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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.29 no.2 Florianópolis maio/ago 2021  Epub 20-Maio-2021

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n279290 

Seção Temática Gênero, tecnologias e (novas) formas de subjetivação nas práticas esportivas

Corpo laboratório: experimentos de mulheres fisiculturistas

Laboratory Body: Women Bodybuilder’s Experiments

Cuerpo laboratorio: experimentos de mujeres fisiculturistas

Michelle Carreirão Gonçalves1 
http://orcid.org/0000-0002-8350-2692

Amanda Torres Vieira da Costa2 
http://orcid.org/0000-0002-8157-3120

1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Educação, Departamento de Didática, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 22290-902 - edd.ufrj@gmail.com

2Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Educação Física e Desporto, Departamento de Ginástica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 21941-599 - dp.ginástica@gmail.com


Resumo:

O objetivo deste trabalho foi entender como mulheres praticantes de fisiculturismo conformam suas subjetividades atléticas por meio da modificação corporal extrema. Realizamos entrevistas semiestruturadas, de maneira remota via plataforma Jitsi Meet, com três atletas selecionadas conforme seu tempo de prática e experiência em distintas categorias do fisiculturismo. Nossa análise foi conduzida pelas técnicas que atuam no desenvolvimento de uma identidade esportiva das fisiculturistas pesquisadas, a saber: treinamento, alimentação e química. Os dados mostram que o corpo dessas mulheres pode ser pensado em analogia a um laboratório, ‘lugar’ de experimentos extremos e testagens constantes que geram um tipo de desempenho atlético, bem como um tipo de subjetividade atlética.

Palavras-chave: corpo; técnica; subjetividade; fisiculturismo; mulheres

Abstract:

The aim of this paper was to understand how women bodybuilders build their athletic subjectivities through extreme body modification. We conducted semi-structured interviews, remotely via the Jitsi Meet platform, with three athletes selected according to their time of practice and experiences in different categories of bodybuilding. Our analysis was conducted by the techniques that act in the development of a sporting identity of the surveyed bodybuilders, namely: training, food, and chemistry. The data show that the body of these women can be thought of in analogy to a laboratory, a ‘place’ of extreme experiments and constant testing that generate a type of athletic performance, as well as a type of athletic subjectivity.

Keywords: Body; Technique; Subjectivity; Bodybuilding; Women

Resumen:

El objetivo de este trabajo fue comprender cómo las mujeres culturistas moldean sus subjetividades atléticas a través de la modificación corporal extrema. Realizamos entrevistas semiestructuradas, de forma remota a través de la plataforma Jitsi Meet, con tres deportistas seleccionados según su tiempo de práctica y experiencia en distintas categorías de culturismo. Nuestro análisis se realizó mediante las técnicas que actúan en el desarrollo de una identidad deportiva de los culturistas encuestados, a saber: entrenamiento, alimentación y química. Los datos muestran que el cuerpo de estas mujeres se puede pensar en analogía con un laboratorio, un ‘lugar’ de experimentos extremos y pruebas constantes que genera un tipo de rendimiento atlético, así como un tipo de subjetividad atlética.

Palabras clave: cuerpo; técnica; subjetividad; fisiculturismo; mujeres

Introdução

Mulheres de corpos grandes têm sido consideradas historicamente como estranhas, bizarras e relegadas a freak shows em circos, music halls ou outros espaços que tradicionalmente abrigam (e expõem) figuras outsiders. Segundo Angelita Jaeger (2007, p. 133), estudos internacionais “sugerem que desde o século XVI as mulheres faziam demonstrações públicas de agilidade e força muscular”. Silvana Goellner e Alex Fraga (2003) mostram também que entre os séculos XIX e XX havia um grupo feminino de ‘profissionais da força’, as strongwomen, que se apresentavam em espetáculos que percorriam a Europa e os Estados Unidos. Dentre elas a mais famosa foi Sandwina (1884-1952), austríaca de família circense, que ficou mundialmente conhecida ao vencer Eugene Sandow (1867-1925), maior levantador de pesos à época, em uma disputa de força - daí sua alcunha Sandwina, referência ao então homem mais forte do mundo.

Se até a primeira metade do século passado o olhar estava na força, a partir da metade seguinte entra em foco o músculo e seus contornos, momento em que “a anatomia do detalhe é analisada e mensurada milimetricamente e os holofotes do espetáculo se deslocam dos corpos potencializados que realizavam diferentes proezas para iluminar, exclusivamente, o volume, a densidade e a simetria muscular desses corpos” (JAEGER, 2007, p. 143). Nesse movimento, as mulheres forçudas cedem lugar àquelas ocupadas com a prática da modelação e das modificações corporais conhecidas agora como fisiculturistas ou bodybuilders.

Apesar de o fisiculturismo ser ainda um esporte marginal, sem centralidade no rol de modalidades apreciadas, praticadas e divulgadas no contexto brasileiro, não se pode negar que o espraiamento de um estilo de vida fitness tem colaborado para a disseminação tanto de preceitos e rotinas ‘marombeiras’ (malhação diária e dieta controlada, por exemplo), como de corpos com maior volume e definição muscular. Nesse contexto, encontramos cada vez mais mulheres que aderem a essa prática, subvertendo formas corporais hegemônicas femininas e performatizando feminilidades que se expressam em corpos musculosos, fortes, ‘rasgados’, milimetricamente definidos e cultivados. São “corpos dissonantes” (Wagner CAMARGO, 2016) que se desviam da norma e se afastam de uma identidade unívoca de mulher.

Os debates feministas encabeçados por Donna Haraway nos anos 1980 sobre a impossibilidade de se pensar um eu puro e total no contexto da revolução técnica e tecnológica agudizada no final do século passado, traz para o centro da questão a hibridização entre máquina e organismo, natural e artificial, corpo e mente, sendo a imagem do ciborgue paradigmática (HARAWAY, 2020). Enquanto produção, a corporeidade que se expressa nas identidades de gênero, de raça, assim como em outras interseccionalidades, como sexualidade, condição de deficiência e mesmo classe social, é já uma tecnologia que contesta ideais normativos ‘naturalizantes’.

No exemplo do esporte, porém, encontramos uma tensão entre tecnologia e natureza, pois não se pode esquecer que a instituição esportiva, com suas normas e regras, opera com uma visão de naturalidade, de organismo - e não de corpo, que se inscreve e se conforma na cultura, na história, na sociedade, ou seja, na linguagem, na esfera do simbólico -, e a utilização da categoria ‘sexo’ e não ‘gênero’ torna-se exemplar nesse sentido. Por outro lado, talvez nenhum corpo performatize de maneira tão singular a ideia do ciborgue como o atlético, uma vez que é por meio de técnicas e tecnologias que tais corpos são produzidos para fins de alto desempenho.

