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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.29 no.2 Florianópolis maio/ago 2021  Epub 20-Jun-2021

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n279331 

Seção Temática Gênero, tecnologias e (novas) formas de subjetivação nas práticas esportivas

Expressões e corporalidades de mulheres cis e homens trans no ambiente futebolístico

Cisgender Women and Trans Male’s Expressions and Corporalities in the World of Football

Expresiones y corporalidades de mujeres cis y hombres trans en el contexto futbolístico

Mariane da Silva Pisani1 
http://orcid.org/0000-0001-6925-4912

Maurício Rodrigues Pinto2 
http://orcid.org/0000-0002-2221-4187

1Universidade Federal do Tocantins, Departamento de Antropologia, Tocantinópolis, TO, Brasil. 77900-000 - dirtocantinopolis@uft.edu.br

2Universidade de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, São Paulo, SP, Brasil. 05508-010 - ppgas@usp.br


Resumo:

Neste artigo trazemos as reflexões etnográficas de dois campos de pesquisa distintos. O objetivo é evidenciar como as estruturas machistas e LGBTfóbicas são vivenciadas por mulheres e também por homens trans durante a prática esportiva futebolística. Sabe-se que os esportes, sobretudo o futebol, são considerados campos privilegiados na produção e reiteração de expressões normativas de masculinidade, visto que tomam o homem cisgênero e heterossexual como o seu natural praticante e interlocutor. Em razão disso, o machismo e a LGBTfobia são estruturantes do campo futebolístico, uma vez que mulheres e pessoas LGBTQI+ são ainda constantemente interpeladas e veem a sua presença nesse campo ser recorrentemente questionada e até mesmo depreciada.

Palavras-chave: corpo; gênero; transexualidade; transmasculinidades; futebol

Abstract:

This article aims to show some ethnographic reflexes about two anthropological research fields. The objective is to demonstrate how machismo and LGBTphobic structures are experienced by women and by LGBTQI+ people during a football practice. We know that sports, especially football, are considered privileged fields in which exist the production and reiteration of normative expressions of masculinity. Thereat cisgender and heterosexual men are considered their practitioner and natural interlocutor. As a result, machismo and LGBTphobia are structural issues in the football field. Women and LGBTQI+ people are still questioned about their presence in this sport and are also recurrent depreciated.

Keywords: Body; Gender; Transsexuality; Transmasculinities; Football

Resumen:

En este artículo aportamos reflexiones etnográficas de dos campos de investigación distintos. El objetivo es poner de manifiesto cómo las estructuras sexistas y LGTBfóbicas son vividas por mujeres y también por los hombres trans durante la práctica del fútbol. Es sabido que los deportes, especialmente el fútbol, son considerados campos privilegiados en la producción y reiteración de las expresiones normativas de la masculinidad, ya que toman al hombre cisgénero y heterosexual como su practicante e interlocutor natural. Por ello, el machismo y la LGTBfobia son estructurales en el campo futbolístico, hasta el punto de que las mujeres y las personas LGTBQI+ siguen siendo constantemente cuestionadas y ven su presencia en este campo frecuentemente cuestionada e incluso depreciada.

Palabras clave: cuerpo; género; transexualidad; transmasculinidades; fútbol

Introdução

O corpo é o elemento central nas mais variadas modalidades esportivas e de lazer na sociedade ocidental. É a partir dele que se estabelecem trocas e sociabilidades entre os atores/atletas, bem como disputas são travadas e limites físicos superados. Sobre corpos e práticas esportivas, a antropóloga Viviane Teixeira Silveira e o educador Alexandre Fernandes Vaz trazem uma reflexão inicial que julgamos necessária para a construção do argumento que orienta este artigo. Segundo os autores:

Corpo forte, músculos potentes e avantajados são, “naturalmente”, associados aos atletas homens e quando algumas mulheres apresentam esses padrões de corpos, com características marcadamente (estereotipadas como) masculinas, o gênero e o sexo delas passam a ser questionados. (SILVEIRA; VAZ, 2014b, p. 462).

Sabe-se que no mundo esportivo, por mais que algumas mulheres possam superar os homens em diferentes aspectos - por exemplo, em potência, força, agilidade e destreza -, o corpo respeitado, almejado, legítimo e ideal para o desenvolvimento de quase todas as práticas esportivas ainda se ancora nas seguintes noções: o que é e quais elementos constituem um corpo masculino/masculinizado.

Quando as mulheres desafiam e colocam algumas dúvidas sobre tais noções, recorrentemente elas têm a sua feminilidade colocada em descrédito, assim como a sua sexualidade é questionada:

Vimos que os médicos que expressaram seus pontos de vista na mídia de massa tenderam a representar a opinião médica mais conservadora sobre questões de mulheres e esportes. Jornalistas, educadores, diretores de educação física e, mais recentemente, especialistas em fitness ajudaram a perpetuar na imprensa o mito da “perda da feminilidade” e a dicotomia entre esportes “masculinos” e “femininos” para tornar as atletas femininas não femininas, ou acusaram participantes de serem masculinos desde o início. A maioria dos profissionais médicos e educacionais exibia os mesmos preconceitos sexistas e heterossexistas, como os jornalistas, alegando que as esportistas não conformes tinham a intenção de imitar homens ou eram lésbicas. A acessibilidade desse tipo de opinião “especialista” serviu para consolidar a liderança moral dos homens brancos da classe alta. (Helen LENSKYJ, 1986, p. 55-56, tradução nossa).1

Não por acaso o esporte consolidou-se, ao longo do tempo, como um universo predominantemente masculino e importante espaço da sociabilização entre os homens. É na prática esportiva que são performatizados alguns valores e atributos próprios das noções hegemônicas de masculinidade, tais como agressividade, força, competitividade, virilidade, coragem e tolerância à dor.

Neste artigo trazemos as reflexões etnográficas dos campos de pesquisa de ambos os autores. O objetivo é evidenciar como as estruturas machistas e LGBTfóbicas são vivenciadas por mulheres cisgênero e também por pessoas LGBTQI+, mais especificamente por homens trans, durante a prática esportiva futebolística. Sabe-se que os esportes, sobretudo o futebol, são considerados campos privilegiados na produção e reiteração de expressões normativas de masculinidade. Para o antropólogo Arlei Sander Damo (2007, p. 228), o futebol no Brasil “é marcado por um arbitrário cultural que o considera próprio à homossociabilidade masculina - de um certo modelo de masculinidade, bem entendido”. Assim, o jogar bola é encarado como ‘uma competência inata’ que faria do menino/homem cisgênero e heterossexual o seu natural praticante e interlocutor.

