de sistemas separados para os Jogos Olímpicos e os Jogos Paralímpicos?1

Nesse sentido, as entidades que dirigem e controlam fluxos de capitais e pessoas no esporte ainda não conseguiram (ou talvez não tenham interesse em) visibilizar outras subjetividades, expressões corporais e de gênero nas arenas de competição. De um lado, elas mantêm o dimorfismo sexual dentro da ordem discursiva e da realidade física (dos eventos), sem repensar a separação criada para promover uma suposta ‘igualdade de condições’ entre competidoras(es), e de outro, estabelecem o pressuposto da normatividade corporal, ou corponormatividade, isto é, uma prerrogativa de que corpos são compulsoriamente hábeis e heterossexuais (Robert MCRUER, 2017). São, em poucas palavras, guardiões dos ‘parâmetros mínimos’, idealizados e aceitáveis, e da ideia de uma normatividade absoluta nos esportes.

As mudanças no processo de reconsideração sobre a presença de outros corpos nas arenas esportivas são instigantes uma vez que não dizem respeito apenas a fenótipos, genótipos, formas corporais ou orientações sexuais. Elas abrem possibilidades analíticas de pensar o próprio esporte e sua estrutura, que se mantém binária na prerrogativa categorial, capacitista (privilegiando corpos sem deficiências), cis-heteronormativa (que tomam a cisgeneridade e a heterossexualidade como normas). A partir disso, talvez se possa pensar que o regime de controle heteronormativo, corponormativo e patriarcal que sustenta o esporte esteja com seus dias contados.

Dessa forma, pensar o campo das práticas esportivas a partir desse conjunto de transformações relativas aos feminismos, aos gêneros, às tecnologias e às (novas) formas de subjetivação é a proposta dos artigos aqui reunidos. Que deslocamentos e reivindicações gênero, sexualidade e tecnologia (em suas múltiplas formas) trazem ao esporte de matriz espetacular? O que é possível em termos de redimensionamento do sexo e do gênero para a prática e o treinamento esportivos? Uma mudança no sexo biológico e uma consequente alteração nas categorias ‘masculina’ e ‘feminina’ provocaria subversão da estrutura androcêntrica, misógina e machista do esporte? Se sim, como processar tantas e tamanhas mudanças? Dois caminhos (talvez complementares) mostram-se factíveis: construindo outros discursos de verdade e experimentando, explorando ou criando outras práticas possíveis. Esse compêndio pode não responder a todas essas questões ou a nenhuma delas, mas visa dar uma contribuição à teoria social a partir da problematização da presença de corpos de mulheres e de outros sujeitos no campo dos esportes.

E para destacar um ponto nevrálgico no debate, questionamos: precisaria o esporte, de fato, de um verdadeiro sexo? Retomamos, aqui, uma pergunta retórica de Michel Foucault (1982) sobre se a verdade do sexo é indispensável à vida social, e a vinculamos ao esporte, nosso objeto analítico. À sua questão, ele respondeu que sim: “com a persistência que beira a teimosia, as sociedades ocidentais modernas têm respondido afirmativamente” (FOUCAULT, 1982, p. 81). Quanto ao esporte, resta-nos vasculhar. Tal indagação foi formulada no prefácio de publicação do diário de Herculine Barbin, uma ‘hermafrodita’ (termo da época), que viveu no final do século XIX. Criada como uma moça, no interior de um internato católico de mulheres, foi posteriormente reconhecida como um rapaz, vendo-se obrigada a trocar de sexo (e a registrar-se como Abel Barbin). Sua história tem um fim trágico: a incapacidade de se adaptar à nova identidade, inúmeras humilhações e muitos dramas vividos, levaram-na ao suicídio aos 30 anos.

Herculine viveu num período histórico em que as teorias científicas sobre sexo e sexualidade ganhavam destaque. Num momento anterior, na então Idade Média, era comum pensar ‘hermafroditas’ como pessoas que combinavam características tanto femininas quanto masculinas, podendo, ao atingir a idade adulta, escolher que sexo conservar. De acordo com Thomas Laqueur (2001), até o século XVIII, as sociedades ocidentais tinham um modelo sexual que hierarquizava os sujeitos ao longo de um único eixo, diferenciando-os por graus de perfeição, embora vistos como um único sexo. Os órgãos sexuais eram percebidos como os mesmos e correspondentes (pênis - vagina, trompa de falópio - canal deferente, ovários - testículos etc.), tendo os das mulheres ficado para dentro, devido à menor quantidade de calor e menor nível de perfeição em comparação aos homens.