No caso das fisiculturistas, o hibridismo que constrói, desconstrói e reconstrói seus corpos hiperbólicos e suas identidades femininas atléticas se expressa nas técnicas e tecnologias que passam pelo treinamento esportivo, pela dieta, mas de forma singular, pelo uso de substâncias químicas derivadas de hormônios como a testosterona que, a partir de uma visão biológica - na qual, novamente destacamos, o esporte se baseia -, promove uma aproximação (orgânica, hormonal) com o masculino. Tal prática põe em xeque, por um lado, as fronteiras do binarismo feminino-masculino, mas também, por outro, a tradicional postura frente ao uso de esteroides nos esportes, notadamente aqueles sob os auspícios do Olimpismo, que desenvolvem uma ética contrária e condenatória a tais substâncias denominadas de doping, algo que, em nossa leitura, não deixa de expressar certo moralismo (entre tantos outros)1 do mundo esportivo/olímpico.

Tendo em conta esse contexto, chegamos ao problema norteador de nosso trabalho: como mulheres fisiculturistas conformam suas subjetividades atléticas por meio da modificação corporal extrema? Para tanto, entrevistamos três atletas selecionadas conforme seu tempo de prática e experiência em distintas categorias do esporte. As conversas foram realizadas durante a pandemia da covid-19 e, por isso, ocorreram de forma remota, via plataforma Jitsi Meet, e gravadas em áudio com dispositivo externo conforme permissão de todas as entrevistadas, possibilitando sua posterior transcrição.2 Trabalhamos com um roteiro semiestruturado, o que permitiu que outras questões fossem também exploradas, para além daquelas por nós anteriormente elaboradas e que versavam sobre histórico na modalidade, rotina de treinamento, dieta, suplementação e manipulação hormonal, competições, relações com a família, inserção das mulheres no fisiculturismo, projetos e expectativas esportivas, utilização e influência das redes sociais, feminilidade e representações de (seu) corpo no âmbito individual e social (preconceitos, erotismo, desejos, foram alguns dos mediadores para abordar tal questão).

Entendemos que o corpo cumpre papel importante no delineamento dos dispositivos de subjetivação no contemporâneo que promove um “sujeito corporificado” (Francisco ORTEGA, 2012, p. 42), notadamente no caso de atletas que levam a experiência do controle-estimulação corporal (Michel FOUCAULT, 1984) ao extremo por meio de rotinas, rituais, discursos, hábitos e, principalmente, técnicas altamente racionalizadas e milimetricamente administradas oriundas das ciências do treinamento e da nutrição. Se as técnicas representam os instrumentos e meios utilizados para transformação da natureza pela humanidade, e a tecnologia é o conjunto dessas técnicas enquanto modo de produção que organiza e difunde as relações sociais (Herbert MARCUSE, 1999), não podemos deixar de considerar também a centralidade das técnicas e das tecnologias na construção desses corpos e, consequentemente, suas imbricações nas subjetividades atléticas.

Nesse sentido, nossa análise é aqui conduzida pelas técnicas e/ou tecnologias que atuam diretamente no desenvolvimento de uma identidade esportiva das fisiculturistas pesquisadas e que organizamos da seguinte maneira: 1) treinamento (musculação); 2) alimentação (dieta); 3) química (suplementação3 e esteroides anabolizantes). Esses elementos trabalham tanto na construção corporal - de um corpo que é já tecnologia - quanto na conformação de dispositivos de subjetivação das atletas em questão, e foram aqui articulados a partir da analogia do corpo como um laboratório, ‘lugar’ de experimentos extremos e testagens constantes, alvo e produto de um processo mediado tecnologicamente, gerando um tipo de desempenho atlético, bem como um tipo de subjetividade atlética.

Breve nota sobre as fisiculturistas

Antes de tratarmos das questões analíticas, apresentamos brevemente as atletas entrevistadas que foram selecionadas considerando o tempo de prática do esporte e a categoria competitiva em que disputam. O objetivo foi reunir as experiências de fisiculturistas com padrões corporais distintos, tensionando as formas de produção desses corpos e os processos subjetivos a elas vinculados. Assim, selecionamos três atletas categorizadas como: iniciante (menos de cinco anos competindo), experiente (entre cinco e dez anos competindo) e profissional (mais de dez anos competindo e profissionalizada no esporte). São elas:4

  • - Iniciante: Renata, 29 anos, branca, de Cotia/SP, casada, mãe de um filho, representante comercial e atleta amadora de fisiculturismo na categoria Wellness. Pratica musculação desde 2008, mas iniciou nas competições em 2018 sob influência principalmente da irmã, também atleta, e do cunhado, proprietários da academia onde treina.

  • - Experiente: Nara, 40 anos, negra, do Rio de Janeiro/RJ, separada, profissional de Educação Física atuando como professora de ginástica, instrutora de musculação e personal trainer, atleta amadora de fisiculturismo na categoria Women’s Physique. Pratica musculação há quatorze anos e compete há sete, tendo iniciado na categoria Wellness.

  • - Profissional: Alice, 44 anos, branca, do Rio de Janeiro/RJ, profissional de Educação Física atuando como personal trainer, foi atleta amadora de fisiculturismo de 2005 a 2011, começando a competir profissionalmente em 2012. Pratica musculação desde os 16 anos e iniciou no esporte na categoria Wellness, passando pelas categorias Bodyfitness e Figure (as duas primeiras enquanto amadora e a terceira como profissional). Atualmente está retornando para Wellness que se profissionalizou em 2019.

Importante dizer que as competições dessa modalidade são organizadas por federações que atuam no âmbito regional, nacional e internacional, bem como no amador e no profissional. Essas associações conformam um mercado que disputa, por um lado, ganhos econômicos, notadamente com a vinculação de atletas aos seus quadros e com as próprias competições, e por outro, ganhos simbólicos no sentido de quem ‘dita as regras do jogo’, já que há diferenças nas categorias estabelecidas em cada uma delas.

Nossas entrevistadas competem em federações distintas. Nara e Alice pela International Federation of Bodybuilding and Fitness (IFBB), sendo que Alice é atleta IFBB Pro, e Renata pela NABBA/WFF (National Amateur Body-builders’ Association/World Fitness Federation), a primeira com origem nos Estados Unidos e a segunda na Inglaterra. Segundo Patrícia Lessa (2012), essas instituições figuram como as mais conhecidas e com mais filiações no mundo.

No que concerne às categorias que as fisiculturistas pesquisadas competem/competiram, temos as seguintes características principais:

  • - Wellness, categoria que abarca mulheres com membros inferiores mais trabalhados, notadamente glúteos e coxas, “porém desenvolvidos segundo a forma feminina natural, deixando o físico voluptuoso, mas que em nada lembre as atletas das outras categorias que exibem maior volume […] separação e definição entre os grupos musculares” (IFBB BRASIL, 2017). Criada no Brasil em 2005, é apresentada por nossas informantes como uma categoria com “aquele padrão brasileiro” (Renata) - talvez não à toa todas as atletas entrevistadas iniciaram nessa categoria.

  • - Bodyfitness e Figure, têm características semelhantes, porém, a primeira é amadora (IFBB) e a segunda profissional (IFBB Pro). Nesses casos os corpos devem ter um pouco mais de acento na região da caixa torácica, ombros e costas, com membros inferiores com pouco percentual de gordura e sem grandes marcações na musculatura. Avalia-se “a aparência geral do físico, tendo em conta a figura, o tônus muscular desenvolvido simetricamente, forma feminina e uma baixa quantidade de gordura corporal, assim como o cabelo, a beleza facial e o estilo pessoal de apresentação” (IFBB BRASIL, 2017).

