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Revista Estudos Feministas

versão impressa ISSN 0104-026Xversão On-line ISSN 1806-9584

Rev. Estud. Fem. vol.29 no.2 Florianópolis maio/ago 2021  Epub 01-Maio-2021

https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n279320 

Seção Temática Gênero, tecnologias e (novas) formas de subjetivação nas práticas esportivas

Pânicos de gênero, tecnologias de corpo: regulações da feminilidade no esporte

Gender Panics, Body Technologies: Regulations of Femininity in Sport

Pánicos de género, tecnologías del cuerpo: regulaciones de la feminidad en el deporte

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 20550-900 - secretaria@ims.uerj.br


Resumo:

Este artigo apresenta uma revisão documental e bibliográfica de parte do histórico de gestão da feminilidade no esporte de alto rendimento. Nesse sentido, é preciso acompanhar como nasce o movimento olímpico. Uma recapitulação necessária para saber de onde vem e como se estrutura a necessidade de controle dos corpos atléticos das mulheres. Com a defesa de certos valores pautados no dimorfismo sexual, entenderemos como a ciência e a medicina auxiliaram na estabilização de fronteiras biológicas, sociais e esportivas. Contudo, à medida que esse conhecimento se transforma, todo um emaranhado regulatório também é atualizado em torno da elegibilidade das mulheres no esporte. A condução do artigo aposta na interpretação de que a proteção da categoria feminina no esporte se fez tanto por meio da suspeição quanto pela justiça, com a linguagem dos direitos sendo cada vez mais incorporada.

Palavras-chave: regulação esportiva; sexo/gênero; feminilidade

Abstract:

This article presents a documentary and bibliographic review of part of the history of femininity management in high-performance sport. In this sense, it is necessary to follow up how the Olympic movement is born. A necessary recap to know where it comes from and how the need to control women’s athletic bodies is structured. With the defense of certain values based on sexual dimorphism, we will understand how science and medicine helped to stabilize biological, social and sports boundaries. But as this knowledge changes, an entire regulatory meshwork is also updated around the eligibility of women in sport. The conduct of the article bets on the interpretation that the protection of the female category in sport was done both through suspicion and by justice, with the language of human rights being increasingly incorporated.

Keywords: Sports Regulation; Sex/Gender; Femininity

Resumen:

Este artículo presenta una revisión documental y bibliográfica de parte de la historia de la gestión de la feminidad en los deportes de alto rendimiento. En este sentido, es necesario monitorear cómo nace el movimiento olímpico. Una recapitulación necesaria para saber de dónde viene y cómo se estructura la necesidad de controlar los cuerpos atléticos de las mujeres. Con la defensa de ciertos valores basados en el dimorfismo sexual, entenderemos cómo la ciencia y la medicina ayudaron a estabilizar los límites biológicos, sociales y deportivos. Pero a medida que este conocimiento cambie, todo un enredo regulatorio también se actualiza en torno a la elegibilidad de las mujeres en el deporte. La conducción del artículo apuesta por la interpretación de que la protección de la categoría femenina en el deporte se hizo tanto por la sospecha como por la justicia, incorporándose cada vez más el lenguaje de los derechos.

Palabras clave: regulación deportiva; sexo/género; feminidad

Introdução

O corpo foi concebido e administrado com centralidade singular no desenvolvimento das ciências modernas (Marko MONTEIRO, 2005). Posteriormente, os feminismos politizaram essa circunscrição corporal a partir da experiência das mulheres numa tentativa de romper com opressões e desigualdades, mas também para garantir direitos (Donna HARAWAY, 2004). Da mesma maneira, podemos dizer que o ‘corpo atlético’ também foi minuciosamente investigado, regulado e disputado ao longo do século XX, especialmente no começo do século num momento de vasta conformação social e institucional do esporte moderno, muito representado como um espaço de educação física e prática esportiva que poderia constituir moralmente o Estado-nação (Jennifer HARGREAVES; Eric ANDERSON, 2014). Faço essa rápida apresentação porque a defesa de determinados valores humanistas, como o virtuosismo, o progresso ou a honra que sustentavam uma luta por soberania nacional ao longo dos séculos, também se desenvolvia através do modo como essas nações se tornavam visíveis em ambientes internacionais, como nos eventos esportivos que ganhavam mais relevância e institucionalização durante a primeira metade do século passado.

Nesse entrelaçamento de visibilidade, investimento e profissionalização das práticas esportivas havia um ponto de interseção do controle dos corpos que pode ser interpretado como uma ramificação crucial de outros processos científicos e sociais no qual o conhecimento e a moralidade convergiam: a regulação dos corpos femininos. Por isso, este artigo pretende sumarizar parte da gestão da feminilidade no mundo esportivo. Entretanto, não é uma interpretação apenas restritiva de como as políticas das entidades esportivas se desenvolveram. Precisamente porque o mundo esportivo estava integrado aos ambientes políticos e sociais mais alargados, a institucionalização desse período - especialmente na figura das federações internacionais de cada modalidade e no movimento olímpico - operou com mais continuidades do que rupturas à medida que processos científicos, técnicos e somáticos foram sendo atualizados. De modo que também é uma análise de como tecnologias, documentos e regulações ‘fazem’ pessoas, nesse caso, mulheres que foram marcadas e transformadas por investigações em torno da feminilidade no esporte de alto rendimento.

Este artigo conta com trechos de um capítulo de minha tese de doutorado em Antropologia Social (Barbara Gomes PIRES, 2020a). No escopo da tese, movimento essa sumarização documental para entender de onde vem e como se estrutura a necessidade de controle dos corpos atléticos das mulheres. Especialmente mulheres que nasceram com variações intersexuais, isto é, diferenças congênitas consideradas não usuais para o que conformamos como ‘natural’ dos corpos de homens e mulheres.1 Nessa discussão, sustento uma argumentação de que há um “desejo de integridade” (PIRES, 2020a) que se espraia muito além do mundo esportivo centrado no valor do “dimorfismo sexual” e que também se estrutura intimamente pela naturalização política do “exterior constitutivo”, de maneira similar à articulação feita por Judith Butler (2019) sobre a alteridade degradada ou abjeta associada convencionalmente ao feminino. Afinal, o desejo de excluir ao mesmo tempo que também se quer integrar surgiu no âmbito esportivo no mesmo momento em que essas instituições estavam se imaginando e se estruturando internacionalmente, com processos amplos de controles, tutelas e ordenamentos que encontravam no “pânico moral” (Jeffrey WEEKS, 1985; Gayle RUBIN, 2003) e nas “tecnologias de gênero” (Teresa de LAURETIS, 1994) formas de instrumentalizar as ansiedades culturais em torno da regulação da feminilidade.