Por sua vez, o modelo de um único sexo, no qual homens e mulheres eram comparados pelo padrão da continuidade/hierarquia, foi sendo substituído pelo modelo de dois sexos (dimórfico), seguindo o padrão descontinuidade/oposição. No século XIX, tornou-se predominante a noção de que um único e verdadeiro sexo determina a identidade de gênero dos sujeitos, seus comportamentos e características. Dessa forma, se antes as explicações eram buscadas em textos sagrados, tendo origens cósmicas mais amplas e sendo o corpo compreendido como uma consequência disso tudo, nessa nova compreensão epistemológica, o corpo e suas características físicas e materiais ganharam centralidade na definição de gênero. Na concepção de dois sexos, o corpo passa a ter um papel primordial, tornando-se causa e justificativa das diferenças, e não mais consequência.

Nesse sentido, a ideia de que todos têm um sexo biológico definido e naturalmente dado, enraizada no pensamento moderno (inclusive científico) e na própria organização esportiva, é historicamente datada. Categorias de feminilidade e masculinidade foram cientificamente fundadas e explicadas em discursos de verdade. Mais do que isso, foram essas explicações científicas tomadas como neutras que, de fato, criaram essas categorias de tal modo que fossem compreendidas como ‘naturais’ e independentes do poder (FOUCAULT, 1985).

Também o esporte se organiza com essa ideia do sexo “como uma base natural, ou como uma causa invisível que sustenta efeitos visíveis” (Johanna OKSALA, 2011, p. 95). Sua estrutura competitiva binária, a atribuição de algumas modalidades a um único sexo, os ‘testes de feminilidade’ ou de ‘verificação de gênero’, como aparecem no século XX, são todos exemplos.

Por outro lado, o caráter por vezes transitório e fluido dessas distinções mostra que o corpo não oferece esse suporte estável e seguro das diferenças. Como importantes feministas já colocaram:

Nossos corpos são complexos demais para dar respostas claras sobre a diferença sexual. Quanto mais procuramos uma base física simples para o ‘sexo’, mais claro fica que o ‘sexo’ não é uma categoria física pura. Aqueles sinais e funções corporais que definimos como masculinos e femininos já vêm misturados em nossas ideias sobre o gênero (Anne FAUSTO-STERLING, 2002, p. 19).

Ainda explorando essa acepção, outro ponto a ser considerado a partir do qual podemos estabelecer diálogo com o campo esportivo é o de que a manutenção de posições binárias precisa de um investimento continuado e repetitivo para garantir seu status de normalidade, ou seu caráter de naturalidade:

O ‘sexo’ é um construto ideal que é forçosamente materializado através do tempo. Ele não é um simples fato ou a condição estática de um corpo, mas um processo pelo qual as normas regulatórias materializam o ‘sexo’ e produzem essa materialização através de uma reiteração forçada destas normas (BUTLER, 1999, p. 154).

A filósofa estadunidense citada anteriormente vai destacar que o gênero é performativamente produzido por práticas reguladoras altamente rígidas, e os gestos e atuações do corpo, longe de serem voluntaristas, são performativos expressando uma identidade, que é fabricada manufaturadamente e sustentada por signos corporais e discursivos. Essa noção de performatividade de um corpo vai ser retomada por Paul Preciado, e para além dela, o autor espanhol vai destacar as transformações corporais. Dirá, de modo enfático, que o gênero é mais do que um efeito das práticas discursivas butlerianas. Se efetua, sim, na materialidade dos corpos, porém ele é prostético, plástico:

É puramente construído e ao mesmo tempo inteiramente orgânico. Foge das falsas dicotomias metafísicas entre o corpo e a alma, a forma e a matéria. O gênero se parece com o dildo. Ambos, afinal, vão além da imitação. Sua plasticidade carnal desestabiliza a distinção entre o imitado e o imitador, entre a verdade e a representação da verdade, entre a referência e o referente, entre a natureza e o artifício. O gênero poderia resultar em uma tecnologia sofisticada que fabrica corpos sexuais (PRECIADO, 2014, p. 29).