  • - Women’s Physique, criada em 2012 depois da extinção da Bodybuilding feminina (categoria com maior volume muscular) pela IFBB - após deliberação pela diminuição de 20% de massa muscular das atletas com justificativas baseadas em preocupações estéticas e de saúde das competidoras, algo não observado entre os homens (Angelita JAEGER; Silvana GOELLNER, 2011) -, inclui mulheres com corpos com mais massa e definição muscular do que as anteriores, tanto nos membros inferiores como superiores (o formato deve se aproximar do X), “porém respeitando-se a anatomia, volume e silhueta feminina”, desenvolvendo “um físico menos musculoso, ainda atlético e esteticamente agradável, ao contrário das antigas atletas do fisiculturismo feminino, que acabaram por perder a feminilidade nos últimos anos” (IFBB BRASIL, 2017).

Já é possível ver na descrição das características corporais de cada categoria uma preocupação com a manutenção de certa feminilidade pelas atletas, apresentando uma tensão entre mulheres e corpos volumosos. O que se nota é um discurso regulador desses corpos que não devem transgredir por completo os limites que delineiam a corporeidade feminina estabelecida pelo paradigma heteronormativo. A insistência na manutenção de uma “forma” ou “silhueta feminina” e a preocupação em não “perder a feminilidade” (IFBB BRASIL, 2017) - como uma característica ‘essencial’, um a priori como que determinado geneticamente -, apontam para ideia de unidade da categoria mulheres. Como Judith Butler (2017) bem aponta, não se deve tomar as identidades de gênero como algo estável e singular, uma vez que estas são “um efeito” que se expressa em performances instituídas no tempo e no espaço “por meio de uma repetição estilizada de atos. […] Essa formulação tira a concepção do gênero do solo de um modelo substancial da identidade, deslocando-a para um outro que requer concebê-lo como uma temporalidade social constituída” (BUTLER, 2017, p. 242, grifos da autora).

Nesse sentido, um esporte como o fisiculturismo atua como instituição de legitimização e deslegitimização de corpos, notadamente femininos, tendo em conta sua aparência. Mesmo que as formas hiperbólicas objetivadas, construídas e propagadas nessa modalidade pareçam romper por completo com padrões corporais médios, percebemos que os interditos sobre as mulheres atletas persistem a partir de um discurso que, por um lado, limita o crescimento e volume muscular (para que não se perca a feminilidade) e, por outro, tenta compensar uma suposta masculinização do shape das competidoras (ao se avaliar também o cabelo, a beleza facial e o estilo pessoal).

Tendo isso em conta, apresentamos na sequência os experimentos que compõem a preparação atlética das fisiculturistas, notadamente de seus corpos, entendidos aqui como um laboratório de modelação muscular. Essas experiências assinalam para a construção, reconstrução e desconstrução das subjetividades mediadas pela técnica e pela tecnologia.

Corpo laboratório: experimentos da preparação atlética

Sabemos que o corpo e a sua consequente preparação é primordial para o esporte, à medida que se constitui como base e meio para a prática esportiva. Mas talvez em nenhum outro esporte a noção de matéria manipulável seja tão significativa como no caso do fisiculturismo, em que o corpo e sua modelação constituem o objeto e a finalidade próprios da modalidade. O corpo, nesse caso, não desempenha um conjunto de gestos técnicos a fim de saltar mais longe ou fazer mais gols, mas performatiza, em seus contornos, em sua massa, volume, veias e pele, a própria competição. O que está em jogo não é um jogo, mas sim a excelência da forma física, muscular, a partir dos parâmetros estabelecidos por cada categoria de disputa.

Enquanto construtoras de seus corpos, as fisiculturistas se submetem a experiências extremas de preparação que passam pelo treinamento, pela dieta e hidratação, assim como pela ingestão de outras substâncias, como suplementos alimentares e esteroides anabolizantes. Tudo é detalhadamente observado no processo de modelação, assim como são também seus músculos no momento da competição. Como em um laboratório, nada deve escapar ao controle constante de todas as variáveis que produzem a forma desejada.

Experimento 1: Treinamento

O treinamento se dá no espaço da academia, ou do ginásio como prefere dizer Alice, usando um termo nativo de referência ao local de construção dos corpos fisiculturistas, demarcando uma diferença e separação da musculação praticada por elas daquela praticada por não atletas. Tal separação se dá, por vezes, no tipo de academia que se frequenta. Algumas mantêm uma conformação estrutural, assim como uma filosofia (ou metodologia) mais tradicional que privilegia anilhas e pesos livres em vez de máquinas supermodernas, além de não oferecer aulas de ginástica, restringindo-se ao salão de musculação. Essas academias costumam reunir mais marombeiros, como nos disse Renata ao descrever seu local de treinamento que “tem uma pegada meio que basista,5 […] old school, […] marombeira mesmo”.

Se o corpo das atletas aqui investigadas pode ser pensado em analogia ao laboratório, a academia de musculação também participa da metáfora, pois opera como instituição que tem legitimidade na produção de corpos com formas musculares avantajadas. Nesse local, há uma produção, circulação e consumo de saberes especializados que têm por base, por um lado, o conhecimento científico - notadamente preceitos fisiológicos e bioquímicos que se relacionam com a teoria do treinamento e preparação física e da nutrição - e por outro, experiências individuais de praticantes de fisiculturismo. Há nessa equação uma espécie de negociação entre aquilo que é universal (ciência) e o que é particular (experiência), conformando discursos e práticas socializadas e validadas nesse contexto. Assim como ocorre no fazer científico laboratorial, em que os enunciados ali produzidos necessitam da comunidade científica para legitimá-los, conferindo credibilidade ao cientista (Bruno LATOUR; Steve WOOLGAR, 1997), na academia de musculação a produção é materializada nas formas musculares e a credibilidade é dada igualmente pelo corpo hiperbólico de quem testou e comprovou os resultados, que incorporou tecnologias na busca do shape desejado.

O espaço da academia é também aquele que faz o corte entre atletas da forma e neófitos (César SABINO, 2000), que se afastam não apenas na finalidade do trabalho de modelação muscular, mas principalmente na distinção simbólica entre fisiculturistas e demais adeptos da musculação. O fisiculturismo é uma outra prática, como nos disse Alice, ou ainda, um outro nível que objetiva o esgarçamento dos limites. Dizia ela sobre seu treinamento:

Ele [treinador] me treinava quando eu estava com fome, quando eu estava cansada, quando eu estava com sono. Às vezes, do nada, entre uma aula e outra [de personal trainer], ele: “Cara, bota a roupa, vam’bora treinar pose!”. Eu: “Ah, mas tá na hora de comer!”. “Vamos treinar pose agora, com fome, sem comer, vamos treinar pose!”. […] O fisiculturismo te leva além do seu limite. Esquece, quem pensa em limite não pensou em fisiculturismo! Eu falo que existe o livro, todo mundo vai até a página 1 que é a musculação, virou 2 é bodybuilding, meu amor! Agora, para chegar na página 2 já eliminou noventa e nove. Só um vai virar essa página. Musculação é uma coisa, bodybuilding é outra! […] É um outro nível, não é porque é outra coisa não, é outro nível, não dá! (Alice).