Em razão disso, o machismo e a LGBTfobia são estruturantes do campo futebolístico, uma vez que mulheres e pessoas LGBTQI+ são ainda constantemente interpeladas e veem a sua presença nesse campo ser recorrentemente questionada e mesmo depreciada, porque supostamente não possuem os ‘atributos naturais’ para desenvolverem esse ‘dom’. Ainda assim, esses atores elaboram estratégias de resistência que os possibilitam, entre outras coisas, apropriar-se das práticas futebolísticas e, assim, tensionar tais normas reguladoras dos corpos e subjetividades que adentram tal campo, bem como ressignificar o sentido de jogar bola e pertencer a uma equipe de futebol.

Este artigo, portanto, está dividido em três partes. Na primeira, é apresentada uma parte do trabalho etnográfico desenvolvido pela antropóloga Mariane da Silva Pisani que estuda o futebol praticado por mulheres desde 2010. A autora traz algumas reflexões, a partir de dados etnográficos coletados nos últimos dez anos, que nos ajudarão a discutir como os métodos de regulação e controle do corpo das mulheres implementados por diferentes órgãos esportivos expuseram diversas atletas a constrangimentos ao longo dos séculos XX e XXI. Já na segunda parte do artigo, apresentamos o trabalho de campo desenvolvido pelo doutorando em Antropologia Social, Maurício Rodrigues Pinto. Ao trazer dados etnográficos da equipe Meninos Bons de Bola, primeiro time de futebol formado exclusivamente por homens trans do Brasil, o autor busca refletir como as trajetórias esportivas desses sujeitos estão atravessadas por situações de constrangimentos e interpelações que se dão, inclusive, em competições e jogos que têm como lema a ‘diversidade’ sexual e de gênero, vivenciando situações em que sua identidade (trans)masculina é minimizada e até mesmo negada, além de verem questionada a legitimidade da sua presença nesses espaços. Por fim, na conclusão, trazemos algumas pistas sobre como os atores de ambas as etnografias - mulheres cis e homens trans - elaboram estratégias que os possibilitam se apropriar das práticas futebolísticas, tensionando e desestabilizando as normas reguladoras dos corpos e subjetividades nesse espaço.

É preciso ressaltar, como um aviso amigável aos leitores e leitoras, que os formatos que cada autor adota para apresentar os dados etnográficos de pesquisa diferem-se. Enquanto Pisani aposta na descrição densa calcada na observação participante, Pinto utiliza-se de entrevistas e falas de seus interlocutores. Apesar dos dados de pesquisa serem apresentados a partir de perspectivas metodológicas distintas, os autores realizam diálogo entre as situações encontradas em cada campo de pesquisa, assim como entre dados etnográficos encontrados em cada campo de pesquisa e as teorias de Gênero e Sexualidade.

Mulheres esportistas e futebolistas: dois séculos de questionamentos de gênero e sexualidades

A filósofa Lindsay Pieper no livro Sex testing: gender policing in women’s sports (2016) reconstitui o histórico dos métodos de verificação do gênero que foram implementados por alguns dos principais organismos esportivos, como a World Athletics - que até o ano de 2019 era denominada Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF - International Association of Athletics Federations) - e o Comitê Olímpico Internacional (COI), responsável pela organização dos Jogos Olímpicos, principal competição poliesportiva do planeta.

Segundo Pieper (2016), desde a década de 1930 exames clínicos anatômicos passaram a ser realizados em mulheres que tinham a sua condição de mulher colocada sob suspeita. De acordo com a autora, o que fica evidente é que tais testes visavam, sobretudo, a realização de um controle da feminilidade das atletas, atingindo, assim, mulheres lidas como tendo corpos dissonantes, que não se adequavam aos padrões ocidentais de feminilidade.

Em vez de pegar homens disfarçados de mulheres, o teste evoluiu para uma medida proibitiva às mulheres olímpicas com vantagens biológicas. Em outras palavras, a comissão acabou encarando a verificação de gênero como uma ferramenta para eliminar concorrentes que consideravam fortes demais, rápidas demais, bem-sucedidas ou pouco femininas para a competição feminina (PIEPER, 2016, posição 123, tradução nossa).2

Em meio ao contexto de Guerra Fria (1947-1991) - período pós Segunda Guerra Mundial marcado por disputas geopolíticas e a polarização entre Estados Unidos e União Soviética -, acirraram-se também os ânimos no ambiente esportivo. Durante as edições dos Jogos Olímpicos realizadas naquele período, a União Soviética e outros países do Leste Europeu que compunham o bloco comunista passaram a dar maior incentivo às mulheres para que elas integrassem equipes oficiais, em diferentes modalidades esportivas, de seus respectivos países. De acordo com Pieper (2016):

Rapidamente, a União Soviética superou os Estados Unidos, em grande parte devido ao desempenho das mulheres soviéticas. Enquanto a educação física e os programas esportivos dos EUA geralmente priorizavam o treinamento dos homens, a União Soviética via as atletas como igualmente capazes, que produziam medalhas. Além disso, como o governo soviético esperava que suas mulheres se envolvessem em trabalho físico, a sociedade aceitava treinos, músculos e poder como qualidades apropriadas da feminilidade. Assim, as mulheres soviéticas se destacaram em muitos esportes, incluindo atletismo, enquanto as americanas permaneceram limitadas pelas normas de gênero ocidentais (PIEPER, 2016, posição 1.285, tradução nossa).3

Em razão do sucesso esportivo de atletas soviéticas e de outros países do Leste Europeu, no ano de 1966 o IAAF elaborou uma política que estabelecia critérios para a realização de testes para verificação da feminilidade/gênero das atletas participantes de competições regidas pela entidade. O teste de verificação inicialmente implementado foi o exame visual do corpo e da genitália de todas as competidoras do sexo feminino (PIEPER, 2016).