Seria o esporte, portanto, um espaço de materialização do sexo a partir da reiteração de normas que garantem estabilidade e coerência ao sistema? Ou seria um espaço de possíveis deslocamentos, que possibilitaria outros construtos de gênero e de sexualidade, particularmente nas intersticialidades? De que forma tratar corpos trans, atravessados por processos tecnológicos transexualizadores, no esporte de referenciais biológicos? Como problematizar ‘naturalidade/artificialidade’ a partir de novas subjetividades atléticas em cena?

Há uma pertinente discussão da pesquisadora estadunidense Donna Haraway (2009) sobre as fronteiras estabelecidas entre natureza/cultura a partir da tecnologia. No clássico “Manifesto Ciborgue”, a figura metaforizada do ciborgue (meio ser humano, meio máquina) problematiza os limites estabelecidos entre aquilo que sempre foi dado como ‘natural’ e o que passa a ser agregado, o ‘artificial’. Tal figura contesta determinações que sempre colocaram a mulher relegada à esfera da reprodução (da maternagem e do cuidado) e questiona essa ‘natureza’: homens e mulheres não são seres naturais, mas são construídos, como o ciborgue. Além disso, em nossa vida contemporânea permeada pelas necessidades tecnológicas (de múltiplas faces), não sabemos onde o humano termina e onde as máquinas começam. Fronteiras entre corpos e tecnologias seriam inexistentes.2

No entroncamento do debate instaurado, dois artigos abrem esta seção temática. O primeiro, de Talita Vieira, José Justo e Sonia Mansano (2021), cuja proposta foi compreender como os dilemas entre sexo/gênero se instalam no campo esportivo relativo às mulheres. Para tanto, os autores tentam problematizar de que modo as marcas de gênero atravessam experiências iniciais de atletas mulheres de futebol, tanto naquelas que estão em formação, quanto nas de alto nível. Seus resultados mostram que a inserção de tais atletas no campo futebolístico são similares, independentemente dos fatores relacionados à geração ou à habilidade, e que reiterações de normas regulatórias edificam estereótipos de gênero que cerceiam suas experiências.

O segundo escrito é de Leandro Brito (2021) que, discutindo as disputas sociais de sentidos sobre o conceito de masculinidade no cenário esportivo brasileiro, vai tensionar não apenas o que se entende por ‘masculino’ e mesmo ‘masculinidade’ em tal contexto, como propõe uma disrupção no construto de masculinidade a partir do queer/cuir/kuir (renomeações produtivas e necessárias), numa interpretação de significados dessa categoria via presença de outros corpos e de uma perspectiva pós-estruturalista e decolonial.

Outra problematização da noção hegemônica de masculinidade encontra-se no próximo artigo, de autoria de Diego Thomaz, Dyonis Santos e Luiz Henrique de Toledo (2021), no qual os autores propõem uma reflexão acerca de novos processos e formas de subjetivação no esporte, destacando, para tanto, a categoria de ‘atletas militares’. Dessa forma, o corpo do ‘atleta militar’ seria tomado como ponto de convergência, pelo qual se pode compreender os processos de subjetivação endógenos aos círculos militares e às práticas esportivas, bem como identificar possíveis fraturas da masculinidade hegemônica em tempos atuais.

Tais tensionamentos salientados são importantes porque dão vazão a um processo de questionamento das certezas sobre as quais o esporte se assenta. Numa espécie de ‘calibração’ do efeito de compreensão analítica acerca do objeto, entendemos que o esporte se edifica entre a necessária reiteração das normas sexuais e de gênero para que se mantenha o binarismo (funcionando misoginia/machismo como sustentáculos de apoio) e uma potencial disrupção, oferecida por corpos não conformes. Afinal, corpos queer (cuir, kuir, a-gêneros, desgenerificados etc.) e suas práticas corporais e esportivas dissonantes, as que não se enquadram nos moldes de reprodutibilidade técnica do esporte, mas obtêm resultados ou rendimentos (Wagner CAMARGO, 2016), são indicativos de possibilidade de subversão (BUTLER, 1999) de atos significativos e, quiçá, componentes corrosivos para o próprio sistema.