Vemos nesse relato a dureza do cotidiano de preparação das fisiculturistas que lidam com a permanente necessidade de superar a fadiga, a fome, o desânimo, a dor e qualquer outro tipo de interveniente que possa prejudicar seu desempenho. Como acontece em todo treinamento de tipo esportivo, o controle e domínio do corpo, de suas paixões e vontades, é premissa primeira para sua realização, tendo em vista que faz parte dessa técnica levar o corpo muito próximo ao limite por meio de estresse sistemático e contínuo que visa adaptações morfofisiológicas no organismo. Em certo sentido, o treinamento é uma produção de enfermidade com objetivo de fortalecimento e, nesse contexto, a dor e o sofrimento tornam-se constantes companhias das atletas, e são encaradas como preço a ser pago para seu desenvolvimento atlético, “devendo, por este motivo, ser ignorada[s], suportada[s], às vezes transformada[s] em fonte de gozo” (Michelle GONÇALVES; Fabiana TURELLI; Alexandre VAZ, 2012, p. 146).

Durante as entrevistas não houve menção às dores e possíveis incômodos oriundos dos exercícios físicos repetitivos e intensos que compõem suas rotinas de treinamento. Ao contrário, se remetiam à musculação sempre com um discurso positivo, indicando ser esse um momento de prazer em seu cotidiano. Entretanto, por conta das exigências das respectivas categorias, muitas vezes é necessário submeter preferências pessoais às normativas esportivas.

Por exemplo, Renata, por ser atleta Wellness, precisa dar ênfase aos membros inferiores e diminuir a carga nos superiores, mesmo gostando de exercitar esses grupos musculares:

peitoral eu faço de teimosia, mas eu tenho que dar uma segurada. Bíceps e tríceps que eu amava treinar pesado eu tive que tirar também […] eu precisei me adequar à categoria […] tenho que trabalhar mais inferiores, perna, glúteo, posterior.

Já Alice, quando passou para categoria Bodyfitness e depois Figure, precisou fazer o movimento oposto, deixando os inferiores em segundo plano (que já eram muito desenvolvidos por ter sido Wellness anteriormente) e investindo com afinco nos superiores. Durante uma de suas preparações, ficou meses sem realizar treinamento de pernas e glúteo, o que poderia parecer uma tortura:

Você imagina falar para uma mulher que durante um ano ela não vai fazer agachamento livre, nem leg [press], e uma preparação inteira sem fazer um exercício para membro inferior, nenhum, nenhum, nenhum! [risos].

Nara teve um processo semelhante à Alice em sua passagem de Wellness para Women’s Physique. Por conta de mudanças em seu corpo e por ter membros superiores cada vez mais desenvolvidos (algo que se deu, em sua interpretação, devido ao seu trabalho de anos como faxineira na academia que treinava e que hoje atua como profissional de Educação Física e gerente),6 se viu obrigada a migrar para outra categoria, mas um tanto a contragosto, algo que, segundo ela, ainda não está completamente aceito. Essa não aceitação tem relação, justamente, com a forma corporal das atletas Women’s Physique, que são mais “brutas”, nas suas palavras. Por isso, ao treinar membros superiores agora com mais frequência e intensidade, Nara diz que o faz “devagarzinho, devagarzinho para eu não me assustar comigo mesma”.

Aqui vemos que, por um lado, as atletas precisam aceitar as regras do jogo e treinar conforme as normas do esporte, abdicando da realização de exercícios que gostam em nome de um melhor desempenho nos palcos, o que denota novamente a necessidade de domínio não só das dores e cansaços, mas também daquilo que é prazeroso. Por outro lado, percebemos uma questão que perpassa os estereótipos de gênero, notadamente com a forma corporal ‘condizente’ com as mulheres, que ‘devem’ ter pernas e glúteos mais desenvolvidos, em detrimento de braços e peitoral (que indicariam uma forma mais masculina).

Mais uma vez encontramos um discurso normativo que estabiliza as identidades a partir da matriz heterossexual, conformando gêneros inteligíveis, aqueles que apresentam certa “coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática sexual e desejo” (BUTLER, 2017, p. 43). Nesse contexto, os supostos atributos femininos são restritos e exclusivos das mulheres e devem ser por elas valorizados, enquanto que uma aproximação do masculino representa uma transgressão e dissonância a ser combatida. Já vimos como o regulamento do fisiculturismo lida com essa questão, numa tentativa de dirimir possíveis efeitos masculinizantes do esporte, algo que aparece também na fala das atletas, notadamente de Nara, quando revela seu medo em ficar bruta, em se aproximar de uma corporeidade limítrofe a partir de uma concepção binária.

Vale dizer que o próprio espaço da academia tende a demarcar os lugares, as técnicas e, em última análise, os formatos corporais desejáveis por mulheres e homens, algo que César Sabino (2000, p. 66) chamou de “divisão sexual do trabalho muscular” - ou diríamos, uma divisão generificada da modelação corporal. Em sua longa etnografia em academias de musculação do Rio de Janeiro, verificou que esses ambientes são ocupados de maneiras distintas por mulheres e homens, determinados pelos grupamentos musculares que se pretende desenvolver considerando as “representações de masculinidade e feminilidade presentes no campo” (SABINO, 2000, p. 66): membros inferiores no caso delas, superiores no deles.

Para as fisiculturistas os parâmetros e modelos corporais são diferentes do praticante médio de musculação, trabalhando disciplinadamente para construir um corpo de formas hiperbólicas que, muitas vezes, não agrada aos olhos dos não adeptos do esporte. Entretanto, vemos nas falas das atletas que há um discurso modelar que conforma o imaginário social do que seria mais feminino ou mais masculino, mesmo no caso das mulheres que extrapolam a normatividade dos corpos frágeis.

No contexto das fisiculturistas, nos parece que as dissonâncias dos corpos tecnologicamente fabricados geram aversão (dos estrangeiros ao campo, mas algumas vezes também dos nativos, como visto em Nara) ao mesmo tempo que delineiam resistências ao se ter/ser o corpo que se quer. Se o corpo não é um dado neutro e pré-subjetivo (pré-linguístico), mas um “conjunto de fronteiras, individuais e sociais, politicamente significadas e mantidas” (BUTLER, 2017, p. 70), a corporeidade das mulheres por nós pesquisadas parecem performatizar subversões aos significados do gênero, processo que se dá, porém, não sem fraturas e tensões.

Retornado às questões de prazer e/ou desprazer no treinamento, Renata foi a única que citou dificuldades na realização das sessões de cardio, já que, segundo ela, ainda não era suficientemente regrada para praticar tais exercícios diariamente como a maioria das atletas fazem, entretanto, estava se “policiando para isso”. Enquanto competidora iniciante, revela os obstáculos no disciplinamento necessário à modelação corporal esportiva por meio de uma confissão de culpa, seguida de penitência imposta por ela mesma: corrigir o erro e praticar os exercícios corretamente, mostrando que os controles são incorporados pelas fisiculturistas sem a vigilância de terceiros.