Para o filósofo Paul B. Preciado (2018, p. 81-82), em diálogo com a pesquisa do historiador Thomas Laqueur (2001), a “estética da diferença sexual (e racial)”, além de estabelecer uma “hierarquia política-anatômica” entre os sexos e as raças, coloca a diferença sexual “elevada a uma categoria não apenas natural, mas também transcendental”, o que faz com que corporalidades (e práticas sexuais) consideradas dissonantes das normas sexuais sejam “estudadas, registradas, perseguidas e caçadas, castigadas e curadas”:

Nesse sistema de reconhecimento, qualquer divergência corporal da norma (como tamanho e forma dos órgãos sexuais, pilosidade facial e forma e tamanho dos seios) é considerada uma monstruosidade, uma violação das leis da natureza ou uma perversão, uma violação das leis morais (PRECIADO, 2018, p. 82).

Ao longo do século XX, à medida que mulheres foram rompendo barreiras socioculturais e também no campo esportivo, foram sendo desenvolvidos, aprimorados e implementados “métodos de investigação, regulação e controle do corpo feminino” (Bárbara PIRES, 2016, p. 1). Tais métodos tinham como principais alvos as mulheres cujos corpos eram lidos como dissonantes em relação aos padrões de feminilidade ocidentais e à matriz heterossexual (Judith BUTLER, 2008).

No mesmo sentido, Silveira e Vaz (2014a) nos mostram que muitas mulheres atletas, ao apresentarem resultados e desempenhos esportivos considerados excepcionais, para além de terem a sua feminilidade questionada, muitas vezes, foram também constrangidas a comprovarem que eram mulheres heterossexuais:

O uso da etiqueta de lésbica tem servido como um ataque às mulheres atletas que possuem uma aparência física e/ou performance esportiva que fuja do padrão heteronormativo. Essas mulheres são questionadas quanto ao seu status biológico, ou seja, atletas que tenham uma performance excepcional precisam comprovar que verdadeiramente são mulheres (SILVEIRA, VAZ, 2014b, p. 456).

A partir da década de 1970, os pesquisadores Louis J. Elsas et al. (2000) nos mostram que os processos invasivos e degradantes da “naked parade” foram descartados em favor de testes genéticos em laboratório. Cabe ressaltar que de 1968 a 1998 (oito edições olímpicas em trinta anos), mais de onze mil atletas4 fizeram os exames de laboratório para comprovar sua feminilidade antes de competir e nenhum caso de fraude ou de “impostor masculino” (male impostor) foram verificados nas competições femininas. De acordo com Pieper, “as várias iterações do exame têm demonstrado uma impossibilidade de se delinear com precisão o sexo - ainda assim, o COI continuou a implementar tal controle” (PIEPER, 2016, posição 103, tradução nossa).5

No ano 2000, nos Jogos Olímpicos de Sidney e após pressão de muitas atletas, o COI decidiu suspender os testes de feminilidade. Contudo, engana-se quem pensa que essa prática intimidadora está circunscrita ao século XX da sociedade ocidental. No ano de 2009, já no século XXI, durante o Campeonato Mundial de Atletismo realizado em Berlim, Mokgadi Caster Semenya, corredora meio-fundista sul-africana, foi obrigada pela IAAF a realizar um teste de verificação da feminilidade/gênero. O argumento utilizado pela IAAF foi de que as repetidas quebras de recordes de Semenya (1.500 metros, em 25 segundos, e 800 metros, em 8 segundos) indicavam fraude e, possivelmente, altos níveis de testosterona no corpo da atleta. Os resultados dos testes nunca foram anunciados e a situação foi apontada pela mídia internacional como um caso de racismo e de grave afronta aos Direitos Humanos e à privacidade de Caster Semenya.6

No ano de 2013, a futebolista sul-coreana Park Eun-Sun também foi submetida ao teste de verificação de feminilidade/gênero, após pressão de dirigentes e técnicos de futebol sul-coreanos. À época, em postagem na rede social Facebook, após comprovação de que não era homem, Park Eun-Sun (2015) desabafou: “Dói-me o coração e é humilhante. Passei muitas vezes por exames de gênero e disputei a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos. Sei que essas pessoas estão tentando me destruir. Me esforcei muito para chegar até aqui e não me darei por vencida tão facilmente”.

Dois anos depois, no dia 6 de junho de 2015, começava a Copa do Mundo de Futebol Feminino, sediada no Canadá. Contudo, em 4 de junho de 2015, a Federação Internacional de Futebol (FIFA), responsável pela organização do evento, estabelecia uma regra que permitia que as jogadoras participantes do campeonato fossem submetidas a qualquer momento ao teste de verificação de feminilidade/gênero, caso houvesse ‘motivos e evidências’ de que alguma atleta fosse homem.

Ressalta-se que, mesmo sem os dispositivos institucionais de testagem e/ou verificação de gênero, mulheres jogadoras de futebol que perfomatizem uma feminilidade dissonante da matriz heteronormativa sofrem com ofensas e estigmas. No ano de 2014, durante minha pesquisa etnográfica para o doutorado em Antropologia Social, pude acompanhar algumas equipes e diversos campeonatos de futebol de mulheres na cidade de São Paulo. Minhas interlocutoras/parceiras de pesquisa, na época, eram - em sua grande maioria - mulheres negras, lésbicas, jovens que poderiam ser localizadas na faixa etária dos 15 aos 25 anos de idade, provenientes das classes trabalhadoras, filhas de imigrantes do Norte e Nordeste do país e moradoras dos distritos/bairros considerados periféricos na cidade paulistana (Mariane da Silva PISANI, 2018b).

Durante um dos campeonatos que pude acompanhar, deparei-me com uma jogadora que tinha os cabelos raspados, estava completamente careca. Aproximei-me dessa jogadora antes mesmo da partida iniciar, perguntando se poderia tirar uma fotografia dela, pois havia adorado o seu corte de cabelo. A experiência em campo me dizia que, provavelmente, ela seria alvo de comentários ofensivos ao longo da partida. Assim que Sofia7 entrou em campo, quatro homens se aproximaram da grade que separa a arquibancada do campo e começaram a gritar para ela: “É muito macho para ser mulher!”; “É machona!”; “Isso aí é homem!” (PISANI, 2018b). Cabelos curtos e/ou raspados, ausência de curvas voluptuosas, seios pequenos e corpos musculosos: todas essas características foram - ao longo da pesquisa de campo - apontadas de maneira negativa e pejorativa por homens que estivessem nas arquibancadas acompanhando as partidas. Dessa forma, a cena etnográfica descrita repetiu-se, infelizmente, inúmeras vezes durante o trabalho de campo. O que foi se tornando cada vez mais evidente é que: jogadoras que não apresentassem uma corporalidade ou mesmo performances consideradas femininas eram duramente assinaladas - por torcedores - como masculinizadas.