Por outro lado, processos de subversão ou de deslocamentos de gênero e de sexualidade ganham contornos múltiplos na contemporaneidade, estabelecendo estreitas relações com a ciência e a tecnologia. Com a expansão da indústria fármaco-química nas últimas décadas, a manipulação de hormônios e a criação dessas substâncias de forma sintética, emerge uma nova gestão política e técnica do corpo, do sexo e da sexualidade (PRECIADO, 2008). Mudanças tecnológicas de amplitude e formas variadas, a partir da metade do século XX, proporcionaram outras formas de subjetivação, sobre o corpo e o sexo, particularmente de pessoas racializadas e excluídas. A denúncia de Preciado é fascinante nesse sentido, quando narra um processo de autointoxicação voluntária por testosterona durante 236 dias/noites, a fim de mudar os afetos e seu corpo:

Não tomo testosterona para me converter em um homem, nem sequer para transexualizar meu corpo, simplesmente o faço para trair o que a sociedade quis fazer de mim, para escrever, para transar, para sentir uma forma pós-pornográfica de prazer, para acoplar uma prótese molecular a minha identidade trans low tech feita de dildos, textos e imagens em movimento, para vingar tua morte (PRECIADO, 2008, p. 20, tradução nossa).

Isso serviria de ponto de partida para a pesquisa empírica realizada por duas autoras, Michelle Gonçalves e Amanda Costa (2021), que, no quarto artigo, vão em busca do efeito performático de feminilidades expressas em corpos musculosos e hipertrofiados de atletas mulheres fisiculturistas. Seus corpos se tornam um laboratório, local de experimentos e testagens constantes, envolvendo técnicas de treinamento, de alimentação e de químicas, tendo como finalidade a própria modelação corporal, de modo a exibir seus contornos, massa, volume, veias e pele. São corpos fortes e milimetricamente definidos, cuja eficiência exige a subversão de padrões normativos e convencionais de feminilidade e contestam o lugar social da ‘mulher’.

Antes de continuarmos, uma digressão: devemos nos lembrar que o esporte (moderno) nasceu em fins do século XIX como “espaço de reserva masculino”, pensado “por” homens e “para” homens, como já registrou Eric Dunning (1992). O grande artífice dessa criação foi Pierre de Frédy (ou Barão de Coubertin), um aristocrata francês influente, que se por um lado foi visionário, reforçando a necessidade de sistematização de um fenômeno cultural que geria as práticas de ócio, por outro acabou deflagrando uma visão obtusa ao alijar as mulheres de sua criação, tratando-as, no máximo, como espectadoras. É nesse momento que se inicia uma trajetória de exclusões que identificamos hoje, de corpos não autorizados para práticas corporais com finalidade esportiva.

De alguma forma, os artigos aqui apresentados evidenciam o esporte como espaço de expressão de novas subjetividades e (re)configurações corporais, que tensionam e desafiam os discursos de saber-poder médico, científico e esportivo. A contestação do que é tomado como a ‘natureza’ das mulheres foi uma das primeiras medidas necessárias para sua participação nos esportes, desvencilhando-se também de uma perspectiva unitária e limitada de ‘mulher’ (Adriana PISCITELLI, 2002).

Se, citando Margareth Rago (2013, p. 28), “uma das principais finalidades dos feminismos é libertar as mulheres da figura da Mulher, modelo universal construído pelos discursos científicos e religioso, desde o século XIX”, competir nos esportes foi um ato feminista, ainda que nem sempre concebido enquanto tal. Tais práticas contribuíram para a desconstrução de uma visão fragilizada do corpo da mulher e extremamente atrelada à sua função reprodutiva, bem como ampliaram suas possibilidades de vida pública. Nesse sentido, a desnaturalização da mulher acabou se aproximando (e potencializando), por exemplo, a não aceitação e, consequente, patologização de sujeitos LGBTIQAP+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas trans e intersexo, queer, assexuais, pansexuais e demais).

Uma das estratégias de contraposição ao movimento de inserção das mulheres no esporte foi o questionamento de suas sexualidades. Não apenas o aparecimento de mulheres em espaços esportivos, mas também suas performances acabaram gerando acusações de lesbiandade e virilidade, desencadeando atitudes homo e lesbofóbicas, que hoje se combinam com outras, notadamente transfóbicas. Vale destacar que o quinto artigo deste compilado se ocupa do resgate dessa trajetória de patologização e controle do corpo de atletas mulheres cisgênero, bem como das novas investidas da ciência sobre o corpo de esportistas transgênero. Mariane Pisani e Maurício Pinto (2021) apresentam futebolistas amadores para, a partir de suas pesquisas etnográficas, demonstrarem como tanto mulheres cis quanto homens trans elaboram estratégias de resistência dentro do futebol, as quais os possibilitam, entre outras coisas, se apropriar de tais práticas, tensionando as normas reguladoras de corpos, gêneros e subjetividades figurantes nas arenas esportivas, assim como ressignificar o sentido de jogar bola e pertencer a uma equipe de futebol. São significados mutantes, que se transformam mediante embates das e nas relações sociais.