A atleta parece exemplificar, no microcosmo do fisiculturismo, o processo de inversão, o que poderia ser lido como uma ressignificação do controle corporal na passagem do modelo disciplinar para o que Paul Preciado (2018) denominou de sociedade farmacopornográfica. Se no primeiro o olhar era externo (FOUCAULT, 1984), na segunda as técnicas de controle e de poder são internalizadas, incorporadas, somatizadas, resultando em ‘somatotécnicas’, uma corporeidade fabricada pela tecnologia. Preciado coloca a questão em termos de uma tecnopolítica que, podemos pensar aqui, se expressa também no contexto esportivo, enquanto fenômeno social exemplar de uma educação do corpo no contemporâneo, com seus modelos, normas, discursos e técnicas amplamente divulgados e socializados como positivos, tanto para a saúde, quanto para a estética e/ou para a ética dos praticantes.

Renata aponta que se tornar uma pessoa regrada é um passo crucial na vida atlética e, no caso das fisiculturistas entrevistadas, é fundamental, pois seu trabalho de preparação é muito solitário. As trocas de informação se dão, na maior parte das vezes, entre a própria comunidade de fisiculturistas, não apenas no que concerne aos treinos, mas também às dietas, suplementação e esteroides. Apenas Alice, enquanto atleta profissional, tem um treinador que a acompanha em todo o processo de preparação; Renata e Nara trabalham a partir de conhecimentos adquiridos de experiências pregressas, estudos e conversas com colegas de esporte, no contexto de consumo, produção e circulação de saberes e práticas que têm o corpo como lócus.

Como em um laboratório, vão realizando testagens e experimentos - quase sempre extremos - com/em seus corpos, incorporando o que funciona e descartando o que não funciona nas respectivas rotinas. Muitas vezes essas experiências se baseiam em tentativa e erro, notadamente no início da carreira quando ainda não têm autonomia e conhecimento suficientes para gerir sua própria preparação: “Acabei seguindo a orientação de um cara que hoje em dia eu vejo que ele quase me matou! [risos] Mas é, a gente sem conhecimento…” (Nara). Por isso, conhecer seu próprio corpo e como este reage às técnicas de preparação fisiculturista é crucial para as atletas, é a busca pelo domínio total e completo. E o poder de construírem sua corporeidade da maneira como bem entenderem.

Experimento 2: Alimentação

O processo de construção muscular incorpora outras técnicas, discursos, saberes e práticas além daqueles inscritos no âmbito do treinamento, e a dieta é mais um dos pontos fulcrais, segundo nossas entrevistadas, na produção do corpo fisiculturista.

Sabemos que o vínculo que estabelecemos com a comida é cultural, a alimentação não obedece apenas à satisfação biológica de ingerir calorias e nutrientes necessários à manutenção da vida. Comer tem distintos sentidos, notadamente no que diz respeito ao como, quando, onde e o que se consome. Nesse cenário, os desejos têm lugar de destaque, ao expressarem os apetites de cada indivíduo e não simplesmente a fome (César SABINO; Madel LUZ; Maria Cláudia CARVALHO, 2010).

No caso das fisiculturistas, a alimentação, ou melhor, a dieta, é constantemente controlada como mais um elemento da engenharia de produção dos corpos musculosos. Observamos que a comida ocupa um tempo relevante no cotidiano das atletas, tanto no consumo, quanto na preparação. Todas relataram fazer, em média, seis refeições ao dia, além da ingestão constante de água.

Para se manter na dieta corretamente, as fisiculturistas reservam um lugar na agenda para o preparo das marmitas que são produzidas, geralmente, aos finais de semana e contemplam grandes quantidades de proteína animal, como carnes e ovos. As porções são matematizadas, cuidando com as relações entre proteína e carboidrato (açúcar e gordura são praticamente extintos), como nos diz Renata: “Eu procuro fazer 2 g de peso corporal de proteína, o carbo [carboidrato] eu não tiro, mas eu sempre estou mantendo ali embaixo, tipo 100 g [por dia]”. Os alimentos tendem a ser cozidos sem adição de sal ou tempero, preservando sua ‘naturalidade’ o máximo possível.

As formas de se alimentar ganham também outros contornos na vida dessas atletas, e a marmita é a companheira indispensável da rotina de trabalho/treino, como diz Alice, “Eu saio de casa cheia de pote, não sei sair sem minhas comidas”, assim como de situações excepcionais, como encontros sociais: “Ia para o shopping, levava marmita, todo mundo comendo Bob’s, Habib’s e eu lá comendo batata doce” (Nara). Além disso, a necessidade de comer na hora exata e em porções corretas, faz com que o ritual da alimentação de sentar-se à mesa com pratos e talheres para saborear uma refeição quente de maneira confortável seja ressignificado. Essa prática que compõe a rotina da população média brasileira, é um luxo para as atletas:

Para mim essa quarentena é um luxo, comer sentada e comida quente… Que eu só como em pé e comida gelada. Comida quente eu não sei o que é isso há tantos anos! Cansei de comer arroz gelado, frango duro, seco… Ovo gelado… (Alice).

Nesses discursos vamos encontrando novos sentidos para o alimento e para o ato de alimentar-se, etapa importante da modelação corporal. Uma primeira questão diz respeito ao “processo de racionalização da dieta” (Amanda ARAÚJO; Alexandre VAZ; Jaison BASSANI, 2018, p. 966) em que tudo que é ingerido deve ser cuidadosamente medido e balanceado, as porções fracionadas com quantidades corretas a serem consumidas. Ainda nessa esteira, a redução da comida a seus nutrientes (notadamente proteína e carboidrato), substituindo, inclusive, os nomes dos alimentos (ARAÚJO; VAZ; BASSANI, 2018), faz do ato de comer mera ingestão nutricional, manutenção orgânica da vida e do shape musculoso. A segunda refere-se às maneiras de se relacionar com a comida elaboradas por cada uma das atletas, considerando os sentidos de prazer e desprazer por elas conferidos às práticas comensais.

Renata foi quem apontou maiores dificuldades em manter controle sobre a dieta. Reiteradamente afirmou que a alimentação era um dos pontos negativos em sua preparação, sendo, ademais, um dos motivos de demora de sua inserção nas competições, já que a musculação compunha sua rotina há anos. Também aqui Renata demonstrou culpa (como no caso das sessões de cardio) ao dizer que “deu uma vacilada em relação ao foco alimentar” e que assume ser esse seu ponto fraco, que necessita de amadurecimento. Abrir mão de alguns alimentos, como carboidratos, por exemplo, é um problema, assim como conseguir ingerir a quantidade diária de calorias necessária para o ganho muscular que, para ela, é muito elevada.

Nara coloca o tema da dieta em outros termos, parecendo equilibrar melhor os momentos de controle com aqueles de saborear alimentos que não fazem parte de seu cardápio atlético. Enquanto afirma que vive de “arroz, aveia, brócolis, frango e muito, muito ovo”, também assinala que “toda quarta e todo sábado eu como uma pizza, como um hambúrguer, como a comida da minha irmã”, algo que muda apenas no momento pré-competitivo (pre-contest). A partir de sua maior experiência, Nara consegue balancear permissões e restrições alimentares no processo de construção corporal para o esporte.