Volto em Weeks, Rubin e Lauretis, como parafraseio no título do artigo, para reforçar a composição analítica de que o “sistema de sexo/gênero” se faz presente no mundo esportivo com a ‘gestão da pureza e do pertencimento’ vinculada às noções hegemônicas de feminilidade e corpo feminino. Quero dizer que as disputas em torno da elegibilidade feminina podem ser associadas às séries de pânicos e ansiedades que versam sobre o sexo a e sexualidade, como desenvolveu Rubin sobre as “guerras sexuais” nos Estados Unidos do pós-guerra e Weeks sobre a epidemia de HIV/aids durante a década de 1980. Por isso, afirmo antecipadamente que as formas de inspeção, vigilância e regulação que veremos a seguir estão estruturadas socialmente a partir desse mesmo histórico de desconforto com a ‘ambiguidade’ e de pânico moral que vem do ‘excesso’ em corpos femininos, sendo aglutinadas em processos maiores de tutela e controle que usam dos saberes e das tecnologias marcadas (principalmente, mas não somente) pelo gênero.

A contribuição de Lauretis aparece no sentido de que podemos rastrear as hierarquias sexuais em torno dessa investigação da feminilidade no esporte, que se reforça por meio de tecnologias, discursos e representações do que seria o corpo da mulher elegível. Precisamente por que “o gênero, como o real, é não apenas o efeito da representação, mas também o seu excesso, aquilo que permanece fora do discurso como um trauma em potencial que, se/quando não contido, pode romper ou desestabilizar qualquer representação” (LAURETIS, 1994, p. 209). Em suma, a linha de raciocínio deste artigo segue a interpretação de que a necessidade de verificar como também de atestar a feminilidade de uma atleta seguiu um ‘controle generificado dos excessos’ através das técnicas somáticas e dos conhecimentos científicos mais atuais de cada época. A regulação hormonal, preponderante nos protocolos atuais, aparece no fim do artigo como mais um critério para a determinação biológica dos tipos aceitáveis de corpo e feminilidade. Assim, uma forma específica de ser mulher, de ser atleta profissional, é inscrita, regulada e disseminada ao longo do século XX.

De modo que o espraiamento de imaginações, regras e formas de competitividade no mundo esportivo transcorreu dentro de geopolíticas conflituosas e desiguais, onde cada ordenamento social era derivado de um detalhamento tanto das moralidades quanto das regulações estabelecidas (Norbert ELIAS; Eric DUNNING, 1986). O mundo esportivo, que precisa ser entendido como um lugar de valor, configura-se por meio de relações de disciplinarização e controle, constituição de habitus e sensibilidades, de domínios e embates (Pierre BOURDIEU, 2003). Mas, ao incorporar saberes médicos e científicos em suas regulações de feminilidade, também se estrutura de uma maneira discernível, investigando, corrigindo ou banindo atletas que se afastavam da norma generificada numa tentativa de preservar sua própria unidade imaginada, isto é, que a busca do corpo viril deve ser um atributo de excelência da masculinidade. Como sabemos, a prática esportiva atua como um espaço privilegiado de definição e transformação dos significados culturalmente reforçados sobre o que significa ser mulher, ter um corpo feminino e os tipos de feminilidade mais desejados em um contexto histórico (Miriam ADELMAN, 2003).2

Então, as cenas esportivas tendem a transbordar expectativas e constrangimentos mais alargados, que estão enraizados no modo como os corpos são afetados, usados e reconhecidos politicamente. Nesse sentido, torna-se mais aparente que o rendimento esportivo que deseja superioridade, reconhecimento ou domínio não estava apenas vinculado aos diversos confrontos nacionais que aconteciam em cenários globais, mas também aos modos como o sexo, o gênero e a sexualidade foram manuseados valorosamente pelas ciências, tecnologias e políticas modernas. Pelo menos desde o século XX, quando o corpo feminino no esporte de alto rendimento se torna mais visível, também vai se tornar mais escrutinado para ser inscrito como elegível dentro de uma disputa mais acentuada por ‘integração social’. Veremos algumas dessas histórias dentro do movimento olímpico e das entidades esportivas, situações que podem ilustrar o começo da gestão da feminilidade no mundo esportivo, uma disputa sobre os sentidos e as capacidades do corpo feminino que se desenrola ainda hoje.

Raízes da investigação da feminilidade no esporte: o nascimento do movimento olímpico

Em Berlim 1936, a corredora Helen Stephens surpreendeu a todos ao ganhar a final dos 100 metros feminino: a atleta estava com 18 anos e superou o recorde mundial de Stanisława Walasiewicz, corredora polonesa mais conhecida como Stella Walsh. As duas competiram bastante durante a década, sempre alternando os melhores tempos e colocações de pódio. A confusão inicial se instaura quando a World Athletics, que ainda era denominada International Amateur Athletics Federation (IAAF),3 não reconhece os tempos e recordes de Stephens. Esse conflito se adensa porque após a corrida Stephens acaba sendo acusada de não ser uma ‘mulher de verdade’. Um jornalista responsabiliza a delegação estadunidense de infiltrar um homem na competição (Lindsay PIEPER, 2016). Em seguida, os familiares de Helen são entrevistados para o jornal Los Angeles Times e a mãe reforça a feminilidade da filha: “ela vive uma vida social normal de menina, gosta de namorar e dançar na universidade” (PIEPER, 2016, p. 11). Em minutas do Comitê Olímpico Internacional (COI) da época, descobrimos que autoridades dos Estados Unidos já tinham realizado uma investigação cuidadosa para estabelecer o ‘sexo verdadeiro’ da atleta antes de Berlim (PIEPER, 2016).

A divulgação dessas investigações e informações na primeira metade do século XX forma um padrão de conduta que ainda é atual e vai do espetáculo à solidariedade ou ao escrutínio. Durante a década de 1930, com o início mais institucional dessa celeuma regulatória, o principal método de controle da categoria feminina ocorria por inspeções visuais. Um pouco antes, em Amsterdã 1928, a atleta japonesa Hitomi Kinue ganhou notoriedade ao ficar em segundo lugar na corrida dos 800 metros. Era a primeira vez que a modalidade havia sido liberada para mulheres. Seu corpo, considerado muito musculoso, foi alvo de duras críticas por jornalistas (PIEPER, 2016). A mesma verificação minuciosa aconteceu com Mildred ‘Babe’ Didrikson em Los Angeles 1932, atleta estadunidense que foi a sensação dos Jogos Olímpicos, mas era constantemente criticada por ser tomboy demais para os padrões atléticos da época (Susan CAHN, 1994).