Pesquisas historiográficas têm sido feitas, não apenas para mostrar que muitas mulheres se lançaram em competições esportivas oficiais mesmo sem autorização (Fabiano DEVIDE, 2005), mas para descobrir que elas também demarcaram espaço naquele movimento aristocrático e masculinista de fins do século XIX. Interessante perceber, por exemplo, que já havia curiosa procura pelo tênis de grama, uma das primeiras modalidades esportivas à disposição das ‘mulheres atletas’, categoria que causava certo frisson nos anos 1900.

Assim, no sexto artigo, Victor Melo (2021) traz uma análise das primeiras experiências de brasileiras na prática do tênis de grama, nesse tempo histórico, em que mulheres forjaram uma subjetividade divergente, oportunizando a repercussão pública de novos comportamentos. A adequação das roupas para a prática do tênis foi uma das estratégias de subjetivação e negociação envolvidas na ampliação das experiências públicas consensualmente consideradas ‘femininas’, aspecto que volta a se fazer presente na carreira de outras esportistas mulheres, no decorrer das décadas seguintes.

Curioso que o tênis produziu excelentes atletas, a exemplo da brasileira Maria Esther Bueno, que inicia sua trajetória esportiva nos anos 1950, época de forte aversão a corpos de mulheres no esporte. O texto de Giovanna Ticianelli e Helena Altmann (2021), na sequência, vai desvelar sua trajetória no contexto nacional, mostrando como ela se inseriu e se manteve em espaços esportivos de alto nível durante décadas. Por meio de fontes escritas, as autoras identificam elementos de rupturas de gênero em sua inserção nas quadras de tênis, atestados por conquistas e por um estilo de jogo inovador, marcado pela competitividade, potência, eficiência e uso de roupas especializadas. Por meio de sua subjetivação enquanto mulher tenista de destaque, Bueno demonstrou a ocupação consequente de um espaço digno de corpos que não os dos homens.

Dessa forma, e para deixar registrado algo que nos é caro nessa discussão, fica claro que o primeiro deslocamento de gênero importante no mundo esportivo masculinista foi o processo de entrada e conquista das mulheres em tal prática. Por um longo período, dada uma suposta incompatibilidade com seu corpo (ou sua ‘natureza’ como se dizia), a mulher era percebida como incapaz de praticar esportes ou algumas modalidades à sua disposição. No entanto, em que pese a falta de registros adequados ou a subnotificação de suas presenças, as esportistas mulheres foram as desbravadoras de uma trajetória no moderno fenômeno esportivo, que ano após ano foi presenciando, igualmente, outros atores requisitarem espaços, como atletas com deficiência em fins de 1940 e suas sucessivas competições que ganharam os holofotes olímpicos nos I Jogos Paralímpicos de Roma, em 1960, ou ainda os/as atletas gays e lésbicas (um segundo deslocamento em termos de gênero), que organizaram sua primeira Olimpíada (os Gay Games), em São Francisco, no ano de 1982 (Tom WADDELL; Dick SCHAAP, 1996; Caroline SYMONS, 2010; Wagner CAMARGO, 2014).

Olhando para o cenário nacional nesses anos do século XX, a sociedade brasileira acompanhou a repulsa e resistência à prática esportiva de mulheres durante muitas décadas. Em 1934, várias modalidades foram citadas como “impróprias às mulheres”, sendo apresentada como justificativa a afirmação de que “qualquer exercício que seja acompanhado de pancadas, de choques e de golpes é perigoso para o órgão uterino. A higiene condena sua prática pela mulher.” (Marcio TRALCI FILHO; Katia RUBIO, 2012). Mais precisamente, no ano de 1941, um decreto-lei, assinado pela então Confederação dos Desportos (CDS), proibiu as mulheres de praticar “desportos incompatíveis com as condições de sua natureza” (BRASIL, 1941), sendo que proibições legais se repetiram em 1965 e vigoraram até 1979 (BRASIL, 1979). De um ponto de vista feminista, pode-se afirmar que o direito à prática esportiva foi conquistado pelas mulheres no transcorrer de suas resistências e de uma resiliência ao longo do século XX, persistindo o enfrentamento de desigualdades de oportunidades e de acesso, abrindo caminhos para outros corpos esportivos.