Já Alice apresenta a questão por outro prisma. Primeiro, defende que sua alimentação é saudável e que só realiza dieta no pre-contest, quando não pode fazer nenhum tipo de substituição de um alimento por outro. Chama também atenção o fato de parecer manter certa indiferença em relação ao tema da comida, quando diz que cozinha “tudo na água, não me preocupo com nada, não faço questão de nada” na cocção dos alimentos. Ou ainda ao afirmar que não cansa das restrições e que é feliz desse jeito, comendo “ovo o dia inteiro, se deixar”.

Essas passagens assinalam formas de prazer e desprazer com a comida que passam pelas dificuldades, culpa, restrições, permissões e mesmo indiferença que variam, nas fisiculturistas entrevistadas, conforme o nível de experiência e tempo de prática do esporte. É possível que uma maior adaptabilidade ao fisiculturismo resulte também num maior distanciamento da dimensão prazerosa dos alimentos (SABINO; LUZ; CARVALHO, 2010), na incorporação de um comportamento ascético apartado das tentações culinárias (ARAÚJO; VAZ; BASSANI, 2018).

A metáfora laboratorial cabe também aqui, pois as distintas fases da preparação atlética exigem mudanças radicais e constantes na alimentação, tendo em vista os objetivos de cada etapa. Novamente o corpo passa por experimentos extremos de ‘aumento’ e de ‘secagem’, denominados de bulking (nomeados pelas atletas de off, pois se refere ao momento não competitivo, off-season) e cutting (chamado por elas de cut, momento do pre-contest). Segundo nos explicou Renata, há também uma ciência na relação entre ambas, já que o off é

a fase que a gente vai comer um pouco mais para ganhar um pouco mais de volume, porque na hora que a gente entra em cut, que é a fase de secar, a gente começa a definhar e aí seu músculo está maior.

Durante o off as atletas ingerem uma quantidade maior de calorias para ganho de volume muscular e aproveitam para treinar com mais ênfase os grupamentos observados nas respectivas categorias e/ou aqueles que consideram seus pontos fracos para a competição. Nesses momentos costumam ficar maiores e mais pesadas, o que causaria estranhamento àqueles não praticantes do esporte, segundo nos disse Alice, considerando-as demasiadamente fortes. Já no cut, o que ocorre é a redução da gordura e a definição muscular, fase em que ficam com o corpo bem desenhado. Nessa etapa os não nativos estranham a ‘secagem’, notadamente as veias marcadas, como apontou Renata, resultantes da baixa quantidade de gordura entre a pele e os músculos. Nota-se que seus corpos estão sempre causando algum tipo de impacto, tornando-se alvos de estigma social por se afastarem da normatividade (Rafael MATTOS et al., 2019). Corpos de mulheres que constantemente transgridem e desestabilizam os modelos de gênero que não passam de “ficções somatopolíticas incorporadas” (PRECIADO, 2018, p. 167).

O importante nesses momentos preparatórios é observar as maneiras de administrar os extremos, tanto de excessos quanto de faltas. Muitas vezes atletas aproveitam o off para comer de forma desregrada, sacrificando-se ainda mais no cut.

Tem gente que faz aquele off sujo, vai comer todo dia pão, come isso, come aquilo, mas aí na hora de secar, a hora que chegar a fase de cut, ele vai sofrer mais. E não deixa de ser um efeito sanfona, porque você está assim [mostra com as mãos algo grande] e você vai ter que fazer assim [mostra com as mãos algo menor]. E é muito rápido. Então às vezes você pode secar de um jeito flat, aquela coisa com flacidez, ou não secar com aquela qualidade que deveria. […] Eu procuro fazer um off mais limpo. (Renata).

Esse relato mostra como pode ser tensa a preparação das fisiculturistas no que concerne à dieta, mais um exemplo de experimentos extremos que colocam o corpo à prova no esgarçamento de seus limites. Nessa gestão do próprio corpo é preciso se atentar à ingestão (e digestão) dando preferência aos alimentos ‘limpos’, condizentes com uma dieta equilibrada e, por isso, moralmente aceitáveis, em detrimento dos ‘sujos’, aqueles fora do padrão dietético atlético que, se consumidos, expressam um comportamento em certo sentido imoral (SABINO; LUZ; CARVALHO, 2010).

Experimento 3: Química

Talvez nenhuma das experiências anteriores exemplifique de modo tão singular a metáfora do corpo laboratório, enquanto ‘lugar’ de manipulação técnica especializada dos processos fisiológicos e bioquímicos, como a ingestão voluntária de substâncias ‘artificialmente produzidas’, como os suplementos alimentares e os esteroides anabolizantes androgênicos.

No caso dos primeiros, sua utilização se justifica como complementar à dieta restrita e, muitas vezes, monótona, das atletas. Tais substâncias auxiliam também no aporte de macronutrientes oriundos da alimentação. Todas as fisiculturistas entrevistadas relataram o uso de suplementação, assim como de vitaminas em suas rotinas para suprir as necessidades nutricionais que muitas vezes ficam prejudicadas devido aos cardápios pouco variados.

Entre os produtos mais consumidos está o whey protein, proteína de elevado poder biológico, derivada do soro do leite, mas outros suplementos proteicos foram também citados pelas atletas, como a glutamina, aminoácido livre e mais abundante no tecido muscular, e o BCAA (branched-chain amino acids), cadeia formada por três aminoácidos que não são produzidos pelo organismo humano (leucina, isoleucina e valina). A ingesta dessas substâncias objetiva garantir o aporte de aminoácidos a serem utilizados na síntese proteica e, consequentemente, no processo de construção da musculatura. Ainda no conjunto de aminoácidos citados temos a creatina, presente nas fibras musculares e no cérebro, que auxilia no aumento de força muscular e no rendimento nos treinos, e os blends, misto de suplementos proteicos que combinam proteínas de alta e baixa ação biológica, que são mais baratos e menos ‘puros’.

A utilização de suplementação exemplifica mais uma vez a racionalização da alimentação que, nesse caso, dissocia-se completamente do sentido e do ato de alimentar-se. O consumo de tais substâncias na forma de pós, pílulas ou líquidos variados, expressam “o desmembramento científico das cadeias de proteína”, promovendo uma maior e melhor “absorção de estruturas químicas cujo objetivo é ampliar a massa muscular e reduzir a porcentagem de gordura” (SABINO; LUZ; CARVALHO, 2010, p. 354) para o alcance do corpo desejado para os palcos.

Apesar de nossas atletas defenderem o uso de tais produtos associados sempre à dieta equilibrada, e nunca como substitutos da comida, talvez não seja sem sentido ponderar que tal prática influencia também nas formas de lidar com a alimentação no mundo fisiculturista, visto que se resume cada vez mais a elementos químicos, produzindo a perda de seu caráter simbólico e cultural. Além disso, perpetua uma subjetividade tecnificada que calcula todos os nutrientes e calorias que entram e saem do corpo, ignorando a dimensão sensível e prazerosa no contato com os alimentos.