Todas essas atletas tiveram suas composições físicas avaliadas e questionadas por expressarem rendimentos atléticos considerados positivos demais para a categoria feminina. Os gestores, técnicos e jornalistas esportivos, mas também o mundo social do período, reforçavam um ‘estatuto de mulher’ que deveria estar conformado às concepções de feminilidade e heterossexualidade hegemônicas. Qualquer atleta que competisse em nível internacional e embaçasse fronteiras fisiológicas e sociais, com traços e performances consideradas mais ambíguas ou masculinas, fomentava uma ansiedade de restituição às dinâmicas culturais mais desejadas. Quando Pierre de Coubertin retoma os Jogos Olímpicos em 1894, com a criação do COI, havia um desejo olímpico de integração social, por meio da competição amadora, virtuosa e cordial entre atletas de diferentes culturas, mas que esbarrava numa contínua profissionalização e espetacularização geopolítica do esporte de alto rendimento (Allen GUTTMANN, 1992).

Os primeiros membros do COI eram, em grande parte, nobres, educadores e humanistas. Essa elite possuía uma combinação de valores, uma maneira de enxergar e administrar a vida, como também de se engajar nas práticas esportivas (BOURDIEU, 2003). Por isso, quando realizaram a primeira Olimpíada moderna, em 1896, as mulheres não foram convidadas nem tiveram permissão para competir no evento. Coubertin considerava “impraticável, desinteressante, não-atrativo e incorreto” admitir a participação feminina (PIEPER, 2016, p. 15). Em suas Mémoires Olympiques, chega a dizer que “o esporte é uma religião com igreja, dogma e ritual” (GUTTMANN, 1992, p. 3).

As instituições esportivas foram edificadas nessa concepção de harmonia ‘filosófico-religiosa’ entre corpo e moral que produzia um duplo vínculo, como instrumento de ‘virilização’ nacionalista e como ‘sentimento’ para instigar paz internacional. Esse esforço de moldar um mundo esportivo vai se intensificar a partir de 1912, quando o COI reformula seu programa e retira poderes dos comitês organizadores locais, deslocando mais responsabilidade para seus membros decidirem sobre os Jogos. A participação das mulheres nesses ambientes olímpicos surge, portanto, como mais uma preocupação protetiva nesse cenário que se delineava como ‘campo esportivo’ (Leila SALVINI; Juliano SOUZA; Wanderley MARCHI JUNIOR, 2012; Pierre BOURDIEU, 2007). Era papel dos membros dessas entidades recém-criadas classificar e organizar o esporte, de modo que a preponderância masculina no COI, em outras federações esportivas e nos eventos competitivos do começo do século XX, era efeito quase que espontâneo de uma disposição generificada, classista e racializada da época (HARGREAVES; ANDERSON, 2014). A proteção da categoria feminina emerge, então, como gestão. As regulações de feminilidade foram criadas para dar conta dessa entrada das atletas e do público feminino na empreitada olímpica.

O desconforto era o mesmo dentro e fora dos estádios: o que deveria ser aceitável para uma mulher realizar publicamente? Eram conflitos que não se limitavam aos gestores olímpicos, evidentemente, várias dirigentes de escolas, entidades e grupos de esporte amador também se preocupavam com a inserção ‘indevida’ e ‘competitiva’ das atletas no cenário internacional (GUTTMANN, 2005). Nas primeiras edições dos Jogos a organização foi realizada localmente, então cada comitê criou seu programa com as modalidades aceitas e as atletas participantes. E foi assim que algumas mulheres conseguiram competir nos eventos, ainda que de maneira muito desigual. Em Paris 1900, por exemplo, foram 22 mulheres participantes em comparação com 975 homens. Toda essa evolução na participação se complica com a fraca inclusão durante a presidência de Coubertin, que buscava emular as Olimpíadas antigas, sem participação feminina, pois via essa integração moderna como uma forma de ‘degradação’ física e moral do ideal atlético. Um ideal, por sua vez, ligado à imaginação política da época (Katia RUBIO; Antônio Carlos SIMÕES, 1999).

Não podemos esquecer que nesse período as ciências ainda estavam fortemente vinculadas às ‘teorias raciais’ e aos pensamentos sobre ‘degeneração’ (Michel FOUCAULT, 2001; Jane RUSSO, 2013). Depois que o comitê organizador da Suécia aprovou a entrada das mulheres na natação, em 1912, o presidente publicou uma nota na Revue Olympique explicando que “os Jogos Olímpicos representam o período mais sólido de manifestação do esporte masculino, baseado no internacionalismo, na lealdade como meio, nas artes como pano de fundo e no aplauso das mulheres como recompensa” (Pierre de COUBERTIN, 1912, p. 111 apud Sheila MITCHELL, 1977, p. 214). Mas não era linear nem equilibrada essa dinâmica entre a vontade de Coubertin, as opiniões de outros gestores e as demandas concretas dos organizadores locais (Fabiano DEVIDE, 2005). Na época, havia pressão pela inserção feminina no ambiente político, em espaços mais públicos, culminando com a garantia do voto em vários países. No entanto, as modalidades femininas nos eventos internacionais ainda precisavam ser esteticamente prazerosas. Era o mesmo contexto em que o cuidado com a saúde da mulher, tida como responsável pela continuidade produtiva da família e do Estado-nação, se ajustava numa relação perigosa entre órgãos sexuais e sistema nervoso (Fabíola ROHDEN, 2000).

Em 1917, ocorre uma mobilização em torno do esporte feminino com a criação da Fédération des Sociétés Féminines Sportives de France (FSFSF). Alice Milliat, presidente da entidade, solicita a Coubertin que a participação das mulheres nos Jogos Olímpicos de 1920 fosse aberta nas modalidades atléticas, o que foi negado (Florence CARPENTIER; Jean-Pierre LEFÈVRE, 2006). Então a FSFSF resolve produzir uma competição internacional somente para mulheres. Em 1921, realizam a primeira competição internacional de atletismo para mulheres, em Mônaco, com representantes de vários países europeus. No mesmo ano fundam a Fédération Sportive Féminine Internationale (FSFI) presidida pela mesma Milliat. A intenção era criar os Jogos Olímpicos Femininos, também de quatro em quatro anos, na tentativa de fortalecer um espaço regular de competição internacional feminina. Em 1922, na primeira edição do evento, elas já contavam com 38 países representados na entidade, tanto quanto a IAAF no mesmo período.

Mas, materialmente empobrecida, sem recursos suficientes para manter congressos e competições internacionais, a FSFI é abordada pela IAAF no fim da década de 1920 (CARPENTIER; LEFÈVRE, 2006). Essa diferença de recursos e subsídios entre as instituições corresponde a um problema de gênero. A circulação do aval governamental, da publicidade e dos financiamentos da aristocracia saíam do cotidiano de socialização e articulação das mulheres da época. A dificuldade financeira da FSFI antecipou o encontro das três instituições. Com a saída de Coubertin, o Conde Henri de Baillet-Latour assume o cargo de 1925 até seu falecimento em 1942. Os Jeux Olympiques Féminins acontecem por mais três edições, mas havia um conflito de interesses, principalmente com o uso da ‘marca’ Jogos Olímpicos, de modo que Sigfrid Edström, na época vice-presidente do COI e também presidente da IAAF, articula para admitir um número limitado de mulheres no atletismo olímpico. Essa submissão é feita em 1926 sem o conhecimento ou a anuência da FSFI. Era uma disputa, por um lado, pela ‘autonomia’ das mulheres em eventos esportivos internacionais e, por outro, pelo ‘controle’ regulatório e financeiro-publicitário de competições globais mais ou menos consolidadas.