Portanto, que aspectos em comum e que diferenças podem ser identificadas no processo de inclusão de mulheres nos esportes no decorrer do século XX e nas transformações relativas ao gênero e sexualidade que se colocam nas últimas décadas? Essa pergunta de fundo é outro modo de tratar nossas preocupações relativas à proposta aqui encampada e motivou o aprofundamento analítico realizado por algumas/alguns autoras/es. Bárbara Pires (2021), no oitavo artigo, nos traz o histórico de “gestão da feminilidade” no esporte de alto nível, desde as origens do movimento olímpico moderno, em 1896. Delineando e reconstituindo fatos históricos cruciais, ela recapitula as estratégias, construídas como necessárias, de controle de corpos atléticos de mulheres em torno da categoria “proteção” e de como esta vai se tornando, ao longo dos anos, “suspeição”. Tais categorias imbricadas vão criando um novo e distinto sistema de normas (e também de moralidades, costumes, economia), que, em se utilizando da Ciência, produziu múltiplas formas de controle de mulheres esportistas, legitimando o “desejo de integridade” nessa “gestão da feminilidade” (termos da autora).

Desde a luta de mulheres em suas expressões esportivas até a identificação de vários outros sujeitos que aparecem nos esportes, nossa preocupação se baseou em provocar pesquisadoras/es a discutirem novos e antigos fenômenos sociais, nesse campo. Em comum ao debate, destaca-se o esporte como um local de luta pelo direito e pela oportunidade de participação. Tal luta foi (e é) marcada pela prática e pelo corpo, tornando-o ‘capaz’ e ‘habilidoso’, naquilo que ele pode fazer, independentemente de questões discriminatórias que habitam os espaços esportivos. Grande parte do mérito de resistência e persistência tem sido, historicamente, das mulheres; porém, há também distintas/os agentes que têm se agregado nos últimos anos.

Assim, o nono artigo desta seção temática, e que endereça a discussão da generificação de corpos e dos processos identitários de pessoas trans, é o de Fabio Zoboli, George Manske e Eduardo Galak (2021). Problematizando o esporte enquanto um dispositivo que interpela corpos a partir de saberes biológicos e práticas biotecnológicas, os autores discutem como se dão as construções de gênero, de sexo e mesmo de sexualidade em homens trans. Tomam, para tanto, casos de atletas sul-americanos que tiveram trajetórias de transição completa para o gênero desejado. Mais do que discutir algum tipo de (re)naturalização do corpo e da vida desses sujeitos no esporte a partir de suas novas condições, é fundamental separar o corpo como biologia das suas condições biológicas, a fim de não restringir potencialidades que esse corpo possa apresentar.

A patologização do corpo trans no social atua no mesmo nível simbólico do binarismo instaurado no meio esportivo, no qual o referencial dos sexos biológicos vigora intocado e questiona a elegibilidade de atletas trans.3 Pensando nisso, vale destacar uma importante contribuição de Érica Souza (2020, p. 1), que postula: “as pessoas trans materializam corpos [distintos e possíveis (por processos transexualizadores internos e externos), não sendo] reconhecidos em sua plenitude humana, política e social.” E as categorias que os embalam, e

que se pretendem homogêneas, para se estabilizarem enquanto “fatos”, escondem as controvérsias das políticas ontológicas, que não são nem homogêneas, nem individuais, pois são produtos de “decisão” entre diferentes versões em disputa, fabricadas através da intervenção de agentes humanos e não humanos. (SOUZA, 2020, p. 18).

Por isso, a patologização minimiza ou subsume a experiência dissidente de um corpo trans a um forçoso enquadramento no modelo binário cis-heteronormativo para que possa competir esportivamente, adequando-se a uma ‘verdade biológica’, que impositiva e inconsequente, prescreve suposta igualdade de condições.