Para a filósofa Judith Butler (2008, p. 64), “o gênero é performativo porque é resultante de um regime que regula as diferenças de sexo. Nesse regime, os gêneros se dividem e se hierarquizam de forma coercitiva”. A teoria da performatividade busca compreender, portanto, como a partir da divisão e hierarquização dos gêneros, os sujeitos elaboram e constroem suas subjetividades dentro de normas pré-estabelecidas: mulheres devem seguir padrões femininos de comportamento e heterossexuais; já dos homens espera-se que correspondam a padrões masculinos de comportamento e heterossexuais. Quem, assim como a jogadora de futebol Sofia, está fora desse enquadramento das normas pode vir a sofrer consequências, na maioria das vezes, expressas na forma de ofensas e agressões verbais, mas que também podem ser físicas, como espancamentos e estupros corretivos (PISANI, 2018b). Esses últimos, sobretudo, são destinados às mulheres lésbicas que perfomatizam alguns padrões de masculinidade. Nas etnografias realizadas por Pisani já houve relatos de casos de estupro corretivo aplicado contra jogadoras lésbicas, bem como contra atletas que estavam em estágios iniciais de transição de identidade de gênero.

Homens trans em campo: meninos bons de bola e que desafiam a invisibilidade

Meninos Bons de Bola é um time amador criado no ano de 2016 pelo orientador socioeducativo Raphael Martins.8 Foi trabalhando no Centro de Referência e Defesa da Diversidade da cidade de São Paulo (CRD) e tendo maior contato com a população LGBTQI+, que ele passou a se autoidentificar como homem trans. No dia a dia, Raphael percebeu que poucos homens trans utilizavam os serviços do centro e, além disso, à época, havia pouca oferta de espaços de encontro e sociabilidade entre homens trans na cidade de São Paulo.

São-paulino, apaixonado por futebol e com passagem por divisões de base de times femininos, Raphael contou com o apoio de uma psicóloga que também trabalhava no CRD. Dessa forma, mobilizou canais de interação em redes sociais digitais dirigidos para homens trans e fez o convite para que se encontrassem em uma das quadras públicas do Parque da Juventude, situado no bairro do Carandiru, em São Paulo, para jogarem futebol. O encontro aconteceu em um domingo de manhã, dia 26 de agosto de 2016, reunindo cerca de quinze homens trans de diferentes partes da Grande São Paulo. Dessa forma, surgia o Meninos Bons de Bola - também conhecido como MBB - primeiro time de futebol formado exclusivamente por homens trans do país.

Por conta de intimidações e ameaças de violência física, motivadas principalmente pelo machismo e pela transfobia de usuários regulares daquelas quadras, o time se viu obrigado a deixar de treinar e jogar no Parque da Juventude. As dificuldades econômicas de integrantes do time dificultavam o custeio do aluguel de uma quadra onde pudessem treinar regularmente, o que fez o time circular por quadras públicas do centro de São Paulo, até finalmente conseguir um espaço permanente para a realização de treinos semanais, na quadra do Sindicato dos Bancários de São Paulo, que abrigou o grupo por quase dois anos. Até o começo de 2020, antes da pandemia de covid-19, o time estava treinando todos os domingos à tarde em uma quadra de futsal particular no bairro da Luz (região central de São Paulo), locação viabilizada por meio de uma parceria com um estabelecimento comercial alimentício da cidade de São Paulo que apoia a causa LGBTQI+.

A primeira vez que vi o MBB em quadra foi em um torneio de futebol que fez parte dos Jogos da Diversidade, evento poliesportivo que integrou o calendário da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, no ano de 2017. Nessa época ainda fazia o meu mestrado sobre experiências torcedoras contrárias ao machismo e à homofobia no futebol brasileiro (Maurício Rodrigues PINTO, 2017), quando comecei a me deparar com notícias sobre ‘times LGBT’. Considero a ida a esse evento um dos marcos iniciais da minha pesquisa de doutorado, cujo projeto foi aprovado em 2019 e a pesquisa se encontra em andamento.

Os Jogos da Diversidade tinham como inspiração competições poliesportivas internacionais LGBTQI+, tais como o Gay Games e o World Out Games (Wagner Xavier de CAMARGO, 2016).9 Além do MBB, participaram da competição de futsal masculino outros ‘times LGBT’, equipes, em sua maioria, formadas por homens cisgêneros gays que começavam a ganhar maior visibilidade pública,10 por exemplo, Bulls, Natus, Unicorns e Afronte - todos da cidade de São Paulo - e o Bees Cats, do Rio de Janeiro (RJ).11 Os jogos aconteceram em uma das quadras de futsal do complexo esportivo do Ibirapuera e, após uma derrota e um empate na fase classificatória, o MBB conseguiu a vaga para as semifinais pelo saldo de gols. Nas semifinais, o time foi derrotado pelo Bulls - equipe que se sagraria a campeã daquele torneio -, assim, tiveram que disputar o terceiro lugar da competição.

Durante aquele jogo, percebi que jogadores do MBB começaram a gesticular e se mostrar exaltados contra jogadores da equipe adversária, que pareciam ironizar e ridicularizar aqueles protestos. As tentativas de chamar a atenção do juiz não surtiram efeito e ele então deu sequência ao jogo, que prosseguiu com ânimos acirrados. Assistindo a distância e ainda sem ter grande envolvimento com aquele universo e com os times em questão, não conseguia entender o que estava ocorrendo e o que provocava tamanha insatisfação entre os integrantes do MBB.

Ao fim da partida, que terminou com a derrota do MBB, mais do que a frustração por isso, jogadores do time revelavam revolta e consternação com o que acontecera, a ponto de alguns saírem da quadra chorando. Passado algum tempo e tendo a possibilidade de conversar com alguns deles, entendi o que havia realmente acontecido: durante a partida, jogadores da equipe adversária se referiram a jogadores do MBB pelo pronome feminino e do banco de reserva da equipe - localizado no lado oposto ao que eu ocupava, assistindo ao jogo - eram dirigidos gritos como “Vai pra cima delas!”, de teor pejorativo e feminizante, usado com alguma frequência por torcidas em estádios de futebol com o propósito de depreciar o time adversário.