No fim, a FSFI se subordina à IAAF. Mas quando as representantes perceberam que Edström queria incorporar mulheres nas Olimpíadas de forma limitada, não na versão total que advogavam, era tarde para retornar. Numa carta de Baillet-Latour, em 1931, o presidente escreve que gostaria que um dia as mulheres fossem completamente livres da ‘tutela’ masculina para poderem organizar seus próprios Jogos, pois assim permitiria a exclusão oficial de todas das Olimpíadas (CARPENTIER; LEFÈVRE, 2006). A integração das mulheres nos Jogos vai ocorrendo, portanto, dentro dessas dinâmicas de concessão, cooperação e captura que os gestores olímpicos costuravam politicamente na tentativa de institucionalizar cada vez mais a entidade (GUTTMANN, 1992). Nesse sentido, a proteção da categoria feminina vai se basear desde o começo num ‘ideal de integridade’ formado em grande medida por visões, experiências e valores androcêntricos. De todo modo, mesmo com as desigualdades, tutelas e regulações, as atletas buscavam inserção esportiva, com os números de participação nos eventos internacionais crescendo ao longo dos anos.

Quando a proteção se torna suspeita

Na primeira metade do século XX, o COI tentava equilibrar sua crescente institucionalização com os períodos de guerra. Essa preocupação com a proteção da categoria feminina, especialmente com a liberação de alguma modalidade atlética que transformasse corpos graciosos em corpos viris, se conectava com outras disputas culturais. Era preciso regular os espaços de sociabilidade, competição internacional e entretenimento, não apenas porque havia uma desigualdade de gênero estruturante na organização da vida social, mas também porque o panorama era de imaginar e assentar as formas de administração do esporte moderno. Após Amsterdã 1928, o COI decide que mulheres eram frágeis para competir em médias e longas distâncias, então as corridas foram limitadas até os 200 metros durante trinta anos. O retorno dos 800 metros só voltaria ao calendário oficial em Roma 1960 (GUTTMANN, 1992).

Por outro lado, depois de Berlim 1936, foram relatadas experiências de transexualidade por parte de atletas que antes competiram em categorias femininas, como as histórias de Heinrich Ratjen, Zdeněk Koubek e Mark Weston (PIRES, 2020a). Esses casos fomentaram mais ansiedade em torno da regulação do esporte feminino. Avery Brundage, na época presidente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos (The United States Olympic Committee - USOC), insistia que era preciso ter mais investigações médicas e exames visuais antes dos Jogos Olímpicos para garantir que todas as atletas fossem “100% femininas” (PIEPER, 2016, p. 31). Foi assim que o COI aprovou o pedido de Brundage por mais controle regulatório fazendo com que a IAAF se tornasse a primeira federação esportiva a implementar oficialmente os ‘testes sexuais’.

Paralelo às inspeções, a IAAF incorpora uma nova regra em 1946: o certificado de feminilidade. Dois anos depois, o COI segue a mesma política. As atletas precisavam comprovar, com documentação médica, que eram de fato mulheres. Só assim poderiam ser inscritas por suas federações e competir internacionalmente. Com o retorno da União Soviética à cena olímpica, notamos disseminação de mais ‘pânico moral’ (RUBIN, 2003) acerca da ‘integridade esportiva’ (em termos sexuais, mas também da licitude do corpo e da performance das atletas comunistas), o que fez as instituições esportivas endurecerem ainda mais suas regulações de elegibilidade. Essa combinação do exame visual com o certificado de feminilidade não buscava somente definir composições fisiológicas, era um grande quebra-cabeça para avaliação da ‘normalidade de gênero’, em que estereótipos sexuais eram misturados e embaralhados com projetos, investigações, tecnologias e especulações diversas - da família à nação, da sexualidade à reprodução, do rendimento à superioridade. A diferença do desempenho esportivo das atletas soviéticas era enorme. Mas, essa disparidade, dentro de um cenário de disputas ideológicas e geopolíticas, saturou mais uma justificativa para a introdução das regulações sexuais.

Susan Cahn, em Coming on Strong (1994), documenta como existia um mal-estar compartilhado pelos gestores olímpicos com a realização dos esportes femininos. Num documento, um oficial da instituição brinca que o COI deveria criar uma categoria especial para ‘hermafroditas’ que regularmente derrotavam mulheres ‘normais’, esses tipos menos habilidosos com “seios fartos, quadris vastos e joelhos frágeis” (CAHN, 1994, p. 111). Tais argumentos sustentavam uma compreensão traiçoeira de que atletas não podiam ser biologicamente mulheres, seja por suas musculaturas, seja por seus rendimentos atléticos, pois estavam convencidos de que a superioridade esportiva era uma capacidade inerente do corpo masculino. Desse modo, a construção dessas políticas regulatórias sempre esteve atrelada às maneiras como dirigentes olímpicos concebiam a condição da mulher, da feminilidade, da capacidade atlética feminina e do seu lugar em sociedade.

À medida que essas ansiedades se entrelaçavam com as dinâmicas geopolíticas da época, que escalavam em diferentes frentes pelo mundo, as instituições esportivas também se reorganizavam para atuar nesse clima de crise e espionagem, em que tudo se tornava suspeito. No European Athletics Championships de 1966, foram visualmente inspecionadas 243 mulheres (PIEPER, 2016). Em 1972, uma charge na revista britânica Punch satirizava as regulações esportivas ao desenhar um membro do COI seminu, na cama, à espera das atletas que entravam pela porta para serem examinadas. Na legenda da figura: “Eu acho que vocês vão concordar, senhoras, que agora nós desenvolvemos a solução perfeita para o problema do teste sexual” (PIEPER, 2016, p. 53).

Eram procedimentos invasivos repetidos em campeonatos internacionais com documentos oficiais e jornalísticos ilustrando esses fios aparentes dos estereótipos de feminilidade e das expectativas de vinculação heterossexual. Nesse mesmo período, a Comissão Médica do COI é instituída juntamente com a Comissão de Doping. As duas comissões foram indispensáveis para a institucionalização dessas formas mais técnicas e minuciosas de controle esportivo (Kathryn HENNE, 2009). No entanto, o presidente da época, o estadunidense Avery Brundage, afirmava que mesmo que a entidade tivesse votado para manter o atletismo feminino restrito às modalidades “apropriadas para o sexo feminino”, cerca de um terço dos comitês nacionais “ficariam mais felizes se os Jogos não tivessem eventos para o sexo oposto” (CAHN, 1994, p. 132).