Não deixa de configurar certa ironia que se pense nessas substâncias também em termos de ‘pureza’ (os blends são exemplares), já que são todas isoladas e sintetizadas tecnologicamente em laboratórios farmacêuticos que depois retornam ao corpo humano como produtos comercializáveis que prometem nutrir o organismo com aquilo que lhe falta: mais uma dose de tecnologia. Esse processo parece indicar o que Preciado denominou de regime farmacopornográfico, em que a ciência se torna uma tecnociência com seus discursos e práticas que produzem a corporeidade contemporânea a partir da gestão de “substâncias químicas e moléculas comercializáveis em corpos, em biótipos humanos, em bens tecnológicos geridos pelas multinacionais farmacêuticas” (PRECIADO, 2018, p. 37). No contexto das fisiculturistas, esse consumo faz parte da engenharia de modelação corporal que se estabelece na tensão entre natureza e tecnologia, pureza e hibridismo, se materializando em corpos hiperbólicos, cientificizados, tecnológicos, laboratoriais.

Entretanto, além dos suplementos, o corpo laboratório incorpora outras químicas, notadamente esteroides anabolizantes androgênicos (EAA). Tais substâncias são comumente utilizadas por atletas de fisiculturismo com objetivo de favorecer a síntese proteica, contribuindo para o aumento de massa muscular em momentos de elevada ingestão calórica (off) e também para evitar o catabolismo que acarreta a indesejada perda de massa muscular, em períodos de restrição calórica (cut).

O tema dos EAA não é ponto pacífico entre as atletas entrevistadas, mas também não é um tabu, tendo em vista que foi possível conversar sem constrangimentos sobre o assunto com todas as fisiculturistas, o que parece conotar uma ética distinta, no que concerne ao uso de hormônios que incrementam a forma física e auxiliam no desempenho, daquela encontrada nos esportes olímpicos, por exemplo, que mantêm um discurso conservador e punitivo à utilização de tais substâncias, numa tentativa de reafirmar a ‘pureza’ esportiva (Viviane SILVEIRA; Alexandre VAZ, 2014).

Alice foi a única a declarar não usar nenhum tipo de hormônio sintético na sua preparação, algo que, segundo ela, causa incredulidade geral, indicando um senso comum de que fisiculturistas utilizam sempre EAA e que só é possível alcançar tal forma física por meio dessas substâncias (Jorge IRIART; Tarcísio ANDRADE, 2002). Sua posição contrária ao uso parece se basear numa questão de saúde, ao afirmar que o “rebote”, os efeitos colaterais, são um preço muito alto a ser pago, por isso prefere manter-se apenas na dieta, treino e suplementação, num processo de “construção atlética” e não de “montagem”.

Quando eu conheci o [treinador] ele falou assim: “Eu não sei se você usa alguma coisa, mas se você usa pode parar agora! […] Eu vou construir uma atleta, não vou montar uma atleta.” Então eu tenho um lastro fisiológico de treino que foi construído no ginásio. Eu não sou uma atleta montada. Também, de novo, nada contra quem faça, mas eu me assusto com atletas […] [que] sacam da bolsa um saco de farmácia […]. São atletas que funcionam à base de remédio. (Alice).

Apesar de, aparentemente, não ter nenhum problema moral em relação ao uso dos esteroides, Alice coloca uma questão distintiva entre atletas que utilizam e que não utilizam os medicamentos. Quem opta por não os usar sofre mais na preparação, mas também pode ter mais longevidade no esporte, como é seu caso. Além disso, há uma diferença entre ‘construir’ e ‘montar’, em que o primeiro termo parece indicar algo mais sólido, desenvolvido desde a base, da fundação, e por isso também mais difícil de destruir, enquanto que o segundo sugere um pouco mais de fragilidade, como um amontoado de peças externas que, somadas, formam um todo que pode desmoronar mais facilmente. Talvez a atleta ‘construída’ possa ser pensada analogamente ao processo de produção artesanal, de trabalho mais lento e personalizado (no sentido de ter as marcas daquele que produz), e a ‘montada’ ao industrial, do labor que obedece à urgência da produção sob os auspícios da alienação daquilo que é produzido (no caso, seu próprio corpo).

Renata e Nara, por sua vez, apresentaram outros sentidos e usos dos EAA durante a preparação. Enquanto adeptas, indicaram que é esse mais um recurso disponível na construção do shape perfeito, assim como os equipamentos de musculação, os alimentos e suplementos. A quantidade e os tipos de medicamentos utilizados por elas parecem variar conforme o tempo de prática e a categoria competitiva. Renata, com menos experiência de palco, afirmou ter tomado oxandrolona e boldenona no processo de preparação atlética, mas sem nenhum acompanhamento médico e com pouco cuidado no que concerne à periodização, o que, segundo ela, causa um pouco de medo, mas não a impede de seguir com essas substâncias.

Nara, por sua vez, já aparenta ter mais trânsito entre os “venenos”, como ela chama os hormônios, provavelmente por conta de seu tempo maior de prática esportiva. O fato de competir atualmente em uma categoria de volume muscular mais elevado, também contribui para utilização de substâncias com maior potencial anabólico.

Quando eu era Wellness, eu usava muito Estanozolol, usava pré-hormonal para crescer, mas o pré-hormonal não crescia muito, era muito magrinha, e tem gente que acha que pré-hormonal é maluquice: “Tu é louca, pré-hormonal, nada a ver! Toma Masteron.” […] Quando eu era Wellness não ficava usando hormônio direto. Ah, vou competir daqui a três meses, começava a preparação. Quando faltava um mês e meio, entrava com os venenos. Agora que eu sou Women’s Physique, ficar maior, ficar grande, eu comecei a pesar outras coisas, mais a longo prazo, mais tempo usando, comecei a experimentar outras coisas. Procurei pesquisar, li… Usei um negócio bom pra caraca! Gostei à beça! [risos] E vou usar de novo!

Aqui vemos os distintos testes para alcançar o objetivo desejado, todos feitos também sem prescrição médica - apesar de Nara fazer exames frequentes, segundo ela - e com indicações vindas de dentro do próprio campo. Um fato interessante é que Nara afirmou ter feito um curso de farmacologia online para auxiliar nessa parte de sua preparação, criando um domínio ainda maior sobre a construção de seu corpo. Em nenhum momento indicou ter medo de usar tais fármacos, defendendo sempre a importância do conhecimento de todos os processos preparatórios.

As químicas citadas por nossas atletas, são medicamentos derivados da molécula de testosterona e facilmente encontrados nas farmácias. Apenas a boldenona, que é um EAA desenvolvido para uso veterinário, não é comercializado para consumo humano e, no entanto, é amplamente utilizado no meio do fisiculturismo. Novamente nos deparamos com o hibridismo de natureza e tecnologia produzindo um corpo que materializa a simbiose humano-máquina-animal, um corpo que é já aparato, que estabelece não apenas tecnologias de gênero e de outras interseccionalidades identitárias, mas também uma corporeidade esportiva expressa em uma subjetividade tecnificada, competitiva, de desempenho, de superação de limites.