Entendemos que a identidade de gênero de pessoas trans passa fundamentalmente pela autoidentificação dos próprios. Esse episódio, portanto, explicita que tal ofensa teve também uma conotação transfóbica, porque passava pela negação da identidade masculina. De acordo com Guilherme Silva de Almeida, tal negação acontece fundamentalmente

em razão do olhar falocêntrico que impregna as representações sobre a experiência masculina. Nesse sentido, é como se os comportamentos e os significados considerados masculinos emanassem necessariamente da presença material original do pênis. (ALMEIDA, 2012, p. 519).

Em conversa recente que mantive com Raphael Martins, fundador do time, durante uma live no Instagram em que ele compartilhou a sua visão sobre a história do MBB, ele relembrou o episódio descrito anteriormente e destacou que, naquela ocasião, tanto ele como outros atletas do time estavam em um período inicial de suas transições. As ofensas ouvidas durante aquele e outros momentos do torneio, provocaram fortes abalos emocionais em integrantes do time:

O primeiro convite pra participar de um torneio da diversidade foi um momento que marcou muito pra gente. Tinha as categorias masculina e feminina e a gente se inscreveu na masculina. Quando a gente chegou pra jogar, alguns times perceberam que a gente era um pouco diferente. Como na época a maioria dos meninos ainda não tinha começado o processo de transição - eu mesmo já tinha começado, mas estava bem no começo, não tinha ainda mudanças significativas -, toda vez que jogavam contra a gente era: “Olha, essas meninas aí, pega elas, segura elas…” E isso foi muito foda, porque começou a desestabilizar o time inteiro. Chegou no último jogo, que foi um pouco mais pegado, essas questões ficaram ainda mais fortes e aí a gente não aguentou. Fomos buscar a organização, conversamos e falamos: “Meu, isso não pode! É um campeonato da diversidade, como é que issoacontecendo…” E a organização resolveu eliminar esse time, e a gente acabou ficando em terceiro lugar,. Eu lembro muito da fisionomia dos meninos quando começou essa questão do preconceito, da tratativa feminina, eles ficaram muito abalados,ligado. Eu também fiquei, mas acho que é isso, a gente como referência tem que manter a postura pra poder acolher os nossos. E nesse dia foi bem isso, tivemos essa acolhida e depois de ver eles receberem a medalha de terceiro lugar, todos felizes, falei: “É isso,ligado, é pra esse caminho que a gente tem que ir” (Raphael Martins).

Na contramão de concepções biologizantes e que buscam universalizar a experiência da transexualidade, Almeida (2012, p. 515) compreende que as múltiplas vivências trans se caracterizam pelo conflito com as normas de gênero e englobam pessoas “que, em diferentes contextos sociais e culturais, conflituam com o gênero (com que foram assignadas ao nascer e que foi reiterado em grande parte da socialização delas) e, em alguma medida (que não precisa ser cirúrgica/química), decidem modificá-lo.” Nesse sentido, de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), a autoidentificação, a autodeterminação política da identidade pessoal (e de gênero) é um princípio central para a compreensão das múltiplas experiências trans (Bruna BENEVIDES, Sayonara Nader BONFIM, 2020).

No ano de 2019, dois anos depois da competição etnografada e narrada anteriormente, o MBB participou de mais um evento, a Copa da Diversidade,12 que contou com a participação de times formados em sua maioria por homens cisgêneros gays e bissexuais, tais como Natus FC, Diversus e Bárbaros, além de times mistos, formados por homens e mulheres, como o Rosanegra e o Real Gothic, todos da cidade de São Paulo (SP).

Ressalta-se que em 2019 a equipe dos Meninos Bons de Bola já era mais conhecida nesse circuito futebolístico da ‘diversidade’, tendo participado de amistosos e festivais com muitas dessas equipes, e em momentos de encontro que ocorriam antes e depois dos jogos eram comuns demonstrações explícitas de camaradagem entre jogadores e jogadoras de todas as equipes. Ainda assim, durante o torneio, integrantes do time lidaram com situações de intimidação e depreciação, especialmente por parte de times formados majoritariamente por homens gays.

Acompanhando os jogos, foi possível ver a exacerbação de valores associados à masculinidade, como tentativas de imposição pela força física e de intimidação psicológica. Tais manifestações aconteciam principalmente em situações nas quais esses times se viam confrontados, por exemplo, em momentos em que o MBB fazia um gol e mantinha a partida mais equilibrada ou quando jogadores do time (assim como mulheres cis que atuavam em times mistos) tinham atuações destacadas, não condizendo com a expectativa de que seriam ‘mais frágeis’ e ‘mais fáceis de serem superados’. Além disso, houve também situações em que integrantes do MBB foram tratados no feminino por integrantes da equipe de arbitragem contratada para atuar no campeonato - que deveriam ser preparados justamente para evitar tais ocorrências em um torneio que se caracterizaria pela diversidade sexual e de gênero - e relatos de que esse tipo de ocorrência também teria acontecido em eventos de confraternização que aconteciam depois dos jogos.

Esses relatos etnográficos evidenciam o que o antropólogo Wagner Xavier de Camargo (2012) identificou em suas pesquisas em competições esportivas internacionais LGBTQI+. Há uma tendência, em muitas das competições e eventos que propagandeiam a inclusão e a diversidade de gênero e de sexualidade, de apropriações por parte de grupos de homens cisgêneros, gays, na sua maioria brancos e atléticos. Tal apropriação acontece sobretudo quando tais competições emulam referenciais do esporte espetacularizado, assim, invisibilizando, muitas vezes, mulheres cisgênero que se identificam como lésbicas e bissexuais, além de pessoas transgênero e não binárias.

A gente participou de alguns campeonatos nessa linha e sempre que a gente chegava, rolava: “Como que é campeonato masculino e tem menina jogando?” Então, começou a ficar um negócio muito chato, porque toda vez que a gente entrava nos campeonatos, era a mesma questão, a mesma questão. E isso começou a fazer mal, porque a gente não tava conseguindo entender. Pô, a gente tá entrando num campeonato LGBT masculino e como que as pessoas ainda olham pra gente e nos veem como meninas? Não tem como, ver “Ah, esse é um time de meninas…” Não é! Se fosse um time de meninas, não estaria dentro do campeonato. E aí, porque começou a desestabilizar muito os meninos e eu também comecei a ficar esgotado com todas essas questões, a gente preferiu não participar mais desses campeonatos. Acho que por enquanto a gente não participa mais de campeonatos LGBT, porque as pessoas precisam entender um pouco melhor o quanto elas invisibilizam as pessoas trans (Raphael Martins).