No Commonwealth Games de 1966, a britânica Mary Peters falou sobre as testagens: “eles pediram para que eu deitasse num sofá e puxasse meus joelhos”, então “os médicos prosseguiram a examinação me tateando”, estavam procurando por “testículos escondidos, mas não acharam nada e eu saí”. Uma técnica infame que ficou conhecida como “nude parade”. Outra atleta, Maren Siedler, comentou sobre o controle sexual nos Jogos Pan-Americanos de 1967: “eles nos alinharam fora de uma sala que tinha três médicos sentados atrás de uma mesa, tínhamos que passar por lá, levantar as camisas e abaixar as calças, então você tinha que esperar enquanto eles conferiam e decidiam que estava tudo bem” (D. LARNED, 1976, p. 8 apud Vanessa HEGGIE, 2017, p. 135). Eram procedimentos degradantes defendidos como investigações necessárias para a participação feminina.

Na Olimpíada de Grenoble, em 1968, acontece a primeira ‘verificação de gênero’. Algumas atletas foram selecionadas e encaminhadas para realizar um teste de coleta do material da mucosa bucal para definir o sexo cromossômico (IOC, 1968). Monique Berlioux, editora do IOC Newsletter, escreveu um ano antes um artigo intitulado “Feminilidade” no qual argumenta a favor das testagens sexuais a fim de manter o atletismo feminino no “caminho do progresso” (Alison WRYNN, 2004, p. 222). Eram testes feitos num esforço de verificação de gênero, mas que se construíam por ‘níveis de virilização’, do que deveria ser clinicamente ‘típico’ ou ‘normal’ para mulheres. Por sua vez, esses níveis também estavam sendo delineados no período. A Escala Prader, por exemplo, foi um método criado pelo endocrinologista pediátrico Andrea Prader para mensurar o nível de virilização da genitália humana. Criada em 1954, ainda é uma escala utilizada no ambiente hospitalar para identificar casos de variação intersexual (PIRES, 2015). Outros métodos de inspeção visual foram elaborados nessa mesma época em que evoluções técnicas aconteciam e promoviam a utilização de novas metodologias, como a utilização dos exames cromossômicos. Contudo, os critérios de testagem nunca foram puramente fisiológicos. A ‘construção clínica’ do que era suspeito para atletas mais andrógenas era um fenômeno comum à análise científica da intersexualidade e transexualidade como desvio da normalidade do desenvolvimento sexual (Anne FAUSTO-STERLING, 2000).

Nos Jogos do México 1968, todas as atletas passaram pelo procedimento da coleta de mucosa bucal. Essa preocupação compartilhada com a investigação em torno dos testes sexuais compeliu um campo de saber sobre o sexo e a capacidade atlética das mulheres. Vários artigos médicos começaram a ser publicados no mundo acadêmico. Um editorial do The Journal of the American Medical Association (JAMA) de 1966, intitulado “Introducing the, Uh, Ladies”, sugere à IAAF que implemente os testes de mucosa bucal para assegurar “tanto a dignidade quanto a integridade” das competidoras (PIEPER, 2016, p. 68). Não eram publicações nem opiniões uniformes, os critérios e as técnicas para definir o “verdadeiro sexo” de uma pessoa sempre abarcaram processos plurais e controversos (FOUCAULT, 1980), o problema é que mesmo vozes dissidentes entendiam que existia uma falha com a elegibilidade esportiva de mulheres ‘excessivamente’ masculinas.

A institucionalização dos testes sexuais e antidopagem congregavam esse duplo desconforto, da atleta ambígua com corpo desviante e da atleta masculina com corpo dopado, na tentativa de afastá-las e reforçar somente um modelo desejado de feminilidade. Em Sapporo 1972, um pouco mais de 200 atletas foram investigadas (IOC, 1972b). Em Munique 1972, conduziram 960 testes sexuais ao mesmo tempo que validaram vários certificados de feminilidade preexistentes (IOC, 1972a). Nessas investigações, o material biológico coletado seria avaliado cromossomicamente e somente mulheres com uma combinação do cariótipo de 46, XX seriam consideradas elegíveis.

O chefe da Comissão Médica também atesta algo que se tornou um norte nessa lógica: o objetivo do controle não era ‘determinar’ o sexo de uma atleta, mas ‘assegurar’ que nenhuma mulher tivesse alguma vantagem fisiológica excepcional para a categoria feminina (PIEPER, 2016). Dito de outro modo, o medo mascarado do homem em relação à mulher desaparecia à medida que se racionalizavam as possibilidades de controle através das inseguranças generificadas e insatisfações sociais compartilhadas. O problema hipotético não seria o suposto homem com maior excelência atlética infiltrado em competições femininas, o problema real era o ‘excesso’ dentro da feminilidade, que estava na necessidade de verificar corpos diversos ou atípicos para a categoria, já que não deveriam embaçar a compreensão de superioridade masculina no esporte. O dilema contemporâneo do fair play se deriva desse desconforto de gênero, muito espalhado na vida social, que buscava uma justificativa biológica a fim de legitimar a aparência de neutralidade científica e justiça esportiva.

Em nenhuma das edições houve casos públicos de desqualificação durante os Jogos, mas a investigação passou a ser cada vez mais antecipada pelas federações. Não sabemos indicar quantas histórias foram interrompidas. O que podemos dizer é que as testagens foram implementadas para serem instrumentos protecionistas, sustentadas pela necessidade de segregação ao promover um suposto ‘level playing field’, principalmente quando existia risco de sobreposição ou inversão dos rendimentos esportivos entre os sexos/gêneros. A insistência em proteger o mundo esportivo das atletas soviéticas, comunistas, masculinas ou musculosas demais, tinha profunda correlação com esse confronto de imaginações políticas. A integridade olímpica que se norteia por essa dualidade ‘proteção/suspeição’ impulsionava outras estratégias regulatórias - como os protocolos de antidopagem - que também estavam enraizadas em dinâmicas culturais e expectativas sociais, principalmente nesse ambiente político no qual se proliferavam pânicos morais, controles governamentais e usos cada vez mais intensos de substâncias androgênicas (John HOBERMAN, 2005).