Vale destacar que os fármacos citados pelas atletas, ao mesmo tempo que têm um grande potencial anabólico, têm também elevado potencial androgênico, desenvolvem ou acentuam características orgânicas masculinas, como engrossamento da voz, calvície, engrossamento ou aumento de pelos no corpo, hipertrofia clitoriana, entre outros. Tais efeitos colaterais são uma preocupação para as fisiculturistas, pois modificam a materialidade que performatiza o gênero, o próprio corpo. Porém, se, como vimos, é preciso ter beleza facial e silhueta feminina para exibir nas competições, o aparecimento excessivo de acne ou de pelos faciais, por exemplo, são pontos que contam contra as atletas Sendo assim, muitas mulheres fisiculturistas optam por esteroides que contenham baixo ou moderado potencial anabólico, buscando efeitos androgênicos menos potentes, como é o caso dos citados por nossas entrevistadas, e os manipulam de maneira periodizada, pois o uso contínuo também amplifica os efeitos indesejados.

Ainda na esteira da problemática da virilização ou masculinização das atletas, encontramos o tema do doping. Silveira e Vaz (2014) mostram como o doping feminino torna-se um problema no esporte, não apenas pela quebra da igualdade formal de chances entre as competidoras, mas também pela desfeminização desses corpos, o que põe em xeque o que Butler (2017) denomina de matriz heterossexual sexo-gênero-sexualidade.

No caso do fisiculturismo, por não ser considerado um esporte de performance (desempenho), mas sim de apresentação estética, o controle antidoping é praticamente inexistente, o que significa que não há proibição quanto à ingesta de esteroides anabolizantes, como ocorre em outros esportes. Entretanto, seu uso necessita ser bem controlado, pois não é incomum que atletas com características virilizantes exageradas percam pontos em suas apresentações, por não apresentarem a ‘melhor estética’, conforme orientações das federações.

Talvez as normativas das categorias competitivas em relação à aparência ‘testosteronada’ das atletas, visível nos efeitos colaterais, indiquem a fronteira política para o uso do hormônio pelas mulheres no fisiculturismo. Mesmo não sendo uma substância proibida, seu consumo deve ser controlado, mantendo, de certa forma, os efeitos da testosterona como “prioridade exclusiva dos homens cis” (PRECIADO, 2018, p. 152).

Considerações finais

Ao nos perguntarmos sobre as formas de subjetivação de mulheres fisiculturistas, encontramos um conjunto de técnicas que atuam diretamente na modificação corporal e acabam também por desenvolver uma identidade esportiva específica. Tomando o corpo em analogia a um laboratório, enquanto ‘lugar’ de experimentos extremos e testagens constantes, de produção e circulação de saberes e práticas, vimos como essas atletas conformam subjetividades tecnificadas e experimentais por meio da manipulação racionalizada do treinamento, da alimentação e do uso de substâncias químicas.

Nesse processo, os limites corporais são esgarçados, seja em sua dimensão orgânica, ao colocar à prova adaptações morfofisiológicas e bioquímicas, seja simbólica, notadamente ao promover fissuras nos estereótipos de gênero. Enquanto prática permeada de excessos, notadamente no que diz respeito às manipulações e modificações corporais, o fisiculturismo conforma e perpetua subjetividades disciplinadas, afeitas a altos níveis de controle e restrições, que mistura doses de narcisismo à autoestima elevada.

Percebemos que, mesmo nessa prática em que mulheres rompem com padrões normativos de feminilidade, os controles institucionais seguem atuando sobre seus corpos, numa tentativa esportiva de manter identidades estáveis, investindo na “manutenção da ordem de gênero, tendendo a uma indistinção em favor do máximo rendimento, ainda que a performance inclua um conjunto de expectativas sobre feminilidade e masculinidade” (SILVEIRA; VAZ, 2014, p. 471).

Por outro lado, as mulheres participantes dessa pesquisa demonstraram um ego quase inabalável, seguro de suas escolhas e decisões, mesmo que estas estejam em desacordo com o gosto e senso comuns. Seu ‘estilo de vida’ - como entendem o fisiculturismo -, bem como as formas de construírem, exercerem e performatizarem sua corporeidade, e consequentemente o gênero, expressam o poder sobre si mesmas, gerenciando seus desejos e projetos da maneira que lhes convêm. Nesse quadro, o conhecimento sobre seus corpos e as experiências infinitas com seus corpos cumprem papel decisivo, resultando numa expertise que anuncia: “Na teoria, eu sou minha prática!” (Alice).

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1A história do esporte moderno é marcada pelo moralismo que expressa o preconceito e muitas vezes a exclusão de praticantes por conta de sua classe social, sua raça, seu gênero, sua condição de deficiência, sua orientação sexual etc. Compõe ainda esse quadro a manipulação ‘antinatural’ do corpo por meio do doping, o que configuraria uma atitude antidesportiva, um jogo sujo, levando, inclusive, ao banimento da modalidade.

2Agradecemos a Marco Antônio Souza Dias Junior (PIBIC/UFRJ) pela transcrição das entrevistas.

3Os suplementos não são, stricto sensu, substâncias químicas, mas alimentos processados. Entretanto, nosso argumento vai na direção da tecnologização desses ‘alimentos’ e sua redução à química dos macronutrientes.

4Todos os nomes foram alterados preservando a identidade das mulheres entrevistadas, tendo em vista os preceitos da ética em pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais.

5‘O basismo’ objetiva a elevação de maior quantidade de peso possível no agachamento, supino e levantamento terra.

6Nara relatou questões interessantes sobre classe e raça em sua experiência atlética, algo que não teremos condições de discutir nesse trabalho por conta da limitação de espaço e de escopo.

Como citar este artigo de acordo com as normas da revista: GONÇALVES, Michelle Carreirão; COSTA, Amanda Torres Vieira da. “Corpo laboratório: experimentos de mulheres fisiculturistas”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 2, e79290, 2021.

Financiamento: Não se aplica

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 03 de Fevereiro de 2021; Aceito: 12 de Maio de 2021

michellecarreirao@fe.ufrj.br

profmandacosta@gmail.com

Michelle Carreirão Gonçalves (michellecarreirao@fe.ufrj.br) é doutora e mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), licenciada em Educação Física e bacharel em Filosofia pela UFSC. Professora do Departamento de Didática da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); pesquisadora do Laboratório de Pesquisas em Educação do Corpo (UFRJ) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC).

Amanda Torres Vieira da Costa (profmandacosta@gmail.com) é doutoranda em Ensino de Ciências e graduanda em Nutrição na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Ensino de Ciências pela UFRJ. Professora de Química e Educação Física, especialista em Treinamento de força, Fisiologia do exercício e Obesidade e emagrecimento. Servidora Técnica da UFRJ e professora da Rede Estadual de Ensino do Rio de Janeiro

Contribuição de autoria: Michelle Carreirão Gonçalves: concepção, coleta e análise de dados, elaboração do manuscrito, redação, discussão de resultados. Amanda Torres Vieira da Costa: coleta e análise de dados, elaboração do manuscrito, discussão de resultados

Conflito de interesses: Não se aplica

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