Tal impressão sobre a invisibilidade de pessoas trans foi compartilhada por Raphael a partir da sua experiência nos campeonatos supracitados, fazendo com que hoje o time resista a aceitar convites para participar de campeonatos e eventos nesses moldes.

Algumas conclusões possíveis e ‘pistas’ para futuros estudos queer futebolísticos

Ao estabelecer alguns paralelos e aproximações entre as etnografias apresentadas neste artigo, podemos elencar as desconfianças e as violências de gênero e identidade de gênero, às quais são submetidas tanto jogadoras de futebol de mulheres como integrantes de times formados por homens trans. As mulheres atletas, sobretudo as futebolistas, quando apresentam rendimentos e resultados para além dos esperados são submetidas às testagens e às verificações de gênero/feminilidade. Essas condutas, por vezes vexatórias e abusivas, foram endossadas nos últimos dois séculos por diversos órgãos e entidades que controlam e regularizam campeonatos nacionais e internacionais de futebol feminino. Ainda nesse sentido, as mulheres futebolistas quando não são obrigadas a realizar as testagens, são violentadas com palavras e ofensas que diminuem seu potencial atlético, suas subjetividades e colocam em dúvida sua sexualidade (PISANI, 2018a). No limite, essas mulheres têm seus corpos violados em espancamentos e estupros corretivos.

Da mesma maneira, os homens trans futebolistas têm suas subjetividades e identidades colocadas em xeque. Talvez na etnografia apresentada esses questionamentos não estejam postos oficialmente por órgãos reguladores da modalidade, mas certamente aparecem nas falas e ações de jogadores de times adversários, assim como de árbitros e bandeirinhas envolvidos em tais campeonatos. A invisibilização das pessoas e das identidades trans configura-se, nesse cenário, em violência que deveria ser coibida e eliminada de espaços que se pretendem acolhedores das diversidades e diferenças.

Contudo, apesar de os cenários etnográficos aqui apresentados nos mostrarem que ainda há muito o que se superar, no que diz respeito às violências de gênero, identidade de gênero e sexualidade, um ponto em comum e bastante positivo entre as etnografias de ambos os pesquisadores se apresenta. Tanto nas equipes de futebol de mulheres acompanhadas pela pesquisadora quanto na equipe de futebol de homens trans etnografada pelo pesquisador uma categoria crucial emerge para pensarmos esses sujeitos e essa modalidade esportiva. Trata-se da categoria ‘família’. É a partir desse dispositivo que mulheres cis e homens trans futebolistas acionam alianças entre seus pares, elaboram estratégias de sobrevivência contra os ataques machistas/misóginos, LGBTfóbicos, se apropriam da prática esportiva futebol, e, por fim, tensionam as normas reguladoras dos corpos e subjetividades que se apresentam nesse campo.

O filósofo Jack Halberstam (2018), aproveitando-se de caminhos abertos pelos estudos queer, nos instiga a repensar as noções de parentesco, família e cuidado intergeracional ao estudar a ball’s culture13 nova iorquina, apresentada no documentário Paris is burning (1990), dirigido pela cineasta Jane Livingston. A ideia de família, evocada e ressignificada dentro das houses, torna-se central para a construção de alianças e relações de solidariedade entre pessoas queer e trans, majoritariamente negras e latinas:

Esta visão renovada da família, do parentesco e do cuidado intergeracional no contexto das casas drags [houses] foi um dos legados mais importantes do filme e inclusive, hoje em dia, seguem nos relembrando de que as noções majoritárias de família pouco têm a ver com as maneiras como as pessoas queer e trans de cor têm sobrevivido diante de duras condições, expressando seu “vínculo comum”. Paris is Burning tem sido criticada com a passagem dos anos, mas segue sendo um importante registro de uma subcultura em um momento muito especial. Uma de suas contribuições mais importantes se refere às formas de parentesco criadas pelas drag queens, mães, pais, filhos e filhas, neste universo de performances em sua maioria negro e latino. (HALBERSTAM, 2018, posição 1.058, tradução nossa).14

É nesse cenário que Halberstam aponta que o conceito de família aparece deslocado do parentesco estrutural - habitualmente estudado e sistematizado em diagramas extensos na antropologia social e cultural - e da concepção normativa que naturaliza a heterossexualidade. A função das houses e da construção de vínculos de parentesco é proporcionar acolhimento e contribuir para a formação de seus/suas integrantes, para que consigam “sobreviver a um mundo hostil à sua existência” (HALBERSTAM, 2018, posição 1.245). O mesmo ocorre no espaço futebolístico. As equipes de futebol, em alguma medida, podem ser comparadas às houses da ball’s culture, uma vez que emulam e estimulam uma rede de solidariedade e apoio mútuo entre seus/suas atletas.

Então eu queria dizer que eu confio em cada uma das minhas irmãs da equipe […]. Eu tenho cada uma aqui [aponta para o coração]. Eu perdi uma irmã, mas eu ganhei uma família (Ana, 20 anos).15

Muitas aqui sonham em ser uma grande atleta, sonham em ganhar dinheiro com isso, eu não sonho. Meu sonho aqui dentro da equipe é ajudar a todas. Não é que eu não gosto de jogar. Gosto por diversão, gosto de estar aqui, gosto de dar risada. E me sinto super à vontade. Sou superfeliz. Me sinto ótima aqui, estando com elas. E, pra mim, é minha família! (Aline, 19 anos).16

Apesar das dificuldades enfrentadas diariamente no âmbito esportivo, as jogadoras de futebol não esmorecem. Consideram-se uma família e buscam umas nas outras o suporte necessário para superar os problemas que existem também fora das quadras. Mesmo quando não estão em campo treinando ou disputando jogos, fazem questão de se encontrar pessoalmente todos os dias. Além da proximidade física, mantêm-se conectadas diariamente - quase que vinte e quatro horas por dia - por redes sociais de mensagens instantâneas como o Whatsapp e o Facebook (PISANI, 2018b). Fica claro, portanto, que, para além das relações esportivas e de compromisso com o time, existe um forte laço afetivo, de sororidade e familiar entre elas.