Em síntese, a insatisfação esportiva em integrar a categoria feminina pode ser matizada por uma retórica de proteção que foi se alinhando às tecnologias de controle e aos discursos de suspeição, com a finalidade da atleta ser continuamente investigada, avaliada e identificada. Essa gestão administrativa da categoria feminina se torna mais técnica à medida que os saberes médicos e científicos também ficam mais específicos, mas essa tecnicalidade atravessa concepções particulares na forma de pensar o corpo sexuado, assim como está imersa em debates culturais e conflitos geopolíticos que marcam mais alguns corpos femininos do que outros. Com a persistência desses protocolos, algumas atletas começam a esboçar protestos. Em meio às restrições de participação, aos boicotes olímpicos e ao monitoramento da feminilidade, uma reformulação da justiça esportiva começava a ser imaginada a partir da década de 1980 para dar conta da arbitrariedade dessas regulações.

Quando a suspeita se torna justiça

Em 1984, a Court of Arbitration for Sport (CAS) é estabelecida em Lausanne, na Suíça, pelo novo presidente do COI Juan Antonio Samaranch. Era um momento de ampla transformação do cenário internacional. O paradigma de direitos humanos do pós-guerra começava a ser absorvido pelas instituições esportivas. Em 1981, quase cem anos depois da criação do COI por Pierre de Coubertin e Demetrios Vikelas, finalmente tivemos mulheres eleitas para a entidade, a venezuelana Flor Isava Fonseca e a finlandesa Pirjo Häggman. No ambiente competitivo, os controles da feminilidade não aconteciam apenas com a regulação coercitiva da “masculinidade feminina” (Jack HALBERSTAM, 1998), em modalidades de mais força ou resistência, mas também modulavam as maneiras como a feminilidade mais hegemônica era discutida, visibilizada e reconhecida, como na ginástica rítmica, modalidade muito famosa durante toda a década de 1980.

Nesse sentido, várias versões de feminilidade foram disputadas e definidas nesses espetáculos esportivos. Ainda que as corporalidades femininas não fossem distantes em seus funcionamentos fisiológicos, no fim das contas elas carregavam valores específicos que estavam em confronto com o que seria ‘natural’ e ‘desejável’ para um corpo feminino encarnar e render publicamente. A superioridade atlética se relacionava não somente com a possibilidade do êxito esportivo, mas, principalmente, com a representação material dessa excelência, e se fosse muito viril ou masculina, as dúvidas e os desconfortos eram disseminados nesse escrutínio tanto da feminilidade quanto da pureza das atletas de elite.

Em Montreal 1976, o COI implementa testes para detecção dos esteroides anabolizantes (HENNE, 2014). A nadadora Kornelia Ender, por exemplo, foi bastante questionada por seus resultados avassaladores e por se “parecer com um homem” (PIEPER, 2016, p. 89-91). Anos depois, falou do minucioso programa de dopagem elaborado pelo governo da Alemanha Oriental (PIEPER, 2016). Eram investigações que vinham de suspeitas morais, mas que ganhavam algum tipo de fundamento político-regulatório, seja com as histórias de otimização do Leste Europeu, seja com as descobertas fisiológicas das atletas com variações intersexuais. Essas aparências viris e performances excepcionais produziam dúvidas sobre a autenticidade de seus corpos, rendimentos e premiações. Durante os anos 1980, essa relação entre aperfeiçoamento medicamentoso e regulação tecno-científica se intensifica cada vez mais (HOBERMAN, 2005).

Entretanto, o custo com os testes aumentava à medida que se afinavam os procedimentos e cresciam os alvos. Em Moscou 1980, foram examinadas 995 atletas e validados 200 cartões de feminilidade (IOC, 1980). Grande parte desse orçamento era absorvido pela cidade-sede junto do comitê organizador, de modo que as insatisfações também cresciam. Os representantes dos países reclamavam não ter recursos suficientes para alocar em estruturas, métodos e testes controversos. Alexandre de Mérode - aristocrata belga que foi chefe da Comissão Médica e Antidopagem do COI durante trinta anos - continuava a argumentar que uma linha arbitrária tinha de ser estabelecida. Os burocratas do COI sabiam sobre as nuances genéticas e hormonais que iam além do ‘binarismo de gênero’ consensuado, mas acreditavam que o ‘dimorfismo sexual’ era uma divisão necessária ao propósito do esporte de elite e que sem essa determinação toda competição feminina poderia desaparecer.

De 1980 em diante, uma análise crítica do esporte como campo de atuação do feminino também floresce. Autoras como Helen Lenskyj (1986), Roberta Park e J. A. Mangan (2013), Patricia Vertinsky (1994) e Jennifer Hargreaves (2003) se esforçaram para apresentar outra perspectiva do mundo esportivo. Um campo social que era explicado como uma constituição masculina tão conectada a uma virilidade fundacional que parecia incapaz de se relacionar com o corpo, o interesse ou a participação feminina. Elas destrincharam concepções de feminilidade em jogo dentro da educação física, do lazer e da institucionalização do esporte internacional. Questões como diferenças na fisicalidade, disputas por autoridade e garantia de autonomia das mulheres faziam parte do debate. Começamos, então, a ter uma produção acadêmica sobre a distribuição desigual do poder - através de marcadores sociais como classe, gênero, raça, sexualidade e nacionalidade - na profissionalização desse mundo esportivo.

Institucionalmente, acompanhamos o espanhol Samaranch assumir a presidência do COI após o boicote de Moscou 1980. Ele exerceu a presidência até 2001 e seus mandatos foram caracterizados pela intensa comercialização e privatização dos Jogos, culminando com o sucesso financeiro de Los Angeles 1984 e com o acolhimento turístico e midiático de Barcelona 1992 (Jules BOYKOFF, 2016). Foi justamente na Espanha que surgiu uma das controvérsias mais emblemáticas das regulações de feminilidade. Em 1983, no Campeonato Mundial de Atletismo, a corredora espanhola María José Martínez-Patiño foi examinada e ganhou um certificado de feminilidade. Mas, em 1985, quando se preparava para competir na Summer Universiade, no Japão, foi obrigada a passar por um novo exame. Dessa vez notaram uma alteração em sua composição cromossômica. Então foi aconselhada a fingir um ferimento e se desligar discretamente da competição. Devastada, ela consentiu. No ano seguinte, novamente sugeriram que ela simulasse um machucado para evitar o Campeonato de España de Atletismo. Martínez-Patiño se recusou, competiu no evento e ganhou na modalidade 60 metros com barreiras. Logo em seguida, seus dados médicos vazaram. Ela sofreu uma avalanche de críticas e ameaças, além de perder sua residência atlética, bolsa de estudos e recordes (MARTÍNEZ-PATIÑO, 2005). Em entrevistas subsequentes, a atleta conta como sua privacidade foi violada a ponto de ter destruído seu noivado e sua carreira esportiva.