No próximo artigo, Julian Silvestrin e Alexandre Vaz destacam experiências trans e transmasculinas de atletas amadores, em três modalidades esportivas (futebol, rúgbi e duátlon). Suas análises sustentam a defesa da prática esportiva como direito amplo e irrestrito: em uma sociedade que não aceita a transgeneridade e transexualidade como formas possíveis de estar no mundo, não resta alternativa ao esporte que o reconhecimento do direito de participação de pessoas trans em competições, conforme suas autodesignações. Portanto: “Qualquer outro posicionamento fere o direito da igualdade de todos perante a Lei.” (SILVESTRIN; VAZ, 2021, p. 4). E, para isso, essa prática social precisaria se reinventar.

De forma muito diferente do que representou desde o início do século XX a luta por inserção no esporte de mulheres atletas, a prática esportiva de pessoas trans exige a problematização do sexo como categoria fundante do gênero e questionamento sobre a própria divisão competitiva de provas e jogos. Não há uma alternativa simples, um caminho fácil a ser seguido, quando consideramos tais corpos (particularmente se tomarmos as pessoas não bináries, em linguagem neutra). Ao binarismo de gênero institucionalizado, que clama por ‘igualdade de chances’, e que coloca homens e mulheres separadamente e competindo entre si, não se apresenta aqui como alternativa viável diante das problematizações de gênero, que urgem nesses casos. Novas concepções de corpo, de gênero e de sexualidade imprimem novos desafios ao esporte, que necessita ser problematizado.

Se, por um lado, há uma narrativa do ‘corpo errado’ imputada a pessoas trans, visto que a olhos cisgêneros tais sujeitos estariam fora das normas reiterativas do sexo/gênero, por outro, tal narração de si serve como mote político para a aquisição de direitos para eles/elas/elus, como cuidados médicos, cirurgias de redesignação, hormonização, entre outros. O esporte (e mesmo o futebol) não escapam dessas considerações de peso.

É na esteira desse contexto que, no décimo primeiro artigo, Wagner Camargo (2021) traz os “gêneros em disputa” em campos futebolísticos, a partir das experiências amadoras de atletas autodeclarados ‘homossexuais’ e ‘trans’ (categorias nativas). São corpos que postulam o desafio de subjetivar o espaço competitivo e de socialização do futebol de outras formas, reprojetando-o como meio de acolhimento de novas subjetividades esportivas. No entanto, tal processo não é isento de conflitos e eles aparecem em sua pesquisa etnográfica realizadas durante as edições da LiGay Nacional de Futebol Society (LGNF), evento que acaba materializando “espaços de acontecimento” de/para tais atletas - uma categoria analítica elaborada a partir da experiência etnográfica.

Em termos de homossexualidade, e para frisar uma questão ainda tabu na sociedade, no esporte e na mídia esportiva, Vivianne Gonçalves e Henrique Pereira (2021) apresentam um artigo que discutirá a recente ‘saída do armário’ do primeiro atleta na história do esporte português. Com uma análise interseccional, a ruptura do silêncio político em torno da homossexualidade é tomada como uma expressão de liberdade, que, a despeito disso, evidenciou hostilidades e reprovação social relacionadas não apenas à homossexualidade e à ‘raça’, mas também à doença mental.

Por fim, e para não deixar de fora o debate sobre coletivos de torcedores/as, que mesmo externos às arenas de competição resistem à normatização do torcer, defendendo noções de diversidade e pluralidade, Luiza dos Anjos (2021), no último artigo, descreve e analisa os posicionamentos da torcida gremista Tribuna 77 na promoção da desestabilização da primazia ‘cis-heteromasculina’ a partir da presença LGBTQI+ no futebol. Além disso, a autora destaca as ações desses grupos frente ao combate a homofobia e outras formas de preconceito.

A seção temática aqui apresentada busca girar um caleidoscópio de possibilidades sobre as práticas esportivas em sua interface com a sociedade, evocando contribuições de várias áreas de conhecimento, dos Estudos de Gênero à Educação Física, passando pela História e pelas Ciências Sociais, com a pretensão de ser locus de discussão de pesquisas atuais.

Os artigos do presente compêndio evidenciam o gênero e a sexualidade como relações de poder, mas também como exercícios de liberdade (BUTLER, 2017) nas arenas esportivas e mesmo fora delas. Como afirma a filósofa: “A reivindicação por liberdade é não somente uma tarefa social, mas um modo de ocupar e transformar o espaço público” (BUTLER, 2017, p. 31). Historicamente, também as práticas esportivas têm sido palco de lutas por novos modos de existência, por reconhecimento, por ocupação de espaço. Os desafios que se colocam ao esporte institucionalizado são de múltiplas ordens, a fim de que consiga incorporar, equanimemente, corpos desviantes da norma, desgenerificados ou desidentificados, gestados nos interstícios entre masculino-e-feminino e que querem competir formal e profissionalmente - e não apenas participar. Trata-se da tão falada inclusão, mas principalmente de algo além disso.