Da mesma forma, entre os homens trans, a categoria família se evidencia como central. A #FamíliaMBB é constantemente evocada, nos encontros presenciais e nas interações online, seja pelo grupo fechado de Whatsapp, seja em postagens da página do MBB em redes sociais, como o Instagram e o Facebook, reforçando, assim, o laço entre os integrantes do time. A seguir, são destacados relatos do já mencionado Raphael Martins, homem trans negro e fundador do time, e de Pedro Vieira, ex-atleta do MBB, e que havia sido apresentado ao time meses depois da sua criação.

Depois da primeira partida, sentamos em círculo e cada um contou um pouco da sua história. Foi bem forte. Somos invisíveis ainda e temos necessidade de falar. […] Hoje, se um de nós compartilha pensamentos negativos, acolhemos. Damos bronca, parabéns, nos incentivamos. Nos tornamos uma família. (Raphael MARTINS, 2017)

Quando entrei no MBB, eu tava praticamente no início da minha transição, era um período de muita expectativa, mas também de muita ansiedade, onde ter um esporte, uma válvula de escape seria muito legal, então, o time veio muito a calhar. Eu cheguei no time muito tímido, mal conversava, não sabia muito bem como me portar, só que ao mesmo tempo sentia aquele acolhimento e ao longo do tempo fui me abrindo mais. A gente falava sobre as nossas experiências durante a semana, como era o início da transição, a busca por hormônio, acompanhamento médico… Todos esses assuntos eram pautas dos nossos encontros de domingo. E era muito legal a gente poder confraternizar, conversar, se sentir mais à vontade, sem ter aquele medo com a questão do corpo, de estar no meio de uma quadra qualquer e ser exposto da forma como muitos são. Essa é a importância de ter um time, um espaço exclusivamente de homens trans. Se a sociedade não fosse tão excludente com as pessoas trans - em todos os âmbitos da sociedade, mas também no esporte -, acho que não seria necessário, mas foi diante desse cenário que surgiu essa necessidade do time. Pra muitos meninos é mesmo uma válvula de escape chegar no domingo e tentar se posicionar um pouco e aprender mais com as experiências de outras pessoas. (Pedro Vieira).

É possível, então, concluir que fazer parte de um time parece ocupar um lugar importante para esses rapazes. Trata-se de uma possibilidade concreta de ressignificar o seu lugar no mundo e sentir mais segurança em performar publicamente o gênero com o qual se identificam. Nesse sentido, estar em uma equipe de futebol de homens trans permite que esses sujeitos, em diferentes estágios de transição e com distintas concepções acerca das transmasculinidades,17 se reúnam. Da mesma forma como acontece nas equipes de futebol de mulheres, as rodas de conversa e os momentos de socialização mais informais proporcionam acolhimento, ajudam os integrantes do time a esclarecerem dúvidas e compartilharem informações. No caso dos homens trans, por exemplo, compartilha-se notícias sobre o processo de retificação dos documentos e do registro civil,18 os usos e os acessos à testosterona.

A partir das experiências etnográficas de ambos os autores, pode-se afirmar que esses momentos de sociabilidade - entre as mulheres cis ou homens trans futebolistas - proporcionam trocas acerca de experiências pessoais desde situações vividas no cotidiano de trabalho, escola e no âmbito familiar, inclusive proporciona a possibilidade de estabelecimento de relações afetivas, amorosas e eróticas. Sobre essa última questão, sabe-se que o futebol pode ser considerado um espaço físico e social que permite que algumas mulheres vivenciem, de maneira segura e reservada, práticas afetivas e homoeróticas com outras mulheres (PISANI, 2018a).

Por fim, a categoria família aqui apresentada e problematizada, quando mobilizada pelas/os atletas mulheres cis e/ou homens trans, tem papel crucial para que esses sujeitos consigam construir estratégias de resistência e de pertencimento, da mesma forma que possibilita que os mesmos sujeitos se apropriem das práticas futebolísticas e desconstruam, em algum nível, as normas reguladoras que pairam sobre seus corpos e subjetividades.

Referências

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1 Trecho original: “We have seen that doctors who expressed their views in the mass media tended to represent the most conservative medical opinion on issues of women and sport. Journalists, educators, physical education directors and, more recently, fitness specialists helped to perpetuate in print the ‘loss of femininity’ myth and the dicotomy between ‘masculine’ and ‘feminine’ sports for making female athletes unfeminine, or accused participants of being masculine at the outset. Most medical and educational professionals displayed the same sexist and heterosexist biases, as journalists, alleging that non-conforming sportswomen were intent on imitating men or were lesbian. The accessibility of this kind of ‘expert’ opinion served to entrench the moral leadership of white upper-class males.” (LENSKYJ, 1986, p. 55-56).

2Trecho original: “Rather than to catch men disguised as women, the test evolved into a measure to prohibit female Olympians with biological advantages. In other words, the commission eventually viewed gender verification as a tool to eliminate competitors whom it deemed too strong, too fast, too successful, or too unfeminine for women’s competition” (PIEPER, 2016, posição 123).

3Trecho original: “Quickly, the Soviet Union surpassed the United States, largely due to the performances of the Soviet women. While US physical education and sporting programs typically prioritized the training of men, the Soviet Union viewed female athletes as equally capable, which produced medals. Moreover, because the Soviet government expected its women to engage in physical labor, the society accepted training, muscularity, and power as appropriate qualities of femininity. Soviet women thereby excelled in many sports, including track and field, while US women remained limited by Western gender norms” (PIEPER, 2016, posição 1.285).

4Em 1972, Munique, 1.280 atletas testadas; 1976, Montreal, 1.800 atletas testadas; 1984, Los Angeles, 2.500 atletas testadas; 1992, Barcelona, 1.406 atletas testadas; 1996, Atlanta, 3.387 atletas testadas. Importante frisar que nenhum atleta homem precisou se submeter a testes de verificação de gênero estabelecidos por entidades esportivas internacionais, como os citados COI e IAAF (atual World Athletics).

5Trecho original: “and the various iterations of the exam actually illustrated the impossibility of neatly delineating sex - the IOC nevertheless continued to implement the control” (PIEPER, 2016, posição 103).