Nesse período, do protocolo de exame com certificado de feminilidade, algumas críticas começaram a aparecer até no meio médico e científico. O geneticista Albert de la Chapelle reclamava abertamente das instituições esportivas pela escolha do exame da mucosa bucal, considerado “falho” e “impreciso” (CHAPELLE, 1986). Chapelle faz contato com Martínez-Patiño, que consegue recuperar sua elegibilidade, mas não recompõe um ritmo físico adequado a fim de qualificar para as Olimpíadas de 1992. O geneticista continua se articulando para alterar as políticas regulatórias com cartas enviadas aos gestores olímpicos. São vários documentos trocados entre os mandatários e médicos proeminentes da época. O próprio John Money, psicólogo responsável pela produção de diversos protocolos de manejo clínico e cirúrgico da intersexualidade (Marina CORTEZ, 2015), trocou cartas com o endocrinologista pediátrico Myron Genel (PIEPER, 2016, p. 142), que auxiliou na implementação das regulações de feminilidade mais atuais (IOC, 2003). Ambos criticavam “a arbitrariedade e o totalitarismo” dessas políticas regulatórias.

Mesmo assim, é importante pontuar que esses profissionais criticavam métodos, não embasamentos. Eles acreditavam que a durabilidade do esporte de alto rendimento pedia alguma regulação para manutenção do fair play e da justiça. Praticamente todos advogavam pela implementação de algum tipo de ‘exame visual’ do corpo da atleta. Arne Ljungqvist, membro tanto da IAAF quanto do COI - em certo momento também vice-presidente da World Anti-Doping Agency (WADA) -, se posiciona contra os exames de mucosa bucal. O médico sueco passou boa parte de sua atuação como gestor esportivo pleiteando uma renovação (nota-se, uma ‘renovação’, não um ‘desmantelamento’) da verificação de gênero (Arne LJUNGQVIST; Joe Leigh SIMPSON, 1992; LJUNGQVIST, 2018).

Mesmo com as pressões, o COI manteve sua regulação. Um Grupo de Trabalho foi criado para lidar com essas controvérsias, mas enquanto Mérode insistia no teste da cromatina sexual, Ljungqvist juntamente com outros geneticistas, como Albert de la Chapelle, argumentavam pela reintrodução dos exames clínicos (PIEPER, 2016). Ljungqvist também organiza outro Grupo de Trabalho pela federação de atletismo, evidenciando um descontentamento com as políticas olímpicas. Especialistas de vários países se reuniram em Mônaco para discutir os benefícios e problemas do controle da feminilidade no esporte. O primeiro encaminhamento foi que a IAAF decide abandonar o teste da cromatina sexual, substituindo a investigação por um exame visual que seria feito em dois níveis: a partir do escrutínio do teste antidopagem, que necessitava de uma inspeção visual no momento da coleta de urina da atleta, assim como do escrutínio do exame físico eventual, que esclareceria as diferenças generificadas no corpo de cada atleta. Mas, em 1992, depois do impacto negativo dessa testagem, a federação desiste mais uma vez do procedimento.

Do outro lado, o COI escolhe aprofundar seu método de testagem. Na Olimpíada de Albertville 1992, a entidade introduz o teste de reação em cadeia da polimerase (polymerase chain reaction - PCR), na época um método inovador, mas também controverso pela facilidade de contaminação da amostra. Antes dos Jogos, um grupo de 22 cientistas franceses fizeram um abaixo assinado denunciando o exame (PIEPER, 2016). Ainda assim, como toda a regulação vista até o momento, a testagem genética se repete tanto em Albertville quanto em Barcelona. Os médicos responsáveis pela Olimpíada de Inverno afirmaram que o teste era necessário para a identificação e a remoção de ‘transexuais’ no esporte (PIEPER, 2016). Já em Atlanta 1996, entre 3.387 e 3.626 atletas foram inspecionadas (IOC, 1996). Oito atletas foram investigadas mais detidamente. O relatório dos Jogos registra que todas as atletas foram liberadas para competir. Uma constatação conflituosa quando lembramos da ex-judoca Edinanci Silva, na época competidora pelo time do Brasil, que passou por uma investigação de feminilidade ainda no país para ser elegível na Olimpíada (PIRES, 2020b).

Essas instituições esportivas mantiveram, por muito tempo, regulações duramente criticadas e procedimentos reconhecidamente invasivos para determinar a elegibilidade feminina. Somente em 1999, com uma recomendação feita pela própria Comissão dos Atletas (Myron GENEL, 2000), é que a entidade olímpica anuncia o fim de suas políticas regulatórias. O Conselho Executivo do COI formaliza a proposta em votação, escolhendo fortalecer os protocolos antidopagem, ao mesmo tempo que encerra os testes sexuais “de maneira experimental” para Sydney 2000 (PIEPER, 2016).

É interessante notar que durante a presidência de Samaranch a justificativa dada para a aplicação dessas regulações esportivas foi se transformando. Na superfície, o COI não buscava mais condenar atletas amadores, banir comportamentos não virtuosos ou descobrir homens mascarados de mulheres. A entidade passou a produzir um discurso sobre ‘justiça’ e ‘equidade’ dentro do paradigma de direitos humanos fortalecido após a Segunda Guerra Mundial. As categorias iniciais de ‘proteção’ e ‘suspeição’ se emaranhavam no novo sistema de normas, moralidades e economias contemporâneas. O comprometimento com os direitos dos atletas se traduziu em oportunidades, como a inserção feminina na máquina administrativa da entidade ou a consolidação dos grupos de interesse e defesa dos atletas. A criação da WADA, em 1999, também foi motivada pela transformação das prerrogativas protetivas nesse cenário esportivo mais otimizado.

Nesse sentido, as reorganizações institucionais na arena da política internacional foram fundamentais para a suspensão (ainda que momentânea) dos protocolos feitos para regular atletas, seus corpos e suas feminilidades. Esse enquadramento jurídico continuou a se fortalecer com a Convenção Internacional contra o Doping no Esporte promovida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 2005. Como alguns governos não podiam se submeter legalmente aos documentos não governamentais das entidades esportivas, como o World Anti-Doping Code, a Convenção Internacional possibilitou a ratificação individual dos países a partir do primeiro tratado internacional contra o doping no esporte, de modo que é nessa complicada interseção entre governos nacionais e entidades privadas com interesses ora se afunilando, ora se sobrepondo, que novos problemas se formam em torno da regulação da feminilidade no esporte.

Considerações finais: a ansiedade em controlar o sexo/gênero

Para finalizar esta sumarização, gostaria de indicar que o entrelaçamento das regulações de feminilidade e antidopagem em modelos mais contemporâneos dizem muito sobre a circulação de normas, valores e consensos em torno do mundo moral e fisiológico dos ‘sujeitos de direitos’. As ciências, os protocolos e as tecnologias que informam as regulações de feminilidade que acompanhamos estão embebidas nesse processo mais amplo de suposição, compreensão e tradução da realidade. Uma realidade histórica e material em que o sexo ainda se constitui por meio de conteúdos culturais marcados por hierarquias sociais.