Temos claro que o alinhavamento que fizemos aqui tem suas limitações e que questões mais densas são apresentadas e desdobradas em cada um dos artigos. De nossa parte emergiu a intenção de amplificar problemáticas de gênero e sexualidade relativas ou relacionadas às práticas esportivas, particularmente porque em espaços como este (da Revista Estudos Feministas ou outras congêneres de alcance nacional) elas aparecem em pequeno número.

Entendemos que o esporte institucionalizado de matriz espetacular e suas práticas corporais múltiplas estão presentes na vida das pessoas, motivando suas ações sociais, atraindo-lhes a atenção para jogos de seus times de preferência, incentivando a formação de coletivos identitários esportivos, ou mesmo visibilizando os - cada vez mais corriqueiros - ‘megaeventos’, que são radiodifundidos, televisionados ou propagados pela internet (webcasting) de modo incrivelmente veloz. Por mais que não se deseje ter uma relação estreita com o campo esportivo, este se apresenta de modo indelével à vida de cada uma das sete bilhões de pessoas no planeta e, de uma forma ou de outra, afeta a todas, indistintamente.

Partimos desse último pressuposto para imaginar que leitoras/es da Revista Estudos Feministas não passarão incólumes à seção temática aqui trazida, mesmo que, em suas mais fortes crenças, dizerem-se descrentes e desinteressadas/os nos fenômenos esportivos. Por isso, desejamos boa leitura!

Referências

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1Talvez algo dessas indagações tenha movido esforços no sentido de impedir pedidos futuros para participação ‘cruzada’ de atletas com deficiência em competições convencionais: em 2015, a World Athletics (antiga International Association of Athletics Federations - IAAF), negou pedido do saltador a distância alemão Markus Rehm para competir nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, mesmo o atleta ostentando 8,40 metros de registro na prova do salto, algo que o candidataria, certamente, à medalha de ouro.

2Aqui é interessante que Preciado vai desdobrar tal debate, defendendo o tecnocorpo: “Esse corpo não se reduz a um corpo pré-discursivo, nem tem seus limites no envoltório carnal que a pele contorna. Essa vida não pode ser entendida como um substrato biológico fora dos meandros de produção e cultivo próprios da tecnociência. Esse corpo é uma entidade tecnoviva multiconectada que incorpora tecnologia. Nem organismo, nem máquina: tecnocorpo.” (PRECIADO, 2008, p. 39, tradução e grifos nossos).

3Assim como se discute a despatologização das identidades trans para uma melhor assistência (em termos de saúde), seria importante haver um debate sobre isso no esporte, no sentido de ampliar as possibilidades de ação esportiva desses corpos. No entanto, tal discussão transborda os limites deste texto introdutório.

Como citar este artigo de acordo com as normas da revista: CAMARGO, Wagner Xavier de; ALTMANN; Helena. “Deslocamentos políticos e de gênero no esporte”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 2, e80215, 2021.

Financiamento: Não se aplica

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 24 de Março de 2021; Aceito: 29 de Abril de 2021

wxcamargo@gmail.com

altmann@unicamp.br

Wagner Xavier de Camargo (wxcamargo@gmail.com) é antropólogo que estuda questões de gênero e sexualidades nos esportes. Pós-doutorado em Antropologia Social, pela Universidade Federal de São Carlos. É membro efetivo da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e membro-fundador da Rede Brasil-Alemanha de Internacionalização do Ensino Superior (REBRALINT), além de ex-bolsista e colaborador permanente do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (Deutscher Akademischer Austausch Dienst/DAAD).

Helena Altmann (altmann@unicamp.br) é Professora Associada da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), mestra em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFM) e graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi coordenadora do Grupo de Trabalho Temático Gênero do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (2015-2017). Tem experiência de pesquisa e ensino em Educação, Educação Física e Esportes, com ênfase em gênero e sexualidade. Integra o Grupo de Pesquisa Corpo e Educação e o Grupo de Pesquisa Focus, ambos da Unicamp.

Contribuição de autoria: Os autores contribuíram igualmente

Conflito de interesses: Não se aplica

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