6Caster Semenya foi liberada para voltar a competir em 2010 e tornou-se bicampeã olímpica da prova dos 800 metros (2012 e 2016). Em 2018, a IAAF estabeleceu novas regras que determinavam que corredoras meio-fundistas diagnosticadas com diferenças no desenvolvimento sexual (DSD) teriam de tomar medicamentos para reduzir clinicamente seus níveis de testosterona natural para menos de 5 nmol/L por um período contínuo de pelo menos seis meses e mantê-los continuamente por toda sua carreira atlética. Tal regulação afetava diretamente Semenya, especialista dos 400 m, 800 m e 1.500 m rasos, provas que exigiam o cumprimento de tal protocolo. Semenya recorreu à Corte Arbitral do Esporte (CAS) e no dia 1º de maio de 2019, a corte indeferiu o recurso de Semenya e referendou a nova regulação da IAAF/World Athletics. O argumento da CAS, apesar de reconhecer que se tratava de uma regulação discriminatória, era de que tal política era necessária para garantir a competição justa no esporte feminino. Desde então, Semenya tem se posicionado contrária a essa decisão e se recusado a fazer uso de tal controle hormonal, o que a impede de seguir competindo.

7Nome fictício.

8A opção metodológica por não atribuir nomes fictícios a alguns dos meus interlocutores, deve-se ao consentimento e à manifestação de vontade de verem os seus nomes verdadeiros divulgados neste artigo.

9Os Jogos da Diversidade de São Paulo foram realizados em 17 de junho de 2017, véspera da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo daquele ano. O evento organizado pelo CDG Brasil (Comitê Desportivo LGBT) reuniu mais de 350 participantes que se dividiram em diferentes modalidades, como natação, futsal masculino e feminino, voleibol e a gaymada - adaptação do jogo de queimada inventada e praticada por pessoas LGBTQI+.

10Algumas equipes de TV fizeram a cobertura do evento, como a ESPN Brasil e a Globo, produzindo reportagens sobre os ‘times LGBT’ e o torneio de futsal realizado durante os Jogos da Diversidade.

11Todos os times LGBT citados vieram a participar da Champions LiGay, evento que foi realizado pela primeira vez no final do ano de 2017. A Champions LiGay é organizada pela LiGay Nacional de Futebol (LGNF) e após quatro edições disputadas, já é a principal competição futebolística do país dirigida para homens gays e bissexuais.

12A Copa da Diversidade foi um torneio de futebol soçaite realizado entre os meses de agosto e setembro de 2019 e organizado pelo Sesc Pompeia. Mesmo sendo um campeonato da diversidade, para ter maior equilíbrio entre os times participantes, decidiu-se que o torneio seria dividido em categorias masculina (que contou com times mistos) e feminina (composto por times formados exclusivamente por mulheres).

13Ball’s culture faz referência aos bailes LGBTQI+ nova iorquinos, da década de 1980. Esses bailes se caracterizavam pela realização de disputas em diversas categorias, entre as quais a competição entre drag queens, na qual elas precisavam se apresentar a um grande público em uma passarela de desfile (runaway), além das performances de voguing, que se caracterizam pelos movimentos corporais definidos por linhas e poses, imitando gestos e posições adotadas por modelos. Os troféus entregues às melhores competidoras geralmente têm formatos de bolas (balls, em inglês). Nesse espaço de competição, as drag queens são associadas às houses (casas). Essas houses são lideradas por uma ‘mãe’ (geralmente uma drag queen mais velha e predecessora) e as demais drags compreendem-se enquanto irmãs, formando assim uma família. Produções audiovisuais contemporâneas de grande audiência, como o reality show Ru Paul’s Drag Race (produzida pela World of Wonder) e a série Pose (criada por Ryan Murphy, Brad Falchuk e Steven Canals, e produzida pelo FX) trazem várias inspirações e referências da ball’s culture.

14Trecho original: “Esta visión renovada de la familia, el parentesco y el cuidado intergeneracional en el contexto de las casas drags fue uno de los legados más importantes de la película e incluso hoy en día nos sigue aportando un recuerdo de que las nociones mayoritarias de familia tienen poco que ver con cómo personas queer y trans de color han sobrevivido bajo duras condiciones, expresando su ‘vínculo común’. Paris is burning ha sido criticada con el paso de los años, pero sigue siendo un importante registro de una subcultura en un momento muy especial. Una de sus contribuciones más importantes se refiere a las formas de parentesco creadas por las drag queens, madres, padres, niños y niñas en este universo de performances en su mayoría negro y latino” (HALBERSTAM, 2018, posição 1.058).

15Nome fictício.

16Nome fictício.

17As diferentes percepções e concepções sobre transmasculinidades são diretamente influenciadas por alguns marcadores sociais da diferença como classe, raça, geração e orientação sexual. Sobre essa questão pretende-se, futuramente, aprofundar a reflexão teórica.

18Em 1º de março de 2018, o plenário do Superior Tribunal Federal (STF) decidiu por unanimidade que pessoas transexuais têm o direito de alterar o nome e o sexo no registro civil sem a necessidade de realizar cirurgia de redesignação sexual, nem de apresentar laudo médico pericial. A maioria da Corte também decidiu que não é mais preciso ter uma autorização judicial para a realização de tal mudança, ou seja, os processos de retificação do registro civil vão ocorrer por via administrativa, diretos em cartórios, sem a necessidade de judicialização.

Como citar este artigo de acordo com as normas da revista: PISANI, Mariane; PINTO, Maurício Rodrigues. “Expressões e corporalidades de mulheres cis e homens trans no ambiente futebolístico”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 2, e79331, 2021.

Financiamento: Mariane da Silva Pisani: Pesquisa Financiada pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processos nº 2013/10845-8 e nº 2015/25894-0. Maurício Rodrigues Pinto: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 03 de Fevereiro de 2021; Aceito: 03 de Junho de 2021

mariane.pisani@uft.edu.br

maorodrigues@usp.br

Mariane da Silva Pisani (mariane.pisani@uft.edu.br) é doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), mestra em Antropologia Social e bacharela em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Tocantins. Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Antropologia Social e Interseccionalidades, no qual desenvolve pesquisas sobre Gênero e Sexualidades, Antropologia Audiovisual, Antropologia dos Esportes e Práticas de Lazer.

Maurício Rodrigues Pinto (maorodrigues@usp.br) é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da USP (PPGAS/USP), mestre em Mudança Social e Participação Política e bacharel em História pela Universidade de São Paulo (USP). Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença (NUMAS/USP), desenvolvendo pesquisas sobre as relações entre esporte, gênero e sexualidades

Contribuição de autoria: os autores contribuíram igualmente

Conflito de interesses: Não se aplica

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