Nesse sentido, a dificuldade de implementar procedimentos justos ou éticos que sustentem a investigação de corpos femininos para promoção de equidade esportiva esbarra na própria ansiedade em controlar o sexo/gênero das atletas. Uma gestão que mantém seu teor discriminatório porque se fundamenta especulativamente em normas generificadas, desigualdades geopolíticas e racionalidades biomédicas.4 Mais além, podemos notar que mesmo os consensos científicos usados nos protocolos costumam ser frágeis, por vezes até contraditórios (Katrina KARKAZIS et al., 2012), de modo que os acionamentos técnicos e biológicos surgem mais como mitos essencializantes do que como sistemas de conhecimento ou modos de representação.

O interesse implícito dessa gestão esportiva se manifesta no controle de fronteiras sociais e sexuais que estão imbuídas de valor (Wagner CAMARGO; Cláudia KESSLER, 2017). O peso dado à antidopagem nessas últimas décadas centralizou a discussão contemporânea na forma dos hormônios (Viviane SILVEIRA; Alexandre VAZ, 2014). Por isso, a testosterona se torna o marcador biológico da vez, porém, os critérios ou as escolhas feitas tecnicamente foram moralmente direcionadas. Lembremos da vagarosa inclusão das mulheres nos esportes de alto rendimento, principalmente em modalidades mais atléticas ou com mais demonstração de força. O halterofilismo, presente desde o começo das Olimpíadas, somente foi permitido para a categoria feminina em Sydney 2000. Afinal, essa suposição de que a capacidade esportiva é inerente e mais poderosa nos homens do que nas mulheres ainda norteia toda a agenda regulatória do esporte internacional.5 Uma racionalidade que vai se intensificar com a naturalização das diferenças pela substancialização de uma normalidade hormonal (ROHDEN, 2008).

Em síntese, são políticas generificadas e regulações sexuais que não se findam. Existem protocolos mais atuais que estabelecem novas investigações, verdades e restrições às atletas, pois esse controle regulatório se refaz toda vez que as ansiedades em torno do sexo, do gênero e da sexualidade transbordam mais do que as expectativas sociais compartilhadas sobre o que mulheres podem fazer (e os limites desse fazer) em termos biológicos e sociais. Dito isso, é preciso lembrar que tanto a racionalidade científica quanto a operacionalização somática dessas técnicas e protocolos devem estar situadas historicamente (Donna HARAWAY, 1995). O controle atlético proposto pelas instituições esportivas, por meio de análises morais e procedimentos coercitivos, não deveria ser um pré-requisito para a manutenção da crença ou aderência ao dimorfismo sexual. No entanto, a ‘integridade’ que organiza o sistema binário de sexo/gênero se mantém especialmente sólida através do esforço de preservação unitária frente à diversidade da realidade vivida - dentro e fora do esporte. Podemos recordar da análise clássica de Mary Douglas (2012, p. 153) sobre a gestão do perigo, uma vez que “os limites ameaçados do corpo político estariam bem refletidos” na “preocupação” moral do ordenamento social através da “integridade, unidade e pureza do corpo físico”.

Trata-se de um esforço de purificação que pode ser traduzido pela regulação das fronteiras biológicas de certos corpos, como também pela socialização dos sujeitos às normas generificadas de cada época. Todavia, atletas que foram designadas ao nascer como meninas, cresceram e viveram como mulheres, conheceram a destreza de seus corpos a ponto de utilizarem suas musculaturas, habilidades e forças para competir em alto rendimento, não podem ser devassadas para serem conformadas a um tipo específico de feminilidade. Devemos nos perguntar: como ainda é possível manter a composição desse enquadramento moral no mundo esportivo usando da ‘imaginação binária’ e da ‘violência de gênero’ para assegurar sua estabilidade? Em alguns momentos celebrando a excepcionalidade da diferença em corpos femininos, mas normalmente marcando, corrigindo ou banindo corpos considerados atípicos e excessivamente masculinos. São casos de violações de gênero que não podemos esquecer e que complexificam as histórias correntes e positivas de integração social pelo mundo esportivo.

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1Como esclareço na tese (PIRES, 2020a), essas variações biológicas podem aparecer em termos cromossômicos, mas também em diversos genes, que então transcrevem desenvolvimentos e funcionamentos diferentes ao que seria ‘típico’ para o corpo humano. Pessoas que nascem com alguma variação de intersexualidade podem apresentar mudanças na forma e funcionalidade da genitália ou do aparelho reprodutor, assim como nos tipos e níveis dos hormônios, além da capacidade de o organismo responder plenamente à ação dessas substâncias.

2Ainda assim, essa coerência moderna entre virilidade, capacidade atlética e masculinidade é um ponto nodal da minha análise em relação às regulações de feminilidade dentro da categoria feminina, especialmente quando investigam mulheres com variações intersexuais, pois tendem a borrar biologicamente essas fronteiras morais e sociais. Para saber mais, principalmente as versões regulatórias mais atuais, ver Pires (2020a).

3Apesar de a entidade ter modificado seu nome para World Athletics no fim de 2019, em toda a documentação que compõe este artigo consta como IAAF, por isso mantenho a utilização da sigla mais antiga.

4Numa das mediações que a CAS julgou decorrente das regulações de feminilidade, no caso da sul-africana Caster Semenya contra a IAAF, a própria entidade assumiu essa qualificação por entender que a discriminação do sexo/gênero deve ser um nivelamento “necessário, razoável e proporcional” para a manutenção da “justiça” e “integridade” do esporte feminino. Ver mais em Pires (2020a).

5Por motivos de limitação textual, algumas análises não puderam entrar no artigo, mas vale mencionar que ao longo da tese me dedico a pesquisar artigos científicos e estudos clínicos mais contemporâneos sobre vantagem hormonal e rendimento atlético, assim como esmiúço as controvérsias subsequentes dessas articulações com a contínua racionalização técnica e moral de políticas regulatórias baseadas em marcadores sociais como gênero, raça, sexualidade e nacionalidade.

Como citar este artigo de acordo com as normas da revista: PIRES, Barbara Gomes. “Pânicos de gênero, tecnologias de corpo: regulações da feminilidade no esporte”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 2, e79320, 2021

Financiamento: Não se aplica

Consentimento de uso de imagem: Não se aplica

Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica

Recebido: 03 de Fevereiro de 2021; Aceito: 29 de Abril de 2021

barbaragomespires@gmail.com

Barbara Gomes Pires (barbaragomespires@gmail.com) é pesquisadora em estágio pós-doutoral no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ). Doutora em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/MN/UFRJ). Integra o Núcleo de Estudos em Corpos, Gêneros e Sexualidades (NuSEX) e o Observatório Intersexo. Pesquisa experiências de intersexualidade na ciência, no hospital e no esporte

Contribuição de autoria: Não se aplica

Conflito de interesses: Não se aplica

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